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segunda-feira, 22 de maio de 2017

E A LUA BRILHOU


Apesar da chuva, do frio e do Temer, houve lançamento do meu livro, houve sarau do coletivo literário Discórdia e houve a publicação do zine "Isso não é literatura". Foi uma deliciosa tarde de domingo no Creuza Cultural, em São Paulo. E teve comida boa, música e companhia de muita gente querida.


 
Compartilho agora algumas fotos e também alguns recados.
 
A tiragem do meu livro Por que a Lua brilha está praticamente esgotada. Se você ainda não comprou, encomende já no site da editora Cultura e Barbárie (atualização: desculpe, a tiragem se esgotou em agosto). Se preferir, adquira a versão para Kindle e leia no computador, eReader ou smartphone.

Conheça e acompanhe o trabalho do coletivo Discórdia, do que faço parte, curtindo a página do Facebook e lendo as nossas publicações no Medium.

Agradeço todos que estiveram presente e também quem gostaria de ter estado, mas não pôde, e mesmo assim mandou energias positivas.

Ainda este ano teremos a publicação do meu Testemunho Ocular, ou seja, mais um livro para a gente celebrar juntos!

 




Zine "Isso não é literatura", do coletivo Discórdia, também lançado na ocasião
  



O coletivo Discórdia



terça-feira, 16 de agosto de 2016

EU, TU, NÓS

A desvantagem de amar é também a sua vantagem
desgostar e gostar o tempo inteiro, atar
nós de tempos em tempos, sem tempo
ao infinito

Ficar a sentir e a dessentir
sem temer, sem ter
certeza alguma senão a momentânea
absoluta até não ser mais
nada

O que é sólido desmancha
no ar a totalidade se fragmenta, esvai
a tradição não vai além
das nossas reminiscências

O que resta? O que vem?
Quem caminha lá adiante? Alto!
Identifique-se! Seja lá quem for
ignora o aviso e é
alvejado e cai e sangra e morre
como qualquer ser
indigente, eu, tu, nós

Não se deve falar de amor em termos de
vantagem, não tem significado algum
traz apenas sentimento
nada em troca
afoga

Outra coisa, o amor
ainda desconhecida por ora
apenas gostamos e desgostamos
em nossa inocência matamos
quando convém
desatamos nós, tu, eu

sexta-feira, 10 de junho de 2016

fora tudo
do lado de fora
enquanto dentro nada
afunda atrás
de desatar um nós
que nunca existiu
na real
é posta de lado
incipiente
mulher da vida
sem eira
nem beijo

sábado, 5 de março de 2016

Azulejaria com cozinha e caças variadas (1995), Adriana Varejão

o tempo rasga com violência
a carne exposta
ao relento, desalento
rápido demais para a não-máquina

o mundo resta inerte
esfacelado em flashes, fragmentos
daquilo que foi, que já não é quase
desejo de recompor vida nova

quase porque não chega
o progresso lhe deixa para trás
abandonado, órfão, desterritorializado
sem teto, sem chão, sem tempo

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

5º PRÊMIO DE POESIA PORTAL AMIGOS DO LIVRO

No ano passado, um poema meu foi selecionado no 5º Prêmio Literário de Poesia Portal Amigos do Livro. Recebi hoje alguns exemplares da antologia, com direito a marcador de página personalizado. Bem legal, olha só:



A propósito, este é o poema premiado:


creio,
entretanto,
no porém.
todavia
até certo ponto
convém considerar
que não devo, nego
afirmo acaso pudesse.

ora!
que nada.
nesse meio tempo
subo
no muro
observo ambos os lados
um de cada olho,
outro a contrassenso
afastando a luz
com a palma da mão
daqui até o infinito
e além

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A FORMA SE NUTRE DE MATÉRIA ORGÂNICA

estrutura (ex)posta do movimento
aperto desafoga no fôlego
forma desfaz a si
do si mesmo
outro
tempo inteiro
prestes a cair
não fosse a gravidade
manter o chão
onde está
onde?

tocar o fora
dentro
núcleo vazio
ressoa longe
estende os fios
linhas de força
potências
desejando conexão
pode, vai
o pé sustenta
a planta do pé
aterrada
no concreto do chão

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

BARBARIDADE INTRÍNSECA

fico fazendo poesia
para alimentar o espírito
um banquete
interrompido pelo grito
do estômago
selvagem

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

CARNICEIROS

a cultura requer todo
poder de pensamento
desgasta, desbasta
o corpo largado a
ser devorado
na jaula dos leões

medo terrível
do absoluto
fechado
feito barbárie

poderes que se pegam
numa rinha
ali, trancafiados
excessos
num depósito
de vazios

Varal (1993), de Adriana Varejão

sábado, 26 de dezembro de 2015

UM BRINDE AOS VAGA-LUMES



A última lembrança nítida que tenho deles remete à infância, às férias vividas no litoral. Já naquela época era difícil vê-los na cidade grande. Desde então, é possível que um ou outro tenha se exibido para mim, assim como é possível ter sido apenas o relampejar de uma fantasia minha que logo se apagou.

Onde estão os vaga-lumes?, Pier Paolo Pasolini quis saber ainda na primeira metade do século passado. Questão retomada por Georges Didi-Huberman num dos livros mais tocantes que li neste ano assombroso, intitulado Sobrevivência dos vaga-lumes. Nele, o autor retoma o trabalho poético e político do cineasta italiano para refletir sobre as situações que vivemos na atualidade. Faz isso com graça, delicadeza e maturidade invejáveis, que resultam num inspirador modo de fazer crítica.

É um texto lindo, sensível, flutuante e muito urgente no que diz respeito a inventar curvas nesta barbárie reta e veloz que estamos produzindo em escala local e mundial, cuja trajetória leva certamente ao precipício.



Naquele contexto, os vaga-lumes são luzes menores que lutam para sobreviver em meio ao iluminismo feroz dos holofotes. Essas máquinas espetaculares, que pretendem trazer tudo à luz do dia e expor à razão exacerbada, ofuscam a existência daquelas luzinhas pulsantes, frágeis, ansiosas por uma escuridão que possam habitar, onde possam mostrar seus dotes, encontrar seus pares; enfim, onde possam viver as suas vontades e alegrias. Luzes intermitentes, que dançam a poesia da resistência.

Desses vaga-lumes pude ver uma porção em 2015. Um pequeno grupo aqui, uma reunião pouco maior ali, movimentando-se, requerendo a atenção dos nossos olhos para questões invisíveis, para demandas suplantadas pelos refletores dominantes, pela ignorância e pela indiferença em relação ao outro. Vaga-lumes que insistiram em brilhar apesar de todas as tentativas de repressão; os cassetetes, as palavras de ordem, as manobras políticas, os abusos de poder, a incitação e a execução de violências as mais diversas, desde o rompimento com a ética até a violação de direitos constitucionais, desde a verborragia à agressão física, as prisões, os silenciamentos, preconceitos, menosprezo e morte.

Para Didi-Huberman, os vaga-lumes desaparecem da nossa vista porque já não estamos no melhor lugar para vê-los. Não é que deixam de existir, eles simplesmente se reorganizam e se realocam quando seu habitat é invadido. Portanto fica a nós uma tarefa vital: reinventar os territórios de modo que os vaga-lumes possam habitá-los, seja esse território um país, uma cidade, uma comunidade, uma casa ou um jardim, seja esse território nem mesmo um espaço, mas uma temporalidade ou um registro afetivo. Nas palavras do filósofo, "há sem dúvida motivos para ser pessimista, contudo é tão mais necessário abrir os olhos na noite, se deslocar sem descanso, voltar a procurar os vaga-lumes".

Existem mais de duas mil espécies desses insetos. Milhares de modos de ser. Para conhecê-los, não devemos capturá-los e os trazer à luz, "é preciso observá-los no presente de sua sobrevivência: é preciso vê-los dançar vivos no meio da noite", diz o autor. Pois jamais compreenderemos os vaga-lumes se os arrancarmos de seu lugar; para falar deles é necessário experimentar a escuridão.

Humanos têm algo de vaga-lume, uma vibração interior que pode ganhar vida e iluminar o arredor. A luminescência de alguns esmaece por conta da carapaça grossa, pesada e enrijecida que a oprime. Despojar-se das couraças, abrir-se à experiência sensível, amolecer o juízo e desconstruir os dogmas implicam expor a si mesmo a ameaças variadas. Mas existe outro jeito de produzir luz própria?

Sustentar o próprio brilho é um gesto poético corajoso; um ato político, social, estético. Tanto quanto deixar-se encantar pela luz dos outros. Ser atraído por ela, desejá-la; ambos tão frágeis e tão belos! Capazes de brilhar uma única vez e marcar para sempre a retina de quem os viu.



Didi-Huberman conta que, na década de 1970, após intensa batalha contra o neofascismo incorporado aos modos de agir italianos, Pasolini caiu em desespero e não conseguiu mais sustentar sua resistência poética. Os vaga-lumes deixaram de existir para ele. Não porque foram extintos, embora ele acreditasse nisso, mas porque ruiu algo central no seu desejo de ver. "O que desapareceu nele", diz o autor, "foi a capacidade de ver – tanto à noite quanto sob a luz feroz dos projetores – aquilo que não havia desaparecido completamente e, sobretudo, aquilo que aparece apesar de tudo, como novidade reminiscente, como novidade 'inocente', no presente desta história detestável de cujo interior ele não sabia mais, daí em diante, se desvencilhar".

Vivemos tempos sombrios, em que é difícil enxergar ao longe. Tempos varridos por refletores de vigia ou de espetáculo. Também são tempos propícios para compartilhar nossa luminescência interior. Neste ano que se inicia, desejo que você brilhe, se puder. Que se deixe sensibilizar pela poesia dos vaga-lumes. E, independentemente do que venha a acontecer, que jamais deixe de procurá-los. Eles estarão dançando em algum lugar, mais perto do que você imagina.

>> Este texto é dedicado aos estudantes e professores que têm lutado em diversas frentes pela educação no Brasil, porque acreditam que toda transformação social passa necessariamente por ela. Pessoas que têm ensinado a importante lição de que política não se faz de cima para baixo nem de baixo para cima, mas horizontalmente: disponível, dialogada e, claro, com respeito pela potência luminosa dos demais.

sábado, 19 de dezembro de 2015

BREVE HISTÓRIA MINHA

vem chegando
o fim do ano
fim do mundo
afim de tudo
no fim das contas
vem chegando
junto
um começo
vem a ser a
servir
devagar um
porvir, além
após o fim
desta
breve história
minha

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

CORPO PRESENTE

Mapa de lopo homem II (2004), Adriana Varejão

este lugar
quem
é um aqui
agora

ambos numa só
expressão

coincidente
é no corpo
que o hoje
se encontra

domingo, 13 de dezembro de 2015

Domingo (1926), Edward Hopper
 
são alguns silêncios
difíceis demais

suportá-los como?
sustentar esse peso,
presença insaciável

incansáveis gritos surdos
ecoam no meu vazio

sim, sim, fale
qualquer palavra
faria sentido

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Monumento a Balzac (1898), de Auguste Rodin

morrerei velho
porque sou lento
se fosse jovem
morreria incompleto

morrerei pleno
conforme planejei
ou de improviso
se requisitado

morrerei ainda
que não todo, afinal
são sempre os outros
que morrem

morrerei no tempo
incerto ponto, além
deixarei viver
outro eu

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

é preciso ter fibra
diz a embalagem
ao meu redor
é preciso ser duro
para suportar o peso todo
empilhado
sobre
eu

é preciso ter fibra
diz o doutor
para engolir sapo
sem ir pro brejo
fibrose
de processar nas entranhas
as favas do mundo

fibra entre os dentes, pequena
maldita implicação!
quero resolver no braço
arrancar raiz e tudo
e os dedos grandes demais
para alcançar

fibra ótica, ótima
velocidade a habitar
sem limites nem vínculos
no tempo-espaço de um clique, um touch
o mundo inteiro em zero segundos
acabou

é preciso ter força
para mover montanhas
abrir os mares
criar filhos com juízo
impassível carapaça
solidez à flor da pele

é preciso ter pulso firme
mostrar quem manda,
grita a maioria
empoleirada em seus galhos,
o rabo preso

bobagem

é preciso cuidado
isso sim, cuidado!
com si, com o outro
é preciso aprender a ser
maleável, poroso, vulnerável
elástico suficiente para resistir
às tensões subsistir
na aridez das relações

é preciso ser água
pingar, penetrar espaços inacessíveis
hidratar, expandir, deixar brotar
abraçar as ilhas
acolher profundamente
criar frutos suculentos
que alimentem a alma

é preciso ser vento
leve, sem razão
mover a terra
grão a grão
dia a dia
assim
a dureza do deserto
ganha curvas

é preciso ser terra
firme, territorializada, disponível
para habitar-se
na dobra do fora

é fogo
perceber que tudo vira cinza
o mesmo cinza
o mesmo tom
indiscernível

salivar
impreciso ser
aberto
amplo
disposto

cheio
de vitalidade,
tônus social

não há embalagem
em que caiba isso tudo
não há bula que dê conta de explicar
em letras miúdas
a dose certa
do afeto

é preciso ter fibra
muscular
é preciso ter pulso
cardíaco
é preciso ter estômago
rins, pulmões, fígado, cordas vocais
cérebro
pés no chão
braços abertos
desejos flutuantes

estofo, muito estofo
ser feito do mesmo estofo
com que fazemos o mundo

há fibromialgia, há sensibilidade, há flor na pele
o toque sutil da flor na pele, os espinhos
agarrar os espinhos sem piedade
incorporá-los

é preciso ter corpo
para dançar
é preciso ter corpo

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

choro
é a primeira fala
convocada
choramos
quando não resta nada
a dizer
falam então as lágrimas
linguagem das águas
cálidas

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

DESFAZER UNS LAÇOS

é o presente
desfazer uns laços,
desatar uns nós
ver a fita caída
cansada ainda
com as marcas do que passou
ali

passado um tempo
eu passo
a ferro quente desfaço
o desfeito remoço
para um novo laço
diferente
é lindo, veja só
é um presente!
do desalento para
mim mesmo

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Inscrições no túmulo de Fernando Pessoa

a única conclusão é morrer
nem ponto final coloco
ou caixa alta nos nomes próprios
melhor tudo minúsculo
sobrevivendo de incertezas
a descobrir o todo,
miséria da verdade
quando fecho a porta
o encanto desfaz
os destinos todos
que poderia visitar
provisoriamente

sem eira nem beira
deixo que um caminho me pegue
pelo caminho torço
que outros entrecruzem
misturem, façam com que o eu se perca

há quem almeje encontrar a graça
prefiro ainda procurar
está certo isso?
não venha com afirmativas
decerto
já basta o fim

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

INUNDAÇÃO

Jovem triste num trem (1911), Marcel Duchamp
arrastado
o menininho
agarrado pela mão
no último instante, o derradeiro
frágil braço lançado entre
forças e fluxos
a mãe, lutando
contra o turbilhão
de gente

Passa gente de todo lugar. Venham, gentes. Vão, gentes. A casa é de vocês, fiquem à vontade. Indivíduos, sujeitos, gêneros, pessoas de toda cara e idade, de todos jeitos e suspeitos. Só de passagem. Afagam o celular com esse carinho próprio de nossos dias, esse amor maquinal, cheio de jogos e aplicativos. Leem um livro e eu estico olhos curiosos para saber qual é. Muitas vezes me surpreendo. Ulysses, você!, aqui?, no metrô?! Moby Dick? David Copperfield!, que saudade, rapaz, apareça quando quiser. Atenção, senhores passageiros, a companhia alerta para risco de tijolada iminente. São as iminências da poética, a Bienal deu a dica uns anos atrás.

Observo e as pessoas não param, os retratos ficam borrados, desfigurados, futuristas. Um movimento incessante, pêndulo de Foucault, para lá e para cá, para aqui e acolá. Narrativas enviesadas que só acontecem nos cruzamentos, transculturalmente, sem começo, meio e fim. Apenas errância e acertância. Uma estação de baldeação, um desvio no caminho. Um ponto de fuga? Que nada! Não tem por onde, não há escapatória. Há somente saída. Muitas saídas. Todas dão no mesmo lugar. O nível das ruas, a superfície plana da humanidade, mil platôs.

Saia não, fique um tanto mais. Para que essa correria? Vamos operar com velocidade reduzida e maior tempo de parada. Problema? Nenhum. Precisa ter? Precisa não. É uma experiência, vamos provar ritmo diferente, deixar para outro dia o arroz com feijão, e mais outro, e mais outro. Desse prato eu já comi demais, deu moleza. Venha provar do coletivo, essa iguaria popular, cultura local que gringo deseja com água na boca.

Veja lá quem vem na nossa direção. Conhece? Vejo todo dia mas não conheço não. Devemos ter coisas em comum, porém compartilhamos somente o caminho. Caminhamos juntos e separados, lentos e apressados, cada um na sua mas com alguma coisa em comum. Free, distraídos. A distração é por segurança. Tá olhando o quê? Nunca viu? Olha, não se ache demais, especial aqui só o assento mesmo, aqueles de cor diferente em que todo mundo planeja descansar o traseiro, ainda que poucos detenham o privilégio. Lição de democracia. Aprende aí e não reclama. Eu chamo o segurança, tá pensando o quê?

As filas andam, às vezes se trançam, dá a maior confusão. Acelera, freia, acerta o passo, acerta o calo, recolhe o pé, deixa passar quem tá com pressa, eu tô, eu também, sai pra lá, folgado!, tira esse cotovelo daqui, empurra não, bota essa mochila pra frente, diminui a música que eu não gosto dessa pouca vergonha. Tem quem se ache no direito, mas aqui ninguém é mais direito nem mais esquerdo, sem exceção, estamos juntos no mesmo barco. No mesmo trem, se você me entende. Quando um desequilibra, um monte vai pro chão. Que não é chão, se você me entende. É assoalho. Coisa fina.

Não entende, não faz mal. A vida é assim. Claro, você não vê? Essas estações são a síntese da convivência social, bicho. Tem conflito de classes, propaganda, exploração de desabastados, indiferença. Eu disse desabastadados, com A! Abestado tá no Congresso. Aqui tem gente vendendo bala, chiclete, chocolate invalível, doçura de origem duvidosa, papelzinho xerocado. Ajuda, por favor, eu podia estar roubando, eu podia estar matando, eu podia estar transferindo a sua ligação, mas eu estou é ganhando a vida, com licença, com licença, questão de sobrevivença.

Ai, madame, bobeia com esse celular novinho não, custa o olho da cara, com um desses eu teria até onde morar por seis meses, se não chover. Olha ali, o sujeito lendo em voz alta, pregando como se todo mundo se interessasse. Essa história eu já sei como acaba! O final parece feliz mas não é. Não importa o céu se o inferno ainda existe, isso não é salvação, é só a enganação nossa de todo dia. Nos dai hoje um pouquinho de paz, por favor!, pare de martelar nossas cabeças, anda, deixe cada um com seu próprio livro ou jornal, cada um que acredite na verdade que quiser.

Bom mesmo é encarar as diferenças com indiferenciação, olha que palavrona bonita! Já basta de gente controlando a minha liberdade. Vou pitacar na vida alheia? Tenho mais o que fazer!

Ai, se tem coisa que me incomoda é ficar parado no túnel. Perda de tempo... Algum objeto na linha, só pode ser. Um braço, uma perna, indigente. Passa por cima que eu tô com pressa! Passa por cima do respeito! Digo, do sujeito! Infeliz. Tá com pressa vai de táxi, vai pra Cuba, vai no jatinho do Neymar, vai na Ferrari do Neymar! E para onde vai com essa urgência toda? Vou pagar os meus impostos, sou um cidadão de bem, gente de família! Ah, taí ostentando ignorança, truculença, verborragia!? Só pra chegar primeiro? Gente sem coração...

Aperta não que a malmita abre, não é gurmê. Crise? Conheço não. Dólar? Aquele do 44b? Corrupção eu uso pra pescar robalo. Livre-arbítrio? Claro que sei!, moreninho, apitou a final do Brasileirão, idos de 1990. Tava comprado. Péra aí, tá livre de novo? Esse país não tem solução. É o fim da picada!

Será que o metrô chega lá? Um dia ainda desço na estação final, ahh, vocês vão ver. Só para poder voltar sentado. Que alívio! Passear de barco nesse mar de gente, nessa represa transbordante! Isso é que é vida! Mas hoje não, hoje não dá, tô atrasado. Dá licença que desço aqui, falei demais, dá licença, moço, segura a porta, por favor, obrigado. Desculpa aí por atrasar a viagem de vocês. E de todos os outros trens.



O vídeo acima foi gravado na estação República do metrô de São Paulo.
Conheça mais do trabalho artístico de Adam Magyar.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

PENSAMENTO PERDIDO

já não se sabe
o que atravessa
a cabeça arremata o
pensamento perdido
atirado de longe
sem cara nem coração
sai nos jornais
comentário assassino
sem experiência viva
nem pulso de coragem
tomado de assalto
feito bala de fuzil
vitimando inocentes
pelo prazer algoz
pela justiça falha
insegurança
atravessa a carne se
aloja no cerne
do suspeito
veias abertas da América
marginal de cor, de raça
perseguida, impedida
graças adeus

domingo, 13 de setembro de 2015

ASSOVIO

resistência poética
quase espiritual
ao som maquinal
da cidade
dominante