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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

“Aprendi que, quando falam de mim, fãs e desafetos estão falando de si mesmos, do modo como encaram as relações, os problemas, os sonhos. Sirvo apenas de pretexto.”

Marisa Monte em entrevista à revista Bravo! nº 181 (setembro de 2012).

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

CENSURAR A PRÓPRIA BOCA JÁ É UM BOM COMEÇO

Clique na imagem para ampliá-la. Fonte: Metro São Paulo nº 1396 (27/9/2012).

Algumas curiosidades sobre a classificação indicativa de filmes no Brasil:

• Se há usuário de drogas, você só pode assistir se tiver mais de 10 anos. Se o usuário de drogas se dá bem, você precisa ter 14 anos.

• Se tem estupro no filme, você precisa ter 16 anos para assistir. Mas se o estupro é consequência de uma paixão, só entra no cinema com 18 anos ou mais.

• Com 12 anos, você pode ver alguém pelado, mas só de perfil. Se o pelado ficar de frente para a câmera, você precisa ser 2 anos mais velho.

Apesar de todas essas peculiaridades, é prudente avisar – em especial o senhor deputado Protógenes Queiroz – que a censura às artes quem faz é o próprio público, que assiste àquilo que quiser. Se você não quiser ver determinado filme, simplesmente não vá ao cinema e deixe o assento livre para quem se interessar. Se você não quer que seu filho de 11 anos veja prostituição e uso de drogas, não o leve para ver um filme "não recomendado para menores de 16 anos", como foi o caso. E também não o deixe assistir TV, sair de casa com os amigos, ler jornais e acessar a internet. Ao invés disso, compre uma casa com masmorra.

Ou, se você tiver um mínimo de consideração pelas outras pessoas, faça valer seu cargo público e tente construir um Brasil mais decente ao invés de ficar falando bobagens no Congresso e na imprensa.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

VOLÚVEL

Pintura 63 (2009)
Eu tento ler as histórias contidas naquelas finas camadas de tinta, que se escondem umas sob as outras, tímidas. A narrativa potencial que hiberna enquanto aguarda a presença do observador para, só então, se revelar. Uma nova relação a cada olhar, um novo espetáculo de sensações. As pinturas de Felipe Góes se fazem e desfazem diante de nós, paisagens emocionais vêm à tona e depois mergulham de volta no desconhecido. As manchas se desmancham. Solidez tornada translucidez. Os devaneios são livres para caminhar por grandes campos de cor, desbravando matas virgens, territórios em formação constante. Vemos a força da cor se sobressair à fragilidade do assunto. A cor como grande potência criadora, disposta na tela em pinceladas sugestivas.

Até os títulos são abstratos, porque determinar uma palavra oprimiria outras conexões, narrativas que jamais germinariam. É algo que o artista não quer. "A paisagem, em sua infinidade de possibilidades, aceita proposições pictóricas das mais implausíveis e abstratas", diz ele. Suas pinturas são assim, abertas à reflexão, prontas para realizar desejos, prontas para ouvir. Basta se colocar diante delas e deixar o pensamento flanar; mergulhar, deixar-se contagiar, permitir que a experiência se realize num afluxo de sensações. Ida e volta.

Pintura 70 (2010)
São imagens lentas, que não se sujeitam à imposição do relógio ou à impaciência do público. Elas têm o seu próprio tempo e, para que possamos nos relacionar, precisamos sintonizá-lo, estar em sincronia. O tempo da pintura de Felipe Góes é aquele da percepção e da apreensão: singular, individual, livre. Inicia-se quando o raciocínio lógico cede espaço à imaginação. As cores são plácidas, quase meditativas, exatamente o oposto da saturação publicitária, cujas imagens se pautam na sedução imediata e na decodificação fácil. O conceito está impregnado naquelas pinturas, porém não se revela a troco de nada. Exige concentração. O pensamento demora a se formar e jamais se completa, está sempre se fazendo e refazendo. Para ser aberta, a obra precisa se manter viva, pulsante. Não pode se deixar reduzir.

Pintura 86 (2010)
Eu tento ler suas histórias, mas elas são volúveis; logo se misturam sem conclusão, não resultam numa moral. Recriam-se. Assim como seus campos de cor se apresentam sem limites discerníveis, suas verdades têm algo de imprevisível. Pois, quando uma ideia se solidifica, quando não pode mais ser permeada por conexões, ser contestada ou se transformar, ela já não serve mais, virou matéria inanimada. Morreu. O pensamento é um organismo em mutação. Tem vida própria, não se sujeita apenas às nossas vontades. Está contido no mundo. Pintar é também uma maneira de pensar. Sempre há espaço para uma nova pincelada, um retoque aqui, outro ali. Se existe uma certeza, uma só, é a de que toda certeza é efêmera. Quando voltamos a ela, já virou outra coisa, já ganhou uma nova cor.



Leia também Translucidez, texto que consta no folder e que dá nome à exposição de Felipe Góes na Galeria Ondas do Yapó (Castro/PR).

TRANSLUCIDEZ

Convite da exposição. Clique para ampliar.
Nas pinturas de Felipe Góes, a palavra translucidez apresenta dois significados. O primeiro é imediato: refere-se às finas camadas de tinta acrílica que, de tão diluída, ganha semelhanças visuais com aquarela. A técnica permite ver além da superfície do quadro. No entanto, não se trata de um retorno àquele campo de representação tradicional que os concretistas brasileiros tentaram superar. Esse "ver além" se direciona à subjetividade, à experiência sensível do observador, que percebe nas obras um mundo particular, contido dentro de si mesmo, do seu "eu" interior. Trata-se de uma realidade paralela, posta em relação com aquela da superfície pictórica. Ela vem à tona porque as pinturas de Felipe propõem sugestões ao invés de afirmações; outro registro de verdade, sem pretensão de ser absoluta. Muitas verdades permeiam a obra, mancham e se desmancham num rápido passar de olhos, vêm "desafiar sua existência em meio a grandes campos de cor", como disse o artista certa vez.

Isso nos leva ao segundo significado possível da palavra translucidez, que se refere à transição ou à transposição de uma lucidez para outra. Aquele sentido ambíguo que não se encontra estagnado numa porção de tinta, mas que é efêmero, que dura o tempo da percepção e nem um segundo a mais. A lucidez que não se encerra em contornos ou fronteiras, pois os territórios são tão profusos que é quase impossível determinar onde termina uma cor e começa outra. As pinturas habitam uma zona de indiscernibilidade muito própria da experiência criativa, onde estão potencializadas infinitas narrativas, aguardando que alguém se ponha diante das telas e permita ao oculto vir à superfície. É possível fazer uma série de conexões a partir daquilo que o artista deixa sugerido; uma crítica à nossa rigidez de pensamento. Metáfora apropriada para mostrar que nossas crenças são baseadas em registros imprecisos e interpretações subjetivas. Toda solidez é permeável. Basta querer ver.

Leia também o texto Volúvel, escrito especialmente para a internet por ocasião da mostra Translucidez.

sábado, 15 de setembro de 2012

SEMPRE EM FRENTE

Pode parecer meio tolo se eu simplesmente contar, tentando descrever a obra. Vão devolver aquela típica questão de quem acabou de chegar: isso é arte? Como se a arte precisasse de justificativa para existir. A descrição pode parecer meio tola porque não basta ler, é preciso experimentar. Caminhando (1964), de Lygia Clark, é uma obra de arte que se realiza no ato. Você pega uma tira de papel e junta as pontas para formar um círculo. Antes, porém, gira uma delas e a cola do lado contrário, de modo que esse círculo se transforme numa fita de Moebius, da qual não se pode dizer onde é o dentro e onde é o fora. Vamos, você já deve ter feito isso na escola, acho que sabe do que estou falando.

Caminhando (1964), de Lygia Clark

Pois bem, agora você pega uma tesoura, faz um furo no papel e começa a cortar no sentido do comprimento, circulando por toda a extensão da tira, fazendo uma volta completa. Só não pode dividi-la em duas, ok? Portanto, quando estiver próximo do início, você deverá decidir se continua pela direita ou pela esquerda do corte que acabou de fazer. “Esta noção de escolha é decisiva, o único sentido dessa experiência reside no ato de fazê-la. A obra é o seu ato”, explica o filósofo Ricardo Fabbrini no ótimo livro chamado O espaço de Lygia Clark.

Aos poucos, vamos entendendo a proposta, os sentidos emergem. Percebemos o significado na própria ação de percorrer a tira de papel com a tesoura, esse gesto efêmero com o qual você constrói seu próprio caminho. Diga-me se não é uma metáfora útil para a vida! Sim, vamos caminhando sempre em frente, tudo o que experimentamos é único e não se repete, não se pode voltar atrás. As marcas das nossas atitudes, as consequências das nossas escolhas ficam registradas ali para sempre, transformam o papel de um jeito que ele jamais será o mesmo novamente. Caminhamos sempre em frente, é a única possibilidade. Mesmo que se queira reverter uma escolha mal feita, talvez colando as tiras de papel com fita adesiva, restará uma marca aparente, a cicatriz do gesto, algo que jamais nos deixará esquecer o que passou.

Caminhando (detalhe)
A importância das escolhas que fazemos ao longo da vida fica evidente em Caminhando. Ao cortar uma tira de papel com a tesoura, o pensamento flui, passamos então a compreender melhor nossos passos. Tomar conhecimento dos próprios atos é uma maneira de escapar da banalidade do dia a dia, de não sucumbir à rotina. Trata-se de um ato criador em que o participante se encontra tão envolvido consigo mesmo que sequer nota a presença da artista e do objeto de arte. Sujeito e obra estão integrados, são uma coisa só. A participação não se resume a uma atitude comportamental, ela é condição da experiência. Nesse sentido, Caminhando é também uma tentativa de negação do objeto artístico. Uma tentativa de transformar o produto num gesto para livrá-lo dos fetiches e das vaidades do mercado. Uma proposição estética e política. Sim, isso é arte, sem dúvida. Mas a arte não é só isso.

Lygia Clark criou Caminhando há quase meio século, e ainda hoje as pessoas em geral têm dificuldade de lidar com esse tipo de produção que não se pendura na parede ou apoia em pedestais. Como sugeriu o crítico Ronaldo Brito nos seminários que inauguraram a retrospectiva da artista no Itaú Cultural, em São Paulo, ela projetou uma sombra para frente – quer dizer, tentou vencer os limites da arte com obras que superam a própria ideia de obra.

Lygia nos incentiva a seguir em frente, abrindo novos caminhos, buscando descobrir possibilidades. Não é fácil. Afinal, estabelecer-se num ponto qualquer e permanecer ali é cômodo; ficar estagnado naquele ponto final que não leva mais a lugar algum é uma grande bobagem que a gente tende a cometer o tempo todo. A vida é um processo, a criação é um ato, tudo o que produzimos nasce de um gesto. Quando a materialidade se esgota – e um dia ela há de se esgotar, você verá –, apenas o gesto sobrevive. São as nossas ações que permanecerão no mundo quando nós não estivermos mais. Tudo o que fazemos, é isso que ficará, é a marca que deixaremos.

Enfim, não basta ler a respeito de Caminhando, é preciso experimentar. Com essa proposta tão simples de ser realizada, Lygia Clark permite que tomemos conhecimento de nossas ações. Mais do que isso, ela nos dá um belo empurrão para enfrentarmos com sabedoria o caminho tortuoso que precisamos percorrer.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

PARA CONTAR ARTISTICAMENTE ATÉ TRÊS:

1. Caminhar,
2. Relacionar,
3. Produzir.

Fórmula proposta pelo artista mexicano Moris em entrevista concedida ao núcleo educativo da 30ª Bienal de Artes de São Paulo (talvez não exatamente desta forma). Veja só:


Para saber mais sobre ele, acesse Moris na 30ª Bienal