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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

ELIAS, O GÊNIO


Medusa after Caravaggio, de Vik Muniz


Elias mal completara vinte e três anos quando teve a grande ideia de sua vida: dali em diante, nunca mais tomaria banho. Claro que não foi uma decisão fácil; ele pensara durante um bom tempo antes de finalmente abraçar a causa. A iniciativa tinha que vir de alguém. E para que serve tanto banho, afinal? Neste mundo movido a inovações mirabolantes e sucessos instantâneos, Elias percebeu que o melhor seria radicalizar para se destacar. Punha os motivos nos dedos toda vez que alguém o questionava e acreditava piamente neles. De onde vinha aquela maluquice? Do mesmo lugar de onde vêm todas as outras: da necessidade de satisfazer a ambição.

No começo, todos acharam que era coisa de jovem rebelde, que passaria logo. Onde já se viu alguém deixar de tomar banho? Nem os franceses são tão enfáticos. Porém, quando os primeiros indícios de seriedade começaram a aparecer – dava para sentir de longe –, vieram também as expressões fechadas e os olhares incrédulos. Perplexos. Só que Elias não via maiores problemas na falta de banho, tanto que pregava o costume com a maior convicção.

Já pensou no tempo que se perde diariamente debaixo do chuveiro? Ou, pior ainda, imerso na banheira? Imerso na banheira! Sim, tempo precioso. Tudo é movido a tempo hoje em dia. Agora, some a esse tempo as horas que você desperdiça dormindo. Assusta, né? Então, continuando a somar, considere uma generosa dose de trânsito. Atrasos. Salas de espera. E, já ia me esquecendo: você come, certo? Argh... café-da-manhã, almoço, jantar, lanches. E mais trânsito! Foi aí que Elias resolveu não tomar outro banho. Nenhumzinho, nem daqueles "de gato", com canequinha.

Que maravilha! Muitos minutos extras para os dias conturbados. Muitos minutos extras para os dias sossegados. O tempo de Elias rendia que era uma beleza. Ele produziu mais, ganhou aumento. Leu mais, ficou inteligente. Sua fórmula começou a atiçar a curiosidade dos amigos; afinal, o cheiro não incomodava tanto, principalmente quando comparado àquele sucesso repentino.

Então, os mais chegados começaram a se esquecer do banho também. Ora, não é que o dia se multiplicava mesmo? Não demorou muito para a corrente cair na imprensa e o mundo inteiro deixar o banho para a história. Elias era um marco.

As fábricas de chuveiro faliram, pois é. Mas sempre existem os espertos oportunistas e uma enorme gama de novos produtos invadiu o mercado. Sachês perfumados, lencinhos umedecidos, pregadores coloridos colecionáveis, colônias, desencrustantes. O ser humano se adapta fácil.

O único que odiou a moda foi Elias, pois todos se igualaram a ele novamente. Pior: revogaram seu aumento! Claro, a produção individual se normalizou, todos voltaram ao mesmo nível, era justo que voltassem também ao mesmo barco. Salário mais alto causaria discórdia, veja bem, foi o que disseram. Reconhecimento? Bah. Welcome to the jungle.

Então, certo dia, Elias teve outra ideia genial: deixar de dormir!

Ah, humanidade...

Um mês de olheiras e o salário de Elias tornara a ser digno. Virava noites e mais noites no escritório. Contava vantagem. Estava feliz.

Não quis deixar que seu segredo se espalhasse, não queria que todos o copiassem mais uma vez, mas foi em vão. Era complicado demais esconder a verdade, mesmo debaixo daquele cascão. Tinha que mudar a estratégia e sempre se adiantar, inventar as tendências ao invés de se moldar a elas.

Então, quando as pessoas começaram a passar noites em claro, Elias aposentou a escova de dentes. Na sequência, vieram as roupas. Por fim, a televisão. Inteligentíssimo, ousado e empreendedor, Elias prosperava. Centenas, milhares, milhões. Elias estava sempre um passo à frente, era quem abria a trilha rumo ao futuro. O mundo o proclamava ídolo, celebridade incontestável.

Elias adorava a mídia, embora não conseguisse se dedicar a ela. Seu tempo estava todo concentrado em obter mais tempo.

Porém, como nem tudo são flores – e as flores murcham depois de colhidas –, todos alcançavam Elias rapidamente e ficavam parecidos com ele. Qualquer um tinha as mesmas vantagens a oferecer. Ele ficou bravo. Entrou em depressão, quase enfartou. Como podiam copiá-lo assim, descaradamente? Precisava se diferenciar de alguma maneira, precisava de uma saída inovadora, uma nova ideia genial.

Então Elias deixou de comer.


Publicado originalmente em: CCSP