tag:blogger.com,1999:blog-86591795677165701072024-03-13T17:35:13.691-03:00arte faz parteBlog do escritor Eduardo A. A. Almeida, onde se encontram apanhados poéticos, acasos, notas, errâncias, contratempos, ficções, enfim, arte.Eduardo A. A. Almeidahttp://www.blogger.com/profile/05787867832002384669noreply@blogger.comBlogger895125tag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-17121682141586981882024-01-19T11:29:00.005-03:002024-01-19T11:29:46.523-03:00COMO FAZER AMOR NOS TEMPOS DA CÓLERA? <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhT6y_msdI1GIkwNErA0XsoloR_gZtgBTXwmMfzaRX1a02gh_FbplMd8E7mRPTg4W60haNA06wWObhX0ZRnbkrTVBJ6okzVtMpwjM95ah9_RBSyB4usWSoxu-FmT9VgzSS7XQsTQbvHWpnQl9uD7EJKa8zYn_svxSi3h_I5bAHXZ9EhES4loaXf5WML0W8" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img alt="" data-original-height="551" data-original-width="980" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhT6y_msdI1GIkwNErA0XsoloR_gZtgBTXwmMfzaRX1a02gh_FbplMd8E7mRPTg4W60haNA06wWObhX0ZRnbkrTVBJ6okzVtMpwjM95ah9_RBSyB4usWSoxu-FmT9VgzSS7XQsTQbvHWpnQl9uD7EJKa8zYn_svxSi3h_I5bAHXZ9EhES4loaXf5WML0W8=w640-h360" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Saiba mais no <a href="https://www.quelonio.com.br/product-page/fazer-amorno-s%C3%A9culo-xxi-clarice-dall-agnol" target="_blank">site da editora Quelônio</a></td></tr></tbody></table><div style="text-align: left;"><br />Com o perdão da paródia, essa pergunta foi uma das que me
ocorreram enquanto lia <i>Fazer amor no século XX</i>, de <a href="https://www.instagram.com/clariceddallagnol/" target="_blank">Clarice Dall’Agnol</a>,
editado no fim de 2023 pela Quelônio.</div><div style="text-align: left;"><br />O livro é na verdade uma plaquete com 44 páginas e 33
poemas. Obra que, já de início, chama atenção pela coragem. Afinal, a
humanidade tomou caminhos tão bizarros – guerras, ameaças nucleares, pobreza,
extremismos políticos etc. – que falar de amor agora é seguir na contramão. Ou,
no mínimo, um gesto anacrônico. E logo esse assunto tão enraizado na história
da literatura!</div><div style="text-align: left;"><br />É bonito porque encontramos ali amores variados, que escapam
do sentimentalismo pasteurizado comum em romances “água com açúcar”, filmes,
músicas, reflexões de redes sociais etc. São amores alegres, dramáticos,
inquietantes, voluptuosos, perturbadores, dolorosos, motivadores, sutis,
cativantes, poderosos, que vão alinhavando diferenças e aproximações. E que
ganham forma na companhia de outros temas, como o mar, o sul, o corpo, a
memória, as amizades, o ofício da poetisa.</div><div style="text-align: left;"><br />Clarice produziu um livro tocante. Que traz ainda a
qualidade de ter a medida exata – falar demais sobre o amor pode ser um perigo!
Assim, também paro por aqui, deixando o convite a quem quiser experimentar a
leitura.</div><div style="text-align: left;"><br />Passo a palavra à autora, que foi muito gentil em responder
às perguntas a seguir.<br /><o:p> <br /></o:p><b>Por que fazer amor – e falar de amor – no século XXI?<br /></b>E por que não fazer? Ou falar? Penso que mesmo que muito se
tenha falado e escrito sobre o amor ao longo da história universal, ainda
assim, não foi o suficiente, ou não estaríamos vivendo uma imensa (e coletiva!)
crise existencial, emocional, de valores, de intenções, de finalidades. Nossa
geração teme amar, porque teme também o desfazimento do amar. Evitamos amar,
para não sentir tanto, e, assim, não sofrer decepções. Sempre costumo dizer que
“amo até a última gota” (e essa frase também já foi morar em meus versos):
sinto em demasia, e justo porque o ato de amar (e igualmente o de deixar de
amar, ou de ser amada) são alimentos para minha poesia. “Porque demais
sinto/muito me derramo em palavras”, digo em meu poema “À Flor da Pele”. Não
tenho medo nenhum de amar (ou de escrever sobre o amor), e acredito que
transmutar esse meu “não medo” do amor em poesia pode, de algum modo, convidar
quem me lê a experimentar mais intensamente as variadas formas de amor que se
apresentam nestes tempos tão fluidos e complexos em que vivemos, principalmente
no mundo pós-pandêmico. Duas de minhas maiores influências poéticas, Sylvia
Plath e Ana Cristina Cesar, que fizeram poesia confessional como poucas,
ensinaram-me a me libertar de toda e qualquer amarra em prol de um constante
resgate do que em mim mais recolhido (porém, pulsante) está. Precisamos seguir
amando sem fronteiras, para nunca deixar de escrever sobre amar, e sobre o
amor, porque, ao final, é sempre ele que desata os mais intricados nós. E
desata-nos, desvenda-nos.<br /><o:p> <br /></o:p><b>Seu livro evoca amores diversos – de juventude, de
memória, de mãe, de amigos, platônico, vividos ou observados, entre outros –
sem, contudo, recair em lugares-comuns. Qual é o seu segredo para reinventar o
amor em poesia?<br /></b>Conforta-me ouvir que meus poemas sobre o amor não soam como
lugares-comuns. Não que isso tenha sido uma preocupação consciente ao longo de
meu processo de escrita desses poemas, porém, reconheço que não é tarefa fácil
fugir de clichês quando se fala de amor em poesia. Enquanto escrevo esta
resposta, neste exato momento, penso que talvez o segredo para essa reinvenção
do amor em poesia, sem que meus versos se tornem simplórios - mas que sigam
sendo sempre singelos, porque, como leitora desde a infância de meu
conterrâneo, o mestre Mario Quintana, penso que é na simplicidade que reside o
mais belo e profundo do fazer poético – o segredo é justo livrar-me de qualquer
censor interno que possa ceifar o que há em mim de mais genuinamente
confessional. Se eu não puder ouvir minha voz poética mais livre e autêntica,
não serei mais capaz de escrever poesia. Tudo o que me amarra me impede de
criar.<br /><o:p> <br /></o:p><b>Algumas das dedicatórias que acompanham os poemas trazem
homenagens a mulheres (“an amazing and smart girl-woman” ou “a mais incrível
das mulheres”, por exemplo). O amor é um poder – e talvez um território –
feminino?<br /></b>Adorei essa frase! Daria um baita poema. Arrisco-me a dizer
que o amor sempre foi um poder (e, sim, um território feminino!), porém, fiquei
estarrecida ao ler recentemente em um ensaio escrito por Virginia Woolf (cuja
vida e obra fazem parte de minha pesquisa de Doutorado), que, nos primórdios da
literatura universal, as mulheres não faziam poesia, porque o patriarcado não
lhes atribuía nenhuma capacidade em qualquer tipo de sensibilidade (que incluía
o “saber” amar, ou sobre ele versar, veja que absurdo...!). A poesia, sendo
considerada arte extremamente sofisticada e sublime, só cabia, infelizmente, a
alguns poucos “vocacionados”, todos do sexo masculino. Foi apenas de modo
muitíssimo lento que as mulheres (e por óbvio, também as artistas) foram
adentrando os territórios absolutamente dominados pela sociedade patriarcal em
várias áreas, o que incluía a literatura e a poesia. Não afirmo aqui, de modo
algum, que o amor seja (hoje) poder e território exclusivo das mulheres (seja
para vivê-lo, ou escrevê-lo), contudo, a partir do domínio gradual do feminino
sobre a arte e a liberdade de amar, pode-se dizer que nós mulheres tomamos por
completo as rédeas sobre nossos sentimentos, nossos corpos e nossos desejos, de
um modo extremamente corajoso, assertivo e contundente, jamais experimentado
pela sociedade, historicamente; porém, sem perder a sensatez, o lirismo e a
ternura. E isso é irreversível (ainda bem!).</div><div style="text-align: left;"><br /><b>Sei que você tem uma produção de décadas, mas só agora
está lançando seu primeiro livro solo. Como foi esse processo de escrita,
maturação, seleção e publicação?<br /></b>Sim, escrevo em realidade desde muito jovem, e publico em
meios virtuais desde 2003, porém, posso dizer que a coragem de lançar meu
primeiro livro “no papel” veio somente no ano passado, em 2023.</div><div style="text-align: left;"><br />Os 33 poemas de meu “Fazer Amor” foram selecionados dentre
minha produção poética do final de 2021, quando a pandemia já iniciava a dar
sinais de melhora, até julho de 2023, quando enviei o original para a editora.
Os poemas já tinham sido publicados no coletivo cultural virtual do qual faço
parte desde 2005, o <a href="https://www.instagram.com/pagina2/" target="_blank">PáginaDois</a>.
Inicialmente, não havia pensado em unir os poemas pelo “fio condutor” do amor e
seus desdobramentos, porém, aos poucos, comecei a perceber que, sim, mais do
que o amor, o “amar” estava ali naqueles poemas, sob suas mais variadas formas,
sob as mais diversas experiências, minhas, e das pessoas que me rodeiam. Em
realidade, eles estão em uma ordem cronológica, mas decrescente (de julho de
2023 a novembro de 2021).</div><div style="text-align: left;"><br />Surgiu-me então a oportunidade incrível de publicar pela editora
<a href="https://www.quelonio.com.br/" target="_blank">Quelônio</a>, que admiro desde seu
início no mercado editorial, com essa publicação artesanal belíssima, da qual
tive o prazer de participar de todo o processo, desde as primeiras conversas
com o editor, Bruno Zeni, que foi maravilhoso, passando por um primoroso e cuidadoso
trabalho de preparação dos originais, escolha de tipos móveis, layout, cores de
capa e costura, pelas mãos lindas e criativas da designer gráfica Silvia
Nastari, até culminar no livro prontinho para publicação. Meu livro é parte de
uma coleção de outros sete títulos, de autoria de seis escritoras e um
escritor, meus parceiros nessa empreitada inesquecível que durou 5 sábados em
2023, nas dependências da tipografia da Quelônio. Bem, amei o resultado, ficou
lindíssimo! Agradeço muito ao querido amigo <a href="https://www.instagram.com/eduaaalmeida/" target="_blank">Eduardo Almeida</a> pela
perfeita review que fez do livro, e também ao coletivo <a href="https://www.instagram.com/coletivodiscordia/" target="_blank">Discórdia</a> pelo
interesse em meus versos, e pelas instigantes perguntas. Foi um prazer
respondê-las! </div><p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p>
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<p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p><p style="text-align: left;"><br /></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-20147471340153501812023-11-22T10:57:00.003-03:002023-11-22T10:57:40.557-03:00UMA REVERÊNCIA DELICADA<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0uB922TuEj2ub1-619zTTG1DI3AWz_V0EQBCWnZqDPiygA2Z3ooUhKJ8_EWV1Ytw5d1JBA_n25Wj0tMn52TBv7gBAuUYO6c0Ds0A_2k8Dz_kjfn4a_6FPo8zSCvoqRhMhfVOiIQi4mZTAO0wSBe540sqbgivrrCWGVwMvulQehrjWBJxL0C22fQeuKII/s4000/caminh%C3%A1vamos%20pela%20beira%20lolita%20campani%20beretta%20capa%20livro%20aboio%20horizontal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="2250" data-original-width="4000" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0uB922TuEj2ub1-619zTTG1DI3AWz_V0EQBCWnZqDPiygA2Z3ooUhKJ8_EWV1Ytw5d1JBA_n25Wj0tMn52TBv7gBAuUYO6c0Ds0A_2k8Dz_kjfn4a_6FPo8zSCvoqRhMhfVOiIQi4mZTAO0wSBe540sqbgivrrCWGVwMvulQehrjWBJxL0C22fQeuKII/w640-h360/caminh%C3%A1vamos%20pela%20beira%20lolita%20campani%20beretta%20capa%20livro%20aboio%20horizontal.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Saiba mais no <a href="https://aboio.com.br/produto/caminhavamos-lolita-campani-beretta/" target="_blank">site da editora Aboio</a></td></tr></tbody></table><div style="text-align: left;"></div><div><br /></div><i>
Caminhávamos pela beira</i>, de <a href="https://www.instagram.com/lolita.beretta/" target="_blank">Lolita Campani Beretta</a> (editora <a href="https://aboio.com.br/" target="_blank">Aboio</a>), traz como marca a maneira peculiar com que a autora encara o mundo: perspicácia disfarçada de ingenuidade, olhar agudo para o banal, bom humor com acento melancólico, espanto que diverte.<br /><br />
As primeiras cinquenta páginas são dedicadas a um exame minucioso dos pés humanos: seu aspecto, uso, expressões de linguagem associadas a eles, sentidos figurados x literais, gestualidade, preconceitos, entre outras abordagens que, de mais inusitado, têm a qualidade de se demorarem a respeito de algo tão banal quanto ignorado.<br /><br /><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><i>
"é perfeitamente possível viver uma vida inteira sem saber se o calcanhar é parte do pé ou se já é o resto do corpo" (p. 14).</i></blockquote><br />
Os poemas muitas vezes tomam a forma de pequenas prosas: frases, parágrafos, sequências narrativas. Pé ante pé, somos conduzidos numa dança que surpreende pela criatividade da sua coreografia. E o que a princípio parece óbvio acaba se mostrando além da superfície.<br /><br /><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><i>
"não há outra opção a não ser andar com os próprios pés" (p. 30).</i></blockquote><br />
Lolita leva a sério um exercício que poderia - e pode, ou é - simples brincadeira. Os pés ficam para trás, e essa característica segue com o livro. No caminho aparecem temas como a mudança de cidade e o contato com a nova vizinhança, a nova rotina, o novo lar.<br /><br /><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><i>
"<b>impossível:</b></i><br /><i>
preencher uma casa vazia<br /></i><i>
quando ela ainda está<br /></i><i>
tão cheia de coisas" (p. 73).</i></blockquote><br />
Há lembranças revisitadas: família, viagens, infância, o mar, a morte. E mais para o fim há uma folia, quase um apanhado de sarros e ironias, porém nunca exagerados, nunca um só tipo de assunto ou humor.<br /><br /><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><i>
"<b>foto de autor</b></i> </blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><i>
alguns têm olheiras fundas<br />
estão, quase todos, sérios</i> </blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><i>
o que foi que viram<br />
antes de chegar ali?" (p. 116)</i></blockquote><br />
Sutilezas. Talvez até mesmo uma espécie de ética na relação com pormenores da vida. <br /><br />
Uma reverência delicada. Uma empatia comovente.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-74873151120816032492023-10-09T17:35:00.002-03:002023-10-09T17:35:20.799-03:00QUANTO É CURTO O SUFICIENTE?<p> <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-qM9FB6E81dNfbZFKiVWNBnKdEHEVtQOoOoWzZWX7xcXb2H5IaS3av4y8WI70QeBb3xw1sPHTDKauzbWp3z9FwIYyeze_N8_a_B9C8HVKDL6h4_GxPwdpeO0XJ01oHM63p6GRrL58smk1IxIuNYlq1LIhlAppEAY7jqVtVwAhz2bBZ2XXypDi3Vmh354/s2400/gabriella-clare-marino-EGXpSrG02sU-unsplash.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="2400" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-qM9FB6E81dNfbZFKiVWNBnKdEHEVtQOoOoWzZWX7xcXb2H5IaS3av4y8WI70QeBb3xw1sPHTDKauzbWp3z9FwIYyeze_N8_a_B9C8HVKDL6h4_GxPwdpeO0XJ01oHM63p6GRrL58smk1IxIuNYlq1LIhlAppEAY7jqVtVwAhz2bBZ2XXypDi3Vmh354/w640-h426/gabriella-clare-marino-EGXpSrG02sU-unsplash.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto de <a href="https://unsplash.com/pt-br/@gabiontheroad?utm_content=creditCopyText&utm_medium=referral&utm_source=unsplash" target="_blank">Gabriella Clare Marino</a></td></tr></tbody></table></p><div><br /></div>Dia desses, um colega de trabalho alegou ter horror a livros de contos por causa da ansiedade que as histórias curtas lhe provocam. Não foi a primeira vez que ouvi algo semelhante. Lembro-me bem de quando uma amiga escritora confessou sua preferência por romances porque, quando ela “começa a se envolver com a trama dos contos, a história acaba”. Até mesmo Mário de Andrade afirmou certa vez que “o livro de contos fatiga muito mais que o romance. […] A leitura de vários contos seguidos nos obriga a todo um esforço pleno de apresentação, recriação e rápido esquecimento de um exército de personagens, às vezes abandonados com saudade”. <br /><br />Sou um caso suspeito, mas tenho cada vez mais preguiça de romances. Não necessariamente pela extensão, mas pelo “formatão” convencional que pouquíssimos escritores subvertem. Em minhas aulas, costumo fazer um paralelo com a pintura: a ilusão perspectiva, a luz e sombra, a marca da pincelada, as cores realistas, tudo isso está dado e pronto para ser reproduzido como tantas vezes já se fez. Como reinventar essa tradição? <br /><br />Há quem me contradiga, explicando que grandes experimentações romanescas correm o risco de provocar estafa mental ao longo de tantas páginas. Talvez, talvez. Existem exemplos excelentes que derrubam essa tese, embora sejam exceções, admito. Além do mais, estamos falando em oferecer uma nova experiência de leitura ou repetir o que já se conhece? Precisamos fazer escolhas assim a cada novo arquivo que abrimos no computador. <br /><br />Mesmo encontrando mais ousadia nos contos, nossos leitores têm preferência pelo romance, como mostra a pesquisa <a href="https://snel.org.br/wp/wp-content/uploads/2020/11/5a_edicao_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_IPL-compactado.pdf" target="_blank">Retratos da leitura no Brasil</a>. De modo geral, os contos perdem em todos os perfis de público. Resultado que se vê também nas prateleiras das livrarias e nos catálogos das editoras, onde a oferta de um gênero é bem maior que a do outro. Situação dada e estabelecida, apesar da <a href="https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Noticia/Conto-nao-vende" target="_blank">ponderação de especialistas</a> no setor, como a do editor Cide Piquet, para quem “alguns dos melhores momentos da literatura brasileira passam pelos contos de Machado de Assis e Guimarães Rosa”. <br /><br />E o que falar do microconto? Porque se há contos de dez, vinte, cinquenta páginas, há também de dez, vinte, cinquenta palavras. Esses quase não aparecem em livros. Uma exceção é o <a href="https://www.cobogo.com.br/produto/universos-breves-antologia-do-microconto-de-lingua-espanhola-short-universes-an-anthology-of-spanish-language-flash-fiction-713" target="_blank">Universos breves: antologia do microconto de língua espanhola</a>, publicado no Brasil pela editora Cobogó em 2022.<div><br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhm94bPcqyK8FSDJ6trCCCw_t16bWIkMsUlBSuUspybVy4NAFrAZfOZxitIIsk4YwWzzVH5KgPz9Zlp0M1YALzSC8hOG5B-i5AKhyzWiabdicX3YP51116dYWrRH1anomypi24KbG38kxDR0wjcbFgbB7-ROvw4LKYOzO0GNHr1-9K0AaVb2exHtzXz0SY/s780/universos%20breves%20capa.jpg.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="780" data-original-width="780" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhm94bPcqyK8FSDJ6trCCCw_t16bWIkMsUlBSuUspybVy4NAFrAZfOZxitIIsk4YwWzzVH5KgPz9Zlp0M1YALzSC8hOG5B-i5AKhyzWiabdicX3YP51116dYWrRH1anomypi24KbG38kxDR0wjcbFgbB7-ROvw4LKYOzO0GNHr1-9K0AaVb2exHtzXz0SY/w640-h640/universos%20breves%20capa.jpg.webp" width="640" /></a></div><br /> </div><div>Algumas hipóteses sobre a menor adesão aos contos – e em especial aos microcontos – surgiram quando terminei a leitura dessa obra. E estão relacionadas ao que já vínhamos observando: <br /><br />1) É mais difícil se envolver com tramas e personagens tão breves. <br /><br />2) O experimentalismo não é para qualquer leitor. <br /><br />3) Os microcontos, de modo geral, não passam de uma simples ideia. <br /><br />Esta última foi a que mais me pegou. Em especial porque, em vez do livro completo de um escritor, li uma coletânea que apresenta 39 autores diferentes, com cinco textos cada. Uma miscelânea e tanto. <br /><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4h2D2SHfPCCSXg1bciPlgPEaogqI-MRaNvdjaakExIh-mCxTY8k7FHrxm4o6xg5Kj6NEeTF2So51nZP4b9pxNNrvMDo6unR246v0O0fxu6pOaoWg8VuN1RrlY1gTXblBuo_pcESxWd8NCDmmHaWEYPdmmhzQDdutZBXnk9ZoMW6HblT5pzERqHCmWLNA/s1000/o-belo-e-a-besta-1.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="667" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4h2D2SHfPCCSXg1bciPlgPEaogqI-MRaNvdjaakExIh-mCxTY8k7FHrxm4o6xg5Kj6NEeTF2So51nZP4b9pxNNrvMDo6unR246v0O0fxu6pOaoWg8VuN1RrlY1gTXblBuo_pcESxWd8NCDmmHaWEYPdmmhzQDdutZBXnk9ZoMW6HblT5pzERqHCmWLNA/w213-h320/o-belo-e-a-besta-1.jpg" width="213" /></a></div>Digo por experiência própria: meu livro <a href="https://editoramoinhos.com.br/loja/o-belo-e-a-besta/" target="_blank">O belo e a besta</a>, embora não tenha somente contos, reúne textos curtos que, a meu ver, encontram seu pleno potencial no conjunto. Lê-los isoladamente não é a mesma coisa. Um deles, por exemplo, é uma lista de expressões populares cujos termos se associam ao mundo animal. Uma lista. Que naquele contexto ganha outros sentidos. Tanto que não entendo esse livro como uma coletânea, mas um projeto cuja coerência e interesse surgem enquanto o leitor percorre as páginas e cria conexões entre as cenas. <br /><br />Não sei se cada microconto no Universos breves vem de um livro como o meu. Suponho que não. E isso significa que, de fato, aqueles textos não conseguem nos levar para muito além das suas poucas linhas. Podem se constituir de uma frase de efeito, uma tirada bem ou mal-humorada, um lampejo, um jogo de significados. Cuja graça também fica, assim, limitada. <br /><br />E por que isso acontece? Notei que microcontos tendem a prescindir de elementos fundamentais da narrativa, seja personagem, tempo, espaço, narrador ou, na maioria das vezes, enredo. Se tais elementos são chamados de fundamentais, é porque fazem falta quando ausentes, em especial pela identificação que criam – ou não – com quem lê. Aliás, abrindo mão disso, será que ainda podem ser chamados de contos? <br /><br />Vou deixar o debate aberto. Chamo atenção apenas para que, sem poderem desenvolver profundidade psicológica, microcontos apresentam personagens que mais parecem figuras manipuladas, submetidas ao desejo do autor. Sem conflitos complexos, suas histórias rumam para o chiste ou o arroubo de linguagem. E assim por diante. <br /><br />A consequência é que os microcontos, em geral, são fracos se comparados ao prazer estético proporcionado pela literatura mais convencional. Naquela mesma matéria, Piquet cita o fato de muita gente afirmar que “um romance, e não um livro de contos, marcou e foi fundamental em sua vida”. Improvável que microcontos ganhem essa relevância. Mas será que querem? Ou sua pretensão é mesmo descontrair, acender uma faísca, quem sabe apontar algo inusitado? <br /><br />Ainda assim, penso que microcontos poderiam resultar em uma experiência das mais radicais, e estaria aí um desafio aos escritores: superar a condição de argumento não desenvolvido, ou de jogo de palavras com fim em si mesmo. <br /><br />Outro ponto interessante nisso tudo são os meios de circulação que o formato encontra. Pois, se os livros são raros, as redes sociais estão repletas desses textículos. Veja o exemplo das <a href="https://www.instagram.com/historias_bermudas/">Histórias bermudas</a>, perfil que Nathalie Lourenço e Rafael Zoehler mantêm no Instagram. Há inúmeros mais. <br /><br />Mesmo tendo sua força na economia dos meios narrativos, é sempre um desafio dizer se o conto – ou microconto – está na medida certa. E, se a brevidade destes tem seus problemas, muito pior é ser professor de escrita de contos e ouvir que um leitor não está nem aí para ficção que não seja romance. <br /><br />No caso daquele colega de trabalho – que acabou provocando este artigo, veja bem –, o que fiz foi enviar uma lista de livraços de contos para ele conhecer. Fiz por vontade própria, sem que me fosse solicitado. A conversa se encerrou assim. Vamos ver se a amizade terá próximos capítulos.</div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-74951763657154106772023-09-26T09:47:00.002-03:002023-09-26T09:47:25.936-03:00ESCRITO ÀS DENTADAS<p style="text-align: center;"><i><br /></i></p><p style="text-align: center;"><i>“Encontrar a escama da escama. Ou aceitar que não há
escama alguma.”</i></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: center;">Trecho do conto “Jiboia”, que dá título ao livro publicado pela <a href="https://aboio.com.br/" target="_blank">Aboio</a><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><o:p> </o:p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWPUH19Av8QB6KSGiwJL_gDEBZJhHfLt4E34lYRjodRNO8HzsE5PqtgcJqLkOPMXGeTaWPYOF-1o1fGrMpvgS4aY7PAo7SiSAcx7_kNoZ8SDs5clBo4vTbQcTiQa0Ar3CpPNBrdTg_D6GFsqhK4UokxPwYEsSVORdzYCdd-2gQog4G88M0je2wKbPcKx8/s4000/jiboia%20horizontal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2250" data-original-width="4000" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgWPUH19Av8QB6KSGiwJL_gDEBZJhHfLt4E34lYRjodRNO8HzsE5PqtgcJqLkOPMXGeTaWPYOF-1o1fGrMpvgS4aY7PAo7SiSAcx7_kNoZ8SDs5clBo4vTbQcTiQa0Ar3CpPNBrdTg_D6GFsqhK4UokxPwYEsSVORdzYCdd-2gQog4G88M0je2wKbPcKx8/w640-h360/jiboia%20horizontal.jpg" width="640" /></a></div><br /><p></p>
<p class="MsoNormal"><i><a href="https://aboio.com.br/produto/jiboia-cecilia-garcia/" target="_blank">Jiboia</a></i>, de <a href="https://www.instagram.com/ceci.grrr/" target="_blank">Cecília Garcia</a>, aposta na natureza como
tema de seus enredos, com destaque para a natureza humana (existe outra,
aliás?). São ao todo 16 contos, em sua maioria curtos, com cerca de 3 páginas
cada, que pesam amor e violência numa balança pouco otimista. E se em alguns
deles a animalidade marca o comportamento dos personagens, em outros serve como
pano de fundo para relações interpessoais acontecerem.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">“Ciclista dócil”, por exemplo, conta a história de uma
mulher que sequestra um lobisomem-guará com o propósito de ser mordida e se
transformar em criatura da mesma espécie. Enquanto “O centauro hesita” evoca o
signo de Sagitário para contar as descobertas sexuais de dois adolescentes.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal"><i>Jiboia</i> traz figuras incomuns, que não deixam de
causar estranhamento. E há algo na sua linguagem que tampouco é fácil de
apreender. “A mãe verde”, que abre o livro, fala de uma mulher em convulsão que
pode contar apenas com o socorro de suas crianças. A narrativa vai, assim,
dizendo sem dizer, apresentando seus conflitos de maneira sugestiva, cuidando
para não soarem explícitos, como mera denúncia moral.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Outros contos têm o mesmo teor de elaboração,
assemelhando-se à prosa poética. Em “O Monza do faraó” lemos: “o sabor pastoso
da madrugada” e “tinham na boca a costura do medo”. Imagens apuradas, que enriquecem
a experiência da leitura, mas cujo excesso eventualmente cria contratempos. Ao
ponto em que lemos, no mesmo conto: “os olhos grávidos de propósitos
histriônicos”. Histriônicos.<o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">Fato é que, neste seu livro de estreia, Cecília conseguiu
explorar uma temática importante sem recair em romantismos ou levantar
bandeiras verdes. Seu texto é maduro e diverso, criativo. E o conjunto da obra
é coerente, quer dizer, os contos funcionam bem reunidos, apesar da variedade
de questões, lugares, personagens e recursos técnicos (sketch, parábola,
flashback, naturalismo, fantasia, monólogos etc.). Vemos também ali retratos de
um Brasil folclórico, de interiores geográficos e psíquicos, como raras vezes
se apresenta em nossa literatura contemporânea. Pontos extras para a autora, que
chega mostrando garra. E dentes.<o:p></o:p></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-35051150449442094042023-09-20T17:14:00.004-03:002023-09-26T09:48:09.968-03:00QUANDO A PALAVRA NÃO DÁ CONTA DE DIZER<br /><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcn-aq3zcvbFF8oYSzJVCZ1aF46Zxmizz2g8mCHuI5OEczgEz3V5Gcn0_9gncAZKXZ0CDGE32EFX7W2ScD9n8r9FZNXIx6a9td7tN4cs3pOzbZPoxBUHdfCYEJ1D0mjd8L2prd4cH7l0p1NkqYo2qmOMOMabGIZ_hmHotu8zLzivLAJJtsi2h0P_j6yDE/s2400/sincerely-media-4Je5MAicKpg-unsplash%20quadrada.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="2400" data-original-width="2400" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcn-aq3zcvbFF8oYSzJVCZ1aF46Zxmizz2g8mCHuI5OEczgEz3V5Gcn0_9gncAZKXZ0CDGE32EFX7W2ScD9n8r9FZNXIx6a9td7tN4cs3pOzbZPoxBUHdfCYEJ1D0mjd8L2prd4cH7l0p1NkqYo2qmOMOMabGIZ_hmHotu8zLzivLAJJtsi2h0P_j6yDE/w640-h640/sincerely-media-4Je5MAicKpg-unsplash%20quadrada.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto de <a href="https://unsplash.com/pt-br/@sincerelymedia?utm_source=unsplash&utm_medium=referral&utm_content=creditCopyText" target="_blank">Sincerely Media</a></td></tr></tbody></table><div><br /></div>Os significados das palavras costumam ser um dos principais interesses de todo escritor. Contudo, com o passar dos anos fui sendo convocado a pensar também numa espécie de caminho inverso, quer dizer, naquilo que as palavras não alcançam. Seus limites. Suas falhas. Ou lacunas. <div><br /></div><div>Encontrei eco para esse pensamento num pequeno ensaio chamado <i>Lições nas trevas</i>, do italiano Giorgio Agamben, que compõe seu livro <i>Quando a casa queima</i> (publicado no Brasil pela <a href="https://ayine.com.br/" target="_blank">editora Âyiné</a>). </div><div><br /></div><div>O filósofo afirma que o profeta se dirige às trevas de seu tempo, e para isso deve se deixar investir por elas, abrindo mão da própria lucidez. Em seguida, aproxima-o do poeta, e por consequência sugere um ponto comum entre as palavras proféticas e as poéticas. </div><div><br /></div><div>O autor já havia desenvolvido esse conceito de trevas ao menos em outro texto, bastante conhecido, cujo título pergunta:<i> O que é o contemporâneo?</i> Pois elas, as trevas, representam para ele uma potência do que pode vir a ser, e que à sua maneira já está em nosso tempo, nos limites da definição; qualidade do que é obscuro, portanto do que ainda não conseguimos perceber com clareza. </div><div><br /></div><div>Ao transportar esse conceito para o âmbito da palavra, Agamben fala de um significado não racionalizado, mas de algum modo percebido; espécie de sentido que precede a possível compreensão. Poderíamos, a partir daí, seguir com a ideia de que o profeta detém a capacidade de perceber no presente algo que ainda não está evidente, “prevendo o futuro”. O mesmo valeria para o poeta e os artistas em geral. Mas não é esse caminho que interessa agora; vamos nos ater à questão das palavras em si. </div><div><br /></div><div>Porque a palavra profética, cujo significado está sempre por vir, teria um caráter insurgente em relação à gramática e aos nomes, ao léxico e à sintaxe, oferecendo acesso a outra experiência da linguagem. Para enfatizar esse atributo, Agamben diz inclusive que tal palavra é, de certo modo, ilegível. Enquanto sua insurgência, ou nova experiência pela palavra, é a própria obra da poesia. </div><div><br /></div><div>Parece complicado? Mas existe nisso um ponto muito simples, com o qual é fácil concordar: pela poesia nós podemos escapar dos significados imediatos e, assim, experimentar outras possibilidades das palavras. </div><div><br /></div><div>Aliás, é importante assinalar que poesia, nesse caso, não se resume à forma versificada: vale também para a prosa e qualquer outro tipo de texto que proporcione ao leitor uma experiência estética. A poesia seria, digamos assim, o recurso criativo que permite vencer os limites das palavras, deslocando a experiência de leitura para longe da pretensa exatidão delas; ela está nesse deslocamento entre a norma e a insurgência, sugere Agamben. E o escritor espera, claro, que algo virtuoso aconteça em tal movimento. </div><div><br /></div><div>Eu voltei a essas ideias quando li o conto <i>Réveillon</i>, de <a href="https://www.instagram.com/rafaelgallo81/" target="_blank">Rafael Gallo</a>, que abre seu primeiro livro, <i>Réveillon e outros dias</i> (editora Record). Mais para o fim da história, o protagonista – jovem adulto e surdo – diz que, às vezes, gostaria que seu pai fosse surdo também, porque isso não deixaria as falas o distraírem da linguagem mais profunda. Essa vontade se dissipa quando o filho observa o velho gesticular para se comunicar com ele. “Sempre tivemos um idioma que falava por intermédio de tudo: de nossas mãos, olhares, palavras, todo o corpo. Todos os nossos gestos tinham o mesmo valor, e acho que isso nos fez compreender um ao outro quase inteiramente”, reflete. </div><div><br /></div><div>Para o surdo, os gestos feitos com o corpo levariam a uma compreensão mais complexa do outro, ou seja, possibilitariam ir além do que as palavras dizem por si mesmas. O “fundo por trás da palavra”, explica o narrador do conto. Ou o que o protagonista definia como a linguagem mais profunda do mundo: “o idioma que, liberto das cercanias das palavras, se define apenas por ele mesmo e seus nomes impronunciáveis”. </div><div><br /></div><div>Enquanto Agamben trata de um sentido que antecede o significado das palavras, o personagem no conto de Gallo busca um jeito de extravasá-lo. Preocupações que, no meu entender, também deveriam ser de todos os que têm na palavra o seu ofício. Afinal, se no dia a dia “escrever bem” é dominar os significantes e significados para assim produzir textos muito claros, a “arte de escrever” é outra coisa: diz respeito a elaborar o que há de impreciso nas palavras para, no que se esconde atrás delas, ou em suas trevas, permitir que o texto leve cada leitor a uma experiência singular.
</div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-83302713609386075402023-07-27T16:47:00.004-03:002023-07-28T09:11:09.525-03:00IVAN NERY CARDOSO SOBE UM DEGRAU NA LITERATURA COM "CÃES NOTURNOS"<b>Confira a resenha do livro e, na sequência, uma entrevista com o autor.</b><div><b><br /></b><br /><div style="text-align: center;"><i>“O que tem o último degrau? É onde a fila vai dar, oras! O homem de chapéu parece confuso. Sobem mais quatro pessoas. Não, não, o último degrau fica lá em cima. É claro que não fica!, você protesta. Ele se vira para o jovem com espinhas atrás dele: nós não viemos lá do último degrau, lá em cima? O jovem concorda, diz que sim e faz joinha com as mãos. Lá embaixo deve ser o primeiro degrau.”</i></div><div style="text-align: center;">Trecho do conto “O último degrau”</div><i><br /></i></div><div><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNycTd-VzAyNxu7LGXTbUbHswdZIe4udk5czhj0o0U2PzoEda3wsc-wAtASXgAFZ0LBwxLvRSDP9_Js1ryehgNJ_ySXGp97LflOm0RT4X1iFq20dd_nYfMKGq3YbCnEWgZuKER3snlFvojDS2U6NwW7HeC8Fbdrr6J93mMtoZ5Qxtud6mDrmePHGBKHvs/s801/c%C3%A3es%20noturnos%20-%20capa%20livro%20-%20ivan%20nery%20cardoso.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="801" data-original-width="560" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNycTd-VzAyNxu7LGXTbUbHswdZIe4udk5czhj0o0U2PzoEda3wsc-wAtASXgAFZ0LBwxLvRSDP9_Js1ryehgNJ_ySXGp97LflOm0RT4X1iFq20dd_nYfMKGq3YbCnEWgZuKER3snlFvojDS2U6NwW7HeC8Fbdrr6J93mMtoZ5Qxtud6mDrmePHGBKHvs/w448-h640/c%C3%A3es%20noturnos%20-%20capa%20livro%20-%20ivan%20nery%20cardoso.png" width="448" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="https://www.laranjaoriginal.com.br/product-page/c%C3%A3es-noturnos-ivan-nery-cardoso" target="_blank">Clique e veja o livro no site da editora Laranja Original</a></td></tr></tbody></table><i><br /></i></div><div><i><a href="https://www.laranjaoriginal.com.br/product-page/c%C3%A3es-noturnos-ivan-nery-cardoso" target="_blank">Cães noturnos</a></i> é o primeiro livro solo do paulistano <a href="https://www.instagram.com/ivanerycardoso/" target="_blank">Ivan Nery Cardoso</a>. Nele estão reunidos 20 contos, divididos em duas partes de 10. São em geral textos breves, com uma média de 3 ou 4 páginas e algumas exceções. Embora os temas sejam variados – como um bacanal no Paraíso, brincadeiras de crianças, arte no apocalipse atômico, amor programado com inteligência artificial, turismo em Marte, lobisomens e afinação de piano, para citar alguns –, em comum eles apresentam certo estranhamento que flerta com o fantástico, ainda que nem sempre se trate disso exatamente, ou nem sempre isso se dê nos moldes de um Julio Cortázar ou um Murilo Rubião, por exemplo.<br /><br />
Pois Ivan manipula também elementos de outros gêneros, outras referências, outros interesses literários: o horror, como no conto que dá nome ao livro, ou em “Noite dos loucos”; certo viés explicitamente político, como no caso da comunidade incendiada de “Pompeia”; ficção científica em “Blogueirinha” e “Em busca da flor elétrica”; e assim por diante.<br /><br />
O fantástico, tal como se conhece, também pode ser visto aqui e ali, como no conto “Sentimento oceânico”, em que um ser amorfo habita as entranhas do protagonista; em “O pote”, recipiente capaz de preservar as últimas palavras de um morto; ou nos homenzinhos e mulherezinhas responsáveis por fazer soarem as notas de “O piano”. Destaca-se, ainda, “O último degrau”, em que o non sense, o comportamento protocolar e o convívio social urbano se encontram na mesma fila, onde pessoas aguardam com alguma impaciência por algo que desconhecem, numa trama que lembra tanto Kafka quanto aqueles dois autores mencionados anteriormente.<br /><br />
Se essa miscelânea por vezes parece irregular, há características que aproximam os contos, tais como a escrita convidativa de Ivan, generoso com o leitor, permitindo a ele que usufrua das histórias sem dificuldades estilísticas, formais, linguísticas. Há também uma sexualidade que atravessa a maioria dos textos. E uma profanação de temas sacros – o destino da alma cristã, por exemplo – e tabus morais como o amor homoafetivo ou a traição no matrimônio.<br /><br />
Ivan Nery Cardoso nos oferece um universo de possibilidades narrativas, mostrando-se criativo e habilidoso na condução do leitor através de seus enredos incomuns, o que é sempre um desafio. O livro se mostra, assim, uma estreia promissora, que deixa vontade de saber como o autor seguirá ascendendo na literatura. Os caminhos estão aí.</div><div><br /><div><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxyLUqSlS566mXpfD4xe30t5iUaT4c2PknJnlLS4v7Cj99yrpLrvaaGOPe9KKA4xCJLrcGxfA26OjxNa8RzplZ9nq0nLncrytmscLZspkuHt0-uLLRL9pZrnyowbX_Gw8fF5CfPJIrwuF-K3Q_AvLeoDUZLKldoM5nB33zBXfKTw-te5nXzMlocaEv62s/s800/ivan%20nery%20cardoso.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="800" data-original-width="800" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxyLUqSlS566mXpfD4xe30t5iUaT4c2PknJnlLS4v7Cj99yrpLrvaaGOPe9KKA4xCJLrcGxfA26OjxNa8RzplZ9nq0nLncrytmscLZspkuHt0-uLLRL9pZrnyowbX_Gw8fF5CfPJIrwuF-K3Q_AvLeoDUZLKldoM5nB33zBXfKTw-te5nXzMlocaEv62s/w640-h640/ivan%20nery%20cardoso.jpeg" width="640" /></a></div><br /><div><b>1. No prefácio de <i>Cães noturnos</i>, Nelson de Oliveira afirma que “onde não há estranhamento não há arte”. De fato, seus textos evocam esse sentimento, que se traduz de maneiras variadas ao longo das histórias. O estranhamento é um recurso literário para você?</b></div><div><br />
Definitivamente, sim! Só me atraem, verdadeiramente, as histórias que se pautam pelo estranhamento que seus mundos, suas tramas e suas personagens causam em nós. Não sou muito chegado ao chamado “realismo” na literatura que leio e que produzo, preferindo obras que não tentam recriar e oferecer respostas aos problemas e situações do nosso cotidiano, mas, sim, onde as personagens se encontram em um estado de confusão com a realidade (ou a irrealidade) ao seu redor, nos levando junto com eles. Também não gosto muito de contos que se fecham de forma redonda, com respostas a todas as questões abertas ao longo da narrativa. Prefiro histórias com finais abertos, que criam um espaço para os leitores teorizarem, imaginarem, colocarem um pouco de si ali dentro. Especialmente nos contos de <i>Cães noturnos</i>, quis escrever histórias que mexessem com as expectativas dos leitores, os levassem a lugares estranhos, não familiares (podemos pensar no conceito do Inquietante, de Freud), e os largassem lá (pense, por exemplo, no final de “Sementes”), sem uma resposta definitiva. Esse recurso do estranhamento os leva a terminar a história nas suas mentes, e, nesses finais inventados, espero que os leitores possam encontrar algo dentro de si para levarem de volta às suas realidades.<br /><br /><b>
2. Seu livro traz um apanhado bastante heterogêneo de temas. Se à primeira vista isso pode sugerir certa fragilidade, como se os textos não se encontrassem, é também uma amostra consistente de sua criatividade. Como você vê esse conjunto reunido em um único volume? Como foi escrevê-los e selecioná-los?</b><br /><br />
A escrita desses contos se deu de forma bastante difusa, geralmente durante o bloqueio criativo que experimentei na escrita de outros projetos (que seguem não finalizados). Muitos deles surgiram em oficinas de escrita, enquanto outros vieram à tona em momentos muito improváveis, após uma amalgamação de referências em algum canto do meu inconsciente. A seleção é que foi a parte mais curiosa, para mim. Já estava tentando organizar um livro de contos há muito tempo, e acabei separando-os em duas obras: uma de contos mais longos, mais “sérios” e “profundos”, e uma de contos mais curtos, debochados, mais “descompromissados”, digamos assim. Um dia, percebi que os contos dos dois livros brincavam com uma mesma ideia de falta de sentido experienciada pelas personagens. Além disso, os contos dos dois livros eram, na verdade, versões dos mesmos assuntos, e cada história de um deles possuía uma contraparte no outro. A partir disso, comecei a montar a ordem do livro que viria a ser o <i>Cães noturnos</i>, mas que, naquela época, possuía outro nome. Selecionei 20 contos que, no fim, exploravam 10 temas diferentes, e essa foi uma das partes mais divertidas da montagem do livro, pois descobri muito sobre o meu processo criativo.<br /><br /><b>
3. O livro se divide em duas metades, cada uma com 10 contos. Mas a leitura se sucede sem grande solavanco entre elas. Isso já constava em seu projeto original ou foi uma decisão posterior, talvez já durante o trabalho de edição?</b><br /><br />
A ordenação dos contos foi o que transformou o <i>Cães noturnos</i> no livro que ele é, e isso veio do processo que descrevi na resposta à pergunta anterior. O que fiz, no livro, foi separar os contos em duas partes que atuam como versões espelhadas uma da outra. Isso pode ficar mais claro no caso do primeiro e do último conto, que funcionam como uma pergunta e uma resposta, mas pode ser observado em todos os outros: o segundo se relaciona com o penúltimo, o terceiro como antepenúltimo, e assim por diante, até o momento em que uma termina e a outra começa. Acho que isso pode contribuir para essa sensação fluida de leitura que você comentou, pois há um fio condutor que leva os leitores do começo até o fim do livro, fechando um círculo. Ainda não tenho relatos de pessoas que tenham lido os contos em outra ordem, então não sei se isso afeta a experiência de leitura. Durante o processo de edição houve um trabalho mais no texto, e não tanto na ordem dos contos, apesar de eu ter tirado um conto que não estava muito amadurecido e colocado “O último degrau” no lugar, pois o julgava mais pertinente à obra como um todo.<br /><br /><b>
4. Há uma sexualidade eminente na maioria dos contos de <i>Cães noturnos</i>, e chamam a atenção os relacionamentos homoafetivos, apresentados sem que seja esse o conflito do conto, o que me parece um feito importante sobre a presença do assunto na literatura. Quer dizer, os homossexuais são personagens comuns, vivendo aventuras que não têm necessariamente a ver com a sua sexualidade. Você pode comentar essa escolha?</b><br /><br />
Apesar de trabalhar com o estranhamento nas minhas histórias, eu não queria que a sexualidade fosse um fator contribuinte para essa sensação, mas sim, um assunto normalizado ao longo do livro. As personagens são quem são e se relacionam como se relacionam. Se isso afeta suas narrativas de alguma forma, não é por conta dos gêneros aos quais são atraídos, mas por conta de seus próprios conflitos internos e de como lidam com eles. O que eu desejo que cause um estranhamento nos leitores é a situação que as personagens estão vivendo, a realidade ao seu redor, seja ela convidativa ou não.
<br /></div></div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-60000795000561071582023-06-28T10:38:00.004-03:002023-06-28T11:31:27.926-03:00O CONTO (OU CRÔNICA) ESTÁ NOS OLHOS DE QUEM LÊ<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj15w7h7mmbFhvKunB8XD3OC14bN58RuuDD90Y3E6-8UT3_FW7ANY0L0jPpp6MU8O-qYAEdENY43FOT8CzpfstCLt5KNMuYAlttFuWwjwRA1--St-zKcS-pjnnMRZTeBgXwPcoUt0hGIACm5uuNrVkslH786TXNzbHPJqpii25e9ckuhTKsvqNUfnHsXXM/s2560/henri%20matisse,%20mulher%20com%20chap%C3%A9u,%201905.jpg" style="display: block; margin-left: auto; margin-right: auto; padding: 1em 0px; text-align: center;"><img alt="" border="0" data-original-height="2560" data-original-width="1888" height="600" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj15w7h7mmbFhvKunB8XD3OC14bN58RuuDD90Y3E6-8UT3_FW7ANY0L0jPpp6MU8O-qYAEdENY43FOT8CzpfstCLt5KNMuYAlttFuWwjwRA1--St-zKcS-pjnnMRZTeBgXwPcoUt0hGIACm5uuNrVkslH786TXNzbHPJqpii25e9ckuhTKsvqNUfnHsXXM/s600/henri%20matisse,%20mulher%20com%20chap%C3%A9u,%201905.jpg" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="https://www.sfmoma.org/artwork/91.161/" target="_blank">Mulher com chapéu</a> (1905), de Henri Matisse</td></tr></tbody></table><div><br /></div>Qual a diferença entre conto e crônica? A pergunta invariavelmente retorna. Desta vez, aconteceu durante minhas aulas na pós-graduação em escrita criativa.<br /><br />
Quem deu o exemplo foi a mesma aluna que perguntou: certa noite, tomada por uma insônia brava, ela desceu diversas vezes a escada do sobrado onde mora para beber água na cozinha, ao ponto em que começou a criar inimizade com o próprio cachorro. Quando, enfim, o sono veio, ela precisou se levantar outras tantas vezes para não molhar a cama.<br /><br />
Isso seria enredo para conto ou crônica? É verdade que esta última quase sempre traz as características da sinopse acima: leveza, bom humor, acontecimentos banais que sugerem alguma reflexão. Mas por que não poderíamos também escrever um conto com isso? E mais: em que um texto seria diferente do outro?<br /><br />
Foi Mário de Andrade que, meio sem paciência, afirmou que conto é o que o autor chamar de conto, e ponto final. E a crônica, seguiria a mesma fórmula rabugenta?<br /><br />
Na discussão em sala, ocorreu-me que a diferença talvez esteja menos na forma do texto e mais na relação que o leitor cria com ele. Se ambos são narrativas ficcionais, a expectativa de quem lê aponta para lados opostos.<br /><br />
Explico: ao lermos uma crônica, tendemos a acreditar que o caso narrado aconteceu de verdade. Que o sujeito da história não é mero personagem, mas o autor em si. Que nada se cria, tudo se copia – ou se imita da realidade, no caso. Como se o autor da crônica quase não escrevesse, apenas transcrevesse.<br /><br />
Nada mais ilusório. Se você já escreveu uma crônica – ou qualquer outra narrativa, cá entre nós –, sabe bem que tudo é invenção. O ponto de partida pode ter algum fundamento na realidade, mas ele logo se transforma em palavras, perspectivas, enfoques que separam o que será contado e o que permanecerá não dito. Torna-se outra coisa, ganha outra existência.<br /><br />
Um texto ficcional é um texto, e assim deve ser apreciado. Isso me faz lembrar de uma anedota sobre Henri Matisse. Conta-se que, durante exposição no Salão de Outono, em Paris, uma pessoa desdenhou da obra <i>Mulher com chapéu</i>, alegando que não existia mulher com nariz amarelo. A retratada não estaria bem pintada, portanto; pois não condizia com a realidade. O pintor teria respondido que aquilo não era uma mulher, mas um quadro.<br /><br />
Um leitor assíduo de crônicas pode se decepcionar ao descobrir que o que lê nas horinhas de descuido é fruto de criação – e nós não vamos acabar com a felicidade dele, combinado? Aquilo tem sabor de verdade, mas esse sabor é idêntico ao ficcional. Porque, convenhamos, trata-se de um texto; um retrato verbal, artístico; não a realidade em si. São palavras dispostas uma ao lado da outra com o objetivo de proporcionar uma experiência estética.<br /><br />
Lembrei-me também de uma ideia que Umberto Eco desenvolve na quarta das seis conferências oferecidas em 1993 em Harvard, todas elas reunidas e publicadas no Brasil sob o título de <i>Seis passeios pelos bosques da ficção</i>. Ele explica ali que a norma básica para se lidar com uma obra literária é o leitor aceitar o “acordo ficcional”. Quer dizer, o leitor precisa assumir que está lendo uma história imaginária, mas nem por isso pensar que o escritor está contando mentiras.<br /><br />
Recorto aqui um trechinho: <i>“Quando entramos no bosque da ficção, temos de […] estar dispostos a aceitar, por exemplo, que lobo fala; mas, quando o lobo come Chapeuzinho Vermelho, pensamos que ela morreu (e essa convicção é vital para o extraordinário prazer que o leitor experimenta com sua ressurreição). […] A obra ficcional nos encerra nas fronteiras de seu mundo e, de uma forma ou de outra, nos faz levá-lo a sério”</i>.<br /><br />
A crônica abusa desse princípio, fazendo o leitor acreditar que seu mundo fictício se confunde com a realidade nossa de cada dia. Quando, na prática, as escolhas do escritor visam fazer o texto ter coerência interna e, assim, cumprir sua missão. Sem necessariamente assumir qualquer compromisso com a verdade. A estrutura narrativa está toda lá, com seus elementos fundamentais: personagem, tempo, espaço, enredo, linguagem, narrador. Caso a verdade fosse primordial, a crônica rumaria para os lados do ensaio, que é uma forma de não ficção.<br /><br />
Aliás, naquela mesma conferência, Umberto Eco faz outra provocação que nos interessa: <i>“À parte as muitas e importantes razões estéticas, acho que lemos romances porque nos dão a confortável sensação de viver em mundos nos quais a noção de verdade é indiscutível, enquanto o mundo real parece um lugar mais traiçoeiro”</i>.<br /><br />
Ele diz romance, mas podemos pensar o mesmo sobre os contos. E sobre as crônicas. Em todos eles, a ideia de verdade se sustenta conforme o desejo do escritor e se o leitor o acompanhar. Enquanto, fora do texto, a coisa é bem mais complicada. Quer ficção maior do que uma verdade absoluta?<br /><br />
Em suma, o que fiquei pensando a partir daquela pergunta da estudante é que um mesmo texto pode ser lido como conto ou crônica, a depender da expectativa que o leitor cria a seu respeito. A solução vale para todos os contos e crônicas já escritos? Não. Mas vale para uma porção. Os demais, espero que rendam outras boas questões.<br /><br />
Publicado originalmente em <a href="https://www.literaturabr.com/2023/06/28/o-conto-ou-cronica-esta-nos-olhos-de-quem-le/" target="_blank">LiteraturaBr</a>.Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-47166117715802705972023-05-30T11:57:00.002-03:002023-05-30T11:57:48.442-03:00OS FILHOS DA PÁTRIA ARRASADA<div style="text-align: left;">Na entrevista a seguir, o escritor Nélio Silzantov fala sobre seu livro de contos <i>Br2466 ou a
pátria que os pariu.</i></div><div style="text-align: left;"><i><br /></i></div><div style="text-align: center;"><i>“A cabeça decapitada, rolando de um lado pro outro nos pés da molecada em um campinho de futebol e, por fim, deteriorando-se a cada dia até a ossatura feito um bibelô na cabeceira de nossa cama.”<br /></i>(trecho do conto <i>Fale o que você quiser, receba um jab direto sem defesa</i>)</div><div style="text-align: left;"><br /></div><p class="MsoNormal" style="text-align: left;"><o:p></o:p></p><p style="text-align: left;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQ0usrOx5hAGcwNHycL-sGZDHuVS45PeIB4PM8jA3KQ6E1aZGSVJ8HCqBNizh1-8iYl84IN4_TEO-sR35WkdnMjTvMaMMX2YUZdSCvn4RPhU0qx1tCy8UbJZ7Ysf0TV7uwfhA3QTk28Xo8C7NkhbucfkEKRVcbac-SiwchGKzsgB0ztisXtMFu_E1E/s2048/A%20disputa%20entre%20o%20carnaval%20e%20a%20quaresma,%20de%20Pieter%20Bruegel,%20o%20velho.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1482" data-original-width="2048" height="464" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQ0usrOx5hAGcwNHycL-sGZDHuVS45PeIB4PM8jA3KQ6E1aZGSVJ8HCqBNizh1-8iYl84IN4_TEO-sR35WkdnMjTvMaMMX2YUZdSCvn4RPhU0qx1tCy8UbJZ7Ysf0TV7uwfhA3QTk28Xo8C7NkhbucfkEKRVcbac-SiwchGKzsgB0ztisXtMFu_E1E/w640-h464/A%20disputa%20entre%20o%20carnaval%20e%20a%20quaresma,%20de%20Pieter%20Bruegel,%20o%20velho.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="https://open.smk.dk/artwork/image/KMS1639" target="_blank">A disputa entre o carnaval e a quaresma</a>, de Pieter Bruegel, o Velho</td></tr></tbody></table></p><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Títulos longos e proféticos marcam o mais recente livro de contos de Nélio Silzantov. Formado por uma coleção de textos curtos, ele se divide em quatro partes: <i>O estado é uma máquina de triturar homens</i>;<i> Os homens são bestas que se devoram e louvam</i>;<i> O credo é a peste sedenta de morte</i>;<i> Com quantos caracteres se constitui um caráter?</i></div><br />
Já vemos indicados aí temas que atravessam as histórias. Entre eles, os avanços tecnológicos de controle, a influência do poder religioso na política e no imaginário cotidiano, o moralismo regendo as relações sociais e, claro, tudo o que pode haver de abjeto nesses tópicos.<br /><br />
Há no livro diversos outros, não menos impactantes. Há uma profusão de citações a pensadores de áreas como a ciência, a filosofia e as artes. Há também o entrecruzamento de línguas, em especial o português, o inglês e o espanhol, sugerindo trânsitos culturais.<br /><br />
Nélio desenvolve suas narrativas com cenas breves, de acontecimentos quase sempre pontuais e determinantes, que arrasam a vitalidade das personagens. Pois não se trata apenas de uma violência que dá cabo à vida, mas de violências diversas que minam o próprio sentido da existência, levando o conceito de humanidade até o limite.<br /><br />
No fim, seus contos nos fazem perguntar: é o horror o que nos aguarda? Ou essa é uma profecia já realizada? Os comentários do autor a seguir nos ajudam a formular nossas próprias conclusões.<br /><br /><b>
1. Em sua mensagem aos leitores, logo no início do livro, lemos que em <i>Br2466 ou a pátria que os pariu</i> existe uma “escrita como expurgo”, no sentido de que os textos vieram ao mundo num ato de libertação, talvez numa tentativa de se afastar das impurezas em que estamos metidos. Em que medida esses contos carregam um ideal de vida pessoal e social?</b><br />
Olhando para eles com essa finalidade, acredito que indicam sentidos opostos aos que ali são representados e que levaram as personagens ao estado decadente em que se encontram. O que reconheço não ser tão óbvio, por isso, antes de publicá-los e mesmo agora, considero válido dizer algo aos leitores como introito à experiência literária propriamente dita. Os contos de <i>Br2466</i> são antes de tudo uma sátira sobre a barbárie, sem concessões ao potencial de horror ao qual somos capazes de praticar, nem promessas fáceis e horizontes utópicos; pois acredito que, se quisermos desbarbarizar a sociedade, é preciso antes e acima de tudo não apenas desvelar suas máscaras, mas irmos fundo em suas entranhas a fim de reconhecermos o estado em que nos encontramos. Mais do que uma distopia, costumo me referir aos contos em questão como uma realidade aumentada ou imagem da nossa sociedade vista por uma lente de aumento. E nesse sentido, o da possibilidade de apontar para aquilo que nem todos veem, acho que eles cumprem bem o papel, se quisermos atribuir algum tipo de papel à literatura.
<br /><br /><b>
2. Diversas referências a livros, músicas, acontecimentos socioculturais, entre outras, permeiam os contos. Muitas vezes as citações estão explícitas, outras vezes elas se encontram veladas. Essa sua literatura acontece num diálogo com outros pensadores? Como você faz para manter sua voz em meio àquelas que influenciam sua escrita?</b><br />
Sou bastante influenciado por tudo aquilo que me afeta. Mas costumo dizer que a música é a base primária de minha intelectualidade. Gosto muito de observar e estudar o que meus colegas contemporâneos têm feito, mais até do que os clássicos do cânone. Em todo caso, considero impossível não estabelecer diálogos quando nos dispomos a falar algo. Estamos sempre reverberando algum discurso, seja em sua totalidade ou de forma fragmentada e unida a outras vozes, concordemos com elas ou não. Em certa medida, isso nos leva ao velho problema da “apropriação” e da “mimese”, que, vale dizer, não se restringe à representação da natureza, no sentido mais comum do termo; mas como o empréstimo de imagens, pensamentos e sentimentos que extraímos de algum autor para fazer um uso distinto, aproximado ou irmos além do original. E assim chegamos na questão da voz pessoal, ou daquilo que nos distingue dos demais escritores. Volta e meia interrogo a mim mesmo quando analiso minha escrita e a escrita de outros colegas. Mas a questão que eventualmente me coloco não é se devo ou não me apropriar de algo ou mimetizá-los, mas como utilizar tais referências. Até mesmo porque, em termos de criação artística, ser original não é criar algo do nada, mas saber como ou em que medida mostrar, dizer ou representar de modo distinto aquilo que todo mundo vê, possibilitando experiências de outra ordem.
<br /><br /><b>
3. Como distopias não muito distantes – às vezes já realizadas –, seus contos mostram violências de diversas ordens, como opressões sociais, julgamentos morais, abusos de poder, entre outros absurdos, virulências, escatologias bastante factíveis. A humanidade é levada até um limite, que funciona como uma espécie de alerta. Por que escrever tendo em vista esse fim? E como você tem percebido a recepção de seu livro entre os leitores?</b><br />
De modo muito trágico nos tornamos naqueles personagens históricos que nos inquietavam nas aulas de História do Ensino Médio. Durante muito tempo nos pareceu difícil acreditar como foi possível tamanha passividade, conveniência e cumplicidade com inúmeras tragédias e barbáries, como Auschwitz, e quando menos esperamos quase repetimos o erro. Penso que um alerta, uma advertência ou lembrete nos serve justamente para não confiarmos tanto em nossa memória ou na memória daqueles que elegemos para administrar e zelar nossa vida em sociedade. Quem leu <i>Desumanizados</i> e me acompanha sabe que a condição humana, a violência e a finitude da vida são questões caras em minha escrita. Em certa medida, <i>Br2466</i> é um alargamento dessas questões, vistas e expostas com o auxílio daquela lente de aumento. Neste sentido, a recepção do livro tem sido bastante positiva, ao menos até aqui. Mesmo porque, assim como inúmeros escritores iniciantes, independentes ou publicados em pequenas casas editoriais, meu círculo de leitores é bem curto e a qualquer momento alguém considerará minha literatura uma perda de tempo. Isso faz parte do jogo e não me preocupa. Eu até poderia escrever meus livros de outra forma, mas prefiro acreditar que eles são exatamente o que deveriam ser. Cada obra exige um tom e um estilo único que somente seu autor ou sua autora são capazes de imprimir. O maior desafio de quem assume a ficção como ofício é representar aquele olhar diferenciado, mesmo quando falamos sobre as mesmas coisas.
<br /><br /><b>
4. Os contos da parte final parecem mais colados a acontecimentos recentes da nossa realidade. O que falta para essa “pátria que os pariu” se tornar uma “pátria que nos pariu”? E, aproveitando, de onde vem o “Br2466” do título, que parece indicar uma rodovia, uma lei, talvez uma data futura? Ou até um “666”, se somarmos o 2 e 4...</b><br />
Talvez a grande questão que não se encontra no livro e dependa muito mais de nossa interpretação seja justamente essa, tentar entender em que medida a pátria ali representada é mãe das personagens que povoam suas páginas e não daquele que as escreveu e seus leitores. Se nosso olhar for pessimista/fatalista — ou realista, como eles se consideram —, talvez não haja diferença entre nós e os personagens de<i> Br2466</i>. Se assim encararmos a questão, então seu título pode muito bem ser compreendido como uma referência a esse caminho/rodovia em direção à barbárie, às leis que validam os Estados mais atrozes e totalitários, ou mesmo às representações apocalípticas. Se incluirmos uma data nessa semiologia, apesar da catástrofe em seu horizonte, não deixa de ser uma visão bastante otimista e utópica imaginarmos que a humanidade ou mesmo o planeta continuará existindo por mais quatro séculos, independentemente da forma como o exploramos. Em algum momento até cogitei utilizar BR666, mas logo considerei não muito criativo, sem falar no risco que tal referência implicaria nas leituras e interpretações. Na dúvida, preferi instigar o leitor a pensar sobre o título e abrir a possibilidade para que esse questionar o acompanhasse até o final da leitura, tendo a dúvida do que ali está escrito como companheira do início ao fim, colocando o pensamento em constante movimento.
<br /><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjoOslo-AhgzCHWrcRz0TFBJQ79-br1yvPzh0II02wCnM176d2ZHx9C-jNTqjKFJr8PnSinXDaEVap7_3X9oSk8SrLAurnKCpWUrL8Ujofr6X5EtBJRsTAogWb3m11WuvzpPbLV6XSwRw6QbjZoDHD16CsG5n7j33DwDoIFoP4H_FnYNS5ki6zrDV4S/s344/BR2466%20capa.png" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="344" data-original-width="239" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjoOslo-AhgzCHWrcRz0TFBJQ79-br1yvPzh0II02wCnM176d2ZHx9C-jNTqjKFJr8PnSinXDaEVap7_3X9oSk8SrLAurnKCpWUrL8Ujofr6X5EtBJRsTAogWb3m11WuvzpPbLV6XSwRw6QbjZoDHD16CsG5n7j33DwDoIFoP4H_FnYNS5ki6zrDV4S/s320/BR2466%20capa.png" width="222" /></a></div><br />O livro:<br /><b>
Br2466 ou a pátria que os pariu</b><br />
Autor: <a href="https://www.instagram.com/neliosilzantov/" target="_blank">Nélio Silzantov</a><br />
Editora: Penalux<br />
Ano: 2022<br /><b><a href="https://www.editorapenalux.com.br/loja/br2466-ou-a-patria-que-os-pariu" target="_blank">Clique para saber mais</a></b>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-67482224109385059152023-03-31T10:59:00.005-03:002023-04-10T10:03:00.913-03:00MINHA ESTREIA NO PORTAL LITERATURABR<p> </p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUDWdhOHf1ym7lFtwr3QHNP11Ihy1N67TZjTRk9GoB8OHoXg0Q2QQB7R3SWsMecbzC4v3cw2M9W-lMgRkNwuTC2kt033oB3usET8hfy7KXVcOOK0yf1-AbsIO1zwKvLQpgdbgBHqZsmFySb8UqqiAmcPcprfHStVigMLX_10j92Df9cGOQQzr39XuC/s1346/minha%20estreia%20no%20literaturabr.png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="648" data-original-width="1346" height="308" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjUDWdhOHf1ym7lFtwr3QHNP11Ihy1N67TZjTRk9GoB8OHoXg0Q2QQB7R3SWsMecbzC4v3cw2M9W-lMgRkNwuTC2kt033oB3usET8hfy7KXVcOOK0yf1-AbsIO1zwKvLQpgdbgBHqZsmFySb8UqqiAmcPcprfHStVigMLX_10j92Df9cGOQQzr39XuC/w640-h308/minha%20estreia%20no%20literaturabr.png" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="https://www.literaturabr.com/2023/03/30/estatuto-social-da-pintura/" target="_blank">Clique aqui para acessar</a></td></tr></tbody></table><br /><p></p>
Escrevi durante 14 anos para o caderno de cultura do Correio Popular. O que de início foi a concretização de um sonho aos poucos se revelou uma oportunidade incrível de construir carreira e exercitar o pensamento. No jornal, tive a oportunidade de experimentar os mais diversos tipos de textos, dialogar com leitores e desenvolver meios de divulgar o meu trabalho.<br /><br />
Esse ciclo se encerrou no ano passado. Achei que era hora de me dedicar a outras coisas, mas o “impulso ensaístico”, por assim dizer, continuou a me requerer.<br /><br />
Pois é com imensa alegria que inicio agora uma contribuição com o <a href="https://www.literaturabr.com/?s=%22eduardo+a.+a.+almeida%22" target="_blank">portal LiteraturaBr</a>. Sou muito grato pela acolhida e pelo espaço que me concederam. Esse é um site repleto de conteúdo bem cuidado, dedicado a valorizar a cultura em geral, com destaque para a literária. Tem podcast, clube de leitura, artigos, resenhas, excerto de livros e muito mais, vale a pena conhecer.<br /><br />
Sinta-se mais do que convidado, convidada, convidade a acessar o LiteraturaBr. E aproveite para assinar a newsletter deles, que é gratuita e leva para o seu e-mail alguns destaques do conteúdo publicado ali.<br /><br />
Pretendo seguir escrevendo sobre literatura e artes visuais. E o primeiro texto, que acaba de sair, trata exatamente do embate entre essas duas áreas iniciado na Renascença e revisitado pelos impressionistas. Espero que goste. 😊<br /><br /><div style="text-align: center;"><b><a href="https://www.literaturabr.com/2023/03/30/estatuto-social-da-pintura/" target="_blank">Clique aqui para ler</a></b></div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-37468342313951047082023-03-16T13:51:00.004-03:002023-03-16T13:51:59.050-03:00GÊMEOS<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYs6dBnudIDLPjfQgAb_586lFR7V9elkiiUi0Oo5bWEUwmSqFeefXEdEx299Vf0eMNsYjVKZ53p4OCIgS4uAvwek3TW8Im9-Q8GtsWOROnqYkZHuPt3CFFL1idLmjbFQ5RsWLVhAsuW6kiDOsFEMoloAWIvLMHcvmCBzsCtIV_lx6M5I0l2U6Mh0Z4/s2400/jacob-capener-16eS7E50XvY-unsplash.jpg" style="display: block; margin-left: auto; margin-right: auto; padding: 1em 0px; text-align: center;"><img alt="" border="0" data-original-height="1602" data-original-width="2400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYs6dBnudIDLPjfQgAb_586lFR7V9elkiiUi0Oo5bWEUwmSqFeefXEdEx299Vf0eMNsYjVKZ53p4OCIgS4uAvwek3TW8Im9-Q8GtsWOROnqYkZHuPt3CFFL1idLmjbFQ5RsWLVhAsuW6kiDOsFEMoloAWIvLMHcvmCBzsCtIV_lx6M5I0l2U6Mh0Z4/s600/jacob-capener-16eS7E50XvY-unsplash.jpg" width="600" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto de <a href="https://unsplash.com/pt-br/fotografias/16eS7E50XvY" target="_blank">Jacob Capener</a></td></tr></tbody></table><div><br /></div>
Ninguém, em absoluto, tem conhecimento de que a Terra possui um planeta gêmeo, com as suas mesmas características, onde todavia a vida não se desenvolve. São idênticos os oceanos, as montanhas, as áreas desérticas, os polos Sul e Norte. Idênticas as luzes e sombras, ventos, correntes marítimas. E assim por diante. Com a diferença de que lá não se veem plantas, animais de qualquer espécie, sequer vírus e bactérias. Muito menos seres humanos. Nenhuma forma de vida habita tal lugar. Não por causa de ameaças fisioquímicas, por tragédias de tipo material ou transcendente, por guerras nucleares ou pandemias; a vida em nosso planeta-irmão não acontece por uma profunda impossibilidade. Como uma força indomável que nada permite, nem o premeditado e menos ainda o fortuito. Impossibilidade tamanha que tampouco nossos cientistas mais bem formados, equipados e assessorados, com toda razão, são capazes de tomar conhecimento desse corpo cósmico particular, ainda que suas dimensões não devessem passar despercebidas sequer a olho nu. Ninguém toma conhecimento dele, nem tomará, por mais semelhante que nos seja, pois mais próximo que se coloque em nosso sistema solar. Ao ponto em que sua gravidade tanto influencia a Terra que, de fato, ela se faz imprescindível para a nossa existência, tal como a conhecemos.Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-50564847944630270372023-02-17T11:02:00.002-03:002023-02-17T11:02:22.498-03:00QUEM SE ASSUSTA COM UM SUCESSO DESTES?<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKScyVIHVUN4fGnRLkUd9BftOuwn2wp6IDuf1VqXNPjMltmVFzkwOS7cv4G_tRSjVy-7SqixVsRkt__nQ35y9FprM4myOEGtwTNhTsvNuiPyO-RLZtErMbRJYasOjn5xUoEgwajS03it6cRPFzk_9zo9QcKb_U5Qu24wEY0WLxcpN3xcngLlERQMjE/s4000/20230211_081717.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="3000" data-original-width="4000" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKScyVIHVUN4fGnRLkUd9BftOuwn2wp6IDuf1VqXNPjMltmVFzkwOS7cv4G_tRSjVy-7SqixVsRkt__nQ35y9FprM4myOEGtwTNhTsvNuiPyO-RLZtErMbRJYasOjn5xUoEgwajS03it6cRPFzk_9zo9QcKb_U5Qu24wEY0WLxcpN3xcngLlERQMjE/w640-h480/20230211_081717.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Saiba mais sobre o livro no site da <a href="https://www.companhiadasletras.com.br/livro/9788556521354/gotico-nordestino" target="_blank">editora Alfaguara</a></td></tr></tbody></table><p> <br /><i>Gótico nordestino</i>, de Cristhiano Aguiar, reúne nove contos em que tradições brasileiras se encontram com outras da literatura fantástica, com destaque para o horror do século XIX.</p>
São histórias com clima bem construído e engenhosa condução do leitor pelo enredo, que sempre parte do drama de um personagem (diante de seus parentes e amigos, da comunidade, do destino etc.). Essa premissa particular acaba por ecoar algo mais geral, como políticas, futuros possíveis, relações sociais, entre outras. O resultado: trata-se mais de um livro sobre família do que propriamente um “horror raiz” feito de sangue e sustos. <div><br /></div><div>Ali, Campina Grande, cidade de origem do autor, se mistura com ficção científica, música, histórias em quadrinhos, Henry James, Poe e Lovecraft, nostalgia dos anos 1990, Covid-19 e inúmeras outras referências, em especial da cultura pop, numa miscelânea corajosa, que atualiza certos clichês do gênero, como vampiros e mortos-vivos. <br /><br />
Assim, o autor cria cenários, situações e conflitos complexos, sem cometer deslizes como o de explicar o que não precisa ser explicado, ou justificar o imponderável. <br /><br />
Seu livro tem ainda o benefício de aproximar de outras possibilidades literárias aqueles leitores mais chegados ao realismo, apresentando, sobretudo, o potencial de discussão política que o horror também oferece. Nesse sentido, o prêmio da Biblioteca Nacional conquistado pelo <i>Gótico nordestino</i> em 2022 não surpreende, mesmo se tratando de uma obra de gênero pouco reconhecido pela crítica em geral.
</div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-86664358296354358362023-01-19T10:19:00.001-03:002023-01-19T10:19:09.664-03:00FASE DE CRESCIMENTO<p> </p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgngiKxlJOChCe_llHPQDIItMuv_iKu9bK9HCHhdO5PcJI6X-BrXLhyyUQxhMP2zhU9ovc_QAa7e-AgkPR_BLxfrv5lIVgeXCzOEI0wr-g9NSwMJ5ZnAGUN7kGTgXmflx0lJEqP07Sa9QGZCaL_OVgfScXSg5uSYcJurwclKW2nmQNMMUQsUq9lTga_/s2400/gabby-orcutt-v-p36E5oLJ0-unsplash.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1600" data-original-width="2400" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgngiKxlJOChCe_llHPQDIItMuv_iKu9bK9HCHhdO5PcJI6X-BrXLhyyUQxhMP2zhU9ovc_QAa7e-AgkPR_BLxfrv5lIVgeXCzOEI0wr-g9NSwMJ5ZnAGUN7kGTgXmflx0lJEqP07Sa9QGZCaL_OVgfScXSg5uSYcJurwclKW2nmQNMMUQsUq9lTga_/w640-h426/gabby-orcutt-v-p36E5oLJ0-unsplash.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto de <a href="https://unsplash.com/@monroefiles?utm_source=unsplash&utm_medium=referral&utm_content=creditCopyText" target="_blank">Gabby Orcutt</a></td></tr></tbody></table><br /><p></p>
Vizinho de nós, constroem um prédio<div>cinquenta, sessenta, oitenta andares</div><div>– a certa altura já</div><div>não faz diferença –</div><div>é o maior, não o único</div><div>há também o complexo hospitalar</div><div>o mercado de luxos</div><div>a imponente loja disso ou daquilo</div><div>– todos projetos de um moderno “eixo” imobiliário</div><div>dizem, rumo ao futuro</div><div><br /></div><div>Enquanto, para mim, realmente grandioso</div><div>é ver seus pezinhos voltados para cima</div><div>no braço do sofá. Dez dedinhos redondos</div><div>no horizonte iluminado pelo abajur, dançando</div><div>ao som do desenho animado</div><div>que prenuncia o seu sono</div><div><br /></div><div>Lá fora, um mundo vasto reivindica</div><div>o seu caminhar. Mas ainda é tempo</div><div>de viver as pequenas alegrias</div><div>dar risinhos com o personagem maluco</div><div>ter medo do gigante, do dragão e</div><div>construir seu lugar na escala</div><div>do ser humano, nem um centímetro mais.</div><div><br /></div><div>*Minha pequena Lis faz 5 anos! 😍</div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-92097524982206742002023-01-13T13:52:00.001-03:002023-01-13T13:52:16.455-03:00ESPELHO D'ÁGUA<p> <table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAyaxFswK1sRHyvEiXaWvJo4cu8WVzQvwn4JV4XlQ8mKQ4I6XKePg4JvZk6Ei3YXN4rc2M0GB8TgY26VKKT4sm6MthlY_Bg_7xLqgjfrRMvDuBSSbqqEZGkFd5mtJY8ZmM1A85RRPvnNXXshmQlHBCH6LVcLKM3A4NrF_fVDdl1X61oGk5WaZjrXEC/s1920/francesco-ungaro-8YrVWny7224-unsplash.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1280" data-original-width="1920" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAyaxFswK1sRHyvEiXaWvJo4cu8WVzQvwn4JV4XlQ8mKQ4I6XKePg4JvZk6Ei3YXN4rc2M0GB8TgY26VKKT4sm6MthlY_Bg_7xLqgjfrRMvDuBSSbqqEZGkFd5mtJY8ZmM1A85RRPvnNXXshmQlHBCH6LVcLKM3A4NrF_fVDdl1X61oGk5WaZjrXEC/w640-h426/francesco-ungaro-8YrVWny7224-unsplash.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto de <a href="https://unsplash.com/it/@francesco_ungaro?utm_source=unsplash&utm_medium=referral&utm_content=creditCopyText">Francesco Ungaro</a></td></tr></tbody></table><br /></p>
Não sei se li em algum lugar <div>ou se imaginei por conta própria </div><div>certa civilização que mantinha </div><div>tradição infalível contra desavenças: </div><div>consistia em juntar dois rivais </div><div>numa tina de banho </div><div>para ali se lavarem até que </div><div>suas diferenças se diluíssem </div><div><br /></div><div>Daquela água suja saíam </div><div>nem puros nem amigos </div><div>saíam uma gota mais conscientes </div><div>de seus limites e do pó </div><div>do mundo que lhes é comum </div><div><br /></div><div>Pó dos ossos antepassados </div><div>farinha dos pães frescos </div><div>a serem partilhados.</div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-87709555401798145282022-12-23T07:00:00.002-03:002022-12-23T16:42:09.733-03:00<p> </p><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlJc1P1pTArWifoM8-CXs4aU44FpK16GWT1FBhS2a4ZdU3RXXon0bNrpPZrtveG5XozOcdQQBvmXmcNqsF1fNmEn-ZL6G5PgsgCJY68pwtlkpNpnSp0oROE3nMZzXM-BLxdVAH_s2nKHXVL03f7pfpkjV0svf60gxGtg13AIzJsXe106_WrJzfe1Wm/s1600/fim%20de%20ano%20Arte%20Faz%20Parte%20(blog).png" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1600" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlJc1P1pTArWifoM8-CXs4aU44FpK16GWT1FBhS2a4ZdU3RXXon0bNrpPZrtveG5XozOcdQQBvmXmcNqsF1fNmEn-ZL6G5PgsgCJY68pwtlkpNpnSp0oROE3nMZzXM-BLxdVAH_s2nKHXVL03f7pfpkjV0svf60gxGtg13AIzJsXe106_WrJzfe1Wm/w640-h360/fim%20de%20ano%20Arte%20Faz%20Parte%20(blog).png" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"></td></tr></tbody></table><div><br /></div><div>Em mais uma partida deste jogo da vida, encontrei mais sorte do que reveses. Fico feliz de chegar onde cheguei. E como cheguei. E com quem. </div><div><br /></div><div>Espero que 2023 traga oportunidades para todos. Vamos jogar juntos?</div><p></p>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-1961534463643128162022-10-28T10:59:00.002-03:002022-10-28T11:01:34.620-03:00QUEM VEM LÁ?<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2rfUyRY2nV74ksORomfg_pWRbNjBtF_oUTBD-WYIhOGfnOD-QYF27Ivq7sWKWP7u1M8oyuZpk1wcv94dHfLpOvyAPfcbGzYXebsR2YVv5jtQCey45Qa2EyY3sCiLukDeCMMiemPnsfX8X0Nh__QZVKtszzzftPc6V1HhJBADYEVxVW4V-Bf8NRFG8/s1100/arte%20faz%20parte%20800%20cliques%20blog.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="900" data-original-width="1100" height="524" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2rfUyRY2nV74ksORomfg_pWRbNjBtF_oUTBD-WYIhOGfnOD-QYF27Ivq7sWKWP7u1M8oyuZpk1wcv94dHfLpOvyAPfcbGzYXebsR2YVv5jtQCey45Qa2EyY3sCiLukDeCMMiemPnsfX8X0Nh__QZVKtszzzftPc6V1HhJBADYEVxVW4V-Bf8NRFG8/w640-h524/arte%20faz%20parte%20800%20cliques%20blog.png" width="640" /></a></div><div><br /></div>Criei o blog Arte Faz Parte para compartilhar na internet os textos que saíam na minha coluna, no caderno de cultura do <a href="http://www.artefazparte.com/search/label/Correio%20Popular%20de%20Campinas" target="_blank">Correio Popular</a>. Isso faz quase 15 anos! Naquela época, o jornal era impresso, e somente os leitores do interior de São Paulo tinham acesso. Fiz o blog para meus amigos poderem ler também. <div><br /></div><div>Gostei de experimentar este formato, acabei publicando uma porção de outras coisas aqui, e o blog teve fases diversas (algumas mais maduras, outras meio embaraçosas). Nunca me preocupei com estabelecer diretrizes, ser coerente, responder a alguma expectativa de público. Não me lembro de já ter excluído publicações que agora considero irrelevantes. Até hoje, não sei quem o acessa e quem lê. </div><div><br /></div><div>Mantenho este espaço para ter um histórico do meu trabalho, para jogar garrafas no oceano, para eventualmente alguém encontrar um meio de me <a href="http://www.artefazparte.com/p/contato.html" target="_blank">contatar</a>. E, com alguma frequência, essas garrafas retornam. Pode ser um comentário, uma marcação em redes sociais, um sinal de fumaça </div><div><br /></div><div>Hoje, para minha surpresa, recebo um e-mail informando que o blog foi acessado 800 vezes em apenas um mês, a partir de pesquisas feitas no Google.</div><div><br /></div><div>Não sei se isso é muito ou se é pouco, de acordo com parâmetros assim ou assados. Fato é que fiquei feliz por saber que reuni, neste espaço virtual, com passos de tartaruga, um conteúdo que ainda gera interesse.</div><div><br /></div><div>Com o nascimento do meu segundo filho, no final de 2021, o blog passou um ano estagnado, assim como minha produção artística em geral. Mas o menino já está quase andando, e pretendo dar mais atenção ao Arte Faz Parte em 2023. Afinal, em breve o blog fará 18 anos e começará a responder por seus próprios atos. Vou curti-lo enquanto posso.
</div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-37352447322018036202022-09-13T10:06:00.006-03:002022-09-13T10:06:42.310-03:00DESPERTAR PARA A POESIA<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkU6_zMAlfT2xvnxLhLeNZlMp6BgB80DOTFssUp-t7vwFoJztSFm4TjuYu855_-lhhyqvF5ODBVrfKQnj0DkPXV2v5eRz1RsWCylekwCyCsD2EqdK3KL49GJ_k1Apqm0oSA4oM_xc8FVQ_Mcf6ozjpv2Bo4SsndmL7OhtN1L5_p7Jfg3jcCZz6gQDD/s3642/20220913_095031_2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img border="0" data-original-height="2049" data-original-width="3642" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkU6_zMAlfT2xvnxLhLeNZlMp6BgB80DOTFssUp-t7vwFoJztSFm4TjuYu855_-lhhyqvF5ODBVrfKQnj0DkPXV2v5eRz1RsWCylekwCyCsD2EqdK3KL49GJ_k1Apqm0oSA4oM_xc8FVQ_Mcf6ozjpv2Bo4SsndmL7OhtN1L5_p7Jfg3jcCZz6gQDD/w640-h360/20220913_095031_2.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="https://www.quelonio.com.br/product-page/dispersar-todo-sonho-lolita-campani-beretta" target="_blank">Clique aqui para ver o livro no site da editora Quelônio</a></td></tr></tbody></table><br /><br /><i>Dispersar todo sonho</i>, de Lolita Campani Beretta, seria um chamado à vigília? Seus poemas, sem dúvida, oferecem uma (re)descoberta da realidade, como quando esmiúçam as diferenças e semelhanças entre facas e plumas, quando se debruçam sobre o corpo humano, quando pairam sobre o mar, quando se voltam às lembranças de infância, entre outros dos seus diversos temas. Em contrapartida, o libertário pulso criativo do inconsciente é também convocado a produzir epifanias, muitas delas de caráter surreal, como a de engolir pássaros, matar plantas com água fervente, lançar móveis pela janela, visitar um cinema abandonado no deserto... A riqueza desse imaginário sensato ou onírico nos acompanha nas mais de 100 páginas do livro, com o texto diagramado como num jogo ou numa dança, oferecendo mais esse elemento para nossa apreciação estética.<div><br /></div><div>Somos, por vezes, conduzidos através de longas explanações, que têm algo de narrativas, versando sobre determinado assunto. Em outros casos, o poema se resume a uma só frase. Seja como for, já sempre uma intimidade prestes a implodir, pois não pode permanecer confinada na simplicidade das palavras com que se apresenta. Essa espécie de cotidiano pessoal vai ganhando ares de universal na medida em que o olhar lírico atento se dedica àquilo que, a princípio, parece desimportante, mas que se revela fundamental. <br /><br />A fotografia, a areia da praia, a pele, a ruína, a fenda, a máquina, entre outros substantivos configuram formas de existência elaboradas com delicadeza, sinceridade, lentidão. Surpreende que nada do livro esteja fora do lugar, nada seja acessório, marca de uma maturidade invejável para a estreia da autora. Assim, <i>Dispersar todo sonho</i> é, no mínimo, um despertar para o que a boa poesia pode nos oferecer.</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br />Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-56997536551229092042022-09-09T11:17:00.001-03:002022-09-09T11:17:27.638-03:00EM CAMPINAS OU EM CARTAGO, A UNIVERSALIDADE É UMA ABSTRAÇÃO<div><i>Na entrevista a seguir, o escritor Fábio Mariano fala sobre sua novela Habsburgo, que apresenta uma trama de relações entre o próximo e o distante.</i></div><div><br /></div><div><i><a href="https://www.editorapatua.com.br/habsburgo-de-fabio-mariano/p" target="_blank">Habsburgo </a></i>(Editora Patuá, 2019), de <a href="https://www.instagram.com/ofabiomariano/" target="_blank">Fábio Mariano</a>, é uma história de relações entre humanos, como muitas. Porém, diferente da maioria, traz como panos de fundo a vida universitária e o mercado de arte. Vemos os personagens Carlos e Coca Munhoz se conhecerem quando ainda são estudantes e desenvolverem uma amizade permeada por conflitos, mal-entendidos e mútua admiração. Coca, agenciado pelo companheiro, acaba por se tornar um artista plástico de carreira internacional, e o círculo de pessoas ao seu redor deixa a trama cada vez mais complexa. </div><div><br /></div><div>Fábio Mariano usa recursos narrativos para acentuar isso. Desde o flashback – praticamente a história toda é contada por Carlos durante o encontro com uma amiga num café – ao anacronismo e à sobreposição de espaços – Brasil e República Tcheca se confundem, assim como épocas distintas, de modo que Chopin, Campinas, pizzas e pieroguis, entre outras referências culturais se misturam, criando a estranha sensação de que algo se deslocou no tempo e no espaço.</div><div><br /></div><div>Presos nessa rede, os personagens buscam formas de escapar. Quando nos damos conta, fomos capturados também, e seguimos com o livro aberto até que as páginas se esgotem.</div><div><br /></div><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwNeE6cIMiIgNDETOgTE4Zg-Itg-Zp1nSwYxJdagoKAUPOFixLwGMne7k4Up-Wj2kmLb4aO1794klJX2Y9nQW7FQOQ4Pu02v4q5D5AcI2rIFZdBMavGzuf0XS7mnpswtyEkFFmjArN-xA/s4000/Habsburgo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="2056" data-original-width="4000" height="328" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwNeE6cIMiIgNDETOgTE4Zg-Itg-Zp1nSwYxJdagoKAUPOFixLwGMne7k4Up-Wj2kmLb4aO1794klJX2Y9nQW7FQOQ4Pu02v4q5D5AcI2rIFZdBMavGzuf0XS7mnpswtyEkFFmjArN-xA/w640-h328/Habsburgo.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a class="ay vd" href="https://www.editorapatua.com.br/habsburgo-de-fabio-mariano/p" rel="noopener ugc nofollow" style="-webkit-tap-highlight-color: transparent; background-color: white; box-sizing: inherit; font-family: sohne, "Helvetica Neue", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px;" target="_blank">Clique aqui para acessar o livro no site da editora Patuá</a></td></tr></tbody></table><br /><div><br /></div><div><b>1. Em <i>Habsburgo</i>, Campinas e Cartago são coincidentes. Ouve-se Chopin como uma espécie de hit do momento, há um sentimento de que tudo foi realocado no tempo e no espaço. Identificamos algo familiar naquilo que parece estranho, tais como hábitos estrangeiros, receitas culinárias, nomes de lugares etc. Esse recurso indica certa universalidade das relações humanas, assim como de afinidades culturais, trânsitos, atravessamentos e influências em um mundo “globalizado”? Você teve que pesquisar referências para enriquecer o livro?</b></div><div><br /></div><div>Eduardo, antes de mais nada, queria agradecer pelo convite e pela leitura atenta e cuidadosa do livro, que se revela nas perguntas complexas e interessantes que você coloca. Vou começar respondendo à questão da sobreposição entre Cartago e Campinas, porque Cartago é o meu universo desde o primeiro livro, <i>O gelo dos destroieres</i>, e atravessa os contos esparsos que publiquei, e também o terceiro livro, <i>Ruído branco</i>. Meu projeto literário sempre teve a ver com a criação dessa cidade, desse universo ficcional que dialogasse com Campinas, com esse paradoxo que é uma cidade “grande do interior”, a capital frustrada, o lugar onde as coisas abrem e depois fecham, onde existem sempre a noção de um potencial não realizado, como se fosse uma maldição. Ao mesmo tempo, Campinas é uma cidade em que, se você procurar, encontra coisas muito únicas, muito particulares. Eu me lembro, quando estudava russo, de procurar gramáticas nos sebos e encontrar uma gramática do russo em espanhol. Aquilo tem uma história, sabe, alguém que era falante nativo de espanhol e estava aprendendo russo, ou que era professor de russo e tinha alunos que falavam espanhol, existe uma história única naquilo. É uma cidade com uma universidade enorme, cheia de pessoas de todos os lados que vieram parar aqui, que ficaram. Eu nasci em São Paulo e vim para cá, e cresci sempre cercado de pessoas que não eram daqui; nesse sentido é mesmo uma cidade, um entrecruzamento de rotas onde as pessoas vão ficando. Por isso, em parte, Cartago é atravessada por pessoas de diferentes lugares – porque essas pessoas fundam restaurantes, abrem lojas, se empregam no serviço público, a vida inteira eu estive rodeado dessas pessoas, que vinham de outro lugar. Quanto às referências, acho que é importante dizer que esse livro nasce de uma pesquisa muito específica sobre as relações entre professor e aluno e, ao mesmo tempo, sobre o gênero novela. Antes de escrevê-lo, eu cursei uma disciplina na universidade que era justamente sobre a relação professor-aluno na literatura, e aquilo me marcou. Coincidência ou não, vários dos autores eram nascidos no antigo império austro-húngaro, o império dos Habsburgo. Eu sou fascinado por esse império justamente por ele ter sido, numa época de nacionalismos extremados, um império multinacional. Essa diversidade faz com que os pontos de vista diferentes que existem ali sejam muito enriquecedores. Acho que é o Eric Hobsbawm que fala (mas posso estar enganado nessa referência) que Sarajevo abre e fecha o século XX, e o estouro da primeira guerra mundial, ali, é de fato o fim de muita coisa, e isso me fascinava e fascina ainda. Então, ao mesmo tempo em que existiu uma pesquisa muito grande sobre o império, e aí sobre as filiações, as diferentes nacionalidades que o compunham e os diferentes interesses que o envolviam, todos eles pincelados no livro, há um interesse meu de longa data pelas produções culturais dele que é anterior. Eu escrevi o livro quase todo à mão, no primeiro rascunho, ouvindo o quarteto de cordas do Janácek “Sonata a Kreutzer”, que eu tinha ouvido ao vivo num espaço cultural aqui de Campinas uns anos antes e que tinha me deixado obcecado. Então, nesse sentido específico das referências culturais, eu não pesquisei diretamente para o livro – elas foram se encaixando naturalmente, em função de uma pesquisa anterior e mais extensa sobre o império dos Habsburgo.</div><div><br /></div><div><b>2. A história aborda certos aspectos da produção, da circulação e do comércio de arte, e assim ajuda a desmistificar um tema que ainda hoje carrega certa aura. Você tem familiaridade com o assunto? De onde vem esse interesse e o que o levou a incluí-lo em <i>Habsburgo</i>?</b></div><div><br /></div><div>A origem desse livro é um conto fracassado. O Coca Munhoz aparece, pela primeira vez, em <i>O gelo dos destroieres</i>, numa cena que é contada de um ponto de vista que não é o dele (é como se o conto fosse o negativo fotográfico dessa novela). E desde então eu tentava escrever um conto sobre o Coca, que teve uns quatro rascunhos, mas que não dava certo. Foi na disciplina que mencionei, sobre a relação professor-aluno, que a coisa se encaixou na minha cabeça; foi ali que eu achei uma forma. Ainda assim, eu escrevi quatro começos diferentes, em terceira pessoa primeiro, depois em primeira com o Coca, até achar finalmente a voz do Carlos. Porque isso para mim era importante – não falar desse mundo da arte com a propriedade de quem o viveu. Escolher o Carlos como narrador coloca a distância do espectador; por mais que seja um crítico, ele nunca consegue de fato adentrar o processo de criação. Eu pessoalmente não conheço nada do comércio de arte, então também é algo que fui indagando e pesquisando, mas não pelos detalhes, e sim para poder ambientar essa história. Eu queria trabalhar com um artista plástico porque, na verdade, é a arte mais distante de mim, e é uma das minhas grandes frustrações. Eu já tentei, e eu não consigo desenhar, pintar, esculpir, nada; não consigo ter a mínima habilidade em nada disso. Então, o processo criativo, que para mim na literatura é muito claro, na música faz sentido, já que eu toco instrumentos e já compus, mas nas artes visuais é um mistério total. Se você não domina a técnica, como é que você faz para saber as suas potencialidades de criação, as suas possibilidades, o que você consegue dizer e fazer? Então, a escolha do Carlos como narrador e o fato de ela ter destravado essa história tem a ver com conseguir achar um ponto de vista para falar que não fosse de um profundo conhecedor. Agora, quanto à dinâmica do mercado, a questão do assédio, os segredos, as informações privilegiadas, para mim isso é a marca de qualquer mercado, e esse glamour que recobre é uma máscara que, de fato, mistifica. Isso acaba dando uma espécie de validação, de salvo-conduto, para que pessoas reconhecidas como “gênios” tenham licença para ter comportamentos abusivos, violentos, destrutivos, o que é um absurdo. Por isso, também, eu quis explorar um pouco as ramificações desses comportamentos, os impactos, as marcas que não passam.</div><div><br /></div><div><b>3. O mesmo vale para o ambiente universitário, tanto em relação ao ensino quando às pesquisas científicas. Sei que você tem uma afinidade particular com isso. De que maneira sua experiência pessoal atravessou o enredo do livro?</b></div><div><br /></div><div>Uma das maneiras de entender esse livro, para mim, é uma grande homenagem à universidade onde me formei, a Unicamp, uma universidade que representa tudo o que eu quero e valorizo no ensino superior – um ensino público, gratuito, de qualidade e que se torne cada vez mais democrático e acessível. Algo que está em risco no Brasil há um bom tempo, e que temos que lutar para manter. De certa maneira, a vida do Carlos é tão atrelada a dois polos, o Coca e a universidade, que ele só narra isso. É como se nada mais existisse na vida dele – família, antecedentes, nada. É como se tudo começasse e terminasse na universidade. A Unicamp mudou a minha vida, e eu sou completamente ligado a ela – hoje, inclusive, profissionalmente, já que sou professor num dos colégios técnicos dela e faço o doutorado lá. Mas acho que, mais que tudo, o que eu procurei recriar ali foi o sentimento de estar na universidade, de atravessá-la, porque esse sentimento é algo que não encontrei na literatura brasileira ainda. A descrição das paisagens do distrito universitário e da própria universidade não é gratuita – ela é, também, uma representação e um diálogo com o que aconteceu com a Unicamp e o distrito da cidade onde ela fica, Barão Geraldo, entre 2007 e 2017, que eram minhas datas de referência naquele momento, e das descrições e histórias de um pouco antes. Mas na ficção a gente cria, transforma, faz alquimia com as referências, e há ali também pitadas de outros campi que eu conheci: a Unesp de Franca, a USP Pinheiros, a Uni Duisburg-Essen, onde estudei na Alemanha, e a Universidade do Mississippi, nos EUA. É engraçado que a relação com o livro é invertida – hoje, meu doutorado é sobre o <i>academic novel</i> americano, os romances que se passam na universidade e têm como personagens principais os docentes. Quando escrevi <i>Habsburgo</i>, eu ainda não fazia esse doutorado; em certo sentido, foi o livro que me levou ao doutorado e à pesquisa que faço hoje. O livro atravessou a minha experiência depois de minha experiência ter atravessado o livro. </div><div><br /></div><div><b>4. A história de <i>Habsburgo</i> parte da amizade do protagonista Carlos e de seu amigo artista Coca Munhoz, que se conhecem durante a graduação, e segue até o momento em que ambos têm carreiras consolidadas. Ao longo desse tempo, novos personagens aparecem e deixam tudo mais complicado. São abordados temas como as relações entre professor e aluno, amizades que se desfazem, jogo de interesses, assédios de vários tipos, contatos internacionais, passado e presente, vivos e mortos, enfim, apresenta-se uma circularidade da qual não se escapa e que aponta para algo maior, como a própria história da humanidade, que de alguma maneira jamais deixa de se repetir. Você tinha essa pretensão ao escrever o livro?</b></div><div><br /></div><div>Com certeza. Se por um lado é um livro que tenta recriar um ambiente específico e um sentimento específico dentro de determinadas estruturas, pensar a partir da universidade e da trajetória de uma carreira docente, ele é também um livro que aponta, sempre, para algo que extrapola aquele ambiente. A gente costuma se referir a essas questões como universais, mas elas só acontecem dentro de determinadas configurações, o universal é sempre uma abstração. As amizades só acontecem dentro de uma certa configuração – a universidade, o bairro, a rua, as cartas, as redes sociais, e isso muda, cria especificidades, possibilidades diferentes. Mas para mim essas estruturas serviam justamente para que eu pudesse explorar questões, para que eu pudesse olhar para a humanidade. O título e a sinopse do livro não combinam muito – mas os detalhes todos do livro apontam para o título, e para um momento específico, para o fim do império dos Habsburgo, o momento de crise, o momento no qual as contradições dentro daquela panela de pressão que o era território austro-húngaro explodiram. Ali, não foi só um império que se desfez, foi uma configuração do mundo. Então, o que eu queria era explorar essas complexidades, não numa chave alegórica, mas de diálogo mesmo com as referências, uma espécie de montagem entre o livro e suas referências para provocar o leitor a fazer uma aproximação que chega a parecer um convite indevido, mas que teima, insiste, reaparece. Esses temas, a fundo, são a espinha dorsal do livro, o que não é dizer que o enredo é menos importante, porque é o enredo que permite a relação entre todos os temas, mas é um pouco como o André Malraux fala sobre o Faulkner: parece que ele cria primeiro as situações para depois imaginar os personagens nelas. Eu tinha esses temas todos em mim, mas precisava de um enredo e de uma voz, até que encontrei o Carlos.</div><div><br /></div><div><b>5. A novela <i>Habsburgo</i> é seu segundo livro (o primeiro foi <i>O gelo dos destroieres</i>, de contos, publicado em 2018). Depois você publicou <i>Ruído branco</i>, também de contos, em 2021. Todos os três pela editora Patuá. Está trabalhando em novos projetos atualmente? O que vem por aí?</b></div><div><br /></div><div>A história do <i>Ruído branco</i> é curiosa. Ele foi publicado numa parceria entre a Patuá e a Ofícios Terrestres, editora independente aqui de Campinas, do Gabriel Morais Medeiros, que é um baita poeta e um amigo de muitos e muitos anos. O livro foi contemplado pelo ProAC de 2019, e era para ter saído em 2020; ele até saiu, mas o projeto envolvia uma turnê de lançamentos pelo interior de São Paulo, e mais várias ações que tiveram que ser remanejadas por conta da pandemia. Acho que eu não consegui escrever sobre como a pandemia afetou o cotidiano de um personagem em parte porque ela afetou o meu projeto literário daquele momento – e aí, é estranho, mas de uma certa forma acho que a minha energia para pensar a relação pandemia-literatura ficou confinada nessa reconfiguração do projeto. E quem me apontou uma saída para isso foi justamente o Gabriel, quando me ofereceu a possibilidade de traduzir um poeta alemão chamado Paul Boldt. Saiu uma plaquete no ano passado, com quatro poemas, que integrou a coleção de plaquetes da Ofícios Terrestres, e em breve (estamos calculando para setembro ou outubro) deve sair a versão que tem 21 dos 84 poemas deixados pelo Boldt (é a primeira tradução dele no Brasil, eu espero que outros tradutores e estudiosos se interessem e mergulhem, traduzam, retraduzam!). Além disso, tenho um projeto de contos para o ano que vem, um projeto que vai se materializar e que é uma parceria com outros dois escritores que admiro muito. E eu ainda tenho outros projetos que vão avançando, mas a passos mais lentos; a verdade é que eu comecei a escrever os contos de O gelo dos destroieres lá em 2012, como um estudo para o ambiente e possíveis personagens de um romance. E o caderno de anotações para esse romance se desdobrou, se transformou em outros projetos, mas o núcleo dele também continua ativo. O que posso dizer com certeza é que, seja em que formato for, Cartago vai continuar sendo o cenário da minha ficção. E que vêm mais histórias de Cartago por aí!</div><div><br /></div><div style="text-align: left;"></div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-15214131749043669912022-07-26T09:25:00.001-03:002022-07-26T09:25:19.475-03:00BRASIL, TERRA SERTANEJA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2M0Da2ydxCbeHdE8QPrZKBQ3VsnV5bOniRn3VroJepAuIlKWV0827E8DaDs_0moCLbosayhqMKNUbkSvyVMsTjbwN-5rjB-N9zfT6-DPiR7_ayWjP-9LEsmjL56HVYKH9RdQzTzIrCckMwjhLcrlofcXeC0YuKTty-skUORkQo_vtYLZ9XCta12re/s2992/20220726_085645.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2992" data-original-width="2992" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi2M0Da2ydxCbeHdE8QPrZKBQ3VsnV5bOniRn3VroJepAuIlKWV0827E8DaDs_0moCLbosayhqMKNUbkSvyVMsTjbwN-5rjB-N9zfT6-DPiR7_ayWjP-9LEsmjL56HVYKH9RdQzTzIrCckMwjhLcrlofcXeC0YuKTty-skUORkQo_vtYLZ9XCta12re/w640-h640/20220726_085645.jpg" width="640" /></a></div><div><br /></div>ERVA BRAVA, de <a href="https://www.instagram.com/paullinytort/" target="_blank">Paulliny Tort</a> (<a href="https://www.fosforoeditora.com.br/" target="_blank">Editora Fósforo</a>), reúne doze contos que se passam na cidade fictícia de Buriti Pequeno, no interior de Goiás. Daquela terra sertaneja brotam personagens como o agricultor turrão, a primeira-dama romântica, a benzedeira dedicada, a parteira feminista, o drogadito, o sineiro, o ludibriado, entre outros. Com seus dramas particulares, eles de alguma maneira contam do lugar onde vivem, assim como a cidade diz muito a respeito dos habitantes. No fim, uma parte não existe sem a sua contraparte. E digo contraparte porque tais relações não são pacíficas — boa quantidade dos conflitos do livro provém daí. Trata-se, sem dúvida, de um projeto literário belamente estruturado, com perspectivas e enredos variados, todos eles também conectados a um destino nada promissor: a destruição do município por um dilúvio no conto final, intitulado “Rios voadores”. Com isso, lava-se a alma de um Brasil perdido entre as modernidades, tradições e contradições do agronegócio, do tráfico de drogas, da corrupção, da herança colonial, da intolerância, do machismo, enfim, das violências todas que vivemos em nossas cidades reais.Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-87352654536600708432022-05-30T14:53:00.025-03:002022-05-30T14:57:29.426-03:00MORRE UM JOVEM<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgI67hodzTInim9i21bt6D-kp_H_oO_JwMDl2LNIy2QCpzgGICGbSFNCPbcDm5lT8-LnMawR7IaaQNYt_t-Vgx-fPUZuxDEQdoFZ2Feqnacx605w10MwZLp8R3Zq3Y7u2owyk15sp8h0b_opdbGDl9zqP6rIwVcRG4N1iHiQzvka4kz-lp8-jjX3jDc/s1640/capa%20facebook.png" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="924" data-original-width="1640" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgI67hodzTInim9i21bt6D-kp_H_oO_JwMDl2LNIy2QCpzgGICGbSFNCPbcDm5lT8-LnMawR7IaaQNYt_t-Vgx-fPUZuxDEQdoFZ2Feqnacx605w10MwZLp8R3Zq3Y7u2owyk15sp8h0b_opdbGDl9zqP6rIwVcRG4N1iHiQzvka4kz-lp8-jjX3jDc/w640-h360/capa%20facebook.png" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="https://www.lojapedregulho.com.br/sutilezas-fins-de-eduardo-a-a-almeida" target="_blank">Clique aqui para saber mais</a></td></tr></tbody></table><div><br /></div><div><div>Escrevi os versos abaixo quando soube do falecimento de Victor Heringer. Nos primeiros rascunhos havia uma menção a ele. Mas achei que, no livro que estou publicando agora, o poema poderia ser dedicado a todos que nos deixam ainda jovens. E à esperança que resiste. Por isso não há dedicatória alguma.</div><div><br /></div><div>O livro em questão se chama <b><a href="https://www.lojapedregulho.com.br/sutilezas-fins-de-eduardo-a-a-almeida" target="_blank">Sutilezas, fins</a></b>. É o quinto na minha trajetória de escritor, e o primeiro composto exclusivamente por poemas. Ele aposta na apreciação da sutileza, da delicadeza e da profundidade como saída para nossa condição contemporânea.</div><div><br /></div><div><b>A pré-venda vai até 31 de maio no site da Loja Pedregulho. Como se trata de uma editora pequena e a tiragem é limitada, faz toda a diferença você encomendar seu exemplar. <a href="https://www.lojapedregulho.com.br/sutilezas-fins-de-eduardo-a-a-almeida" target="_blank">Clique aqui</a></b></div><div><br /></div><div>Agora sim, o poema.</div><div><br /></div><div>MORRE UM JOVEM</div><div><br /></div><div>Morrem milhares</div><div>todos os dias dizem:</div><div>o país não se importa</div><div>exceto por este sujeito</div><div>ele se importa</div><div>e aquela moça mais aquele senhor e</div><div>assim por diante</div><div>morre um suposto país</div><div><br /></div><div>É preciso matar muitos países supostos</div><div>para viver um</div><div>fresco rebelde ingênuo ousado delicado</div><div>desse tal jeito jovem</div><div>que outros tantos ajeitados</div><div>teimam em envelhecer</div><div>ao ponto em que a obsolescência</div><div>confunde-se com salvação.</div></div>Eduardo A. A. Almeidahttp://www.blogger.com/profile/05787867832002384669noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-57676103131333488352022-03-24T10:30:00.002-03:002022-03-24T10:30:29.597-03:00COMO SER MACUXI?<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5REZDUn-TzjLk_KHhF8RQWcoWADk6yAhKcs-nGvSaEbouEOqHGo5NX2r47Lg3xpgo4TPbnynDr-ZVdYsuJskzcXFoZtt_XeFKAM8jdONXNP_QUjlRLa-8tJ7N8WSI7FvNLAswvR-N96g-Kk7UFUAQ8OihgpdFjS2tCXoLR7aZ6Bor-vgsc6WcgPwk/s2992/2022-03-24%2009.00.12.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="2992" data-original-width="2992" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5REZDUn-TzjLk_KHhF8RQWcoWADk6yAhKcs-nGvSaEbouEOqHGo5NX2r47Lg3xpgo4TPbnynDr-ZVdYsuJskzcXFoZtt_XeFKAM8jdONXNP_QUjlRLa-8tJ7N8WSI7FvNLAswvR-N96g-Kk7UFUAQ8OihgpdFjS2tCXoLR7aZ6Bor-vgsc6WcgPwk/w640-h640/2022-03-24%2009.00.12.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"></td></tr></tbody></table><div style="text-align: left;"><br /><i>“A damurida, prato tradicional de meu povo<br />já fazia parte, de um jeito mágico, de meu paladar.<br />[…] As pimentas dançam no rio da minha memória,<br />invocando a antiga canção dos antepassados que me chama de volta<br />pra casa.”</i><br /><a href="https://www.instagram.com/dorricojulie/" target="_blank">Julie Dorrico</a>, Editora Caos & Letras, p. 27</div><div style="text-align: left;"><br />Acredito que a grande questão do livro <i><a href="https://www.caoseletras.com/" target="_blank">Eu sou macuxi e outras histórias</a></i> é aprender a ser/pertencer a essa etnia. Isso implica não
apenas conhecer a língua ou praticar os costumes, mas reavivar uma memória que,
no limite, é a própria essência cultural daqueles indígenas. <br /><br /></div><div style="text-align: left;">Quem encara a
jornada é a narradora dos textos que compõem o livro, que não são exatamente
contos, são também poemas, relatos, fábulas, registros de acontecimentos.
Narradora que ora é observadora, ora é personagem, ora cede a palavra e se
torna ouvinte da avó, que por sua vez conta histórias por intermédio de uma
tradutora – do macuxês para o inglês para o português para uma língua própria,
inventada. Assim, coloca-se em pauta a tradição oral e as permanências e
transformações que atravessam gerações. <br /><br /></div><div style="text-align: left;">Mas talvez o que mais tenha me intrigado
seja o abandono daquele “eu” convencional, numa atitude fundamental para a
narradora se tornar macuxi. Ela faz isso contando não somente uma experiência
sua de conhecimento e imersão, mas dando voz às mitologias fundadoras de um
povo. Só assim, abandonando uma determinada “si mesma”, é capaz de aprender a
ser ainda mais; aprender a ser uma indígena e uma nação macuxi ao mesmo tempo.</div><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Eduardo A. A. Almeidahttp://www.blogger.com/profile/05787867832002384669noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-42370778811881188432022-03-10T13:44:00.005-03:002022-03-10T13:44:53.665-03:00COLONIALIS MUNDI<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg35FidhRW2Mwy3xt1d93Bch1ov1dlXmJ40FG7ZyI5frjOzHCSy2P0bWRedZjYG7AQDwR9GOomtoQYMUqsbS1IlH5SqYa8DCSflF_1IBNyVDF6E7ABKvx9sn9FmChiM0UCCctPvkT15M9mCu6JVMbeR1CU8c6npdjqPFGED2CG50iYr2jcV52vos3ex=s2399" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="2399" data-original-width="2399" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg35FidhRW2Mwy3xt1d93Bch1ov1dlXmJ40FG7ZyI5frjOzHCSy2P0bWRedZjYG7AQDwR9GOomtoQYMUqsbS1IlH5SqYa8DCSflF_1IBNyVDF6E7ABKvx9sn9FmChiM0UCCctPvkT15M9mCu6JVMbeR1CU8c6npdjqPFGED2CG50iYr2jcV52vos3ex=w640-h640" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto de <a href="https://unsplash.com/photos/4YxXWYW7JqQ" target="_blank">Jovis Aloor</a></td></tr></tbody></table><br /><div style="text-align: left;"><br />Haveria então essa porta<br />de civilização antiga, descoberta<br />durante uma escavação<br />ao ser deitada no chão ela se abriu<br />para o mundo inferior<br /><br /></div><div style="text-align: left;">Algum debate e mulheres e homens avançados<br />se propuseram descer por ela para explorar <br />e foram <br />surpreendidos por homens e mulheres <br />e silêncios emergentes<br />tais como eles, de idêntica aparência e conduta<br />haviam descoberto em seu canteiro de obras <br />uma porta <br />caída<br />que os levava ao mundo inferior.<br /></div>Eduardo A. A. Almeidahttp://www.blogger.com/profile/05787867832002384669noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-19094824479266769712022-02-18T14:19:00.004-03:002023-03-31T10:54:13.984-03:00ESTATUTO SOCIAL DA PINTURAPor que paisagens impressionistas como as de Camille Pissarro, Claude Monet ou Alfred Sisley, hoje apreciadas em termos estéticos e econômicos, causaram tanto escândalo ou foram vítimas de tamanho desprezo em sua época, na segunda metade do século XIX?<br /><br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEipw56CiV3SGFzxTgappMa7f5xQ7Q9q1NvwM8V_SGLfV3ZU751VTLF9HYYO_bazp698ShclEXK9vJ7i9AiLWdPAWJYZh3Cu0Ec1AsTaAEdFrezRgstcmJ3msqArJe6EQz5CCsxDQt05WY_8wXAsP7voYb4ZQNA_xBgt3rgKMZkq5jGR54zEfkR8Ufh4=s1136" style="display: block; margin-left: auto; margin-right: auto; padding: 1em 0px; text-align: center;"><img alt="" border="0" data-original-height="899" data-original-width="1136" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEipw56CiV3SGFzxTgappMa7f5xQ7Q9q1NvwM8V_SGLfV3ZU751VTLF9HYYO_bazp698ShclEXK9vJ7i9AiLWdPAWJYZh3Cu0Ec1AsTaAEdFrezRgstcmJ3msqArJe6EQz5CCsxDQt05WY_8wXAsP7voYb4ZQNA_xBgt3rgKMZkq5jGR54zEfkR8Ufh4=s600" width="600" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i><a href="https://www.metmuseum.org/art/collection/search/437683?sortBy=Relevance&amp;ft=Alfred+Sisley&amp;offset=0&amp;rpp=40&amp;pos=5" target="_blank">Prados de Sahurs no sol da manhã</a></i> (1894), de Alfred Sisley</td></tr></tbody></table><br />
Essa é uma daquelas perguntas que podem ser respondidas de maneiras diversas, muitas delas tomando como base a questão técnica – as pinceladas de cores puras que, por sua proximidade, criam certo efeito ótico – ou o fato de os artistas deixarem o ateliê para buscarem registrar impressões visuais em suas telas diretamente da observação da natureza, num dado local e numa dada circunstância atmosférica, com uma rapidez de execução inaceitável pelos mestres das academias de belas artes. Rapidez que às vezes se tentava confundir com facilidade ou como falta de rigor por estes, que, ao contrário, passavam dias e dias retocando à perfeição um músculo de cavalo ou o reluzir de um metal precioso.<br /><br />
Mas outra maneira de explicar o tal escândalo remonta ao empreendimento renascentista de legitimação social e teórica da pintura, que pretendia conceder a ela o reconhecimento então dedicado apenas às artes da linguagem. Os artistas visuais queriam, eles próprios, gozar da dignidade dos liberais, uma vez que pintura e escultura eram consideradas ocupações mecânicas, tal como a construção civil ou a marcenaria. Em suma, o pintor não queria ser tomado por operário ou simples artesão, mas como profissional culto e letrado. Ao mesmo tempo, sua atividade deveria deixar o posto de ilustração e ser apreciada como um saber em si mesma.<br /><br />
Essa diferença tinha origem bem mais antiga. Horácio, no século I a.C., ao meditar sobre a ideia defendida por Simônides de Ceos de que “pintura é poesia muda e poesia é pintura que fala”, deu sua famosa declaração “<i>ut pictura poesis</i>”, ou seja, a pintura é como a poesia. Esse paralelo entre as artes da imagem e as da palavra ganhou fôlego no Renascimento e perdurou pelo menos até Lessing contestá-lo no século XVIII, preferindo pensar na especificidade de cada arte em vez de naquilo que porventura tivessem em comum.<br /><br />
Acontece que a máxima de Horácio deriva de um erro de interpretação. A frase completa – “<i>ut pictura poesis erit</i>” – coloca a imagem como termo referencial da comparação, não o contrário. Ou seja, o poeta romano na realidade privilegiava as artes da visão, dizendo que um poema existe tal como uma pintura. Isso porque, assim como se fazia em relação a esta última, ninguém teria dificuldade para reconhecer na poesia a realidade, ainda que imaginária, como o escudo do herói Aquiles ou o drama de Laocoonte.<br /><br />
O erro de interpretação pode não ter sido tão despropositado, uma vez que permitiu aos intelectuais da Renascença galgarem um novo estatuto para a pintura. O quadro, sendo como um poema, teria assim o mesmo nível valorativo. Mas como fazer versos com pincel e tinta?<br /><br />
Fato é que a linguagem gozava, desde a Antiguidade, do privilégio de pertencer à ordem da razão e do discurso. De modo que a pintura somente poderia obter a mesma legitimidade absorvendo a poética e a retórica para contar histórias, ou melhor, para “narrar com o pincel”, como se dizia no século XVII.<br /><br />
Em termos de hierarquia pictórica, o gênero que se utilizou daquelas categorias do discurso para contar grandes feitos, transpondo uma sequência narrativa – portanto temporal – para o espaço da visibilidade, foi a pintura de história, que ostentava entre os acadêmicos o estatuto da mais alta expressão da arte de pintar. Tomando seus temas da literatura e da tradição, esses pintores gozaram ao máximo da dignidade concedida aos artistas liberais.<br /><br />
Assim, retomando nosso ponto inicial, quando os impressionistas abriram mão dos ricos ateliês das academias para pintarem, no meio do mato, banalidades como montanhas e vegetação, puseram em xeque uma posição social confortável, conquistada pelos artistas visuais a duras penas. Questionaram também a concepção de que a pintura poderia, sim, provir da sensibilidade, em vez do intelecto; da matéria, em vez da ideia; e da prática, em vez da teoria.<br /><br />
Banida dos famosos salões, que funcionavam como espaços de legitimação de uma arte específica e produzida segundo critérios e regras bem estabelecidos, a pintura impressionista construiu seu lugar no mundo da arte desde a margem, inicialmente atacada pela crítica e pelo público, cujo olhar era educado a apreciar uma determinada forma e nada além dela.<br /><br />
Ao longo do século XX, esse olhar foi se transformando e, por consequência, o gosto pelas novas formas, que ganharam destaque entre os artistas, na crítica e, claro, no mercado de arte.<br /><br />
Poderíamos seguir por aí, adentrando a história da arte moderna pelo menos até os experimentos com a abstração, o que se estenderia por páginas e páginas, inclusive atualizando o interminável embate entre a poesia e as artes visuais, que de alguma maneira ainda persiste. Sem que isso caiba num artigo despretensioso como este, deixo aqui uma provocação: existe imagem que não evoque palavras e palavras que não sugiram imaginários?<br /><br />Eduardo A. A. Almeidahttp://www.blogger.com/profile/05787867832002384669noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-7766138700300070972022-02-16T14:20:00.003-03:002022-02-16T14:26:23.447-03:00ESCRITO NA AREIA<div style="text-align: left;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiYSSnGDRdEKe1yxfYfqag455n22Pv4oFGAFDnYln9ORo_e5COQeY-jGH2w5pOs6KckfiNhQ8m4tbCEzu7gmCRdoe9D5E5iB_JIVmcpQVf7WdHLKW6fqdI_QrTp0ltw4aNS8_hQTGyrVJe0ZNdRSG-zQgHLzYvgNR-mBEalUjtYrtRRsPTwwfifR5-7=s2794" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2794" data-original-width="2794" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiYSSnGDRdEKe1yxfYfqag455n22Pv4oFGAFDnYln9ORo_e5COQeY-jGH2w5pOs6KckfiNhQ8m4tbCEzu7gmCRdoe9D5E5iB_JIVmcpQVf7WdHLKW6fqdI_QrTp0ltw4aNS8_hQTGyrVJe0ZNdRSG-zQgHLzYvgNR-mBEalUjtYrtRRsPTwwfifR5-7=w640-h640" width="640" /></a></div><br /><i>Textos para lembrar de ir à praia</i>, de <a href="https://www.instagram.com/folk3/" target="_blank">Rodrigo Luiz P. Vianna</a>, traz poemas que têm em comum essa temática explicitada no título. O livro se divide em três partes: Escrito na areia, Ampulheta e Pérola. Que implicam também três destinações da areia, às quais são dedicados inúmeros versos. A sensibilidade e a criatividade do autor para escrever tanto a esse respeito são impressionantes. Sem dúvida, o grande destaque do livro fica com a sua exploração, que ganha aspectos, camadas, perspectivas e significados a cada página, trabalhados com uma cuidadosa elaboração.<br /><br /></div><div style="text-align: left;">Há jogos de palavras, como “mãos em concha” e “o labirinto se despedaça aos ouvidos”; há também ideias muito bonitas, apresentadas na forma de imagens sugestivas, como em “a circunstância tem vida e espessura” ou “cartografar durante o terremoto”. Há muito mais. Trata-se de um escrito capaz de produzir inusitados a partir de algo corriqueiro como um passeio no litoral. Por exemplo, quando nos fala da escultura conforme aquilo que falta a ela: “pedra pole a água / lapida ao longo da vida / as faltas da estátua”.<br /><br /></div><div style="text-align: left;">Sua complexidade nem sempre é fácil de apreender, e por diversas vezes me peguei flutuando em ondas de indefinição. Tal como faz o vento de um dos seus poemas, este livro “dissolve os limites / entre meu corpo e a praia”. Daí a sensação de desfazimento, da impossibilidade de se reter os significados diminutos, que escorrem por entre os dedos. Afinal, “a areia é um fragmento da areia”. Se por vezes enchemos as mãos com ela, outras vezes é ela que se agarra em nós. E seguimos assim, por simples prazer.<br /><br /></div><div style="text-align: left;">Publicado no Brasil pelas editoras <a href="https://editorareformatorio.minhalojanouol.com.br/produto/271141/textos-para-lembrar-de-ir-a-praia" target="_blank">Reformatório</a> e <a href="https://www.editorapatua.com.br/produto/256589/textos-para-lembrar-de-ir-a-praia-de-rodrigo-luiz" target="_blank">Patuá</a> em 2020.</div>Eduardo A. A. Almeidahttp://www.blogger.com/profile/05787867832002384669noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-84085962977832565502022-01-20T16:03:00.002-03:002023-04-10T10:03:46.898-03:00O QUE FAZ DE PICASSO UM PICASSO?<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjGy7GMuuIlUj9uCXOiRs-iFMrqToZV3R3lzHmJWadpXTdiCyetns2FR6dLL7L6yt_uLGQUHThp6TZhISSI5KnY6PzBJzrXMA1uqZUsWbtebU93swsSaJjggz2Cdlk6oWlJ59movefLTq4ryxpt5IY0LEFSkY1QPJWmyX-xpT-FPcqPc4d8gvlQlHIP=s1080" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="877" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjGy7GMuuIlUj9uCXOiRs-iFMrqToZV3R3lzHmJWadpXTdiCyetns2FR6dLL7L6yt_uLGQUHThp6TZhISSI5KnY6PzBJzrXMA1uqZUsWbtebU93swsSaJjggz2Cdlk6oWlJ59movefLTq4ryxpt5IY0LEFSkY1QPJWmyX-xpT-FPcqPc4d8gvlQlHIP=w520-h640" width="520" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><i>Gertrude Stein </i>(1905-1906), de Pablo Picasso</td></tr></tbody></table><div><br /></div> Essa pergunta pode ser respondida de inúmeras maneiras e sob inúmeros aspectos. Um deles é o de sua amiga Gertrude Stein, que escreveu a respeito do artista ainda em 1938. No pequeno livro intitulado <i>Picasso</i>, publicado no Brasil pela editora Âyiné, ela traça um elogio da técnica, do talento e, principalmente, do seu olhar aguçado, que fez dele um verdadeiro “criador”. Segundo Stein, Picasso foi o primeiro capaz de enxergar sua época com os olhos do século XX. Afinal, se “nada muda nas pessoas de uma geração para a outra exceto a maneira de ver e de ser visto”, como lemos ali, o criador é o sujeito capaz de perceber esse movimento. “Ele é sensível às mudanças pois a vida e sua arte são inevitavelmente influenciadas pela maneira como cada geração está vivendo, pela maneira como cada geração está sendo educada e pela maneira como as pessoas se movem, tudo isso cria a composição dessa geração”.
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Essa ideia se inspira num pronunciamento de Sir Edward Grey, citado por Stein, para quem os generais da 1ª Guerra Mundial ainda batalhavam como no passado, apesar de possuírem armamento do século XX. Apenas no auge do conflito eles teriam mudado essa percepção, o pensamento e as ações de combate.
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A guerra é um ponto relevante no argumento do livro. A autora inverte o senso comum de que tudo se transforma com ela ao explicar que as mudanças na verdade já aconteceram e que o conflito apenas obriga as pessoas a reconhecê-las. Aliás, como Stein bem observa, as mudanças e as guerras jamais acabam, elas apenas dão a impressão de terminar. É aí que o olhar do criador se diferencia. Em suas palavras, “um criador não está à frente de sua geração, mas ele é o primeiro entre os seus contemporâneos a ter ciência do que está acontecendo”. Ele percebe e expressa a guerra antes que ela seja declarada. E o público, depois, deve reconhecer o seu trabalho, assim como as mudanças evidenciadas pelo confronto.
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Todos foram obrigados a aceitar Picasso, que anteviu o conflito mundial ainda na década de 1900, diz Stein. Seu cubismo já expressava essa nova maneira de ver e de viver.
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Dado o seu pioneirismo, para Gertrude Stein, Picasso foi herói de uma era, embora não tivesse clareza da amplitude do que fazia. Ela explica que “há heróis em todas as eras em que são feitas coisas que não podem deixar de ser feitas, e nem eles nem os outros entendem como nem por que essas coisas acontecem. Ninguém jamais entende, antes de elas serem completamente criadas, o que está acontecendo, e ninguém entende nada do que fez antes de terminar tudo”.
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Depois de realizado, aquilo que parecia estranho vai sendo assimilado, ao ponto de ninguém mais se lembrar por que se estranhavam, por exemplo, as composições cubistas. Todavia, a grande luta de Picasso foi justamente pelo estranhamento, quer dizer, pela sua capacidade de estranhar aquilo que a todos parecia evidente. Com seu esforço para pintar como se desconhecesse, como se visse pela primeira vez, ele focou numa parte do todo por vez, tal como os nossos olhos fazem. Picasso percebeu que vemos no outro apenas uma sobrancelha ou um braço, o ombro esquerdo ou a mão direita; se observamos a boca, as orelhas serão uma construção da memória ou complementos da imaginação, o que simplesmente não o interessava. “Os pintores nada têm a ver com reconstruções, nada a ver com memória, eles se preocupam apenas com coisas visíveis”, afirma Stein, categórica. Assim, Picasso foi desconstruindo um paradigma visual e reeducando o olhar para perceber a contemporaneidade do século XX.
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Fez isso pintando o corpo, ou melhor, a materialidade. A alma das coisas e das pessoas não lhe dizia respeito. E Picasso pintava como ele próprio via, não como os demais ou com uma visão generalizante. Essa insatisfação com certa aparência comum seria a sua singularidade, que em pouco tempo, porém, foi sendo absorvida e reproduzida, fazendo surgir réplicas de Picasso, secundárias em todos os sentidos.
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E nem mesmo Pablo Picasso era um Picasso o tempo inteiro. Stein usa a imagem de expansões ou acúmulos para se referir a seus períodos de se deixar influenciar. E trata seus momentos de reinvenção como esvaziamentos daquilo que o afastava do seu “temperamento espanhol”, que para ela seria uma espécie de essência do artista. Os colegas franceses, a escultura africana, as cores de Matisse, tudo isso que comumente entendemos como elementos constitutivos da obra de Picasso, para Stein eram desvios.
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Essa ideia de essência, tal qual a de gênio moderno (“que já nasceu sabendo tudo sobre pintura”, como ela escreve), mais as generalizações acerca das nacionalidades (como se todas as pessoas de um determinado país fossem iguais) e a lógica exagerada que busca justificar os resultados (como se a criação artística e a vida pudessem ser reduzidas a explicações simples) são alguns dos defeitos do livro, muitos dos quais perceptíveis apenas hoje, com o distanciamento que acumulamos em relação ao Modernismo. Todavia, a proximidade que a autora manteve com Picasso e o encanto por sua obra trazem pontos de vista bem mais cativantes do que encontramos outros textos teóricos ou críticos também disponíveis. Com sua intensa amizade e admiração, Stein faz de Picasso ainda mais Picasso.<div><br /></div>Unknownnoreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-8659179567716570107.post-34909323710871646302021-12-13T09:35:00.000-03:002021-12-13T09:35:53.137-03:00UMA PERGUNTA POR DIA<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg2x-T7-vofj6-HLDObuM3Y06stPUaTiPPdlMwo8rEIZdVezTwUhdqqCG7pvfG27zpSXjff-9V7GMJ8-wrVQxGD7G5V6C4Zn-ZEu5EEzbBiSz0kkZuK19HYIt1iXSw8c9sZWc2V3N6g25uAhb0XTATXZRzzKWwSvqXRo2j-Zj9NtG4Va0ZnRQvNjTxm=s1081" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1081" data-original-width="1080" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg2x-T7-vofj6-HLDObuM3Y06stPUaTiPPdlMwo8rEIZdVezTwUhdqqCG7pvfG27zpSXjff-9V7GMJ8-wrVQxGD7G5V6C4Zn-ZEu5EEzbBiSz0kkZuK19HYIt1iXSw8c9sZWc2V3N6g25uAhb0XTATXZRzzKWwSvqXRo2j-Zj9NtG4Va0ZnRQvNjTxm=w640-h640" width="640" /></a></div><br /><div style="text-align: left;">Estipulei metas para mim no início deste ano. Eu nunca tinha feito isso de maneira tão sistemática. Para me lembrar de cumprir algumas delas, escrevi um bilhete que dizia: Pergunta do dia, Leitura do mês, Projeto da vez. Ele ficou grudado em minha mesa de trabalho durante muito tempo, até deixar de ser necessário. A primeira frase implicava justamente isto: eu me propus elaborar uma pergunta por dia – apenas uma já seria suficiente para fazer irromper, da superficialidade da rotina, algum pensamento crítico. </div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Mais do que respostas, acredito que precisamos de perguntas, e de todo o tipo: lógicas, poéticas, urgentes, ideais, reflexivas, retóricas, impossíveis, e assim por diante. Apesar de ter seguido o plano com mais lapsos do que gostaria, até setembro redigi um total de duzentas e vinte e nove. Então, meu filho nasceu, e as prioridades mudaram um tanto. Sem a cobrança assídua do tal bilhete, acabei me esquecendo momentaneamente da meta e, por fim, assumi seu abandono. Ainda assim, incompleta, ela apresenta um mapa de afetos, lampejos, aprendizados, inquietações, ingenuidades, sonhos, entre outros motivos que inspiraram minhas questões. </div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">A seguir, trago uma seleção delas. Compartilho, desse modo, parte de quem fui em 2021. E torço para que elas também sirvam de provocação para você no ano que vem chegando.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div>7) Como permanecer ileso?</div><div>10) Até que ponto é possível sustentar o sentimento de não ser visto?</div><div>20) Como medir a distância entre as coisas e as palavras que correspondem a elas?</div><div>22) Existe passado mais passado do que outro? E passado mais presente?</div><div>23) Quanto de animalidade resta na humanidade?</div><div>30) Em que medida a esperança é só uma ilusão?</div><div>31) Como ver apenas as coisas postas, em vez de, nelas e com elas, ver coisas que não estão aqui?</div><div>32) Que marcas do passado sobrevivem em meus gestos?</div><div>39) Quando se aprende demasiado?</div><div>41) O que uma lista de realizações diz a respeito de uma vida?</div><div>43) Como fazer com que o tempo seja verdadeiramente livre?</div><div>46) Como ver ou ouvir sem julgar? Como suspender o ímpeto de encontrar significado?</div><div>49) Por que fizemos essa escolha?</div><div>50) Quanto mundo cabe em mim?</div><div>55) Quando termina?</div><div>56) Existe alegria neste fazer?</div><div>57) A obra de arte é parte do mundo ou a sua recusa?</div><div>62) Como dizer de agora sem ser evidente?</div><div>64) Que saber incide/insiste/existe na matéria?</div><div>68) Toda obra contém um público?</div><div>71) Repetir é reiterar, ampliar ou esvaziar?</div><div>72) Deixamos de fato algo para trás?</div><div>77) Existe diferença entre nós e eles?</div><div>79) Como ser mais do que o que eu conheço?</div><div>80) Como é possível raciocinar sobre algo que é essencialmente sensível?</div><div>82) Por que é tão difícil observar com atenção plena?</div><div>87) Como tropeçar na lisura?</div><div>96) Uma experiência pode perdurar sem ganhar forma?</div><div>97) Como é possível uma coisa familiar parecer tão diferente de uma hora para outra?</div><div>98) Quanto tempo precisamos para morrer?</div><div>100) Por que naturalizamos até mesmo as imagens mais horríveis?</div><div>103) É possível que exista hora certa?</div><div>108) Para que salvação?</div><div>112) Ler histórias nas imagens é o mesmo que encontrar palavras nelas?</div><div>116) Ainda é possível falar em belo?</div><div>117) A educação do olhar é fruto de um projeto?</div><div>122) Que diferença uma palavra pode fazer?</div><div>123) O que significa ser tocado por uma imagem?</div><div>125) Existe preço justo a pagar pelo capital?</div><div>128) Cadê a capacidade de tomar uma atitude diante da indignação?</div><div>132) Por que não questionar?</div><div>140) De quem é a culpa: do monumento ou de quem o sustenta?</div><div>142) Que vestígios deixamos do que não fizemos?</div><div>143) Por que demorou tanto?</div><div>147) Que diferença faz o detalhe?</div><div>148) Como tornar visível somente o visível, sem que com ele apareça qualquer invisível?</div><div>153) Em primeiro lugar vem o medo?</div><div>155) A imagem pode ser apartada da narrativa?</div><div>157) Mais luz para maior visibilidade ou para intensificar as sombras?</div><div>160) Como transformar e ainda assim me reconhecer no que faço?</div><div>161) Qual é o oco da minha vida?</div><div>162) Que ordem pode haver num mundo que tem a morte?</div><div>163) Como reconhecer a presença da arte?</div><div>165) Como duvidar da realidade estando presente no mundo?</div><div>166) Como tornar mais real o que existe?</div><div>167) O conhecimento terá mesmo que sacrificar populações inteiras que nele não cabem?</div><div>168) Uma existência pode conquistar por si própria sua legitimidade (ou seu direito de existir)?</div><div>170) O que é preciso limpar do campo de visão para poder ver melhor?</div><div>171) Como saber se não estou sendo atraído por quimeras?</div><div>173) O que devo me dedicar a tornar real?</div><div>175) Como estar fora estando dentro e permanecer dentro estando fora?</div><div>178) Quantas coisas não vou poder nunca mais deixar de saber?</div><div>184) Existe uma queda da qual não preciso me levantar?</div><div>185) Como identificar o ponto exato em que deixo de ter certeza?</div><div>186) Como é possível um tirano ainda ter lugar?</div><div>191) Chorar pelo que se foi ou cuidar do que permanece?</div><div>195) Por que ainda tolerar tanto?</div><div>196) Como identificar preciosidades no banal?</div><div>199) Quanto dura um gesto mínimo? Medimos isso em unidade de tempo?</div><div>204) Por que insistir?</div><div>207) É possível escrever para alguém além de si próprio?</div><div>208) Ser influenciado ou pensar junto?</div><div>209) Por que acredito ser ocidental?</div><div>213) Por quais motivos tão poucos conhecem?</div><div>216) Alguma sensibilidade ainda?</div><div>217) Como apreciar a beleza conforme seu próprio projeto, em vez de a estimar com o meu preconceito?</div><div>218) Que tal criar um cemitério para o que não deu certo? Ou um museu?</div><div>220) Como demolir a casa?</div><div>221) Quando foi a última vez?</div><div>223) É possível haver relação quando não existe compreensão?</div><div>228) Baseado em que devo afirmar que haverá amanhã?</div><div><br /></div><div>Quero acrescentar uma pergunta a essa seleção, que não consta em minha caderneta, mas que continua a me instigar dia após dia: como pode, um recém-nascido, já reconhecer a intenção de um sorriso?</div>Unknownnoreply@blogger.com