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segunda-feira, 28 de setembro de 2009


A persistência da memória (1931), de Salvador Dali.

"A narrativa é sempre uma escavação original do indivíduo, em tensão constante contra o tempo organizado pelo sistema. Esse tempo original e interior é a maior riqueza de que dispomos."

Ecléa Bosi, em Sugestões para um jovem pesquisador (ensaio que compõe o livro O tempo vivo da memória).

quinta-feira, 24 de setembro de 2009


Ícaro (1947), de Henri Matisse

"Tudo o que vemos passa pela retina, imprime-se numa pequena câmara, depois se amplia pela imaginação".

Henri Matisse (1869-1954)

domingo, 20 de setembro de 2009

A PAZ FICA BEM MAIS PERTO DO QUE VOCÊ IMAGINA



Duas postagens atrás (dia 11 de setembro), fiz um breve comentário a respeito das ideias do mestre Hsing Yün, fundador da ordem budista que administra o Templo Zu Lai, em Cotia, Grande São Paulo. Eu tinha acabado de visitar o lugar e estava empolgado para saber tudo que acontece por lá. Agora, para quem ainda não conhece – e não sabe o que está perdendo –, gostaria de registrar a dica.

Com acesso fácil pela Rodovia Raposo Tavares, o Templo Zu Lai fica bem perto do caos urbano que caracteriza São Paulo, coisa de quinze minutos a partir da Cidade Universitária. No entanto, parece se tratar de outra dimensão.


Lá você encontra arquitetura e atividades tipicamente orientais, tais como Tai Chi Chuan, meditação e aulas de pintura sobre papel-arroz. É também uma ótima oportunidade de conhecer um pouco dessa cultura, que é bastante difundida pelo mundo e influencia muito mais nosso cotidiano do que podemos imaginar.

A paisagem é uma atração à parte. Os jardins são muito bem cuidados e a natureza impera, de modo a nos fazer sentir parte dela novamente. Há um lago povoado por tartarugas, bancos de madeira distribuídos entre as árvores e muita grama. Dá para passar horas relaxando em meio a uma atmosfera de paz e harmonia. O templo nos faz esquecer que estamos tão perto da capital. Ele nos faz sentir distantes de tudo e, justamente por causa disso, acabamos mais próximos de nós mesmos.


Outro ponto positivo (e um tanto quanto incongruente com os hábitos paulistanos): no Templo Zu Lai você só paga o que consome, ou seja, refeições, cursos ou artigos da lojinha. De resto, dá para passear sem gastar nada. Até o estacionamento é gratuito!

Como a maioria dos visitantes não resiste a uma comprinha, no Templo Zu Lai é possível adquirir livros, imagens, incensos etc. O café é gostoso, assim como os pães dos monges. Adeptos do vegetarianismo não podem deixar de almoçar no refeitório, onde se pode experimentar pratos que misturam a culinária zen com a brasileira de maneira muito criativa e saborosa. Vale a pena.




Resumindo, o passeio é ótimo para toda a família, para quem busca um programa fora do eixo shopping-cinema-restaurante e para todo mundo que gosta de conhecer lugares diferentes. Se bateu uma vontade, acesse o seguinte link e inclua o Templo Zu Lai na programação do próximo fim de semana: www.templozulai.org.br.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A ALMA BOA DE SETSUAN


Denise Fraga em A alma boa de Setsuan

Em A alma boa de Setsuan, de Bertolt Brecht, a protagonista Chen Tê pergunta a Deus como é possível alguém ser bom numa terra em que todos passam fome. Deus permanece calado. Ele deixa a resposta a nosso cargo.

Quem ainda não viu a montagem de Marco Antônio Braz, estrelada por Denise Fraga, sugiro que corra e compre os ingressos assim que possível. Com muita criatividade, eles conseguiram deixar o texto mais atual do que já é. E divertido também. Resumindo, a peça é imperdível.

Mais informações: www.teatrotuca.com.br

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O MUNDO DENTRO DE NOSSAS MENTES


Venerável Mestre Hsing Yün, estátua no Templo Zu Lai (Cotia/SP)

Em uma conferência realizada no ano de 1990, sob o nome de Conceitos Fundamentais do Budismo Humanista, o venerável mestre Hsing Yün disse que somente atingimos o verdadeiro estado de consciência quando alcançamos o mundo dentro de nossas mentes. Achei essa passagem, no mínimo, surpreendente. Pois, ao contrário do que a maioria pensa, nossa consciência – ou seja, o conhecimento que levaria à sabedoria plena – não viria do descobrimento do entorno. Não se basearia em apreender o maior número de informações, em saber lidar com estatísticas, em decorar livros ou fundamentar teorias. Ser consciente não seria saber tudo sobre o mundo exterior. A consciência se encontraria dentro de nós mesmos. Ali estariam os maiores mistérios da existência. Seria possível desvendá-los? Segundo o mestre, por meio dessa consciência, poderíamos integrar a unidade da vida e ser felizes. Faríamos isso libertando nossos pensamentos: “Quando a mente está sobrecarregada, o mundo todo parece limitante. Quando a mente está livre de preocupações, até mesmo uma cama estreita se alarga”. Então, se você quiser iluminar um pouco seus pensamentos, o mestre budista dá a dica: “Apenas feche seus olhos e todo o universo estará lá, dentro de você”.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

CARTIER-BRESSON NO SESC


Gare Saint-Lazare, Paris, de Henri Cartier-Bresson

“O ‘momento decisivo’, porém, é certamente uma ideia menos precisa de seu trabalho. Isso porque o termo sugere a existência de um instante único, tão sublime quanto fugaz, quando todos os elementos de uma cena se combinariam para uma foto. Cartier-Bresson flanava pelas ruas sempre em busca de arranjos assim. Mas não acreditava que eles acontecessem uma vez só durante uma situação, por exemplo. Para o fotógrafo, encontros sublimes ocorriam na vida com frequência. Seu segredo era saber captá-los.”

Gisele Kato, em O pescador de flagras
Revista Bravo!, número 145 (setembro de 2009)


HENRI CARTIER-BRESSON: FOTÓGRAFO
Exposição de 133 trabalhos do fotógrafo.
Sesc Pinheiros, de 17 de setembro a 20 de dezembro.
Mais informações: www.sescsp.org.br/sesc/

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

HENRI MATISSE E A COR DO SENTIMENTO


Retrato com risca verde (senhora Matisse), de Henri Matisse

Rosas são vermelhas e violetas são azuis? Não necessariamente, diria o pintor francês Henri Matisse (1869-1954). A escolha das cores está sujeita à expressividade que se pretende obter delas. Tudo contribui para a composição de um quadro. Tudo está interligado. O desenho se relaciona com o formato do papel, um ponto fortalece ou enfraquece o outro, as cores somam-se ou se subtraem umas às outras. Portanto, “tudo o que não tem utilidade no quadro é, por isso mesmo, prejudicial. Uma obra comporta uma harmonia de conjunto: qualquer detalhe supérfluo ocuparia, no espírito do espectador, o lugar de outro detalhe essencial”, como escreveu o artista em Notas de um pintor (1908).


Matisse viveu em busca da essência de sua arte. E, para isso, sabia que não poderia pintar as coisas como elas são, mas como gostaria que o espectador as visse. Em suas palavras: “não me é possível copiar servilmente a natureza, a qual sou forçado a interpretar e submeter ao espírito do quadro”.

O que seria esse espírito? Aparentemente, para Matisse, trata-se daquilo que mantém o quadro vivo no coração do espectador e, consequentemente, na história da arte. É a tal expressividade, que continua falando conosco mesmo depois que deixamos o museu. É também o sentimento do artista, que se manifesta por meio de traços, formas e, principalmente, cores.


Mesa posta (harmonia em vermelho), de Henri Matisse

Sim, rosas podem ser pretas. Violetas podem ser amarelas. Quando o objetivo é comunicar um sentimento exato, o pintor tem total liberdade para modificar a realidade como bem entender. “A própria teoria das cores complementares não é absoluta. (...) poderíamos definir melhor alguns pontos das leis da cor, ampliar os limites da teoria das cores tal como ela é atualmente aceita”, diria Matisse.

As cores conversam conosco de maneira quase instintiva. Podemos nos sentir bem vestindo roupas brancas num dia e, no seguinte, preferir outras vermelhas. Por quê? Não é algo fácil de explicar, mas, no momento da decisão, faz todo o sentido. As cores expressam sentimentos às vezes tão subjetivos que sequer podemos compreendê-los. Matisse, no entanto, fazia isso maravilhosamente bem. Ele dominava a expressividade das cores e dizia que as sensações podem mesmo variar, o que importa é a intenção do pintor ao aplicá-las sobre a tela: “o outono pode ser suave e tépido como um prolongamento do verão ou, pelo contrário, fresco com um céu frio e árvores amarelo-limão que dão uma sensação frígida e já anunciam o inverno”.

A obra, para ele, deveria transmitir a emoção do pintor com muita precisão. Os gênios fazem isso sem que o espectador note seus meios. “Trata-se apenas de canalizar o espírito do espectador, de maneira que ele se apóie no quadro, mas possa pensar em outra coisa diferente do objeto particular que quisemos pintar: retê-lo sem prendê-lo, fazê-lo sentir a qualidade do sentimento expresso. (...) O ideal é que o espectador se deixe tomar, sem consciência disso, pela mecânica do quadro. Pode-se recear que ele tenha um movimento de surpresa e, por isso mesmo, escape: deve-se esconder o artifício ao máximo”.

Não existem regras para tanto, apenas estudos rigorosos e a difícil tarefa de manter as portas abertas para o sentimento do mundo. Com um sarcasmo peculiar, Matisse completaria: “Eu bem que gostaria que elas [as regras] existissem, mas se fosse possível aprendê-las, quantos sublimes artistas teríamos!”


Nu azul (IV), de Henri Matisse

A pintura de Matisse, como bem definiu Teresa Camps, professora titular de História da Arte na Universidade Autônoma de Barcelona, “é um presente para quem sabe perceber a inteligência e a sensibilidade além da pureza e da clareza das cores”. É cem por cento sentimento. Um presente do artista para nós, seus humildes espectadores.

Tudo isso pode ser visto na primeira individual do artista no país. “Matisse Hoje”, em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo até o dia 1º de novembro, traz cerca de 80 obras do pintor, o que a caracteriza como um dos eventos mais importantes das comemorações do Ano da França no Brasil.



MATISSE HOJE
De 5 de setembro a 1 de novembro, na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Mais informações: www.pinacoteca.org.br

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

CADERNO DE NOTAS


Desenhando-se (1948), de M. C. Escher

Num velho caderno de notas que tinha ao colo, um jovem escritor, sentado num banco de praça, escrevia sobre um jovem escritor que, sentado num banco de praça, tinha ao colo um velho caderno de notas em que escrevia sobre um banco de praça em que, sentado, um jovem escritor escrevia, num velho caderno de notas que tinha ao colo, sobre o quê escrevia um jovem escritor que, sentado num banco de praça, tinha ao colo um velho caderno de notas em que um jovem escritor, sentado num banco de praça, escrevia, ao colo, sobre um velho caderno de notas de um jovem escritor que, sentado num banco de praça, não mais escrevia notas em seu velho caderno. (EA / fevereiro de 2005)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

WELCOME TO THE JUNGLE



Welcome to the jungle
It gets worse here everyday
Ya learn ta live like an animal
In the jungle where we play

Trecho da música Welcome to the jungle, de Guns ‘n Roses


Yes, nós vivemos na selva. Uma selva de concreto, é verdade, em que os homens têm o rei na barriga e menosprezam seus súditos. Vivemos uma ilusão. Um teatro, onde são encenadas as tragédias e comédias do espetáculo que denominamos “vida”. Todo o cenário foi construído por nós. Máscaras e fantasias idem. Abrem-se as cortinas e o que vemos ali? Atores prontos para a batalha das ruas, para a mesmice do dia-a-dia. Preste atenção no mordomo. Nesta peça, os amigos se tornam inimigos com um simples desentendimento, atacando pelas costas sem pensar duas vezes.

Há quem se revolte com tudo isso, como o jovem americano Christopher McCandless (Emile Hirsch). Cansado do artificialismo da sociedade, ele se lançou na natureza selvagem a fim de reencontrar a essência da vida. Sua história virou livro e o livro virou filme. No Brasil, recebeu o título Na natureza selvagem (Into the wild, no original). Após uma discreta aparição nos cinemas, foi lançado em DVD em meados de 2008 e esgotou rapidamente. Eu mesmo tive que esperar a reposição, que demorou um pouquinho para acontecer. Mas a espera valeu a pena.



O filme trata do desafio de sobreviver em um mundo que já não nos pertence mais. Christopher assume o pseudônimo Alex Supertramp (Superandarilho) e cai na estrada com o objetivo de viver um tempo no Alasca. Ele quer se livrar da selva de concreto e conhecer a selva real. É o superlativo da casa de campo; a hipérbole da excursão pelo deserto do Atacama. Christopher quer ir a fundo naquilo que acredita ser a realidade. O resultado é uma overdose de natureza. Infelizmente, assim como numa overdose de drogas, seu corpo não aguenta e desfalece.

Fica claro que não estamos mais preparados para enfrentar o mundo selvagem. Fomos condenados a viver eternamente dentro de nossa colônia – o formigueiro conhecido como “sociedade”.



O filme é lindo em muitos sentidos: na proposta de um novo estilo de vida (ou seria “novo sentido para a vida”?); nas imagens, repletas de belas paisagens; na ótima direção de Sean Penn, que transmite muito bem os diversos momentos da narrativa, tais como a angústia dos pais e o êxtase do filho; e na trilha sonora, assinada por Eddie Vedder (sim, ele mesmo, líder do Pearl Jam), que acrescenta o espírito perfeito ao corpo do filme. Em outras palavras, não faltam motivos para explorar essa obra. Garanta suas passagens!

quarta-feira, 26 de agosto de 2009


Cascatinha da Tijuca
(1816-1821), de Nicolas-Antoine Taunay

“Meu ponto de vista é para mim muito menos uma limitação de minha experiência do que uma maneira de me introduzir no mundo inteiro.” C. G. Jung

domingo, 23 de agosto de 2009

A VERDADEIRA HISTÓRIA FALSIFICADA DE BUDA


Buda, de Osamu Tezuka

Ao final do décimo quarto volume de Buda, “novela em formato de história em quadrinhos”, como o próprio autor Osamu Tezuka a denomina, descobri que tudo o que li era pura ficção e isso me decepcionou um pouco, inicialmente. Eu acreditava ler uma biografia séria, baseada em pesquisas e textos sagrados, o mais próximo possível da realidade. Só no posfácio o autor explicou que praticamente tudo ali surgiu de sua cabeça, inclusive personagens, paisagens e acontecimentos. Consciente das possíveis críticas que receberia nesse sentido, ele nos recomenda que a história seja lida como mais uma das ficções científicas que o fizeram famoso, em especial Astro Boy e Black Jack.

Pensei um pouco no assunto e cheguei à conclusão de que o importante é que a obra de Tezuka emociona. Em mais de uma passagem, as lágrimas me vieram aos olhos e os pensamentos à razão. Buda não é uma história gratuita, alienada. Ela propõe ao leitor uma nova relação com o mundo. Podemos encontrar, na jornada do príncipe Siddhartha pelas regiões mais peculiares da Índia antiga, a luz que muitas vezes nos falta no dia-a-dia. Não se trata de uma mensagem unicamente religiosa. Como o monge diz a seus discípulos, são ensinamentos, coisas que se aprende e se passa adiante, e que detêm a ousada missão de nos explicar os mistérios da vida.

Isso é ficção? Sim, obviamente, assim como tudo o que pertence ao passado. A vida é apenas um instante, é apenas o agora. O resto são lembranças que guardamos e recontamos como bem entendemos, estão sempre sujeitas ao nosso ponto de vista. Ou à criatividade, como no caso da HQ de Tezuka. A bíblia é ficção, o alcorão idem. Uma biografia de Buda, mesmo que se pautasse em pesquisas históricas, científicas e portanto “sérias”, também não passaria de mera ficção. Uma ficção que todos decidimos aceitar como verdade, tudo bem, e que não deixaria de sê-lo, aliás. Como disse anteriormente, o importante é que o Buda de Osamu Tezuka emociona. E isso basta.

sábado, 22 de agosto de 2009

SANDMAN


Sandman, de Dave Mckean (personagem criado por Neil Gaiman)

Era como se tivesse areia nos olhos, e aquilo ardia, e por mais que esfregasse, não conseguia acordar. Era o pesadelo da vida a perturbar minha paz interior.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

ARGENTINA HOY



Os brasileiros têm finalmente a oportunidade de conhecer um pouco da produção artística contemporânea de seus vizinhos argentinos. Falo da mostra Argentina Hoy, uma realização do Banco do Brasil que reúne 32 artistas e obras das mais variadas linguagens, tais como pinturas, esculturas, intervenções, fotografias, vídeos e instalações, entre outras.

Como lembra o curador Franklin Espath Pedroso, a história da arte brasileira e argentina se cruzam em diversos momentos. Por exemplo, “segundo o crítico de arte Mário Pedrosa, quem primeiro falou em concretismo no Brasil foi o argentino Romero Brest que, vindo da Suíça com destino ao país natal, passou pelo Brasil e proferiu palestras no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1948”.

Este diálogo entre os países existe ainda hoje, em maior ou menor grau, devido não exatamente à proximidade geográfica, mas às suas características histórico-culturais. Em alguns trabalhos, como nas fotos de Leonel Luna e na pintura com pólvora de Tomás Espina, isso fica menos evidente, uma vez que a temática está relacionada com acontecimentos sociais específicos de lá. Em outros, porém, a crítica é tipicamente brasileira, como na animação de Estanislao Florido, em que um catador de papéis é obrigado a superar as diversas dificuldades do jogo da vida, se quiser chegar vivo no final.


A conquista do deserto II (2002), de Leonel Luna

Há também quem discuta assuntos universais, como pode ser visto na ótima montagem fotográfica de Nicola Constantino, intitulada A ceia. Trata-se do antes e depois de um banquete em que homens devoram a si mesmos e que, parodiando a história bíblica, não traz os adjetivos “santo” e nem tampouco “último”, pois é indiscutivelmente profano e tende a se repetir enquanto houver pessoa a ser devorada. Em outras palavras, a obra é um retrato metafórico da canibalismo que presenciamos cotidianamente em qualquer lugar do mundo, não importando a cultura ou a classe social.


A ceia (2008), de Nicola Constantino

Leandro Erlich segue por caminho semelhante com a instalação O vizinho. Ali, somos convidados a espiar a vida alheia, trancafiada entre as quatro paredes de uma casa. Através das janelas, não vemos nada além do que o reflexo de nós mesmos, enquanto a parte observada se incomoda e protesta: “O que você está olhando? O que quer aqui?”

Silvia Rivas, por sua vez, faz uma bonita comparação entre o correr das águas de um rio e o correr dos homens, onde um segue a favor do tempo e o outro contra ele. Difícil não relacionar a obra com nossas próprias vidas e refletir. Afinal, aonde ambos chegarão?


Transcurso e urgência – série Notas sobre o tempo (2000), de Silvia Rivas

A exposição fica em cartaz no CCBB de São Paulo até o fim de agosto, quando ruma para o Rio de Janeiro. Corri contra o tempo para recomendá-la a todos. Espero que gostem.


Argentina Hoy
De 6 de junho a 30 de agosto no CCBB de São Paulo
De 14 de setembro a 22 de novembro no CCBB do Rio de Janeiro
Curadoria: Franklin E. Pedroso e Adriana Rosenberg
Grátis!

Ps.: Assista a uma versão do vídeo de Silvia Rivas citado acima clicando aqui (http://silviarivas.com/) e acessando a série Notas sobre o tempo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

RETALHOS (E COLAGENS)



O futuro pode até parecer linear, com um novo dia se iniciando insistentemente na sequência do anterior, mas o passado é sempre uma colcha de retalhos. O desenhista e escritor Craig Thompson relembra suas vivências dessa maneira, misturando umas às outras, deixando com que se influenciem e se complementem para se transformarem em algo maior, com novos significados, assim como acontece num trabalho de colagem. O resultado é a ótima história em quadrinhos intitulada Retalhos, que a editora Companhia das Letras lançou em maio deste ano, inaugurando o selo Quadrinhos na Cia.

Ao longo de quase seiscentas páginas, o autor revisita momentos cruciais de seu passado, em especial a infância, vivida ao lado de seu irmão mais novo, e a adolescência, quando a descoberta do amor o leva a redescobrir a si mesmo e o mundo ao seu redor.


Retalhos, de Craig Thompson, página 43

Apesar de Craig não ser o único com dificuldades de crescer em uma família pobre e beata do interior americano, sua companhia mais fiel é a solidão. Dela brotam os devaneios que o libertam da dura realidade, da qual ele é refém e que se mostra na escassez de amigos, nas surras constantes na escola e na religiosidade cega dos pais.


Retalhos, de Craig Thompson, página 93

A história é contada com delicadeza excepcional. Texto e imagem se unem para narrar a uma só voz o estado de espírito dos personagens – a voz da confidência. Penetramos seus pensamentos através de cenas oníricas e cheias de movimento, que às vezes são simples e por isso retratadas com traços leves, econômicos e precisos. Às vezes, são trágicas e trazem pinceladas praticamente expressionistas. Em ambos os casos, no entanto, o entorno sufoca. Tem um movimento vertiginoso quando as coisas vão bem e é denso, pesado ou mesmo assombroso quando as coisas vão mal. O mesmo recurso vale para ilustrar a angústia com que Craig vê o mundo: enquanto seus afetos são retratados com sutileza, as crises são desenhadas grosseiramente, com pouca tinta, o pincel arranhando o papel e criando uma textura agressiva. Ao utilizar tais oscilações de humor, Craig mostra que seus personagens têm alma e nos convida a afundar nelas. Em poucas páginas, já estamos junto deles, sentindo com seus sentidos, vivenciando uma experiência encantadora.



Fun Home, uma tragicomédia em família, de Alison Bechdel

Enquanto ele se recorda do passado, nós o presenciamos. Em muitos aspectos, seus relatos se assemelham aos de Fun Home, excelente autobiografia em quadrinhos de Alison Bechdel, principalmente em relação ao enredo – o problema de crescer em meio a uma infinidade de outros problemas, entre os quais estão a própria família e os amigos. Há também a forma não-linear de relembrar o passado, indo e voltando, produzindo flashes de acontecimentos que se apresentam consecutivamente, amalgamados em um único momento: o livro. Cenas esparsas que nos fazem pensar nossas próprias vidas e imaginá-las como uma série de retalhos costurados em forma de colcha, essa coisa artesanal, tão íntima e pessoal.

Colocado desta maneira, a metáfora de Craig se mostra mais do que pertinente – é também muito mais interessante.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A CURA PELA ARTE


Quadrado branco sobre fundo branco (1918), de Kazimir Malevich

De um tempo para cá, a arte tem revelado possibilidades cada vez mais interessantes, que vão de descobertas históricas a trabalhos educativos em prol de comunidades carentes. Todas elas, no entanto, têm algo em comum, uma espécie de propriedade curativa que age diretamente sobre os males da humanidade, sejam eles de cunho pessoal ou social. Seus princípios ativos têm eficácia reconhecida desde a antiguidade, tais como concentração, reflexão e autoconhecimento, entre tantos outros. Grandes mestres utilizaram a arte para vencer vícios, superar traumas ou suportar angústias. Van Gogh foi um deles. Encontrou na arte um caminho para conhecer melhor a si próprio e a natureza ao seu redor, liberando a cada pincelada conflitos interiores e emoções reprimidas, numa atitude que mais tarde ficaria conhecida como “expressionismo”.

Se a arte sempre teve este poder, faz pouco tempo, no entanto, que temos consciência dele. E que sabemos explicá-lo de modo mais científico e menos intuitivo. Principalmente se considerarmos que a arte nasceu junto com o homem, lá na época em que descemos das árvores. Pois foi só em uma conferência de 1909 que Freud deu as primeiras indicações daquilo que hoje chamamos de arte-terapia, dizendo que a criação artística tem capacidade de transformar fantasias e reatar nossas ligações com a realidade, minimizando sintomas de neurose. Eram os princípios da psicanálise e também deste remédio inovador que muitos terapeutas têm receitado atualmente para quem chega bufando ao divã.

Pois é, arte cura estresse. Um colega de trabalho, Paulo Vilchez, testou e aprovou. Ele andava meio tenso quando descobriu esta alternativa e obteve um resultado tão positivo que levou a prática adiante, comercializando as obras nascidas daí. Sua tensão agora pode ser vista pendurada em paredes, emoldurada e transmudada em traços e cores. Muito bacana.

Aposto que alguns estão pensando: “Mas eu não tenho a menor aptidão para pintar, ficaria mais angustiado/angustiada ainda”, ao que eu respondo: “Por isso não, tente outras formas de arte”. Vá dançar, é ótimo para melhorar a coordenação motora e aumentar a autoestima. Faça um curso de teatro e perca a timidez. Escreva, nem que seja um diário simples. Poucas linhas por dia obrigarão você a reservar um tempo para refletir sobre a própria vida e a superar fases ruins com mais facilidade. Aprenda a cantar ou a tocar um instrumento. A música amplia horizontes e eleva qualquer pessoa a outro nível de sensibilidade. Fotografe tudo que despertar seu interesse, separe as favoritas e mostre aos amigos. Leia. Deixe as letras guiarem seus pensamentos por realidades distantes.

Quem soube trabalhar maravilhosamente bem esta relação entre arte e cura foi a doutora Nise da Silveira, pioneira no tratamento de esquizofrênicos por meio de terapias artísticas e referência mundial no assunto. Sua biografia é interessantíssima. Ela nadou sozinha contra uma corrente psiquiátrica que administrava choques elétricos e de insulina, mutilava cérebros doentes com lobotomias e atirava pacientes em hospitais tão precários que mais pareciam depósitos de loucos. Isso porque acreditava em um tratamento mais humano. Assim, Nise selou parcerias com artistas plásticos, foi responsável pela criação e administração de órgãos importantes – tais como a Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, o Museu de Imagens do Inconsciente e a Casa das Palmeiras – e descobriu grandes talentos reprimidos em pessoas excluídas da sociedade, curando algumas e recuperando a humanidade de outras. Resumindo, ela mostrou que a arte pode significar a cura para nossas doenças, apresentando uma espécie de salvação para homens e mulheres que vivem perdidos em seus mundinhos pessoais, preocupados com batalhar e vencer acima de qualquer coisa. Graças à sensibilidade, inteligência e força de vontade da doutora Nise, hoje sabemos a diferença que a arte pode fazer em nossas vidas.

Eu arriscaria dizer, inclusive, que sem arte a humanidade não encontraria bases de sustentação para seus sentimentos e desmoronaria em escombros de conflitos mal-resolvidos. Se a vida está difícil agora, sinto ser eu a informar que não há previsão de grandes mudanças nos próximos tempos. As dificuldades sempre existirão e talvez seja daí que venha a vontade de continuar vivendo. É mais ou menos o que Freud pensava do gênio Leonardo Da Vinci, dizendo que o que o interessava num quadro era, acima de tudo, um problema. E poucos conheceram os segredos da vida como Leonardo. Então, ao invés de desperdiçar energia com estresse, por que não fazer como ele, colocando-a na arte e buscando, através dela, a cura?


Obs.: Esta crônica é fruto das recentes pesquisas que tenho realizado a respeito de psicanálise e arte-terapia. Cito o trabalho de um colega, Paulo Vilchez, que pode ser visto com mais detalhes aqui: www.quadrospaulo.blogspot.com. Também comento alguma coisa sobre a vida da doutora Nise da Silveira. Quem se interessar e quiser saber mais, sugiro que leia a breve biografia escrita por Ferreira Gullar, chamada: Nise da Silveira, uma psiquiatra rebelde (Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Prefeitura, 1996).

terça-feira, 11 de agosto de 2009



“No pátio onde nos reunimos à tarde para conversar, fiquei conhecendo ontem um senhor muito idoso e muito educado, que se diz representante do Imperador da Rússia, embora não saiba uma só palavra em russo, segundo pude constatar. Falamos sobre assuntos diversos, conforme manda a boa diplomacia, e no fim concluímos que ambos gostamos imensamente de sorvete, sobretudo de sorvete de frutas, o que nos deixou profundamente satisfeitos pela feliz coincidência.”

Trecho de A Lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho (1956).

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

OBRIGADO POR NÃO FUMAR


Caveira com cigarro aceso, de Van Gogh, 1885(?)

Sábado passado, saí com alguns amigos para comemorar o aniversário de minha irmã. Fomos a um bar que cheirava a perfume de mulher. Pois é, sem aquela fuafa de tabaco queimado, o bar tinha cheiro de vida. Os fumantes que me perdoem, mas estamos muito melhor sem o vício de vocês, obrigado. Lembrei-me imediatamente do aniversário de minha namorada, três meses atrás, quando fomos obrigados a deixar o lugar por causa das janelas fechadas. Fazia muito frrrio, então não deixavam o ar puro entrar*. Fumaça sim, pode, mas ar frio não, faz mal para a saúde, sabe?, vai que todo mundo se resfria… Me poupem! Fomos sufocados pela irresponsabilidade dos fumantes durante muito tempo. É hora de virar o jogo!

*Obviamente que o ar de São Paulo não pode ser classificado como “puro”, até porque fuligem de automóvel é o que menos nos falta. Mas tudo bem, acabemos agora com o cigarro público. Depois passamos aos carros. Afinal, para chegarmos a algum lugar, nada melhor do que dar um passo de cada vez. E aproveitar a paisagem durante o percurso.

Dica para quem ainda não tem opinião sobre o assunto (assista ao trailer): http://www.fumandoespero.com.br/

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

BOBBY MCFERRIN TOCA A PLATEIA, LITERALMENTE

Acabo de ver um vídeo muito legal, em que o músico Bobby McFerrin mostra o poder da escala pentatônica para a plateia de um congresso de ciência. Mas ele não mostra somente isso. Trata-se da capacidade de aprendizado da mente e da facilidade que as pessoas têm para criar coisas juntas.

Para começar, todas subentendem a escala musical sem que ele precise ensinar mais do que duas notas. Depois, basta soltarem a voz para compor em uma só sintonia.

Certa vez, a Marisa Monte fez uma brincadeira parecida num show. E, para incentivar todos a participarem, disse uma coisa muito bonita: quando todos cantam juntos, não há desafinação. A união vibra em harmonia.

Este vídeo deixa isso muito claro. Imagine então que, se todos podem cantar juntos, que outras coisas maravilhosas não poderiam fazer também.


Para saber mais sobre Bobby McFerrin: http://www.bobbymcferrin.com

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

FRANCISCO B.

Eu gostaria que o nome Chico Buarque não significasse nada. Não que eu tenha algo contra ele, não é nada pessoal nem profissional. Meu problema é unicamente com o que representa. Quer dizer, hoje em dia, é impossível falar de sua obra sem que se associe a ela os milhares de preconceitos que fomos desenvolvendo ao longo do tempo. Podem ser preconceitos positivos ou negativos – você pode gostar ou não do Chico –, mas haverá alguma opinião sobre ele, e esta opinião vai influenciar tudo o que eu disser.

Ainda assim, insisto. Pois muito me surpreendeu que Budapeste tenha sido exibido em tão poucas salas de cinema. Tive que me empenhar bastante para ver. Puxa, o filme tinha tudo para ser um sucesso de bilheteria: foi baseado num best-seller do Chico, os protagonistas são atores famosos do porte de Leonardo Medeiros e Giovanna Antonelli, a produção é boa, o diretor Walter Carvalho tem um currículo exemplar e o enredo não trata nem de favela e nem de nordeste. Por que, então, ficou fadado a um circuito tão restrito?




Outro dia, um amigo estava revoltado com as pessoas que assistem a filmes alternativos e depois ficam falando mal dos blockbusters. Segundo ele, isso é coisa de quem quer bancar o intelectual. Mas o pior é que não tem jeito, é difícil fugir dessa discrepância. Quem busca filmes mais autorais, mais “artísticos”, mais experimentais ou simplesmente alguma coisa que faça pensar, para variar, provavelmente vai cair nos chamados cinemas “cult”. Budapeste seguiu por este caminho. E o resultado é maravilhoso, tem um toque ao mesmo tempo intenso e delicado que raramente se vê em grandes produções nacionais.

Para ter uma ideia de como ele nos atinge, quando as luzes do cinema se acenderam e os créditos começaram a subir na tela, olhei ao meu redor e estranhei o fato de que ninguém se levantou para atropelar os outros nas escadas enquanto desvia dos baldes de pipoca largados no chão e tenta ligar o celular. Não, ficaram todos sentados em seus lugares e me fizeram achar que teria outro filme na sequência. Foi quando percebi que estavam – pasmem! – discutindo o que tinham acabado de presenciar. Eu, que já estava contente por ter assistido a um filme sem ter ninguém matraqueando na orelha, achei aquele debate uma coisa de outro mundo. Pena que as redes mais populares de cinema deixaram esta grande obra de lado.

O filme fala justamente das incongruências entre o valor de uma obra e o reconhecimento de quem a criou. Li o livro quando foi lançado, há alguns anos, mas já nem lembrava mais do que acontecia, até porque a narrativa é o que menos importa. Bacana são as reflexões sobre autoria. Por exemplo, a obra pode existir sem seu criador? Em ordem de importância, qual deve vir primeiro? Quanto um influencia a apreensão do outro?



É a tal história do nome Chico Buarque. Quando se fala em Budapeste, o que vem em seguida? “Baseado na obra de Chico Buarque”. Supostamente, este nome deveria vender bilhetes a rodo. Não aconteceu com o filme, mas aconteceu com o livro Leite Derramado, seu romance mais recente. Quando se fala do livro, o que vem em seguida? “O novo romance de Chico Buarque”. Deve ser bom, né?



Sinceramente, eu li e não gostei. Enquanto o anterior, Budapeste, me deixou fascinado tanto pelas reflexões quanto pela engenhosidade com que foi construído, Leite Derramado foi difícil de terminar. Tive a impressão de que o Chico pegou uma fórmula corrente – do velho que, já meio biruta, começa a filosofar sobre a própria vida – para criticar a história do Brasil de um jeito confuso, cansativo, que mais complica do que explica. Claro que existem boas passagens, tais como esta breve referência ao ciúme: “Com o tempo, aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta”. Só que, de resto, fica apenas o velho a recordar e recontar o passado à sua maneira, repetidamente, como o seguinte trecho parece querer justificar: “Se com a idade a gente dá para repetir casos antigos, palavra por palavra, não é por cansaço da alma, é por esmero. É para si próprio que um velho repete sempre a mesma história, como se assim tirasse cópias dela, para a hipótese de a história se extraviar”. E, depois de tanta repetição, o que sobra? A sensação de que comprei gato por lebre.

Admiro a ideia de que a história é apenas uma versão do passado na qual decidimos acreditar, assim como a pertinência na escolha do título do livro, só achei que ele não precisava ser tão maçante.

Talvez eu tenha lido com preconceito. Afinal, é um livro do Chico, eu esperava que ele me fascinasse tanto quanto Budapeste. Fiquei me perguntando se apenas eu tinha achado o mesmo. E o que me deixou mais decepcionado foi perceber que as críticas, matérias e entrevistas sobre o lançamento mal falavam da obra. Só falavam do Chico. Que só o Chico entende as mulheres, que foi um músico importante, que sua mesa na FLIP seria a mais concorrida etc., todas essas ladainhas que estamos cansados de ouvir. Mas ninguém comentava o livro. Afinal, é um romance do Chico, quem se atreve a dar opinião? E basta citar o autor para vender bem.

Posso estar enganado, afinal, isso não aconteceu com o filme. Só gostaria de poder me distanciar do Chico e admirar sua obra como a de um Francisco qualquer, sem preconceitos.

Provavelmente há muito mais riqueza ali do que o mero lugar-comum deixa perceber. Enquanto algumas coisas me diriam que o Chico é deus, muitas outras mostrariam que ele não passa de um homem comum, repleto de talentos e defeitos para a gente admirar.s madrugadas de bebida, mxcesso. devo ofundas que nunca mais me deixaram em paz.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

FANTASMAS


Francis Bacon - Autorretrato, 1971

Na época da faculdade, adquiri olheiras profundas que nunca mais me deixaram. Não foram feitas de estudo ou trabalho em excesso. Devo minhas olheiras às recorrentes madrugadas de bebida, música e bate-papos de internet.

domingo, 26 de julho de 2009

SOBRE O SEBO PINHEIROS, NO SEBO PINHEIROS

Quando relatei o acontecido comigo no Sebo Pinheiros, jamais poderia imaginar que dali se originaria uma relação de amizade tão bacana. Meio sem graça, entreguei a eles uma cópia do jornal como sinal de agradecimento e fiquei bastante contente ao saber que o presente foi bem recebido. De lá para cá, muita coisa aconteceu.

Na semana passada, fui convidado a entrar no blog do sebo e adivinha o que estava lá: minha crônica, com direito a foto e dedicatória. Mais uma vez, gostaria de agradecer todo este carinho.

Aproveito para convidar você a conhecer um pouco mais sobre esse pessoal e, quem sabe, passar lá para tomar um café e xeretar os livros. Clique aqui e compre uma passagem expressa!

domingo, 5 de julho de 2009

YASUNARI KAWABATA – PINTAR COM PALAVRAS

Oficialmente falando, este é meu primeiro exercício crítico. Quer dizer, é o primeiro a que me dediquei espontaneamente, que se desvinculou das pesquisas acadêmicas e que teve um resultado interessante. Quem ditou o tema foi apenas meu gosto pessoal. Conheci os livros de Yasunari Kawabata (1899-1972) há poucos anos, quando eles finalmente começaram a ser publicados no Brasil, traduzidos diretamente do japonês por um pessoal gabaritado. Um exemplo destas boas traduções são as feitas por Meiko Shimon, mestre em Língua, Literatura e Cultura Japonesa pela USP, especialista em sua obra e autora de Concepção estética de Kawabata Yasunari em Tanagokoro no shosetsu (UFRGS, 2000). Por enquanto, ficaram sob sua responsabilidade os livros: Mil Tsurus, Kyoto e Contos da palma da mão, todos publicados pela Estação Liberdade. Também é de sua autoria um ensaio complementar publicado junto com a novela A dançarina de Izu, bastante elucidativo quanto à vida e obra do escritor.

As histórias de Kawabata foram muito importantes para mim. Seu tom leve e simbólico me fascinou de imediato, deixando uma marca permanente em minha vida assim como quando continuamos a ver um ponto luminoso mesmo depois de cerrarmos as pálpebras. Ele fala de furacões com a sutileza de uma brisa; quem o lê, sente o toque delicado de suas palavras, porém, ao fim do texto, percebe a devastação de suas críticas.

Gostaria de compartilhar essas percepções com você, leitor. Por isso, ao pensar num tema para criticar, não titubeei. Foi logo Kawabata. Espero que minha empolgação por seus textos contagie a ponto de levar mais pessoas a lê-los.


No mais, gostaria de agradecer a Daniel Piza pelos ensinamentos e comentários que fizeram esta crítica acontecer.


Prato na técnica sometsuke com motivo de pinheiro, bambu e ameixeira.
Porcelana Nebeshima, período Edo (1770-1790).


Chieko descobriu que as violetas floresceram no tronco do velho bordo.
Ah! Elas haviam florido naquele ano de novo, pensou ela diante da suavidade da primavera.
O bordo era realmente grande para o pequeno jardim no meio da cidade, seu tronco mais corpulento que os quadris dela. Muito embora a superfície velha e áspera do tronco, coberta de musgo, não pudesse ser comparada a seu corpo jovem e delicado...
Na altura do quadril de Chieko, o tronco ligeiramente retorcido da árvore dobrava-se à direita, logo acima da cabeça dela. A partir dessa dobra, numerosos galhos se estendiam em todas as direções e dominavam o jardim. As extremidades dos longos ramos pendiam um pouco devido ao próprio peso.
Logo abaixo da dobra parecia haver duas pequenas cavidades, e em cada uma delas cresciam violetas que floriam a cada primavera. Pelo que se lembrava Chieko, aqueles dois pés de violeta sempre estiveram ali.
Trinta centímetros separavam as violetas de cima das de baixo. Chieko, que chegava à plenitude da mocidade, às vezes se perguntava a si mesma se elas se encontrariam algum dia.


Assim começa o romance Kyoto (1962), do mestre japonês Yasunari Kawabata, livro que determina um marco importante em sua carreira e um dos três títulos citados quando o escritor recebeu o Prêmio Nobel de 1968. Ao ler o trecho acima, depois de já ter conhecido boa parte das suas criações, fiquei me perguntando como é possível pintar usando palavras, assim como se escreve com pincel e tintas. Pois já me deparei com milhares de pinturas narrativas, que retratam acontecimentos da história por meio de execuções magistrais. A Idade Média está repleta delas; basta voltar aos anos de 1200 e observá-las em castelos e igrejas. É verdade que a prática já existia desde muito antes, talvez desde a pré-história, mas foi com artistas do porte de Cimabue, Duccio e Giotto que ela atingiu o auge da condensação narrativa pela primeira vez, resumindo mitologias complexas a uma única cena, aglutinando paisagens, momentos históricos e personagens bíblicos diversos para a composição de uma só peça de altar, por exemplo. Algumas vezes, estão presentes na mesma composição duas cidades que na verdade ficam bem distantes uma da outra; ou Jesus, Adão, um governante contemporâneo ao pintor, vestimentas gregas, criaturas fantásticas orientais etc., tudo isso por conta de um alto grau de estilização e com objetivo de incluir uma lenda inteira em uma única obra.


A tentação de Cristo na montanha, de Duccio di Buoninsegna, (1308-1311).


Esta narrativa em forma pictórica continuou firme e forte até o século XIX, com o romantismo, aperfeiçoando-se e atingindo novos patamares técnicos. Ainda hoje se encontra artistas praticando-a, consciente ou inconscientemente, ao redor do mundo. Em certo nível, talvez a narrativa seja inerente à pintura. Mas, e o oposto? Quer dizer, é possível pintar usando palavras no lugar de tintas ou, para ser mais claro, criar cenas pictóricas em páginas de livros?

A resposta óbvia seria dizer que sim, isso se faz retratando cenários ou pessoas, descrevendo-os detalhadamente e contando com a imaginação do leitor para preenchê-los de cor. Grandes escritores fizeram obras-primas seguindo por este caminho. Émile Zola, com O germinal (1885), quis até mesmo banir toda imaginação da obra literária, tentando criar uma espécie de documentação sobre o operariado francês – mineradores, mais precisamente – em meio às segregações causadas pela Revolução Industrial. Marcel Proust, por sua vez, conseguiu compreender e retratar a alta sociedade francesa do início do século XX – da qual ele próprio participou ativamente durante quase toda a vida – como ninguém jamais havia feito antes, revelando uma realidade escondida no comportamento das pessoas e distribuindo sua crítica inteligente pelos sete volumes de Em busca do tempo perdido (1908-1922). O resultado é um panorama muito mais rico, dinâmico e interessante do que se faria hoje com estudos acadêmicos, por exemplo, tomados à distância e possivelmente escritos com tom mais frio e impessoal.

Embora cada um o tenha feito à sua maneira – bem diferentes, cá entre nós –, estes dois escritores souberam muito bem pintar com palavras, descrevendo paisagens, retratos e naturezas-mortas para tratar de universos complexos em uma única obra; aglutinando momentos e figuras importantes da história mais ou menos como faziam os pintores góticos, num movimento de condensação que parte do todo em direção ao uno.

Mas a pintura literária não precisa necessariamente acontecer assim, tentando retratar complexidades por meio de descrições detalhadas ou excessos de informação. Nesse sentido, o escritor japonês Yasunari Kawabata foi um mestre. Nascido em 1899 e assumidamente influenciado pelas vanguardas europeias do início do século seguinte, em especial o surrealismo francês, Kawabata usou palavras tal qual os pintores modernistas usaram suas tintas, criando imagens aparentemente ingênuas porém repletas de conceitos e significados implícitos. Não tratou de condensar universos complexos, mas de simplificá-los até encontrar sua essência, explorada depois na forma de metáforas. Seus romances são leves, curtos, com poucos cenários e personagens rasos. Mas através de histórias aparentemente banais, contemplamos um Japão em crise, com seus valores antigos sendo substituídos pela cultura estrangeira que ganha espaço dia após dia.

Em Kyoto, a metáfora fica a cargo de tecidos para quimono, que se encontram no meio de um conflito travado entre a modernidade (representada por teares mecânicos de alta produção e baixa qualidade) e o passado (desenvolvimento de estampas para serem tecidas à mão, normalmente por membros de famílias especializadas). A escolha não poderia ser mais pertinente, pois a arte da tecelagem tem valor inestimável para a cultura japonesa – costuma ser usada até mesmo para contar a história do país, uma vez que cada dinastia desenvolveu seu próprio estilo e ditou a moda à sua maneira. Mas Kawabata não põe esta questão no centro da obra; ao contrário, vamos percebendo-a por entre os conflitos pessoais dos personagens, as relações amorosas, a rotina, os festivais, o contato com a natureza, as dificuldades em lidar com a tradição e as divergências da geração mais nova com seus pais.

Como o escritor sempre esteve muito ligado à arte moderna que se produzia no ocidente, a abstração é um tema usado constantemente para ilustrar os desentendimentos entre o novo e a tradição:

– A disposição destas pedras seria abstrata também? – perguntou Shin’ichi.
– Não seriam abstratos todos os jardins japoneses? – volveu Chieko. – Como os musgos sugigoke do jardim do templo Daigoji, de que tanto se fala como exemplo de arte abstrata. Chega a ser até enjoativo, mas...


Sua linguagem é leve e poética, carregada de imagens simbólicas, de modo que consegue significar muito falando pouco. A mesma força sintética pode ser observada em Mil tsurus (1951), onde um incomum triângulo amoroso entre um rapaz e duas ex-amantes de seu pai se forma durante uma cerimônia do chá. O evento é típico da sociedade japonesa, ensinado de geração em geração e envolve significados profundos, tais como respeito, harmonia, pureza e tranquilidade. Kawabata se aproveita destes significados para mostrar a decadência das artes tradicionais do país no pós-guerra, perante a rápida ocidentalização dos costumes.

Naquele cenário quase religioso, a profanação se dá por meio de fofocas, mentiras e encontros amorosos secretos. Uma das principais personagens do romance, a mestra da cerimônia, usa o chá para futilidades, tais como apresentar pretendentes a casamento. Assim que vencemos o estranhamento causado pelas diferenças culturais entre Brasil e Japão, começamos a perceber a crítica implícita em situações aparentemente corriqueiras, vividas por personagens que flertam com o passado já sem conseguir amá-lo. As sutilezas dessas controvérsias se mostram em passagens como esta:

Aquela cerâmica havia saído de um forno antigo, devia ter pelo menos trezentos ou quatrocentos anos. Talvez, originalmente, tivesse sido concebida como mukôzuke, utensílio de mesa, ou similar. Talvez nunca tenha exercido a função de chawan. Suspeitava-se de que começara a ser utilizada como utensílio da cerimômia do chá havia muito pouco tempo. Os antigos cuidaram bem dela a fim de passá-la à posteridade. Era fácil imaginar os viajantes trazendo-a de longe, acondicionada em caixas de madeira. Por mais que fosse um desejo de Fumiko, Kikuji jamais permitiria que fosse quebrada.
Além do mais, era a cerâmica que estava manchada na borda pelo batom da mãe dela.
O batom impregnado na cerâmica era difícil de ser removido, foi o que a mãe dissera a Fumiko. De fato, a mancha resistira apesar das lavagens aplicadas pessoalmente por Kikuji. Sua tonalidade era amarronzada, longe da cor viva do batom, e com um leve toque rosado, que bem podia ser de um batom velho... Quem sabe fosse apenas a coloração natural das cerâmicas Shino. Ou ainda, a sujeira deixada pelo proprietário anterior à viúva Ota, pois, quando usada como chawan, a boca do usuário toca sempre o mesmo lugar. O certo é que a viúva fora a pessoa que mais tinha usado aquele Shino para tomar chá.

Em O país das neves (1947), seu primeiro romance, os habitantes de um vilarejo místico, esquecido no meio das montanhas do norte, são envolvidos pela fumaça branca do trem que chega trazendo pessoas de cidades distantes para se misturarem às nativas, pela paisagem gélida, pelos vapores das casas termais e pelas brumas oníricas da pureza. Kawabata precisou inventar uma outra localidade para justificar esta tradição ainda intocada. Mas, como se sabe, tudo tende a desaparecer um dia:

Enroscando-se uma na outra, as borboletas foram atingindo alturas superiores às das montanhas fronteiriças, e o amarelo de suas asas foi embranquecendo, até elas se afastarem para longe.

Ali, a brancura é tudo que se vê; as relações humanas jamais se exibem com clareza, estando sempre ocultas pelo mistério, perdidas na neblina, significando mais do que as primeiras impressões deixam perceber.

O olhar crítico está presente nesses e em todos os seus outros romances. Mas sua arte, ao contrário das de Proust e Zola, é mais “literal”, com o perdão do termo. Digo isso porque Kawabata constrói cada cena como se realizasse uma pintura: risca alguns arbustos aqui, esboça as paredes de um templo ali, indica bosques de cedros com passagens sutis, esmiúça detalhes, tais como folhas secas cobrindo o chão e umidade em ripas de madeira, acrescenta um ou dois personagens para equilibrar a composição e dá os últimos retoques com diálogos breves e poderosos. No final, resta-nos uma bela imagem, bastante simbólica, para admirar.

O cuidado com o enquadramento também fica evidente: Kawabata escolhe trechos específicos da vida de seus personagens, excluindo tudo de passado e de futuro que seja desnecessário ao assunto, invadindo e abandonando sem jamais fechar o círculo, como se o leitor devesse interpretar para tirar suas próprias conclusões. Vemos aí um exemplo do que há de esteticamente moderno em sua literatura: o fluxo de pensamento e o abandono da estrutura aristotélica, com romances que fluem sem ficarem presos a um começo, meio e fim. Kawabata não quer falar do todo, mas trabalha sobre uma essência que pode vir a significar este todo, ainda que somente naquele breve instante representado. O movimento da obra, neste caso, vem de dentro para fora. E termina em nós.

Cada um dos seus livros acaba por ganhar forma de quadro. Ou de uma série deles, espalhados pelas páginas como numa exposição, revelando o ponto de vista do autor como se fossem paisagens capturadas por um observador atento e impressas em telas com pinceladas precisas. Kawabata soube ver o mundo com olhos de pintor. Por fim, ao lermos sua obra completa, descobrimos um Japão tomado por angústias, conflitos e incertezas, retratado com as palavras hábeis de quem testemunhou e soube passar para o papel o início de uma nova era.

Para quem quiser experimentar, sugiro as edições que a Estação Liberdade vem publicando desde 2004. Elas trazem pela primeira vez ao Brasil traduções cuidadosas, feitas diretamente do japonês e que não deixam o tom original se perder. Pois não resta dúvida de que a pintura com palavras é possível, mas ainda me pergunto como alguém é capaz de reunir tamanha habilidade para realizá-la. Yasunari Kawabata, do mesmo modo como fizeram grandes mestres do pincel, não revelou seu segredo, embora tenha nos deixado uma obra riquíssima para admirar e, quem sabe, obter dali uma resposta satisfatória. Por seu talento, recebeu o Nobel de Literatura em 1968. E, por seu olhar apurado, mereceria também o de artes plásticas, se tal categoria existisse.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

OLÁ! COMO VAI?

Este é o blog de que falei no jornal.

No espaço que este texto ocupa agora será exibido todo o conteúdo que preparei para receber você. Para visualizá-lo, vá clicando nos links aqui à direita, identificados pela data de postagem.

Deixei disponíveis todas as crônicas publicadas pelo Correio Popular de Campinas até agora, organizadas cronologicamente, e também algum material inédito, como fotos, pinturas e contos, entre outros.

Se quiser, por exemplo, saber por que escolhi a imagem acima para ser o cabeçalho do blog, clique no post de 1º de março. Se quiser ler uma crônica inédita, clique no link do dia 22.

E tem mais: no fim de cada texto há palavras-chave para que você possa encontrar facilmente outros relacionados a ele. Basta escolher a sua e SHAZAM!, eles aparecerão.

Espero sinceramente que você aprecie a visita e volte sempre. Se quiser fazer críticas ou sugestões, envie um e-mail para mim – o endereço também está aqui ao lado.

Por enquanto é isso. Um forte abraço e até a próxima!

COMO SE FAZ UM BLOG

1. Desde que a onda de blogs ganhou os mares da internet, me bateu uma vontade de arriscar. Isso já tem uns dez anos, talvez mais. Só não tinha certeza do que postar e, entre fazer qualquer coisa e não fazer nada, fiquei com a segunda opção. Mal sabia eu que o primeiro passo já estava dado.

2. Para que serve um blog? Hoje em dia, é muito mais difícil encontrar uma resposta direta, pois o formato é usado com uma infinidade de objetivos. Existem aqueles feitos para divulgar trabalhos, expor opiniões, criticar, propor discussões, fazer contatos, hobbie e até terapia. Na época, no entanto, a moda entre a molecada era manter uma espécie de diário virtual, que raramente interessava a outros de fora do círculo de amigos. Eu, que jamais gostei de me expor, abominava a ideia. Pensava: por que alguém leria meus conflitos adolescentes? Ou, ainda, o que faria com eles?

3. Depois do Orkut, esse tipo de blog foi sumindo e outros bem mais interessantes ganharam espaço. Muita gente inteligente começou a escrever sobre determinadas áreas de conhecimento e disponibilizar os textos a quem quisesse ler. Gente famosa também, tais como escritores, fotógrafos, jornalistas, artistas plásticos etc. Assim, os blogs se tornaram ótimos locais onde cruzar informações, disseminar cultura e mostrar talento.

4. A popularização da internet deixou tudo mais fácil. Hoje em dia, basta um pouco de boa vontade para você montar seu próprio blog. Complicado é conseguir mais boa vontade ainda para atualizá-lo com frequência. Tudo bem que cada um tem seu propósito e apenas uma parte deles requer postagens diárias. O importante é que, agora, todo mundo tem o direito de manter um espaço na rede para expor suas ideias – uma oportunidade bastante democrática, cá entre nós. Sem dúvida, o fato de passarmos boa parte do dia na frente de um monitor ajuda. E quem gosta de navegar pode visitar, comentar, colaborar e se aproximar de pessoas ou trabalhos antes inacessíveis.

5. Quando me dei conta disso, aquele antigo desejo de ter um blog aflorou. Comecei a pensar em criar um arquivo de crônicas já publicadas e, para aqueles que têm vontade de conhecer as diferentes facetas da minha produção, também postaria contos, críticas, fotografias e pinturas, entre outras coisas que surgissem pelo caminho. Pela primeira vez em anos, isso parecia uma boa ideia.

6. Parecia, seria, faria... Desta vez, a vontade não morreria na praia. Assim, quando percebi, já estava trabalhando no projeto.

7. O primeiro passo foi encontrar um local compatível com minhas intenções. Descobri uma série de novos formatos desenvolvidos para finalidades específicas, como o Flickr, por exemplo, que é uma espécie de “fotolog” ou, melhor ainda, uma galeria virtual. Ali você encontra de fotógrafos famosos a entusiastas talentosos, passando por diretores de arte, ilustradores, designers, artistas plásticos etc., todos com seus respectivos contatos. Quer cartão de visita melhor?

Os músicos, por sua vez, encontram-se no MySpace, onde se pode conhecer bastante gente nova a expor seus trabalhos com toda liberdade. Alguns até conseguiram alavancar carreiras apostando no canal, como a Mallu Magalhães, que agora já está ficando bem conhecida no Brasil. As chances são grandes, pois os caça-talentos sabem onde procurar. Em outras palavras, quem busca uma oportunidade precisa ter apenas um pouco de boa vontade.

E quem nunca ouviu falar do Twitter? Trata-se de uma espécie de rede social formada por miniblogs que avisam seus assinantes quando são atualizados. As mensagens são enviadas até para celular! Somando-se as informações de perfil dos usuários com a chance de saber das últimas fofocas em primeira mão, vemos por ali uma tietagem danada. Muitas empresas já perceberam as oportunidades do Twitter e estão aproveitando seu potencial de comunicação. As mais antenadas, inclusive, utilizam vários sites e blogs ao mesmo tempo, levando o relacionamento com seus consumidores a outro nível.

8. No meu caso, optei por um formato tradicional, que se enquadrou melhor na proposta. E agora, depois de mais ou menos três meses de trabalho, convido todos vocês a conhecerem meu primeiro blog, comentarem e retornarem sempre que quiserem. Trata-se, antes de tudo, de uma experiência que deve caminhar junto com este espaço no jornal, complementando-o com informações mais extensas, links e, em breve, área para discussão de leitores. O endereço está no fim desta coluna.

9. Também convido vocês a acreditarem em seus esforços, reservarem um pouquinho de boa vontade e usarem a rede para algo produtivo, criando blogs pessoais ou coletivos. Vamos aproveitar esta ferramenta para colocar ideias em prática e expandir o alcance da cultura! Sinceramente, espero que esta crônica sirva de incentivo. Então, boa sorte!

quinta-feira, 21 de maio de 2009

CONFORTAVELMENTE APÁTICO*

O conto que cito nesta crônica já foi publicado no Brasil por diversas editoras. Atualmente, creio que há edições da L&PM e da Cosac Naify. Esta última é especialmente interessante, pois obriga o leitor a interagir com o livro para revelar a história. Isso acontece da seguinte maneira: as capas vêm costuradas e quem quiser ler precisa descosturá-las, para então descobrir que as páginas também estão seladas, sendo necessário rasgá-las com uma espátula. Entre elas, a única imagem que se vê é a de um muro, cujo significado se revelará mais tarde. A proposta é muito bacana e a recomendo a todos que tenham vontade de experimentar uma leitura diferente. (Se quiser visualizar melhor o processo que descrevi acima, clique aqui.)


A recente adaptação para o teatro de Bartleby, o escrivão, conto de Herman Melville publicado pela primeira vez em meados de 1850, fez com que eu pinçasse minha edição da prateleira e a folheasse na tentativa de reavivar antigas sensações. Como tenho hábito de sublinhar e escrever pelas páginas dos livros, era bem provável que algumas impressões provocadas pela leitura ainda estivessem por ali. Lembrava que, na época, descobri em Bartleby um sujeito estranho, deslocado da sociedade e vivendo uma história esquisita, meio atemporal, meio metafórica, meio difícil de definir. Havia algo filosófico ali. Algo moderno e crítico. Eu só não dispus prontamente de uma opinião clara sobre o assunto, sentindo apenas certo incômodo pelos modos pouco convencionais do personagem. Ao mesmo tempo, porém, não conseguia repeli-lo, quer dizer, não podia deixar de pensar em sua história e simplesmente ignorá-lo, mais ou menos como sucedeu com seu patrão.

Para quem não conhece o enredo (e provavelmente não entendeu nada do que leu até aqui), as coisas acontecem assim: o dono de um escritório de advocacia que lida com hipotecas e títulos de propriedade contrata Bartleby com objetivo de aumentar sua equipe de escriturários. O novo empregado é calado, de hábitos simples e, nos dois primeiros dias, realiza seu trabalho sem incomodar ninguém – muito próximo do que ainda hoje se entende por funcionário ideal. Até que ele se recusa a cumprir algumas tarefas, deixando todos atônitos. Sua justificativa é sempre a mesma: “Acho melhor não”. Acha melhor não fazer, acha melhor não ajudar, acha melhor não falar etc. E só. Bartleby se torna assim um estorvo. Passa o dia recluso em seu canto, atrás de um biombo, olhando através de uma janela que dá para a parede do prédio vizinho. Recusa-se até mesmo a explicar essa sua atitude esdrúxula. O patrão, no entanto, sente pena do coitado, uma vez que se trata de uma pessoa humilde, sem família, sem passado e visivelmente perturbada. Para usar suas próprias palavras: “Apesar de ofendido pelo seu comportamento e resolvido a demiti-lo quando chegasse ao meu escritório, sentia uma espécie de agouro invadindo o meu coração, que me impedia de cumprir o meu propósito, dizendo-me que só um canalha se atreveria a pronunciar uma palavra amarga contra o mais desamparado dos homens”. E assim Bartleby vai ficando por ali, assumindo cada vez menos funções até cair na mais completa apatia.

Quantos desses a gente não conheceu ao longo da vida? Quem já trabalhou em empresas grandes, onde o caso é mais comum, deve se lembrar de pelo menos um nome que estava sempre circulando por entre os diversos setores, sem função determinada, enquanto os outros se perguntavam por que ninguém o riscava do quadro de funcionários. A maioria deles sobrevive inclusive a períodos de crise, como o atual. Será que a chefia não enxerga tamanho ostracismo?

Pois Bartleby, apesar de tudo, caíra nas graças do patrão. Ele estava sempre por perto e não precisou de muito empenho para se tornar parte do escritório, como objetos de que não conseguimos nos desfazer, por maior que seja sua inutilidade – e a nossa vontade lógica. Talvez eles sejam responsáveis por manterem a estabilidade de nosso estado mental, proporcionando conforto, segurança e sensação de normalidade, garantindo que tudo continua do jeito que sempre foi. Uma espécie de porto seguro onde atracar, no geral, inconscientemente. Assim diz o patrão de Bartleby: “A sua disciplina, a sua temperança, o seu trabalho sistemático (exceto quando se perdia em devaneios atrás do biombo), a sua tranquilidade e a sua conduta inalterável em todas as circunstâncias, faziam dele uma valiosa aquisição. O principal é que ele sempre estava ali (...). Eu tinha uma confiança especial na sua honestidade. Sentia que meus documentos mais preciosos estavam absolutamente seguros nas suas mãos”.

Fazendo uma aproximação com a realidade de hoje, vejo que existem aqueles que vivem em constante competição consigo mesmos e com os outros, esforçando-se para alcançar algo maior, aprender coisas novas, mostrar serviço etc. Aqueles que encaram tudo como desafio e se propõem a vencer. Existem também, por outro lado, os que passam pela vida sem deixar que ela passe por eles, totalmente alienados em seus mundos particulares e satisfeitos com olhar eternamente para uma parede porque o simples fato de saber que ela está lá já é suficiente – a parede impede de enxergar além, porém a visão dela comprova que o mundo é real e concreto. Entre um tipo e outro, existem milhares de meios-termos nos quais a maioria de nós se enquadra. Como diz uma música do Pink Floyd – Comfortably Numb –, a apatia se torna confortável com o tempo, e a juventude passa levando nossos sonhos com ela.

Não é uma perspectiva muito feliz. O oposto completo tampouco. Por isso, ainda acredito no ponto-chave da filosofia oriental: o equilíbrio de forçar, ou seja, a harmonia.

Em um mundo em que a norma manda as pessoas serem sempre melhores do que as outras, levando vantagem em quantas ocasiões puderem para provar seu valor, começo a entender por que a leitura de Bartleby, o escrivão me incomodou tanto. Para explicar melhor, faço minhas as palavras de Herman Melville: “(...) havia algo em Bartleby que não apenas me desarmou, como também me comoveu e desconcertou, de maneira assombrosa. Pus-me a raciocinar com ele”.

*A crônica publicada no jornal foi reduzida por limitações técnicas. Aqui você encontra a versão integral, sem cortes.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

NÃO É VERDADE

Citar casos que envolvem o dia-a-dia de muitas pessoas é uma atitude que sempre tende a polemizar. Esta crônica tem um pouco disso – fala da novela “das oito”, momento sagrado da TV brasileira e também da vida de todas as classes sociais.
Antes de tudo, gostaria de deixar claro que minha intenção não é provocar o leitor gratuitamente. Usei o exemplo da novela, entre outros, justamente por causa da enorme influência que ela exerce sobre nós. Peço, portanto, que não o encare como nada pessoal, mas que perceba como o assunto está próximo, ainda que, muitas vezes, passe despercebido.
Decidi escrever esta crônica quando comecei a ouvir comentários absurdos sobre o país, a cultura e o povo indianos. Coisas como “lá tudo é lindo”, “as tradições não se perderam com o tempo” e “os indianos é que são felizes”. Sinceramente, fiquei preocupado com tamanha convicção. O ápice foi ver gente querendo passear lá achando que visitaria o paraíso.

Enfim, se você quiser pesquisar um pouco mais, sugiro que acesse o site www.youtube.com e faça uma busca utilizando palavras como “Índia”, “imagem” e “novela”, ou frases como “cenas que não aparecem na novela” e “imagens que a novela não mostra”. Existe também um documentário produzido pela BBC e disponibilizado em bancas de jornais pela editora Abril (2 DVDs) que pode ser outra boa fonte de informação.


Esta crônica não é, necessariamente, verdade. Nem tudo que está escrito é verdade. Nem sempre os livros, jornais e revistas estão 100% corretos. Sabe por quê? Não existe verdade única e absoluta, apenas versões pessoais. Apenas facetas da verdade. O mesmo vale para a TV. Ela mente o tempo todo. Escolhe bem as palavras, muda a ordem de alguns fatores e muitas vezes omite outros só para manter você ligadão nela. Também inventa mil e uma histórias e chama isso de ficção. Então, o que devemos fazer? Parar de ler e de assistir TV? Não, claro que não. Devemos buscar uma coisinha importante que falta na vida de muita gente: discernimento.

O tal discernimento nada mais é do que a capacidade de analisar e saber distinguir a realidade da ficção, assim como os interesses tendenciosos dos fatos. Infelizmente, discernimento ainda não é vendido em supermercados; é adquirido somente com a experiência e com a busca de conhecimento.

Parece bastante chato, mas não é não. Descobrir coisas novas é divertido, pergunte às crianças. Você também já foi uma delas. Sabe quando perdeu o interesse pelo novo? Quando colocou na cabeça que já sabia o suficiente para ser um “adulto maduro”, sem necessidade de aprender mais. Fecharam-se as portas da sabedoria e escancararam-se as da ignorância.

Lembra quando O código Da Vinci chegou às livrarias e logo se tornou best seller absoluto? Pois eu me lembro também da subsequente confusão com o Vaticano, que viu seus valores feridos pelo livro. Ora, o problema não foi o autor, Dan Brown, ter inventado conspirações, assassinatos e dito algumas coisas de maneira diferente de como elas costumam ser ditas, afinal, quantos já não fizeram isso antes? O motivo de tanto incômodo é que a mentira foi tão bem contada que muita gente acreditou, criticando a igreja, exigindo explicações, retaliações etc. Resultado: Dan Brown teve que explicar em praça pública que seu romance era apenas isso mesmo, um romance, uma ficção, uma história inventada – ninguém precisava se ofender. Acredite se quiser: é a uma situação absurda como esta que a falta de discernimento nos leva.

Isso porque estamos falando de literatura, que pressupõe um público mais culto e que, no Brasil, toma goleada de outras fontes de informação mais massivas, como a TV, por exemplo. A propósito, gostaria de citar o caso da novela Caminho das Índias, que tem feito um baita sucesso e que, por outro lado, tem me incomodado bastante. Admito que se trata de uma ficção e que isso lhe dá o direito de inventar de tudo, mas ela mostra um país tão diferente da realidade que acaba por enganar todos que sofrem de falta de discernimento (e de conhecimento). Nesse sentido, sabendo da força que exerce perante a população, acho uma tremenda falta de responsabilidade da Globo transmitir uma novela dessas sem produzir em paralelo programas educativos que mostrem a Índia além da ficção. Quem se interessar e quiser fazer um contraponto, sugiro que veja o filme que foi o grande destaque do último Oscar: Quem quer ser um milionário?

Quer dizer que o filme é mais verdadeiro que a novela? Não, obviamente. Trata-se apenas de outra faceta da verdade e pode ajudar bastante a ampliar seu conhecimento sobre o assunto.

Já dizia Napoleão (acho que era ele): “A história é uma versão do passado na qual todos decidimos acreditar”. Parodiando o antigo imperador, digo eu: “Uma coisa só se torna verdade no momento em que todos decidimos acreditar nela”. Portanto, vamos procurar saber um pouco mais antes de sair por aí acreditando em tudo o que os outros dizem.

No quarto volume de O método, Edgar Morin escreve: “(...) insisto em observar que todo conhecimento filosófico, científico ou poético emerge da vida cultural comum. (...) O conhecimento cotidiano é uma mistura singular de percepções sensoriais e de construções ideoculturais, de racionalidades e de racionalizações, de intuições verdadeiras e falsas, de induções justificadas e errôneas, de silogismos e de paralogismos, de ideias recebidas e de ideias inventadas, de saberes profundos, de sabedorias ancestrais de fontes misteriosas e de superstições infundadas, de crenças inculcadas e de opiniões pessoais”.

Daí, concluo que pesquisar, refletir e debater são hábitos bastante saudáveis. Caso contrário, corremos o sério risco de acabar fiéis a um monte de bobagens. E de viver no mundo do faz-de-conta, onde tanto sábios quanto bobos são apenas personagens de uma entidade manipuladora muito mais poderosa: o contador de histórias.