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domingo, 23 de janeiro de 2011

CULTURA, PATRIMÔNIO HISTÓRICO NACIONAL



A polêmica sobre o fim do Belas Artes, cinema tradicional de São Paulo e muito querido entre os cinéfilos por causa de sua programação bem selecionada, me faz pensar na situação cultural do país. Você deve ter lido alguma notícia sobre o caso: o dono do imóvel o pediu de volta, o cinema já andava sem dinheiro desde que perdeu o patrocínio do HSBC, alguém quer abrir uma loja no lugar, os fãs fizeram manifestação, a entidade Viva Cultura e a Associação Paulista de Cineastas entraram com pedido de tombamento do edifício e, resumindo, quem perde com tudo isso somos nós, mais uma vez.

Digo mais uma vez porque, no ano passado, outro cinema tradicionalíssimo fechou as portas e, infelizmente, naquele caso, a comoção foi bem menor. Depois de trinta e cinco anos operando numa galeria da Avenida Paulista, o Gemini se despediu timidamente do público. Foi assim mesmo, exibiu seus filmes no fim de semana e, na segunda-feira, já não existia mais.

Lembro-me da primeira vez que vi um filme lá, sentado naquelas poltronas largas de madeira, o cheiro de ambiente pouco ventilado, a pipoqueira no estilo anos 1960 – talvez fosse mesmo daquela época –, o carpete vermelho na entrada, os cartazes de filmes antigos, o som fraquinho, chiado, pouca luz, a porta localizada bem no meio da sala. Era antigo, meio caidinho, mas tinha seu charme. Assistir a um filme nas suas duas únicas salas era como voltar no tempo e, me parece, ele sim justificava um tombamento. Podia também ter virado museu do cinema nacional, ficaria perfeito. Nós precisamos de espaços assim.

Já no caso do Belas Artes, mesmo que se consiga tombar o prédio – o que vai ser difícil, diga-se de passagem, uma vez que ele não tem valor histórico algum –, isso não vai garantir sua sobrevida, renderá apenas uma forte dor de cabeça para o proprietário. Pode até ser que este reconsidere e deixe o cinema funcionar mais um pouco, até falir definitivamente por falta de dinheiro. Não há um culpado na história, percebe? Não adianta soltar os cachorros sobre o locador. A culpa é da própria situação a que a cultura do país chegou, situação que nós mesmos criamos. Apesar da enorme bilheteria, não existe uma tradição de cinema por aqui. Não existe educação para o público e os filmes, para a grande maioria, são mero entretenimento. É uma história dramática.

Eu queria muito que o Belas Artes continuasse firme e forte, oferecendo sua programação selecionada a dedo – sempre ótima alternativa às grandes redes, que homogeneizaram o mercado e transformaram o cinema num passatempo mecânico, repetitivo e sem graça. Eu queria que filmes autorais, do segundo ao último escalão, filmes de orçamento apertado e experimentais, europeus, asiáticos e especialmente nacionais continuassem a ter ao menos um lugar que os exibissem. Pois nada adianta produzir filmes se eles não conseguem ser vistos.

Nossa falta de salas é um problema crônico, muitas produções brasileiras vão direto para as locadoras porque ninguém quer exibi-las. E não estou falando de filmes amadores. Budapeste, por exemplo, que foi baseado num best-seller de Chico Buarque e conta com elenco poderoso, eu só consegui ver no Gemini. Era só lá. Eclipse, por sua vez, estreou em setecentos e oitenta salas. Nada contra blockbusters, não me entenda mal. Só acho que as grandes redes deveriam ceder um espacinho para produções alternativas, pelo bem da cultura. Vão dizer que cinema é um negócio como qualquer outro e que é o público que decide. Mas, se o público não tem opção, fica difícil, né?

Enfim, eu queria que o Belas Artes sobrevivesse, de verdade. E que muitos outros como ele surgissem por aí. Só que, para isso, não basta tombar os edifícios, não basta uma manifestação isolada e surgida no desespero. É preciso tombar a cultura do Brasil. É preciso envolver todo mundo e mostrar que a nossa maior riqueza corre perigo. Talvez isso fizesse com que ela recebesse o merecido respeito ou, no mínimo, a merecida atenção. Porque senão alguém logo a põe abaixo sem que a gente perceba e constrói um shopping no lugar.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

DIFERENTE, COMO TODO MUNDO TENTA SER

“Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.”

Quem disse a frase acima foi a Dra. Nise da Silveira, que revolucionou a psiquiatria no Brasil utilizando arte no lugar de remédios, cirurgias e choques elétricos. Mais do que ninguém, ela conheceu as profundezas do inconsciente humano e soube respeitar a realidade paralela que existe dentro de cada um de nós.

Qual é o segredo da imaginação? Liberdade. Não se curar além da conta, como diz Nise, significa não querer ser normal demais, “igual a todo mundo, como todo mundo faz”. Concordo. Ser diferente, em minha opinião, é muito mais interessante do que ser indiferente à opinião alheia.

Para conhecer um pouco mais da doutora e da história da psiquiatria no Brasil, recomendo a biografia Nise: Arqueóloga dos Mares (Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009), escrita pelo jornalista Bernardo Carneiro Horta. Repleto de causos e citações, o livro é gostoso de ler e revela tudo aquilo que fazia de Nise uma figura à parte, diferente de seus colegas médicos e, por isso mesmo, interessantíssima.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A ORIGEM DO TERCEIRO MUNDO

Escrevi uma crítica da obra A origem do terceiro mundo (2007), do artista brasileiro Henrique Oliveira, para o Programa de Pós-Graduação do MAC/USP. Trata-se de uma instalação que conheci na Bienal passada e que sugere reflexões interessantes quando a penetramos – pois, percorrendo seus labirintos de tapume, acabamos por descobrir a nós mesmos. É por isso que chamei o texto de A origem do terceiro mundo e a origem de nossos próprios mundos.

Como ele é extenso demais para eu publicar aqui, gostaria de compartilhar com vocês ao menos as fotografias que fiz na ocasião.

Quem não foi ou não encontrou a obra no meio daquela abundância confusa da Bienal vai perceber que, reflexões à parte, era uma experiência bastante divertida. Saí de lá renascido. E acho que você vai entender por quê.









quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

"NEM TODO INIMIGO DE UM PARANOICO É IMAGINÁRIO"

A gente nunca vai saber, certo? Não dá para saber o que aconteceu, não dá para explicar, é aquele tipo de coisa que não faz sentido. Simplesmente acontece. O cara reaparece depois de passar um ano sumido e não se lembra de nada do que aconteceu. Ele nem percebeu que ficou um ano inteirinho fora de circulação. Desconhece o paradeiro da esposa e da filha, chegou inclusive a cogitar que elas nem existiam, que eram fruto da sua imaginação. Todo mundo achou que eles estavam mortos. Sequestrados, estuprados e enterrados, essas coisas que se acha por aí. Então, o cara reaparece e bota todo mundo para sofrer de novo. Esperança? Não, a esperança já se foi. A gente só quer uma explicação. Só que a gente nunca vai saber, certo? Não dá para saber o que aconteceu.

Essa é a premissa do livro Nada me faltará (Companhia das Letras, 2010), do paulistano Lourenço Mutarelli. Um livro em que nada se explica, muito pelo contrário: a ideia é colocar o leitor para duvidar e se angustiar.

"O que eu quero dizer é que a impressão que eu tenho é que... é como se fossem eles que, sei lá, caso isso tenha realmente acontecido, caso eu tenha ficado mesmo um ano fora do ar... Talvez eles é que de repente tenham avançado no tempo... ou coisa do tipo. Percebe a loucura disso tudo?"

Transcrevendo apenas as falas, Mutarelli obriga o leitor a criar todo o resto e a se tornar coautor da história. Porque os ambientes, as características físicas, as roupas e as expressões faciais das personagens estão ali, eu me lembro deles, apesar de não haver qualquer descrição a respeito. Ou será que tudo está em minha cabeça? É realmente uma coisa muito louca.

Incrível como um diálogo realista é suficiente para o leitor acrescentar todos os outros elementos tradicionais da narrativa. Mais ou menos como um teatro sem movimento, sendo representado no escuro, bem diante de nossos olhos fechados. Basta um locutor para fazer um espetáculo indescritível.

O cara que reapareceu do nada não dá a menor bola para a preocupação dos familiares e amigos. Para ele, foi como chegar em casa depois do trabalho, dormir e acordar na manhã seguinte. Só que, ao invés de uma noite, um ano inteiro se passou, seu apartamento foi devolvido ao locador, suas coisas foram doadas, sua rotina se perdeu. Ele não entende, eles não entendem.

O cara logo começa a ser pressionado, todo mundo precisa compreender, precisa de uma resposta lógica ou minimamente plausível para aquelas questões que não os deixam em paz.

"Ficam cobrando uma atitude exagerada de minha parte, (...) não admitem o fato de que eu esteja bem". Todos preferem achar que as meninas estão mortas, que eu as matei e sumi com os corpos. Isso explica tudo facilmente, é fácil de aceitar. Mas como posso afirmar algo em que não acredito? Eles exigem um culpado, embora eu não acredite nisso. Acredito que, como eu, elas também poderão voltar. De qualquer maneira, não importa. Só quero mesmo é ficar em paz.

É como se nada fizesse falta para ele, nem mesmo a lógica, nem mesmo os dias perdidos. "Nada me faltará", diz o título. Pois, se o fato de não saber coisa alguma lhe angustia, imagine não ter como descobri-las! É insuportável, não dá. Sendo assim, nada faz mais sentido do que encarar a vida com apatia. Nada é mais confortável.

O texto de Mutarelli é tão fluido e instigante que li tudo numa única tarde. Pode ser consequência da experiência do autor – escritor e ilustrador – no ramo dos quadrinhos. Quem assistiu ao filme O cheiro do ralo (2007), adaptação de outro livro seu, deve ter percebido o ritmo alucinante que o caracteriza.

Quanto ao Nada me faltará, eu não conseguia largá-lo. Assim como a mãe e os amigos do tal desaparecido reaparecido, eu também precisava descobrir o que se passou. Só que a gente nunca vai saber, certo? Não dá para saber o que aconteceu, não dá para explicar, é aquele tipo de coisa que não faz sentido. Simplesmente acontece.

Demais.


Lourenço Mutarelli

Detalhes da obra você encontra aqui: Companhia das Letras
Esta resenha também foi publicada na Revista Psicanalítica. Aproveite para conhecê-la!

domingo, 9 de janeiro de 2011

HISTÓRIAS DE LITERATURA

Redescobri o romance. Adoro fazer isso de tempos em tempos. Leio, leio e leio, até cansar; então os coloco de lado e retorno à crítica de arte, teorias, filosofia, biografias e não-ficção em geral. Até que bate aquela saudade forte e mergulho nos romances mais uma vez. Vou comprando esses livros compulsivamente e estocando para degustar no rigor do inverno. Faço isso desde pequeno. Herdei o costume de uma tia, que possuía centenas de volumes e que, na minha meninice, pareciam milhares, talvez milhões. Eu achava aquilo lindo, uma parede repleta de histórias dentro do próprio quarto. Tanto que, na adolescência, eu já tinha minha muretinha. Junto comigo, ela cresceu e se espalhou pela casa. Foi sobre a solidez dessa estrutura que eu me ergui. E aqui estou.

Ninguém discorda de que ler é um hábito saudável, embora poucos o pratiquem. Difícil explicar por quê. Talvez seja trauma da literatura imposta goela abaixo pelo colégio, que ainda não aprendeu a ensinar. Aqueles professores se esquecem do prazer da leitura e se preocupam apenas com suas aplicações práticas, tais como as avaliações semestrais e o vestibular. Isso não é educação.

Em meu tempo de colégio, minha professora de português não falava comigo. Ignorou-me o quanto pôde, das aulas até a formatura, pois eu questionava seu método de ensino. Tudo bem que eu era um verdadeiro pentelho, não arredava o pé das minhas convicções pouco fundamentadas. Porém, ao invés de me conquistar, aquela professora preferiu me ignorar. Lembro-me de que, nas aulas de literatura, entre um Augusto dos Anjos e um José de Alencar, eu levantava a mão e perguntava: quando vamos estudar Luís Fernando Veríssimo? E Stephen King? Ela então respondia qualquer coisa que me fizesse parecer estúpido. Era uma afronta falar desses dois na frente daqueles.

Eu entendia que os clássicos tinham o seu valor, só não me considerava preparado para eles. Se até hoje me considero despreparado para dialogar com alguns, imagine naquela época! Mas eu adorava ler e estava disposto a discutir autores mais populares e acessíveis. Afronta, para mim, era exigir a leitura, a compreensão e o prazer da experiência literária de um José de Alencar, considerando um leitor que, até então, só conhecia os gibis da Turma da Mônica. Achava importante saber o lugar dos clássicos na história e respeitar suas virtudes, mas os ler na íntegra era demais. Não atingiríamos o topo da escada sem avançar o primeiro degrau, depois o segundo, depois o terceiro. Foi assim que a maioria dos meus colegas permaneceu no térreo, enquanto a professora gritava lá de cima para se fazer ouvir. No final da história, quem acabou ignorada foi ela. Os alunos, infelizmente, acabaram ignorantes.

Ainda bem que literatura não tem idade, quer dizer, pode-se descobri-la a qualquer momento. Fui aprender isso apenas na pós-graduação. Quem me ensinou, por ironia do destino, foi uma professora de História da Literatura, Thais Rodegheri Manzano – nome que divulgo com orgulho e carinho. Seu entusiasmo pelos livros era contagiante e me fez perceber que, se uma pessoa ainda não se apaixonou por eles, é porque ainda não encontrou o livro certo. Pois basta deixar o coração aberto e estar disposto a experimentar o novo que uma hora isso acontece.

No livro Artimanhas da ficção, Thais menciona a aula de leitura que o escritor argentino Jorge Luis Borges dava na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires. Ela declamava isso quase toda semana, como se fosse um hino:

"Se um livro os aborrece, larguem-no; não o leiam porque é famoso, não leiam um livro porque é moderno, não leiam um livro porque é antigo. Se for maçante, larguem-no, esse livro não foi escrito para vocês. A leitura deve ser uma forma de felicidade."

Há quem diga que o desinteresse por livros é cultural, que os brasileiros jamais lerão tanto quanto os franceses e os americanos, mas eu acredito em mudanças.

Meu pai, que viveu cinquenta e cinco anos sem ter lido praticamente um único livro, veio me contar outro dia, cheio de satisfação, ter terminado seu terceiro. Eu, minha mãe e minha irmã sempre estivemos com o nariz metido em algum. Demorou, mas ele resolveu pôr o preconceito de lado e, depois de meia dúzia de tentativas, descobriu um estilo que lhe agradava. Uma porta assim se abriu e ele está adorando explorar esse novo mundo.

Outra coisa que digo por experiência própria: se você quiser que seus filhos leiam, não basta contar historinhas ao pé da cama. Eles precisam ver você lendo. Senão, vai parecer que literatura é coisa de criança.

Um senhor que trabalhava comigo e que também era aficionado por livros certa vez me revelou que a lembrança mais marcante de sua infância era a figura da mãe, sentada na cadeira de balanço, com um livro no colo. Ela passava horas ali e o menino, fascinado, ficava admirando seu semblante pleno.

Já eu me lembro de meu avô, depois do almoço, sentado no sofá da sala a folhear uma das enciclopédias de fauna e flora que tanto lhe agradavam. Eu sentava ao seu lado e ele me revelava o significado daquelas letrinhas, que ainda eram mistério para mim.

Entre os diversos fatores que prejudicam o hábito de ler está o cultural, é verdade. Porém, já disse antes, eu acredito em mudanças. Como o próprio termo sugere, cultura é algo que se cultiva, e ela renderá os frutos que a gente plantar. Deixo aqui uma sementinha. Pois ler é uma paixão que se ensina, que se incentiva e que se compartilha. Como toda paixão, depois que nos conquista, é impossível de largar.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A ficção me faz chorar
lágrimas de emoção.

A realidade não.

É triste, verdade;
mas é feita
de homens
por homens.

A realidade não merece minhas lágrimas,
merece minha ação.

Cores, sons e palavras;
Coração.

Minha própria ficção.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ARTE E ARTESANATO, RIQUEZA MATERIAL E RIQUEZA CULTURAL


Ruína de charque Caruaru (2000), de Adriana Varejão

“Uma matéria alcança, por meio do trabalho de um autêntico artista um valor interior, que permanece para a eternidade, ao passo que a forma dada por um trabalhador mecânico, inclusive ao metal mais precioso, sempre tem em si mesmo, no melhor trabalho, algo de insignificante e de indiferente, que apenas pode alegrar enquanto é novo.”

Em 1797, Johann Wolfgang Goethe escreveu uma singela reflexão a respeito do valor do objeto artístico e do objeto artesanal. Singela, porém corajosa, tendo em vista que o assunto é complexo. Na época, a produção industrial europeia crescia fervorosamente e despejava milhares de traquitanas no mercado, desde utensílios domésticos a gravuras e reproduções de pinturas famosas. Incomodado com a banalização da arte, aquele escritor, filósofo e cientista alemão defendeu a singularidade da obra de arte, classificando-a como “verdadeira riqueza” e a relacionando à produção de conhecimento:

“A verdadeira riqueza consiste, portanto, na posse de tais bens, que se conserva por toda a vida, em cujo gozo possamos sempre mais nos alegrar junto aos conhecimentos sempre maiores.”

O toque do artista, com sentimento e sensibilidade, produziria obras com “valor interior”, enquanto os objetos industriais conteriam apenas o encanto superficial com que satisfaziam o público menos esclarecido. Ao invés de verdadeira riqueza, esses objetos proviriam o luxo. E só.

Duzentos anos depois, passadas a teoria de Walter Benjamin sobre a reprodutibilidade técnica da arte e a incorporação do processo industrial realizada pelo movimento Pop, o assunto ainda é relevante. Afinal, o que nos faz chamar uma Ferrari de obra-prima, enquanto o pintor de azulejos da feirinha hippie continua subjugado como artesão?

Fico me perguntando o que Goethe teria a dizer sobre esses valores em nosso confuso período contemporâneo.


GOETHE, Johann Wolfgang. Arte e artesanato. In: Escritos sobre arte. São Paulo: Editorial Humanitas / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Errar é humano.
Ter tempo para corrigir é privilégio para poucos.
Temos um ano pela frente.
365 chances para ser feliz.
Será que vai dar?

FELIZ 2011

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

LEMBRANÇA DE OLINDA

Minha irmã esteve em Olinda e me trouxe de presente este desenho, assinado por Souza, um artista local.

Ele me lembra de quando eu era criança e tinha paciência para fazer desenhos assim, com bico de pena e nanquim, tracinho por tracinho. Naquela época, os adultos se aproximavam e perguntavam: como você tem paciência para fazer isso? É admirável! E eu pensava: ué, como é que você não tem?


(clique para ampliar)

domingo, 26 de dezembro de 2010

AS METADES DA LARANJA

Tive o prazer de ler o romance Laranja Mecânica (1962), de Anthony Burgess, e na sequência rever o filme homônimo (1971) de Stanley Kubrick. É uma experiência que recomendo a todos e não somente a ser realizada com essas duas obras-primas, mas com todos os romances, roteiros e adaptações cinematográficas disponíveis. Só não se prenda àqueles comentários típicos de “o livro é melhor que o filme, é muito mais completo”. Pois é normal que seja mais completo – no livro, a história pode se estender, os dramas se aprofundam, os personagens parecem mais próximos e é o leitor quem dita o ritmo. O filme, em compensação, costuma ser um recorte do livro, uma maneira de lê-lo, uma interpretação pessoal e, por isso mesmo, uma nova criação feita nos moldes próprios do cinema. Em outras palavras, o filme sempre será diferente, porém não necessariamente melhor ou pior.

É o caso de Laranja Mecânica, em que ambas as produções são magníficas. O romance, por inovar o gênero de ficção futurista – ao invés de criar máquinas voadoras e pistolas de laser, Burgess inventou uma espécie de dialeto que, ao mesmo tempo em que causa estranhamento, permite ao leitor se identificar rapidamente com o universo proposto. É um futuro mais plausível do que o descrito no romance “1984”, de George Orwell, e mais realista do que o de “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.

No filme, por sua vez, fica claro o esforço de Kubrick no sentido de recriar a atmosfera do Laranja Mecânica original e de resolver visualmente situações sugeridas apenas com palavras pelo escritor – coisa que ele faz com talento e perspicácia. Os cenários são ao mesmo tempo futuristas e bizarros, os personagens são fortes e a narrativa não se alonga além do necessário. Para isso, diversos trechos do romance tiveram que ser suprimidos e outros tantos modificados. O motivo é simples: algumas coisas que são aceitáveis no papel perdem o apelo na tela, caso sejam tomadas ao pé-da-letra. Quais seriam elas? Só vai descobrir quem estiver disposto a repetir minha experiência de ler o romance e assistir ao filme.

Vou citar apenas um exemplo para incentivar sua empreitada: Laranja Mecânica foi publicado na Inglaterra com os 21 capítulos originais. No entanto, os editores norte-americanos acharam que seu final otimista não combinava com o resto da história e simplesmente excluíram o último capítulo. Quando Kubrick escreveu seu roteiro, tomou por base esta edição do livro. É por isso que as duas histórias acabam de jeitos bem diferentes.


Para quem se interessar pelo romance, indico esta edição nacional, que além do texto original completo traz ainda um vocabulário do linguajar Nadsat (utilizado pelo protagonista Alex e seus druguis), um prefácio esclarecedor escrito por Fábio Fernandes e interessantíssimas notas sobre a tradução: Editora Aleph

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

IT'S CHRISTMAS TIME!



Era o programa favorito do país. Depois que descobriram a verdadeira vocação do Papai Noel, seu índice de celebridade bateu no teto e ele foi parar na TV. Era o apresentador mais simpático da telinha e... dava presentes! O IBOPE, das 14h às 23h de domingo, era exclusividade sua. Bons tempos. Eu adorava o quadro "Renas da Fortuna", embora os mais populares fossem a "Porta do Pólo Norte" e as "Cartas ao Vento". Meu sonho era estar naquela plateia, na caravana da minha cidade, para sorrir e cantar com o bom velhinho. Lá, lá, lalá. Lá, lá, lalá. Era o sonho de muita gente, embora nem mesmo o Papai Noel pudesse realizar todos. Então, um dia, descobriram a farsa. Papai Noel tinha outra identidade, era um inescrupuloso homem de negócios, escondido sob a barba, a roupa vermelha e o microfone de lapela. Foi quando deixei de acreditar nele.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

PERSONALIDADE EM PRIMEIRO PLANO

“Tenho pena dos que sofrem, e gostaria de ajudar a remediar a injustiça social existente. Qualquer artista consciente sente o mesmo.” Candido Portinari

A partir de hoje, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, os brasileiros podem ver os painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, que estão de volta ao país depois de passarem cinco décadas na sede da ONU, em Nova York.

O retorno é provisório: o prédio onde as obras são mantidas será reformado e João Candido, filho do artista e administrador de seu espólio, aproveitou a oportunidade para fazê-las circular pelo Brasil e pelo mundo. Isso deve ocorrer durante os próximos dois anos, ao final dos quais ambas serão reinstaladas no local de origem.

O evento está sendo bastante noticiado e não poderia ser diferente – o próprio Portinari considerava esses painéis seu principal trabalho. Você já deve ter lido que, juntos, eles medem 280 metros quadrados, pesam 2,8 toneladas e foram realizados com tinta a óleo sobre madeira compensada – a mesma usada na fabricação de barcos. O que achei mais curioso, no entanto, foi a postura do pintor em relação a duas coisas: ao problema de saúde, diagnosticado durante a execução do projeto e causado pelo contato com a tinta, e ao governo norte-americano, que dificultou sua entrada no país para a cerimônia de inauguração porque Portinari era comunista declarado.

Pois é, já em 1953 surgiram os primeiros sintomas de intoxicação por tinta, que mataria o artista em 1962. Mesmo sabendo que o trabalho prejudicaria sua saúde, Portinari o realizou em aproximadamente quatro anos, de 1952 a 1956.

Quando eles finalmente foram inaugurados, em 1957, a cerimônia foi discreta e o pintor não participou. Os Estados Unidos viviam o auge do macartismo, marcado por perseguições políticas. Os diplomatas brasileiros chegaram a interferir e, depois de muito negociarem, conseguiram a solução: bastava Portinari solicitar o visto no consulado americano que este lhe seria concedido. Mas ele não ficou satisfeito – Portinari queria um convite oficial de Washington, que jamais chegou. Era um homem de personalidade forte, tão forte quanto a expressividade de suas pinturas.


Guerra e Paz (1952-1956), de Candido Portinari

Saiba mais sobre os painéis: Projeto Portinari

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A VIDA COMO ALEGORIA (EM UM TEATRO DE BONECOS)

Adoro filmes que me proporcionam uma experiência nova quando os vejo. Pode ser um jeito diferente de contar a história, um visual exuberante, um toque pessoal do diretor ou uma atuação particularmente especial. É por isso que cansei dos blockbusters hollywoodianos, que se esforçam para serem exatamente como o grande público espera que sejam e, no final, ficam todos iguais – tenho visto cada vez menos desses. Aliás, tenho visto menos filmes de modo geral; porém, venho selecionando os títulos a dedo e, nos últimos tempos, descobri grandes pérolas. A de ontem foi Dolls (2002), longa-metragem escrito, dirigido e editado pelo japonês Takeshi Kitano.

São três histórias dentro de uma só, que se misturam e que, aos pouquinhos, vão se ajudando a contar, aproximando-se e se afastando num ritmo imprevisível. Até aí, nenhuma grande novidade – existem diversos filmes assim, inclusive recentes, tais como Babel e Crash. Só que Dolls possui algo a mais: aquele simbolismo típico da cultural oriental, que concede significados a objetos ou gestos e vai nos revelando a narrativa com sutileza. Uma folha que se solta da árvore em uma das histórias, por exemplo, representa a morte de um personagem na outra, e a gente compreende isso mesmo que não seja dito explicitamente.

O visual impressiona de tão bonito, dá para perceber de cara que cada plano foi cuidadosamente estudado. As cores saltam da tela e, muitas vezes, tive vontade de pausar o vídeo para emoldurá-las. Talvez seja herança de Akira Kurosawa, aquele mestre do cinema japonês que, não por acaso, queria ser pintor. Ou talvez seja mesmo um novo artista de sensibilidade aguçada, destacando-se por mérito próprio.

Dolls fala de amor, perseverança e compromisso. Mistura vida e arte, realidade e ficção, às vezes tendendo ao absurdo. As histórias foram inspiradas no teatro bunraku, aquele com bonecos e música ao vivo em que o drama beira a tragédia. Pena que a trilha se repete demais, o que deixa o filme um pouco cansativo. Talvez se ele fosse um tantinho mais curto resolveria. De qualquer maneira, não vou entrar nesses detalhes. Quero apenas registrar aqui minhas impressões positivas e incentivar os fãs do cinema a irem buscar as suas.

Em resumo, Dolls me conquistou porque contraria a ideia pessimista e apática de que o cinema não pode mais se reinventar, e faz isso de um jeito lírico, tranquilo e sutil, sem apelar para efeitos mirabolantes, computação gráfica e 3D. Quem disse que não dava?

Algumas imagens dizem melhor do que eu:




quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

EDUCAÇÃO É O START

Quando o cartunista Bruno Saggese me convidou para o evento ao lado, eu não podia imaginar que seria tão legal, senão tinha levado um monte de gente comigo.

Tratava-se do lançamento do Caderno de Referências, uma publicação anual da Cenpeq criada para divulgar os projetos educacionais que a ONG realiza com os internos da Fundação CASA (antiga Febem).

Nascida em 2008, a iniciativa tem objetivo de “potencializar o tempo de vida” que os adolescentes passam na instituição. Dois anos depois, já administrava 138 oficinas culturais em 20 unidades de internação.

Nas palavras de Maria do Carmo Brant de Carvalho, superintendente do Cenpeq, a arte, entre os adolescentes da fundação, “passa a ser vista como uma outra via de ação sobre o ‘mundão’, uma nova maneira de se apresentar diante da comunidade, uma nova possibilidade de inventar futuros. Não no sentido de uma profissionalização artística, mas no sentido de que a liberdade criativa e a manipulação da linguagem viabilizam uma atitude protagônica, em que o diálogo e a contestação de padrões vigentes se dão de maneira construtiva”.

Diferentemente de outros lançamentos de livro, o de ontem foi empolgante: teve apresentação de capoeira, berimbau, pandeiro e música eletrônica. Os trabalhos dos internos podiam ser vistos em televisores distribuídos pela galeria e o fotógrafo Rogério Fernandes, responsável pelas imagens do livro, preparou uma mostra inédita para a ocasião. Foi muito bom testemunhar um projeto importante como esse dando certo.

Bruno, cartunista que citei no início, é um amigo das antigas e dá aulas de história em quadrinhos aos internos. Ele autografou na minha edição do Caderno de Referências: “Se arte faz parte, educação é o start”. Tem como discordar?

Algumas das fotos de Rogério Fernandes, em exposição no Centro Cultural b_arco:





Mais informações:
Site do Bruno: Nu de Luvas
Fotógrafo: Rogério Fernandes
ONG responsável pelo projeto: Cenpeq
Instituição: Fundação CASA

A DESPEDIDA DO ESCRITOR

"Então, no último minuto, houve um ruído de saltos altos, e uma mulher muito jovem e bonita entrou, trajada elegantemente de preto. Chegou sozinha e no final partiu, quase tão abruptamente quanto chegara, em direção à tarde de março." Ninguém a conhecia ou pôde descobrir quem era ela – ex-aluna, amante, jogadora de críquete, arranjadora de flores, professora de catequese... Mas os leitores de Um mês no campo podem sentir que ela saíra de suas páginas.

Michael Holroyd, na introdução de Um mês no campo, de J. L. Carr.

sábado, 11 de dezembro de 2010

HISTÓRIA SEM FIM


A persistência da memória (1931), de Salvador Dali

O ano vai acabar e, se não tivéssemos calendário, nem teríamos notado. Afinal, um dia termina em 2010 e outro começa em 2011 exatamente da mesma maneira como os outros 364 que os antecederam. Mas a gente sabe que não é assim. Chega dezembro, chegam as férias escolares, chegam convites para confraternizações e cartões de felicitação. O ritmo diminui, deixa-se para o ano que vem o que poderia ser feito hoje, mas é Natal, é compreensível. É hora de pensar nos presentes, na decoração, no cardápio da ceia e em convencer as crianças arteiras a se comportarem, de modo a provarem ao Papai Noel que merecem uma recompensa. Acho incrível esse poder que o fim do ano exerce sobre nós, capaz de mudar o comportamento do mundo inteiro. Tudo isso por quê? Não se trata apenas de uma data como outra qualquer, inserida num calendário inventado pelo próprio homem? Aliás, o calendário que usamos hoje foi modificado diversas vezes ao longo do tempo, seguindo os interesses mais variados. Como era quando ele ainda não existia? Como o tempo era percebido? Porque o tempo não são os ponteiros do relógio ou os dias que vamos riscando na folhinha; é algo muito mais complexo, um conceito físico e psicológico que mal conseguimos definir.

As horas, os dias e os anos não são o tempo; são apenas uma maneira que inventamos para mensurá-lo. Como um grande número de pessoas concorda e aceita, o tempo é assim. Mas poderia ser diferente. Veja o calendário judaico, já está no ano 5771. Está errado? Claro que não, trata-se apenas de um outro jeito de medir o tempo. Se pensarmos que a idade da Terra é estimada entre 4,6 e 15 bilhões de anos, que diferença faz uns milhares a mais ou menos?

Certa vez, o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty fez uma observação acerca do ato de ver. Segundo ele, a visão não está no olho e nem no objeto visto, mas na relação que se estabelece entre eles. Portanto, a visão é algo que está no mundo e que pertence a ele, e todos nós vemos e somos vistos pelas coisas. Merleau-Ponty chamou essa relação de transcendência. Acho que o mesmo vale para o tempo: não está em nós e não está nos objetos; está no mundo, estabelecendo relações que são percebidas de maneira diferente pelas pessoas. É por isso que uma tarde atarefada passa mais rápido que uma ociosa, assim como as férias voam enquanto os outros meses se arrastam. O dia 31 de dezembro chegará e não será igual aos outros. Será o encerramento de mais um capítulo do livro inesgotável que chamamos de história.

Isso me lembra duas obras de arte do brasileiro Antonio Dias que vi há poucos meses numa bonita individual realizada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. A primeira, de 1968, é um saco plástico cheio de terra e etiquetado com o título História. Pois o passado em que acreditamos é isso: apenas um pedaço do que existiu, recolhido e etiquetado como uma amostra de pesquisa. A margem de erro é imensa, ou seja, muita coisa aconteceu e não deixou registro, não temos a menor ideia do que foi, quando foi e como foi, assim como nossas atitudes no dia-a-dia se perdem sem que a História seja capaz de registrá-las com a devida precisão científica.


History (1968), de Antonio Dias

Aliás, a segunda obra trata justamente disso. Criada em 1971, seu título, escrito em inglês, diferencia dois conceitos de história de um jeito que a língua portuguesa não permitiria: History/Story, ou seja, "história como ciência/história como ficção". Ambas as palavras estão inseridas numa tela de grandes dimensões, cuja pintura faz alusão ao Universo. Elas compartilham o mesmo espaço e, naquele momento, ficou claro para mim o que são ciência e ficção: nada mais do que dois modos distintos de perceber a mesma coisa. Qual é o verdadeiro? Nenhum. Qual merece crédito? Os dois.

Tudo que guardamos na memória pessoal está fadado a desaparecer com nós. O que sobrevive ao tempo é somente aquilo que pertence à memória coletiva – são os fatos que "entram para a história".

Dia a lenda que Aquiles, filho de um deus grego com uma mulher humana, teve que escolher entre ter uma vida breve porém gloriosa ou viver muito como homem comum. Para desespero de sua mãe, ele optou pela primeira, impediu a derrota dos gregos na Guerra de Troia e morreu como herói. Para sustentar sua escolha, Aquiles disse que a verdadeira morte não é aquela que consome o corpo, mas a que o apaga da memória alheia. Realmente, nesse sentido, ele permanece vivo até hoje, basta abrir um livro de mitologia e conferir.


History/Story (1971), de Antonio Dias

Na 16ª edição da revista Chiclete com Banana, de 1989, os cartunistas Laerte e Angeli publicaram a irônica História do sujeito que queria entrar para a história. Ali, um mauricinho metido a esperto chega à porta da História e tenta convencer o segurança a deixá-lo entrar. Como seus feitos não são dignos de nota, ele se desespera e cai no choro, até que seu pai, um desses magnatas que estamos cansados de ver, paga "duzentos paus" e coloca o filho para dentro.

Será que é fácil assim entrar para a história? Em alguns casos, talvez. Mas acredito mesmo é nas palavras do artista francês Marcel Duchamp, para quem é a própria história que decide quem desaparece e quem permanece existindo, não importa quais são os nossos desejos e esforços.

A História é como o tempo: não está em nós e não está nos objetos; ela está no mundo. Por isso, minha filosofia para 2011 continua a mesma: procurar ser bom, não tirar vantagem dos outros, não me achar melhor do que ninguém e agir sempre pensando no coletivo, ética e moralmente, procurando entender suas razões e as aceitando.

Com o tempo, aprendi que é assim que as portas se abrem, independentemente de termos ou não duzentos paus no bolso. Porque a vida acaba, mas a história que estamos encenando não termina nunca. Desejo sinceramente que todos sejam felizes durante o espetáculo. Um dia, quem sabe?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ESQUISITICES DA ARTE


Juízo Final (1534-1541), de Michelangelo (detalhe)

De vez em quando a gente se depara com uns capítulos à parte da História da Arte – obras e situações que parecem não combinar com o período ou com o currículo do próprio autor. No entanto, elas existem e isso não se pode negar. Talvez esses capítulos tenham sido censurados ao longo do tempo, no sentido de se construir uma história linear e fácil de ser compreendida. A explicação me parece plausível.

Um exemplo: enquanto Michelangelo pintava o Juízo Final na Capela Sistina, Giuseppe Arcimboldo compunha retratos juntando legumes, frutas e verduras. É verdade que o Juízo Final foi bastante subversivo na época, principalmente por causa da nudez dos personagens, que depois foi coberta com folhas de parreira e panos a mando do Papa. Porém, também é verdade que o Juízo Final é muito mais fácil de se incluir na história do que as esquisitices de Arcimboldo, que permaneceram praticamente ignoradas até o século XX.


Vertemnus (1591), de Giuseppe Arcimboldo

Outra obra que me chamou a atenção foi o Bacanal Infantil II, de Nicolas Poussin. Entre pinturas de temática religiosa como o batismo de Cristo, a adoração do bezerro de ouro e a anunciação, o artista realizou uma obra bastante peculiar, em que crianças protagonizam uma festança regada a sexo e drogas. Só faltou mesmo o bom e velho rock 'n roll. Mas aí seria esquisitice demais.


Bacanal infantil II (1629-1630), de Nicolas Poussin

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

OS ANJOS DO MEIO DA PRAÇA

Este curta-metragem é uma produção nacional muito bonita, tanto no visual quanto no conteúdo. Me lembrou algumas histórias do Neil Gaiman, tais como Coraline e Stardust, provavelmente por conta do clima sombrio e da fantasia com base mitológica.

Realizado pela Buba Filmes, venceu diversos prêmios de animação em 2010, com destaque para o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cinema de Gramado, Melhor Direção e Melhor Curta-Metragem do IV Brazilian Film Festival of Toronto (Canadá) e Melhor Vídeo de Animação do XIV FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul).

Mais informações você encontra no blog oficial: www.anjosdomeiodapraca.blogspot.com

Divirta-se!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O SILÊNCIO TEM A PALAVRA


Gambiarra (1982), de Amelia Toledo

"Amélia, querida, sem palavras... Fiquei sem palavras, porque as palavras já não faziam sentido. Sua obra é grandiosa demais. Enquanto física e amante da arte e dos minerais, da luz e da cor, chego a ficar sem palavras diante da perfeita interação entre os elementos, o que surpreende os olhos e a alma. É a exposição mais perfeita que já vi em mais de sessenta anos de vida. Descrever é difícil. Relatar o que senti mais difícil ainda. Então é só ver, sentir, impregnar-se. Só hoje, depois de tantas vindas aqui, consegui escrever alguma palavra neste caderno. Assim mesmo, a emoção é muito mais do que qualquer palavra. Senti uma sensação esquisita quando entrei na exposição. Por isso gostei muito. É um choque maravilhoso. Só consigo sentir. Não consigo escrever o que sinto. Uma vontade de chorar ao tocar as pedras, calo-me para permitir apenas o sentir. O jogo de luz e a sombra, as cores e as pedras são fundamentais à interação corpo-espírito. É uma experiência única. Transcendental. É como se o dia especial, a emoção fundamental, a própria essência viessem a brotar agora. Do nada. Mas mostrando tudo. Arrancando das entranhas o néctar. Provando que o ser humano é capaz de coisas belíssimas... Não tenho palavras. Só pura emoção. Obrigada. É uma exposição que atravessa o Ser. Não há palavras para traduzir. É o silêncio que tem a palavra. Sobre a artista: ela é cruel, muito cruel. E sobre a exposição: ela é pura, natural. Mas é de tirar o fôlego. Obrigado."

O trecho acima foi montado a partir de recados deixados no livro de ouro – aquele caderno de visitas, sabe? – da exposição Entre, a obra está aberta, de Amelia Toledo, que se realizou na Galeria do Sesi, em São Paulo, entre 1999 e 2000. Ele integra a interessante análise que o psicanalista João Augusto Frayze-Pereira fez da reação do público com a obra da artista e com os resultados dessa relação.*

Achei muito bonita a maneira como os visitantes expõem seus sentimentos e agradecem Amelia pela experiência proporcionada. O artigo de João reúne outros trechos ainda mais emocionantes, mas resolvi compartilhar esse por dois motivos: pela poética do título, que foi citado por um dos visitantes, e pelo fato de que, mesmo sem palavras, eles conseguiram dizer muito.

A obra estava aberta. Bastou isso para que todos se sentissem à vontade e revelassem a si mesmos com profunda sinceridade. Foi uma exposição que não visitei e que, depois de lidos os relatos reunidos por João Frayze, deixou uma triste sensação de perda.


Glu-glu (1968), de Amelia Toledo. Esta obra pode ser vista – e experimentada – na 29ª Bienal de São Paulo.

Mais informações sobre a artista:
www2.uol.com.br/ameliatoledo e www.ameliatoledo.com

*O artigo completo, chamado A poética dos livros de ouro: Amelia Toledo, generosidade e gratidão, integra o livro Arte, dor: inquietudes entre estética e psicanálise, de João Augusto Frayze-Pereira (Cotia: Ateliê Editorial, 2005).

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

MORTE E VIDA SEVERINA, O FILME



Ótima notícia para quem tem curiosidade de conhecer um clássico da literatura brasileira mas ainda vive o trauma causado pelo nosso sistema de ensino, que desestimula até os estudantes mais interessados.

A animação Morte e Vida Severina, inspirada no livro homônimo de João Cabral de Melo Neto, é um projeto da TV Escola/Fundação Joaquim Nabuco e tem produção da OZI Escola de Audiovisual de Brasília.

O filme é uma adaptação dos quadrinhos de Miguel Falcão e terá 50 minutos. A estreia está marcada para janeiro de 2011, na TV Escola. Por enquanto, temos que nos contentar com o trailer acima, mas já dá para perceber da riqueza da produção. Tomara que a ideia pegue e que logo venham outros.