Pesquise aqui

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A DAMA NA ÁGUA



As fotos de Elena Kalis são simplesmente fantásticas. Luzes, cores, harmonia, movimento. Tudo que se espera de uma boa fotógrafa. Com um detalhe: as imagens são captadas embaixo d’água. Nem todas, é verdade, mas a relação que travam com este elemento acaba por transformar nossa percepção. O que é essencial à vida também se torna essencial à sua arte. Assim, deixamos de ver meninas seminuas. Vemos ninfas envoltas por uma aura fantástica. Deixamos de ver piscinas. Vemos o universo dos contos de fadas. Deixamos de ver fantasias e bexigas. Vemos apenas rastros luminosos e pontos de cor. As fotos de Elena têm mesmo algo místico. Com água, ela consegue nos proporcionar um maravilhoso silêncio contemplativo, onde podemos mergulhar e sonhar. Com modelos imersas em magia, Elena nos deixa sem fôlego.


Veja alguns dos trabalhos de Elena Kalis aqui: http://elenakalis.carbonmade.com/.

Recomendo, em especial, o ensaio chamado Alice in Waterland.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

III SEMINÁRIO DE PESQUISA EM HISTÓRIA DA ARTE



Durante os dias 17 e 23 de outubro, vai se realizar na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) o III Seminário de Pesquisa em História da Arte. Todas as pesquisas são interessantes e representam a oportunidade de entrar em contato com o trabalho de muita gente. Eu participarei da mesa do dia 21, mediada pela profa. Dra. Veronia Stigger e composta também por Andrea Rocco e Taís Barreto. Quem puder, apareça!

Obs.: É necessário se inscrever para assistir aos seminários. Para fazer isso, clique aqui:
http://academico.faap.br/faap_pos/palestras/455.html

segunda-feira, 28 de setembro de 2009


A persistência da memória (1931), de Salvador Dali.

"A narrativa é sempre uma escavação original do indivíduo, em tensão constante contra o tempo organizado pelo sistema. Esse tempo original e interior é a maior riqueza de que dispomos."

Ecléa Bosi, em Sugestões para um jovem pesquisador (ensaio que compõe o livro O tempo vivo da memória).

quinta-feira, 24 de setembro de 2009


Ícaro (1947), de Henri Matisse

"Tudo o que vemos passa pela retina, imprime-se numa pequena câmara, depois se amplia pela imaginação".

Henri Matisse (1869-1954)

domingo, 20 de setembro de 2009

A PAZ FICA BEM MAIS PERTO DO QUE VOCÊ IMAGINA



Duas postagens atrás (dia 11 de setembro), fiz um breve comentário a respeito das ideias do mestre Hsing Yün, fundador da ordem budista que administra o Templo Zu Lai, em Cotia, Grande São Paulo. Eu tinha acabado de visitar o lugar e estava empolgado para saber tudo que acontece por lá. Agora, para quem ainda não conhece – e não sabe o que está perdendo –, gostaria de registrar a dica.

Com acesso fácil pela Rodovia Raposo Tavares, o Templo Zu Lai fica bem perto do caos urbano que caracteriza São Paulo, coisa de quinze minutos a partir da Cidade Universitária. No entanto, parece se tratar de outra dimensão.


Lá você encontra arquitetura e atividades tipicamente orientais, tais como Tai Chi Chuan, meditação e aulas de pintura sobre papel-arroz. É também uma ótima oportunidade de conhecer um pouco dessa cultura, que é bastante difundida pelo mundo e influencia muito mais nosso cotidiano do que podemos imaginar.

A paisagem é uma atração à parte. Os jardins são muito bem cuidados e a natureza impera, de modo a nos fazer sentir parte dela novamente. Há um lago povoado por tartarugas, bancos de madeira distribuídos entre as árvores e muita grama. Dá para passar horas relaxando em meio a uma atmosfera de paz e harmonia. O templo nos faz esquecer que estamos tão perto da capital. Ele nos faz sentir distantes de tudo e, justamente por causa disso, acabamos mais próximos de nós mesmos.


Outro ponto positivo (e um tanto quanto incongruente com os hábitos paulistanos): no Templo Zu Lai você só paga o que consome, ou seja, refeições, cursos ou artigos da lojinha. De resto, dá para passear sem gastar nada. Até o estacionamento é gratuito!

Como a maioria dos visitantes não resiste a uma comprinha, no Templo Zu Lai é possível adquirir livros, imagens, incensos etc. O café é gostoso, assim como os pães dos monges. Adeptos do vegetarianismo não podem deixar de almoçar no refeitório, onde se pode experimentar pratos que misturam a culinária zen com a brasileira de maneira muito criativa e saborosa. Vale a pena.




Resumindo, o passeio é ótimo para toda a família, para quem busca um programa fora do eixo shopping-cinema-restaurante e para todo mundo que gosta de conhecer lugares diferentes. Se bateu uma vontade, acesse o seguinte link e inclua o Templo Zu Lai na programação do próximo fim de semana: www.templozulai.org.br.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A ALMA BOA DE SETSUAN


Denise Fraga em A alma boa de Setsuan

Em A alma boa de Setsuan, de Bertolt Brecht, a protagonista Chen Tê pergunta a Deus como é possível alguém ser bom numa terra em que todos passam fome. Deus permanece calado. Ele deixa a resposta a nosso cargo.

Quem ainda não viu a montagem de Marco Antônio Braz, estrelada por Denise Fraga, sugiro que corra e compre os ingressos assim que possível. Com muita criatividade, eles conseguiram deixar o texto mais atual do que já é. E divertido também. Resumindo, a peça é imperdível.

Mais informações: www.teatrotuca.com.br

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O MUNDO DENTRO DE NOSSAS MENTES


Venerável Mestre Hsing Yün, estátua no Templo Zu Lai (Cotia/SP)

Em uma conferência realizada no ano de 1990, sob o nome de Conceitos Fundamentais do Budismo Humanista, o venerável mestre Hsing Yün disse que somente atingimos o verdadeiro estado de consciência quando alcançamos o mundo dentro de nossas mentes. Achei essa passagem, no mínimo, surpreendente. Pois, ao contrário do que a maioria pensa, nossa consciência – ou seja, o conhecimento que levaria à sabedoria plena – não viria do descobrimento do entorno. Não se basearia em apreender o maior número de informações, em saber lidar com estatísticas, em decorar livros ou fundamentar teorias. Ser consciente não seria saber tudo sobre o mundo exterior. A consciência se encontraria dentro de nós mesmos. Ali estariam os maiores mistérios da existência. Seria possível desvendá-los? Segundo o mestre, por meio dessa consciência, poderíamos integrar a unidade da vida e ser felizes. Faríamos isso libertando nossos pensamentos: “Quando a mente está sobrecarregada, o mundo todo parece limitante. Quando a mente está livre de preocupações, até mesmo uma cama estreita se alarga”. Então, se você quiser iluminar um pouco seus pensamentos, o mestre budista dá a dica: “Apenas feche seus olhos e todo o universo estará lá, dentro de você”.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

CARTIER-BRESSON NO SESC


Gare Saint-Lazare, Paris, de Henri Cartier-Bresson

“O ‘momento decisivo’, porém, é certamente uma ideia menos precisa de seu trabalho. Isso porque o termo sugere a existência de um instante único, tão sublime quanto fugaz, quando todos os elementos de uma cena se combinariam para uma foto. Cartier-Bresson flanava pelas ruas sempre em busca de arranjos assim. Mas não acreditava que eles acontecessem uma vez só durante uma situação, por exemplo. Para o fotógrafo, encontros sublimes ocorriam na vida com frequência. Seu segredo era saber captá-los.”

Gisele Kato, em O pescador de flagras
Revista Bravo!, número 145 (setembro de 2009)


HENRI CARTIER-BRESSON: FOTÓGRAFO
Exposição de 133 trabalhos do fotógrafo.
Sesc Pinheiros, de 17 de setembro a 20 de dezembro.
Mais informações: www.sescsp.org.br/sesc/

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

HENRI MATISSE E A COR DO SENTIMENTO


Retrato com risca verde (senhora Matisse), de Henri Matisse

Rosas são vermelhas e violetas são azuis? Não necessariamente, diria o pintor francês Henri Matisse (1869-1954). A escolha das cores está sujeita à expressividade que se pretende obter delas. Tudo contribui para a composição de um quadro. Tudo está interligado. O desenho se relaciona com o formato do papel, um ponto fortalece ou enfraquece o outro, as cores somam-se ou se subtraem umas às outras. Portanto, “tudo o que não tem utilidade no quadro é, por isso mesmo, prejudicial. Uma obra comporta uma harmonia de conjunto: qualquer detalhe supérfluo ocuparia, no espírito do espectador, o lugar de outro detalhe essencial”, como escreveu o artista em Notas de um pintor (1908).


Matisse viveu em busca da essência de sua arte. E, para isso, sabia que não poderia pintar as coisas como elas são, mas como gostaria que o espectador as visse. Em suas palavras: “não me é possível copiar servilmente a natureza, a qual sou forçado a interpretar e submeter ao espírito do quadro”.

O que seria esse espírito? Aparentemente, para Matisse, trata-se daquilo que mantém o quadro vivo no coração do espectador e, consequentemente, na história da arte. É a tal expressividade, que continua falando conosco mesmo depois que deixamos o museu. É também o sentimento do artista, que se manifesta por meio de traços, formas e, principalmente, cores.


Mesa posta (harmonia em vermelho), de Henri Matisse

Sim, rosas podem ser pretas. Violetas podem ser amarelas. Quando o objetivo é comunicar um sentimento exato, o pintor tem total liberdade para modificar a realidade como bem entender. “A própria teoria das cores complementares não é absoluta. (...) poderíamos definir melhor alguns pontos das leis da cor, ampliar os limites da teoria das cores tal como ela é atualmente aceita”, diria Matisse.

As cores conversam conosco de maneira quase instintiva. Podemos nos sentir bem vestindo roupas brancas num dia e, no seguinte, preferir outras vermelhas. Por quê? Não é algo fácil de explicar, mas, no momento da decisão, faz todo o sentido. As cores expressam sentimentos às vezes tão subjetivos que sequer podemos compreendê-los. Matisse, no entanto, fazia isso maravilhosamente bem. Ele dominava a expressividade das cores e dizia que as sensações podem mesmo variar, o que importa é a intenção do pintor ao aplicá-las sobre a tela: “o outono pode ser suave e tépido como um prolongamento do verão ou, pelo contrário, fresco com um céu frio e árvores amarelo-limão que dão uma sensação frígida e já anunciam o inverno”.

A obra, para ele, deveria transmitir a emoção do pintor com muita precisão. Os gênios fazem isso sem que o espectador note seus meios. “Trata-se apenas de canalizar o espírito do espectador, de maneira que ele se apóie no quadro, mas possa pensar em outra coisa diferente do objeto particular que quisemos pintar: retê-lo sem prendê-lo, fazê-lo sentir a qualidade do sentimento expresso. (...) O ideal é que o espectador se deixe tomar, sem consciência disso, pela mecânica do quadro. Pode-se recear que ele tenha um movimento de surpresa e, por isso mesmo, escape: deve-se esconder o artifício ao máximo”.

Não existem regras para tanto, apenas estudos rigorosos e a difícil tarefa de manter as portas abertas para o sentimento do mundo. Com um sarcasmo peculiar, Matisse completaria: “Eu bem que gostaria que elas [as regras] existissem, mas se fosse possível aprendê-las, quantos sublimes artistas teríamos!”


Nu azul (IV), de Henri Matisse

A pintura de Matisse, como bem definiu Teresa Camps, professora titular de História da Arte na Universidade Autônoma de Barcelona, “é um presente para quem sabe perceber a inteligência e a sensibilidade além da pureza e da clareza das cores”. É cem por cento sentimento. Um presente do artista para nós, seus humildes espectadores.

Tudo isso pode ser visto na primeira individual do artista no país. “Matisse Hoje”, em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo até o dia 1º de novembro, traz cerca de 80 obras do pintor, o que a caracteriza como um dos eventos mais importantes das comemorações do Ano da França no Brasil.



MATISSE HOJE
De 5 de setembro a 1 de novembro, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Mais informações: www.pinacoteca.org.br

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

CADERNO DE NOTAS


Desenhando-se (1948), de M. C. Escher

Num velho caderno de notas que tinha ao colo, um jovem escritor, sentado num banco de praça, escrevia sobre um jovem escritor que, sentado num banco de praça, tinha ao colo um velho caderno de notas em que escrevia sobre um banco de praça em que, sentado, um jovem escritor escrevia, num velho caderno de notas que tinha ao colo, sobre o quê escrevia um jovem escritor que, sentado num banco de praça, tinha ao colo um velho caderno de notas em que um jovem escritor, sentado num banco de praça, escrevia, ao colo, sobre um velho caderno de notas de um jovem escritor que, sentado num banco de praça, não mais escrevia notas em seu velho caderno. (EA / fevereiro de 2005)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

WELCOME TO THE JUNGLE



Welcome to the jungle
It gets worse here everyday
Ya learn ta live like an animal
In the jungle where we play

Trecho da música Welcome to the jungle, de Guns ‘n Roses


Yes, nós vivemos na selva. Uma selva de concreto, é verdade, em que os homens têm o rei na barriga e menosprezam seus súditos. Vivemos uma ilusão. Um teatro, onde são encenadas as tragédias e comédias do espetáculo que denominamos “vida”. Todo o cenário foi construído por nós. Máscaras e fantasias idem. Abrem-se as cortinas e o que vemos ali? Atores prontos para a batalha das ruas, para a mesmice do dia-a-dia. Preste atenção no mordomo. Nesta peça, os amigos se tornam inimigos com um simples desentendimento, atacando pelas costas sem pensar duas vezes.

Há quem se revolte com tudo isso, como o jovem americano Christopher McCandless (Emile Hirsch). Cansado do artificialismo da sociedade, ele se lançou na natureza selvagem a fim de reencontrar a essência da vida. Sua história virou livro e o livro virou filme. No Brasil, recebeu o título Na natureza selvagem (Into the wild, no original). Após uma discreta aparição nos cinemas, foi lançado em DVD em meados de 2008 e esgotou rapidamente. Eu mesmo tive que esperar a reposição, que demorou um pouquinho para acontecer. Mas a espera valeu a pena.



O filme trata do desafio de sobreviver em um mundo que já não nos pertence mais. Christopher assume o pseudônimo Alex Supertramp (Superandarilho) e cai na estrada com o objetivo de viver um tempo no Alasca. Ele quer se livrar da selva de concreto e conhecer a selva real. É o superlativo da casa de campo; a hipérbole da excursão pelo deserto do Atacama. Christopher quer ir a fundo naquilo que acredita ser a realidade. O resultado é uma overdose de natureza. Infelizmente, assim como numa overdose de drogas, seu corpo não aguenta e desfalece.

Fica claro que não estamos mais preparados para enfrentar o mundo selvagem. Fomos condenados a viver eternamente dentro de nossa colônia – o formigueiro conhecido como “sociedade”.



O filme é lindo em muitos sentidos: na proposta de um novo estilo de vida (ou seria “novo sentido para a vida”?); nas imagens, repletas de belas paisagens; na ótima direção de Sean Penn, que transmite muito bem os diversos momentos da narrativa, tais como a angústia dos pais e o êxtase do filho; e na trilha sonora, assinada por Eddie Vedder (sim, ele mesmo, líder do Pearl Jam), que acrescenta o espírito perfeito ao corpo do filme. Em outras palavras, não faltam motivos para explorar essa obra. Garanta suas passagens!

quarta-feira, 26 de agosto de 2009


Cascatinha da Tijuca
(1816-1821), de Nicolas-Antoine Taunay

“Meu ponto de vista é para mim muito menos uma limitação de minha experiência do que uma maneira de me introduzir no mundo inteiro.” C. G. Jung

domingo, 23 de agosto de 2009

A VERDADEIRA HISTÓRIA FALSIFICADA DE BUDA


Buda, de Osamu Tezuka

Ao final do décimo quarto volume de Buda, “novela em formato de história em quadrinhos”, como o próprio autor Osamu Tezuka a denomina, descobri que tudo o que li era pura ficção e isso me decepcionou um pouco, inicialmente. Eu acreditava ler uma biografia séria, baseada em pesquisas e textos sagrados, o mais próximo possível da realidade. Só no posfácio o autor explicou que praticamente tudo ali surgiu de sua cabeça, inclusive personagens, paisagens e acontecimentos. Consciente das possíveis críticas que receberia nesse sentido, ele nos recomenda que a história seja lida como mais uma das ficções científicas que o fizeram famoso, em especial Astro Boy e Black Jack.

Pensei um pouco no assunto e cheguei à conclusão de que o importante é que a obra de Tezuka emociona. Em mais de uma passagem, as lágrimas me vieram aos olhos e os pensamentos à razão. Buda não é uma história gratuita, alienada. Ela propõe ao leitor uma nova relação com o mundo. Podemos encontrar, na jornada do príncipe Siddhartha pelas regiões mais peculiares da Índia antiga, a luz que muitas vezes nos falta no dia-a-dia. Não se trata de uma mensagem unicamente religiosa. Como o monge diz a seus discípulos, são ensinamentos, coisas que se aprende e se passa adiante, e que detêm a ousada missão de nos explicar os mistérios da vida.

Isso é ficção? Sim, obviamente, assim como tudo o que pertence ao passado. A vida é apenas um instante, é apenas o agora. O resto são lembranças que guardamos e recontamos como bem entendemos, estão sempre sujeitas ao nosso ponto de vista. Ou à criatividade, como no caso da HQ de Tezuka. A bíblia é ficção, o alcorão idem. Uma biografia de Buda, mesmo que se pautasse em pesquisas históricas, científicas e portanto “sérias”, também não passaria de mera ficção. Uma ficção que todos decidimos aceitar como verdade, tudo bem, e que não deixaria de sê-lo, aliás. Como disse anteriormente, o importante é que o Buda de Osamu Tezuka emociona. E isso basta.

sábado, 22 de agosto de 2009

SANDMAN


Sandman, de Dave Mckean (personagem criado por Neil Gaiman)

Era como se tivesse areia nos olhos, e aquilo ardia, e por mais que esfregasse, não conseguia acordar. Era o pesadelo da vida a perturbar minha paz interior.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

ARGENTINA HOY



Os brasileiros têm finalmente a oportunidade de conhecer um pouco da produção artística contemporânea de seus vizinhos argentinos. Falo da mostra Argentina Hoy, uma realização do Banco do Brasil que reúne 32 artistas e obras das mais variadas linguagens, tais como pinturas, esculturas, intervenções, fotografias, vídeos e instalações, entre outras.

Como lembra o curador Franklin Espath Pedroso, a história da arte brasileira e argentina se cruzam em diversos momentos. Por exemplo, “segundo o crítico de arte Mário Pedrosa, quem primeiro falou em concretismo no Brasil foi o argentino Romero Brest que, vindo da Suíça com destino ao país natal, passou pelo Brasil e proferiu palestras no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1948”.

Este diálogo entre os países existe ainda hoje, em maior ou menor grau, devido não exatamente à proximidade geográfica, mas às suas características histórico-culturais. Em alguns trabalhos, como nas fotos de Leonel Luna e na pintura com pólvora de Tomás Espina, isso fica menos evidente, uma vez que a temática está relacionada com acontecimentos sociais específicos de lá. Em outros, porém, a crítica é tipicamente brasileira, como na animação de Estanislao Florido, em que um catador de papéis é obrigado a superar as diversas dificuldades do jogo da vida, se quiser chegar vivo no final.


A conquista do deserto II (2002), de Leonel Luna

Há também quem discuta assuntos universais, como pode ser visto na ótima montagem fotográfica de Nicola Constantino, intitulada A ceia. Trata-se do antes e depois de um banquete em que homens devoram a si mesmos e que, parodiando a história bíblica, não traz os adjetivos “santo” e nem tampouco “último”, pois é indiscutivelmente profano e tende a se repetir enquanto houver pessoa a ser devorada. Em outras palavras, a obra é um retrato metafórico da canibalismo que presenciamos cotidianamente em qualquer lugar do mundo, não importando a cultura ou a classe social.


A ceia (2008), de Nicola Constantino

Leandro Erlich segue por caminho semelhante com a instalação O vizinho. Ali, somos convidados a espiar a vida alheia, trancafiada entre as quatro paredes de uma casa. Através das janelas, não vemos nada além do que o reflexo de nós mesmos, enquanto a parte observada se incomoda e protesta: “O que você está olhando? O que quer aqui?”

Silvia Rivas, por sua vez, faz uma bonita comparação entre o correr das águas de um rio e o correr dos homens, onde um segue a favor do tempo e o outro contra ele. Difícil não relacionar a obra com nossas próprias vidas e refletir. Afinal, aonde ambos chegarão?


Transcurso e urgência – série Notas sobre o tempo (2000), de Silvia Rivas

A exposição fica em cartaz no CCBB de São Paulo até o fim de agosto, quando ruma para o Rio de Janeiro. Corri contra o tempo para recomendá-la a todos. Espero que gostem.


Argentina Hoy
De 6 de junho a 30 de agosto no CCBB de São Paulo
De 14 de setembro a 22 de novembro no CCBB do Rio de Janeiro
Curadoria: Franklin E. Pedroso e Adriana Rosenberg
Grátis!

Ps.: Assista a uma versão do vídeo de Silvia Rivas citado acima clicando aqui (http://silviarivas.com/) e acessando a série Notas sobre o tempo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

RETALHOS (E COLAGENS)



O futuro pode até parecer linear, com um novo dia se iniciando insistentemente na sequência do anterior, mas o passado é sempre uma colcha de retalhos. O desenhista e escritor Craig Thompson relembra suas vivências dessa maneira, misturando umas às outras, deixando com que se influenciem e se complementem para se transformarem em algo maior, com novos significados, assim como acontece num trabalho de colagem. O resultado é a ótima história em quadrinhos intitulada Retalhos, que a editora Companhia das Letras lançou em maio deste ano, inaugurando o selo Quadrinhos na Cia.

Ao longo de quase seiscentas páginas, o autor revisita momentos cruciais de seu passado, em especial a infância, vivida ao lado de seu irmão mais novo, e a adolescência, quando a descoberta do amor o leva a redescobrir a si mesmo e o mundo ao seu redor.


Retalhos, de Craig Thompson, página 43

Apesar de Craig não ser o único com dificuldades de crescer em uma família pobre e beata do interior americano, sua companhia mais fiel é a solidão. Dela brotam os devaneios que o libertam da dura realidade, da qual ele é refém e que se mostra na escassez de amigos, nas surras constantes na escola e na religiosidade cega dos pais.


Retalhos, de Craig Thompson, página 93

A história é contada com delicadeza excepcional. Texto e imagem se unem para narrar a uma só voz o estado de espírito dos personagens – a voz da confidência. Penetramos seus pensamentos através de cenas oníricas e cheias de movimento, que às vezes são simples e por isso retratadas com traços leves, econômicos e precisos. Às vezes, são trágicas e trazem pinceladas praticamente expressionistas. Em ambos os casos, no entanto, o entorno sufoca. Tem um movimento vertiginoso quando as coisas vão bem e é denso, pesado ou mesmo assombroso quando as coisas vão mal. O mesmo recurso vale para ilustrar a angústia com que Craig vê o mundo: enquanto seus afetos são retratados com sutileza, as crises são desenhadas grosseiramente, com pouca tinta, o pincel arranhando o papel e criando uma textura agressiva. Ao utilizar tais oscilações de humor, Craig mostra que seus personagens têm alma e nos convida a afundar nelas. Em poucas páginas, já estamos junto deles, sentindo com seus sentidos, vivenciando uma experiência encantadora.



Fun Home, uma tragicomédia em família, de Alison Bechdel

Enquanto ele se recorda do passado, nós o presenciamos. Em muitos aspectos, seus relatos se assemelham aos de Fun Home, excelente autobiografia em quadrinhos de Alison Bechdel, principalmente em relação ao enredo – o problema de crescer em meio a uma infinidade de outros problemas, entre os quais estão a própria família e os amigos. Há também a forma não-linear de relembrar o passado, indo e voltando, produzindo flashes de acontecimentos que se apresentam consecutivamente, amalgamados em um único momento: o livro. Cenas esparsas que nos fazem pensar nossas próprias vidas e imaginá-las como uma série de retalhos costurados em forma de colcha, essa coisa artesanal, tão íntima e pessoal.

Colocado desta maneira, a metáfora de Craig se mostra mais do que pertinente – é também muito mais interessante.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A CURA PELA ARTE


Quadrado branco sobre fundo branco (1918), de Kazimir Malevich

De um tempo para cá, a arte tem revelado possibilidades cada vez mais interessantes, que vão de descobertas históricas a trabalhos educativos em prol de comunidades carentes. Todas elas, no entanto, têm algo em comum, uma espécie de propriedade curativa que age diretamente sobre os males da humanidade, sejam eles de cunho pessoal ou social. Seus princípios ativos têm eficácia reconhecida desde a antiguidade, tais como concentração, reflexão e autoconhecimento, entre tantos outros. Grandes mestres utilizaram a arte para vencer vícios, superar traumas ou suportar angústias. Van Gogh foi um deles. Encontrou na arte um caminho para conhecer melhor a si próprio e a natureza ao seu redor, liberando a cada pincelada conflitos interiores e emoções reprimidas, numa atitude que mais tarde ficaria conhecida como “expressionismo”.

Se a arte sempre teve este poder, faz pouco tempo, no entanto, que temos consciência dele. E que sabemos explicá-lo de modo mais científico e menos intuitivo. Principalmente se considerarmos que a arte nasceu junto com o homem, lá na época em que descemos das árvores. Pois foi só em uma conferência de 1909 que Freud deu as primeiras indicações daquilo que hoje chamamos de arte-terapia, dizendo que a criação artística tem capacidade de transformar fantasias e reatar nossas ligações com a realidade, minimizando sintomas de neurose. Eram os princípios da psicanálise e também deste remédio inovador que muitos terapeutas têm receitado atualmente para quem chega bufando ao divã.

Pois é, arte cura estresse. Um colega de trabalho, Paulo Vilchez, testou e aprovou. Ele andava meio tenso quando descobriu esta alternativa e obteve um resultado tão positivo que levou a prática adiante, comercializando as obras nascidas daí. Sua tensão agora pode ser vista pendurada em paredes, emoldurada e transmudada em traços e cores. Muito bacana.

Aposto que alguns estão pensando: “Mas eu não tenho a menor aptidão para pintar, ficaria mais angustiado/angustiada ainda”, ao que eu respondo: “Por isso não, tente outras formas de arte”. Vá dançar, é ótimo para melhorar a coordenação motora e aumentar a autoestima. Faça um curso de teatro e perca a timidez. Escreva, nem que seja um diário simples. Poucas linhas por dia obrigarão você a reservar um tempo para refletir sobre a própria vida e a superar fases ruins com mais facilidade. Aprenda a cantar ou a tocar um instrumento. A música amplia horizontes e eleva qualquer pessoa a outro nível de sensibilidade. Fotografe tudo que despertar seu interesse, separe as favoritas e mostre aos amigos. Leia. Deixe as letras guiarem seus pensamentos por realidades distantes.

Quem soube trabalhar maravilhosamente bem esta relação entre arte e cura foi a doutora Nise da Silveira, pioneira no tratamento de esquizofrênicos por meio de terapias artísticas e referência mundial no assunto. Sua biografia é interessantíssima. Ela nadou sozinha contra uma corrente psiquiátrica que administrava choques elétricos e de insulina, mutilava cérebros doentes com lobotomias e atirava pacientes em hospitais tão precários que mais pareciam depósitos de loucos. Isso porque acreditava em um tratamento mais humano. Assim, Nise selou parcerias com artistas plásticos, foi responsável pela criação e administração de órgãos importantes – tais como a Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, o Museu de Imagens do Inconsciente e a Casa das Palmeiras – e descobriu grandes talentos reprimidos em pessoas excluídas da sociedade, curando algumas e recuperando a humanidade de outras. Resumindo, ela mostrou que a arte pode significar a cura para nossas doenças, apresentando uma espécie de salvação para homens e mulheres que vivem perdidos em seus mundinhos pessoais, preocupados com batalhar e vencer acima de qualquer coisa. Graças à sensibilidade, inteligência e força de vontade da doutora Nise, hoje sabemos a diferença que a arte pode fazer em nossas vidas.

Eu arriscaria dizer, inclusive, que sem arte a humanidade não encontraria bases de sustentação para seus sentimentos e desmoronaria em escombros de conflitos mal-resolvidos. Se a vida está difícil agora, sinto ser eu a informar que não há previsão de grandes mudanças nos próximos tempos. As dificuldades sempre existirão e talvez seja daí que venha a vontade de continuar vivendo. É mais ou menos o que Freud pensava do gênio Leonardo Da Vinci, dizendo que o que o interessava num quadro era, acima de tudo, um problema. E poucos conheceram os segredos da vida como Leonardo. Então, ao invés de desperdiçar energia com estresse, por que não fazer como ele, colocando-a na arte e buscando, através dela, a cura?


Obs.: Esta crônica é fruto das recentes pesquisas que tenho realizado a respeito de psicanálise e arte-terapia. Cito o trabalho de um colega, Paulo Vilchez, que pode ser visto com mais detalhes aqui: www.quadrospaulo.blogspot.com. Também comento alguma coisa sobre a vida da doutora Nise da Silveira. Quem se interessar e quiser saber mais, sugiro que leia a breve biografia escrita por Ferreira Gullar, chamada: Nise da Silveira, uma psiquiatra rebelde (Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Prefeitura, 1996).

terça-feira, 11 de agosto de 2009



“No pátio onde nos reunimos à tarde para conversar, fiquei conhecendo ontem um senhor muito idoso e muito educado, que se diz representante do Imperador da Rússia, embora não saiba uma só palavra em russo, segundo pude constatar. Falamos sobre assuntos diversos, conforme manda a boa diplomacia, e no fim concluímos que ambos gostamos imensamente de sorvete, sobretudo de sorvete de frutas, o que nos deixou profundamente satisfeitos pela feliz coincidência.”

Trecho de A Lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho (1956).

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

OBRIGADO POR NÃO FUMAR


Caveira com cigarro aceso, de Van Gogh, 1885(?)

Sábado passado, saí com alguns amigos para comemorar o aniversário de minha irmã. Fomos a um bar que cheirava a perfume de mulher. Pois é, sem aquela fuafa de tabaco queimado, o bar tinha cheiro de vida. Os fumantes que me perdoem, mas estamos muito melhor sem o vício de vocês, obrigado. Lembrei-me imediatamente do aniversário de minha namorada, três meses atrás, quando fomos obrigados a deixar o lugar por causa das janelas fechadas. Fazia muito frrrio, então não deixavam o ar puro entrar*. Fumaça sim, pode, mas ar frio não, faz mal para a saúde, sabe?, vai que todo mundo se resfria… Me poupem! Fomos sufocados pela irresponsabilidade dos fumantes durante muito tempo. É hora de virar o jogo!

*Obviamente que o ar de São Paulo não pode ser classificado como “puro”, até porque fuligem de automóvel é o que menos nos falta. Mas tudo bem, acabemos agora com o cigarro público. Depois passamos aos carros. Afinal, para chegarmos a algum lugar, nada melhor do que dar um passo de cada vez. E aproveitar a paisagem durante o percurso.

Dica para quem ainda não tem opinião sobre o assunto (assista ao trailer): http://www.fumandoespero.com.br/

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

BOBBY MCFERRIN TOCA A PLATEIA, LITERALMENTE

Acabo de ver um vídeo muito legal, em que o músico Bobby McFerrin mostra o poder da escala pentatônica para a plateia de um congresso de ciência. Mas ele não mostra somente isso. Trata-se da capacidade de aprendizado da mente e da facilidade que as pessoas têm para criar coisas juntas.

Para começar, todas subentendem a escala musical sem que ele precise ensinar mais do que duas notas. Depois, basta soltarem a voz para compor em uma só sintonia.

Certa vez, a Marisa Monte fez uma brincadeira parecida num show. E, para incentivar todos a participarem, disse uma coisa muito bonita: quando todos cantam juntos, não há desafinação. A união vibra em harmonia.

Este vídeo deixa isso muito claro. Imagine então que, se todos podem cantar juntos, que outras coisas maravilhosas não poderiam fazer também.


Para saber mais sobre Bobby McFerrin: http://www.bobbymcferrin.com