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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A CASA DAS PALMEIRAS

Palmeiras, como poderei te falar, te contar ou descrever,
És mundo disfarçado de casa, és casa podendo ser mundo.
Quem te vê de fora não entende, quem entra te conhece, nunca esquece,
Palmeiras, a cada dia nasce vida em teus barros, tintas, papéis e madeira,
És tu, Palmeiras, a casa dos meus sonhos, de uma noite que não quis ter fim,
És o início, o universo, o recomeço, tudo isso tu, Palmeiras, és para mim.

Não sei muito a respeito do autor do poema acima, entitulado Palmeiras, que foi escrito em 1993. Sei apenas que, na época, tratava-se de um rapaz, um dos clientes da Casa das Palmeiras, entidade carioca criada pela psiquiatra Dra. Nise da Silveira 37 anos antes.

A casa surgiu como continuidade de um trabalho importantíssimo que a doutora desenvolvia no Hospital Psiquiátrico D. Pedro II, no distante bairro de Engenho de Dentro, e representou um marco na psiquiatria brasileira. Seu propósito é fazer ponte entre a reclusão hospitalar e a vida em sociedade, ajudando os pacientes a retomarem a rotina que tinham antes da internação. Tudo isso porque os casos de reinternação eram bastante grandes, normalmente ultrapassavam o número de novos internos nos hospitais psiquiátricos.

Na Casa das Palmeiras, os clientes frequentam ateliês de pintura e escultura, oficinas de teatro e de costura, entre outras atividades. Ninguém fica internado; eles apenas participam dos grupos e retornam para casa no fim do dia. Conforme descrito no poema acima, o lugar é mesmo o mundo disfarçado de casa, onde, por meio das terapias artísticas, a vida consciente renasce a cada dia. A vida feita em barro, tinta, papel e madeira. A vida feita em poesia.


Clique e saiba mais sobre a Casa das Palmeiras.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O QUE ACONTECE NA LÍBIA TAMBÉM PODERIA ACONTECER AQUI?

O general dá ordens aos pilotos da força aérea:

– César, bombardeie o bairro de Santana.
– Mas, senhor, eu moro ali, senhor.
– Tudo bem. Então, bombardeie Pinheiros. Você, Luis, você bombardeia Santana.
– Senhor, sim senhor.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

VICE-VERSO

Quando ouvi comentários sobre a série Verso, do brasileiro Vik Muniz, achei que se tratava apenas de mais um factoide inventado para chamar atenção da mídia. Ele tinha selecionado diversas pinturas e fotografias famosas, reproduzido o verso das mesmas com o maior realismo possível e as exibido numa galeria de Nova York. O que poderia haver de interessante naquilo? Na ocasião, achei que nada. Mas algo ficou em meu inconsciente, algo provocador, exigindo uma reflexão a respeito. Até que, na última quarta-feira, comprei o catálogo da mostra e dediquei algum tempo às ideias do artista. Descobri que meu pré-julgamento estava errado – como todo pré-julgamento costuma estar – e que a série tem seus méritos, alguns verdadeiramente relevantes.

Entre eles, por exemplo, está o de revelar que a parte de trás dos quadros se transforma de um jeito diferente da frente. As marcas do tempo ficam mais perceptíveis ali. Na medida em que viajam para exibições mundo afora, as pinturas ganham adesivos, anotações e arranhões – espécie de carimbos de passaporte. Dá para desvendar todo o seu trajeto por meio deles.



As fotografias, por sua vez, até o advento da era digital, receberam notas no verso sempre que foram publicadas por algum veículo de comunicação, que vão desde uma simples data até a própria legenda ou manchete que as acompanhou. Visitamos, assim, os bastidores do espetáculo, como diz o crítico Luc Sante no texto de apresentação do catálogo.

Outros dois pontos importantes para compreender a proposta de Vik Muniz são:

1) A questão do fac-símile. Pois o que estava em exibição em Nova York não eram os versos originais das obras, mas reproduções deles, que poderiam ser consideradas quase tão enganosas quanto uma falsificação deliberada da frente, não fosse o aviso do artista. Ainda que a cópia tenha sido realizada com uma minúcia inimaginável, sabemos que, ao virarmos as peças, não encontraríamos nenhuma pintura ou fotografia do outro lado.

2) Posicionar a série no conjunto de trabalhos do artista. Porque a escolha dos versos foi criteriosa – como ele mesmo diz na entrevista concedida a Eva Respini –, tanto as pinturas quanto as fotografias deveriam despertar a imagem original na mente dos espectadores pela simples menção do título. Vik Muniz continua, dessa maneira, a trabalhar com ícones da História da Arte e com a ambiguidade, duas das suas marcas que podem ser vistas em obras anteriores feitas com chocolate, pigmentos coloridos e lixo.

Por fim, acredito ainda que o maior dos méritos do artista é mostrar que os versos daquelas obras nos ajudam a compreender melhor a imagem da frente e seu lugar na história. Com essa série de reproduções inusitadas, Vik Muniz nos revela um segredo que antes pertencia somente aos curadores, às equipes de montagem de exposições e aos restauradores dos museus. O verso é a face oculta que, em diálogo com a imagem original, acaba por complementá-la, preenchendo uma lacuna que eu jamais me dera conta de que existia. Com perspicácia, técnica e muita curiosidade, Vik Muniz nos permite fazer novas leituras daquilo que já está tão presente em nossas memórias visuais.

Saiba mais sobre o artista: Vik Muniz e Artsy.net

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

"O processo criativo é um diálogo permanente entre o caos e o cosmos: um fluxo entre o abismo, o indiferenciado, o sem-forma, o que ainda não se junta e o borbulhar das palavras, das ideias, dos conceitos, das perguntas. Primeiro, é preciso expandir, andar, ouvir, respirar, para, depois, contrair, concentrar, sentar, respirar."

Carlos Antonio Alves Pontes, Abel Menezes Filho e André Monteiro da Costa, em O processo criativo e a tessitura de projetos acadêmicos de pesquisa. (Interface, v. 9, n. 17)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

OS SIGNIFICADOS DAS COISAS


Na companhia de objetos, de Flávia Junqueira

Que coisas? Sei lá, qualquer coisa. Mas como vou explicar o significado de uma coisa que não sei qual é? Ela pode significar uma coisa para mim e outra para você. Esse é o ponto, percebe? Não. Pois é.

Estive pensando nos significados que damos para as coisas ao nosso redor, desde um objeto banal ao acontecimento mais místico. Porque essas coisas não significam nada por si próprias, somos nós que inventamos encargos para elas.

Tive essa revelação pouco extraordinária lendo uma biografia da Dra. Nise da Silveira – possivelmente a psiquiatra mais importante que o Brasil já produziu e de quem a vida é tão interessante quanto a obra. É um livro que o autor preferiu chamar de "conjunto de biografemas" – coisa que, no final das contas, dá praticamente no mesmo, exceto que deixa a história mais repetitiva. O jornalista Bernardo Carneiro Horta complicou a narrativa para agradar à doutora, de quem era amigo e que considerava o formato biográfico tradicional uma maneira pouco justa de se definir um sujeito.

Enfim, minha revelação se deu porque a Dra. Nise tinha na parede de sua biblioteca um brasão criado por ela mesma, constituído de uma peneira no centro e dois abanadores dispostos um de cada lado. Esquisitíssimo, eu sei. Só que, para ela, aquilo lembrava o doce de laranja preparado por sua tia, que era peneirado sete vezes em fogo brando, controlado com abanadas meticulosas. Ficava delicioso, e o sabor provinha da minúcia e da paixão da cozinheira. Nise empregava essa fórmula em suas pesquisas e o tal brasão ficava pendurado lá para lembrá-la de como agir. Quem nunca teve um amuleto assim?

Como historiador da arte, eu vivo decifrando esquisitices dos outros, principalmente do passado mais distante, também mais difícil de entender. Artistas têm uma grave propensão à esquisitice, o que não deixa de ser divertido e, em alguns casos, engrandecedor.

Lembro sempre de um presente que Marcel Duchamp enviou dos Estados Unidos à França no aniversário de casamento de sua irmã. Na verdade, ele enviou as instruções para que a irmã o realizasse: ela deveria pendurar um livro de geometria do lado de fora da casa e deixar que o vento fosse virando as páginas, escolhendo os problemas que o tempo se encarregaria de destruir. Acho lindo, simbolicamente falando, embora quem passasse na rua possivelmente concluiria que o casal tinha uns parafusos a menos.

Nós todos temos uma percepção específica do que acontece ao nosso redor. Vivemos em um mundo particular. Não tem jeito, cada um pensa à sua maneira, com sua própria bagagem cultural, suas conexões e seu grau de abstração pessoal. Por mais que eu explique a beleza da proposta de Duchamp, muita gente jamais vai compreendê-la como eu a compreendo.

Não faz muito tempo, li um artigo na revista Vida Simples em que a autora resolveu se desfazer de cinquenta dos seus pertences como tentativa de averiguar a relação que estabelecera com eles. Mas não bastava sumir com cinquenta CDs, por exemplo. Tinham que ser coisas diferentes. Foi assim que ela percebeu a imensa carga emocional contida em cada uma delas.

Nós emprestamos significados às coisas e, de alguma maneira, são também as coisas ao nosso redor que dão significado à vida. Juntando aquela reprodução do Abaporu emoldurada na sala de estar, esta caneta tinteiro e uma pilha de livros, dá para ter ideia de quem eu sou, caso um dia desperte sem me lembrar de nada.

Isso é coisa antiga, não tem nada a ver com sociedade de consumo. Os faraós do antigo Egito, por exemplo, eram sepultados com diversos "tesouros", hoje dignos de suspeita. Eram objetos pessoais, às vezes ordinários, mas que podiam fazer falta no outro mundo. Quem visita o Museu do Cairo observa aquele monte de potinhos, colares e besouros dourados sem saber ao certo o que significavam para seus donos originais.

Pensei nesse monte de coisas a partir de um diálogo comigo mesmo. Uma conversa estranha entre a metade que acredita no desapego material e a outra que não consegue viver longe de objetos imbuídos em memória e valor afetivo. Uma conversa em busca de um equilíbrio ideal, que seria perfeitamente representado por uma balança em miniatura. Assim como fez a Dra. Nise da Silveira, essa balança seria o meu brasão, ficaria ótima em cima da escrivaninha. Uma coisa para me lembrar do significado de outras coisas. Gostei. Não parece má ideia comprar uma dessas, né? Tenho certeza de que não.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O QUINTAL DO VIZINHO

Dois cachorros e um coelho brincavam juntos no quintal do vizinho. Eu os observava pela janela da lavanderia. Moro num prédio alto, no décimo terceiro andar de um prédio bem alto, isolado no topo de uma ladeira. Pelas janelas, consigo observar muita coisa que acontece no bairro. Isso não significa que eu fico espiando. É mais ou menos como uma TV ligada – a gente passa por ela e sempre acaba assistindo um pouquinho.

O episódio dos cães, por exemplo, descobri por acaso, enquanto abria as janelas para deixar o sopro do novo dia entrar. Eu tomava café na caneca, ergui a primeira das três janelas basculantes da lavanderia e vi os bichos correndo como loucos pelo quintal do vizinho, numa animação surpreendente para aquela hora da manhã. Não tive como ignorá-los. Me recostei no batente e ali fiquei.

Eram dois cães da mesma raça, de focinhos curtos e longos pêlos brancos, com manchas pretas espalhadas por todo o corpo. Já vi desses por aí, passeando com seus donos, mas não sei dizer o nome da raça, não entendo nada de cachorros. Acho a maioria bonitinha, brinco um pouco com eles e sempre me surpreendo com a devoção que oferecem em troca de um cafuné. Bom, estou falando desses cães menores, mais brincalhões, com os quais tenho coragem de me arriscar. Talvez alguns dos grandes também sejam carinhosos, mas acredito que o risco cresce proporcionalmente à raça e, nesse caso, prefiro manter distância. Talvez eu esteja errado, talvez os maiores sejam até mais carinhosos do que os pequenos, talvez seja o carinho – e não o risco de levar uma mordida – que cresça na proporção do porte. Nunca vou saber ao certo, é difícil saber quem é quem. Como disse antes, não entendo nada de cachorros.

Os do vizinho não são muito grandes e nem muito pequenos. Ficariam enormes em meu apartamento, por exemplo; porém, no quintal que observo pela janela da lavanderia, eles têm espaço de sobra. Deve ser um dos últimos terrenos assim na cidade, que agora se espreme entre prédios e trânsito. Um terreno que logo vai se transformar em estacionamento, mas que, por enquanto, sobrevive com árvores, horta, galinheiro e, inclusive, um singelo laguinho. Para você ter ideia do tamanho dele, tem um velho abacateiro bem no centro, que cobre boa parte da casa e que dificulta bastante minha observação. Abacateiros crescem muito, acredite.

Eu tomava café na caneca e via os cachorros perseguindo um coelho branco por entre os galhos da árvore. De repente, eles corriam para outro canto e eu conseguia vê-los melhor. O pega-pega parecia divertido, em especial por causa da esperteza do coelho. Um coelho branco que depois me fez lembrar do personagem de Lewis Carroll, que levou Alice até o País das Maravilhas. Naquele instante, no entanto, eu só conseguia pensar em qual seria a próxima guinada do bicho, que dava um baile nos atrapalhados cães. Ele era mais rápido e se aproveitava disso para enganar os perseguidores. Vira e mexe, os cães perdiam o rastro, ficavam correndo em círculos até o coelho se mostrar de novo e recomeçar o jogo. O coelho dava voltas no lago, mudava de direção bruscamente e fazia com que os cachorros esbarrassem um no outro, pisassem na água, dessem com a cara num arbusto. Quando se cansava, simplesmente enfiava seu corpinho miúdo num canto em que os focinhos dos outros não o alcançavam.

Não sei dizer quanto tempo aquela alegria durou. Os bichos pareciam se divertir e eu fiquei a admirá-los. Era mesmo uma empolgação fascinante. O café esfriou na caneca e eu nem percebi.

Os cães eram feitos de bobo diante de meus olhos e, como se soubessem observados, foram ficando mais irritados. Quer dizer, eu acho que ficavam mais irritados, pois naquela distância não dava para ter certeza de nada e eles não latiam, rosnavam ou faziam qualquer uma dessas coisas que os cães fazem quando querem demonstrar indignação. Estavam entretidos de verdade.

O coelho, descansado, voltava à correria. Disparava como uma bala e trazia os dois no encalço. Teve uma vez que ele até ousou correr na direção dos companheiros. Foi magnífico. Os dois últimos, surpreendidos com a atitude do danado, tropeçaram e rolaram pelo chão de terra. A torcida vibrou. Devem ter ficado com o pêlo sujo, comprido como é; mais uma vez, não consegui ver direito por causa da distância.

Então, o coelho confiou demais em si mesmo. Ou confiou demais na amizade dos outros. Ou talvez eu é que tenha sido inocente demais para enxergar alguma amizade ali. Enfim, fato é que o coelho se atrapalhou numa curva e um dos cães, que tinha ficado para trás em manobra anterior, o abocanhou de jeito no pescoço. Apertei a caneca instintivamente, quase a ponto de quebrá-la. Não sei se foi obra de minha imaginação, mas vi o pêlo branquinho do coelho sendo tingido de cima a baixo pelo tom rubro da morte. O outro cão se aproximou num pulo, o coelho se debateu um pouco e finalmente suas orelhas relaxaram.

Eu estava em pé, com todos os músculos do corpo retraídos, com uma caneca de café frio na mão, de frente para a janela basculante da lavanderia. Percebia a brisa fresca da manhã me gelar a alma. Olhos fixos no quintal do vizinho, mente voando distante, corpo abandonado naquela situação inerte.

Os cães carregaram o coelho para debaixo do abacateiro, escondendo-o de possíveis curiosos.

O galinheiro tinha tela. Foi a segunda coisa que notei. Tinha tela de arame. Protegidas, as galinhas não davam qualquer atenção ao que acontecia na vizinhança. Elas estavam tão suscetíveis à violência, tão disponíveis ao perigo que rondava sua morada, mas não parecia sequer preocupadas. Eram apenas galinhas. Estúpidas galinhas ciscando no galinheiro.

Deveria haver também uma coelheira. Uma coelheira com tela. O que teria acontecido? Um coelho decidira se aventurar fora dela ou os cães a tinham invadido à força? Não dava para ver mais nada, só imaginar. Os cães já tinham sumido de vista, as águas do laguinho nem se mexiam mais. O quintal ficou em silêncio e pude ouvir a cidade despertar para mais um dia inocente de trabalho. Um dia como qualquer outro, rotineiro e indiferente.

Ainda fiquei um tempo com os olhos fixos no quintal do vizinho, não sei dizer quanto. Os sons da cidade ecoavam distantes em minha cabeça. Os raios de sol iam ganhando força e o verde das plantas ficava mais verde. O concreto reluzia, me chamando de volta à realidade.

O vento frio gelava meu rosto. O silêncio desaparecia. O galo cantou. Havia um galo no galinheiro do vizinho, que cantava sempre num horário diferente, não era parâmetro para nada. Tinha me esquecido dele. O galo cantou, eu pisquei algumas vezes e mexi a cabeça na direção da caneca, que apertava contra o corpo. Fechei a janela por causa do frio. Estiquei o braço, girei o trinco com cuidado, devagar. Olhei ao redor, para as coisas da lavanderia, e fui passar mais um pouco de café.


*A pintura que ilustra este conto chama-se Carta Branca (1965), de René Magritte.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

GRANDES MUSEUS REUNIDOS ONDE VOCÊ ESTIVER



Sempre me surpreendo com as invenções da Google. Não tem jeito, eles ficam criando essas coisas espetaculares que, em pouco tempo, se tornam essenciais.

Não bastasse o Street View, que nos permite caminhar digitalmente por ruas do mundo inteiro utilizando o Google Maps, agora apareceu o Google Art Project, que traz os grandes museus para dentro de nossas casas e ainda mata aquela curiosidade gostosa proporcionada pela arte. Porque não dá para visitar pessoalmente todos eles, muito menos com a frequência com que gostaríamos. Então, fazemos a visita pelo computador.

Não adianta ficar fazendo propaganda aqui. Clique logo no link abaixo, faça um bom passeio cultural e torça para que essa tecnologia chegue o mais rápido possível aos museus brasileiros.


domingo, 23 de janeiro de 2011

CULTURA, PATRIMÔNIO HISTÓRICO NACIONAL



A polêmica sobre o fim do Belas Artes, cinema tradicional de São Paulo e muito querido entre os cinéfilos por causa de sua programação bem selecionada, me faz pensar na situação cultural do país. Você deve ter lido alguma notícia sobre o caso: o dono do imóvel o pediu de volta, o cinema já andava sem dinheiro desde que perdeu o patrocínio do HSBC, alguém quer abrir uma loja no lugar, os fãs fizeram manifestação, a entidade Viva Cultura e a Associação Paulista de Cineastas entraram com pedido de tombamento do edifício e, resumindo, quem perde com tudo isso somos nós, mais uma vez.

Digo mais uma vez porque, no ano passado, outro cinema tradicionalíssimo fechou as portas e, infelizmente, naquele caso, a comoção foi bem menor. Depois de trinta e cinco anos operando numa galeria da Avenida Paulista, o Gemini se despediu timidamente do público. Foi assim mesmo, exibiu seus filmes no fim de semana e, na segunda-feira, já não existia mais.

Lembro-me da primeira vez que vi um filme lá, sentado naquelas poltronas largas de madeira, o cheiro de ambiente pouco ventilado, a pipoqueira no estilo anos 1960 – talvez fosse mesmo daquela época –, o carpete vermelho na entrada, os cartazes de filmes antigos, o som fraquinho, chiado, pouca luz, a porta localizada bem no meio da sala. Era antigo, meio caidinho, mas tinha seu charme. Assistir a um filme nas suas duas únicas salas era como voltar no tempo e, me parece, ele sim justificava um tombamento. Podia também ter virado museu do cinema nacional, ficaria perfeito. Nós precisamos de espaços assim.

Já no caso do Belas Artes, mesmo que se consiga tombar o prédio – o que vai ser difícil, diga-se de passagem, uma vez que ele não tem valor histórico algum –, isso não vai garantir sua sobrevida, renderá apenas uma forte dor de cabeça para o proprietário. Pode até ser que este reconsidere e deixe o cinema funcionar mais um pouco, até falir definitivamente por falta de dinheiro. Não há um culpado na história, percebe? Não adianta soltar os cachorros sobre o locador. A culpa é da própria situação a que a cultura do país chegou, situação que nós mesmos criamos. Apesar da enorme bilheteria, não existe uma tradição de cinema por aqui. Não existe educação para o público e os filmes, para a grande maioria, são mero entretenimento. É uma história dramática.

Eu queria muito que o Belas Artes continuasse firme e forte, oferecendo sua programação selecionada a dedo – sempre ótima alternativa às grandes redes, que homogeneizaram o mercado e transformaram o cinema num passatempo mecânico, repetitivo e sem graça. Eu queria que filmes autorais, do segundo ao último escalão, filmes de orçamento apertado e experimentais, europeus, asiáticos e especialmente nacionais continuassem a ter ao menos um lugar que os exibissem. Pois nada adianta produzir filmes se eles não conseguem ser vistos.

Nossa falta de salas é um problema crônico, muitas produções brasileiras vão direto para as locadoras porque ninguém quer exibi-las. E não estou falando de filmes amadores. Budapeste, por exemplo, que foi baseado num best-seller de Chico Buarque e conta com elenco poderoso, eu só consegui ver no Gemini. Era só lá. Eclipse, por sua vez, estreou em setecentos e oitenta salas. Nada contra blockbusters, não me entenda mal. Só acho que as grandes redes deveriam ceder um espacinho para produções alternativas, pelo bem da cultura. Vão dizer que cinema é um negócio como qualquer outro e que é o público que decide. Mas, se o público não tem opção, fica difícil, né?

Enfim, eu queria que o Belas Artes sobrevivesse, de verdade. E que muitos outros como ele surgissem por aí. Só que, para isso, não basta tombar os edifícios, não basta uma manifestação isolada e surgida no desespero. É preciso tombar a cultura do Brasil. É preciso envolver todo mundo e mostrar que a nossa maior riqueza corre perigo. Talvez isso fizesse com que ela recebesse o merecido respeito ou, no mínimo, a merecida atenção. Porque senão alguém logo a põe abaixo sem que a gente perceba e constrói um shopping no lugar.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

DIFERENTE, COMO TODO MUNDO TENTA SER

“Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas.”

Quem disse a frase acima foi a Dra. Nise da Silveira, que revolucionou a psiquiatria no Brasil utilizando arte no lugar de remédios, cirurgias e choques elétricos. Mais do que ninguém, ela conheceu as profundezas do inconsciente humano e soube respeitar a realidade paralela que existe dentro de cada um de nós.

Qual é o segredo da imaginação? Liberdade. Não se curar além da conta, como diz Nise, significa não querer ser normal demais, “igual a todo mundo, como todo mundo faz”. Concordo. Ser diferente, em minha opinião, é muito mais interessante do que ser indiferente à opinião alheia.

Para conhecer um pouco mais da doutora e da história da psiquiatria no Brasil, recomendo a biografia Nise: Arqueóloga dos Mares (Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009), escrita pelo jornalista Bernardo Carneiro Horta. Repleto de causos e citações, o livro é gostoso de ler e revela tudo aquilo que fazia de Nise uma figura à parte, diferente de seus colegas médicos e, por isso mesmo, interessantíssima.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A ORIGEM DO TERCEIRO MUNDO

Escrevi uma crítica da obra A origem do terceiro mundo (2007), do artista brasileiro Henrique Oliveira, para o Programa de Pós-Graduação do MAC/USP. Trata-se de uma instalação que conheci na Bienal passada e que sugere reflexões interessantes quando a penetramos – pois, percorrendo seus labirintos de tapume, acabamos por descobrir a nós mesmos. É por isso que chamei o texto de A origem do terceiro mundo e a origem de nossos próprios mundos.

Como ele é extenso demais para eu publicar aqui, gostaria de compartilhar com vocês ao menos as fotografias que fiz na ocasião.

Quem não foi ou não encontrou a obra no meio daquela abundância confusa da Bienal vai perceber que, reflexões à parte, era uma experiência bastante divertida. Saí de lá renascido. E acho que você vai entender por quê.









quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

"NEM TODO INIMIGO DE UM PARANOICO É IMAGINÁRIO"

A gente nunca vai saber, certo? Não dá para saber o que aconteceu, não dá para explicar, é aquele tipo de coisa que não faz sentido. Simplesmente acontece. O cara reaparece depois de passar um ano sumido e não se lembra de nada do que aconteceu. Ele nem percebeu que ficou um ano inteirinho fora de circulação. Desconhece o paradeiro da esposa e da filha, chegou inclusive a cogitar que elas nem existiam, que eram fruto da sua imaginação. Todo mundo achou que eles estavam mortos. Sequestrados, estuprados e enterrados, essas coisas que se acha por aí. Então, o cara reaparece e bota todo mundo para sofrer de novo. Esperança? Não, a esperança já se foi. A gente só quer uma explicação. Só que a gente nunca vai saber, certo? Não dá para saber o que aconteceu.

Essa é a premissa do livro Nada me faltará (Companhia das Letras, 2010), do paulistano Lourenço Mutarelli. Um livro em que nada se explica, muito pelo contrário: a ideia é colocar o leitor para duvidar e se angustiar.

"O que eu quero dizer é que a impressão que eu tenho é que... é como se fossem eles que, sei lá, caso isso tenha realmente acontecido, caso eu tenha ficado mesmo um ano fora do ar... Talvez eles é que de repente tenham avançado no tempo... ou coisa do tipo. Percebe a loucura disso tudo?"

Transcrevendo apenas as falas, Mutarelli obriga o leitor a criar todo o resto e a se tornar coautor da história. Porque os ambientes, as características físicas, as roupas e as expressões faciais das personagens estão ali, eu me lembro deles, apesar de não haver qualquer descrição a respeito. Ou será que tudo está em minha cabeça? É realmente uma coisa muito louca.

Incrível como um diálogo realista é suficiente para o leitor acrescentar todos os outros elementos tradicionais da narrativa. Mais ou menos como um teatro sem movimento, sendo representado no escuro, bem diante de nossos olhos fechados. Basta um locutor para fazer um espetáculo indescritível.

O cara que reapareceu do nada não dá a menor bola para a preocupação dos familiares e amigos. Para ele, foi como chegar em casa depois do trabalho, dormir e acordar na manhã seguinte. Só que, ao invés de uma noite, um ano inteiro se passou, seu apartamento foi devolvido ao locador, suas coisas foram doadas, sua rotina se perdeu. Ele não entende, eles não entendem.

O cara logo começa a ser pressionado, todo mundo precisa compreender, precisa de uma resposta lógica ou minimamente plausível para aquelas questões que não os deixam em paz.

"Ficam cobrando uma atitude exagerada de minha parte, (...) não admitem o fato de que eu esteja bem". Todos preferem achar que as meninas estão mortas, que eu as matei e sumi com os corpos. Isso explica tudo facilmente, é fácil de aceitar. Mas como posso afirmar algo em que não acredito? Eles exigem um culpado, embora eu não acredite nisso. Acredito que, como eu, elas também poderão voltar. De qualquer maneira, não importa. Só quero mesmo é ficar em paz.

É como se nada fizesse falta para ele, nem mesmo a lógica, nem mesmo os dias perdidos. "Nada me faltará", diz o título. Pois, se o fato de não saber coisa alguma lhe angustia, imagine não ter como descobri-las! É insuportável, não dá. Sendo assim, nada faz mais sentido do que encarar a vida com apatia. Nada é mais confortável.

O texto de Mutarelli é tão fluido e instigante que li tudo numa única tarde. Pode ser consequência da experiência do autor – escritor e ilustrador – no ramo dos quadrinhos. Quem assistiu ao filme O cheiro do ralo (2007), adaptação de outro livro seu, deve ter percebido o ritmo alucinante que o caracteriza.

Quanto ao Nada me faltará, eu não conseguia largá-lo. Assim como a mãe e os amigos do tal desaparecido reaparecido, eu também precisava descobrir o que se passou. Só que a gente nunca vai saber, certo? Não dá para saber o que aconteceu, não dá para explicar, é aquele tipo de coisa que não faz sentido. Simplesmente acontece.

Demais.


Lourenço Mutarelli

Detalhes da obra você encontra aqui: Companhia das Letras
Esta resenha também foi publicada na Revista Psicanalítica. Aproveite para conhecê-la!

domingo, 9 de janeiro de 2011

HISTÓRIAS DE LITERATURA

Redescobri o romance. Adoro fazer isso de tempos em tempos. Leio, leio e leio, até cansar; então os coloco de lado e retorno à crítica de arte, teorias, filosofia, biografias e não-ficção em geral. Até que bate aquela saudade forte e mergulho nos romances mais uma vez. Vou comprando esses livros compulsivamente e estocando para degustar no rigor do inverno. Faço isso desde pequeno. Herdei o costume de uma tia, que possuía centenas de volumes e que, na minha meninice, pareciam milhares, talvez milhões. Eu achava aquilo lindo, uma parede repleta de histórias dentro do próprio quarto. Tanto que, na adolescência, eu já tinha minha muretinha. Junto comigo, ela cresceu e se espalhou pela casa. Foi sobre a solidez dessa estrutura que eu me ergui. E aqui estou.

Ninguém discorda de que ler é um hábito saudável, embora poucos o pratiquem. Difícil explicar por quê. Talvez seja trauma da literatura imposta goela abaixo pelo colégio, que ainda não aprendeu a ensinar. Aqueles professores se esquecem do prazer da leitura e se preocupam apenas com suas aplicações práticas, tais como as avaliações semestrais e o vestibular. Isso não é educação.

Em meu tempo de colégio, minha professora de português não falava comigo. Ignorou-me o quanto pôde, das aulas até a formatura, pois eu questionava seu método de ensino. Tudo bem que eu era um verdadeiro pentelho, não arredava o pé das minhas convicções pouco fundamentadas. Porém, ao invés de me conquistar, aquela professora preferiu me ignorar. Lembro-me de que, nas aulas de literatura, entre um Augusto dos Anjos e um José de Alencar, eu levantava a mão e perguntava: quando vamos estudar Luís Fernando Veríssimo? E Stephen King? Ela então respondia qualquer coisa que me fizesse parecer estúpido. Era uma afronta falar desses dois na frente daqueles.

Eu entendia que os clássicos tinham o seu valor, só não me considerava preparado para eles. Se até hoje me considero despreparado para dialogar com alguns, imagine naquela época! Mas eu adorava ler e estava disposto a discutir autores mais populares e acessíveis. Afronta, para mim, era exigir a leitura, a compreensão e o prazer da experiência literária de um José de Alencar, considerando um leitor que, até então, só conhecia os gibis da Turma da Mônica. Achava importante saber o lugar dos clássicos na história e respeitar suas virtudes, mas os ler na íntegra era demais. Não atingiríamos o topo da escada sem avançar o primeiro degrau, depois o segundo, depois o terceiro. Foi assim que a maioria dos meus colegas permaneceu no térreo, enquanto a professora gritava lá de cima para se fazer ouvir. No final da história, quem acabou ignorada foi ela. Os alunos, infelizmente, acabaram ignorantes.

Ainda bem que literatura não tem idade, quer dizer, pode-se descobri-la a qualquer momento. Fui aprender isso apenas na pós-graduação. Quem me ensinou, por ironia do destino, foi uma professora de História da Literatura, Thais Rodegheri Manzano – nome que divulgo com orgulho e carinho. Seu entusiasmo pelos livros era contagiante e me fez perceber que, se uma pessoa ainda não se apaixonou por eles, é porque ainda não encontrou o livro certo. Pois basta deixar o coração aberto e estar disposto a experimentar o novo que uma hora isso acontece.

No livro Artimanhas da ficção, Thais menciona a aula de leitura que o escritor argentino Jorge Luis Borges dava na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires. Ela declamava isso quase toda semana, como se fosse um hino:

"Se um livro os aborrece, larguem-no; não o leiam porque é famoso, não leiam um livro porque é moderno, não leiam um livro porque é antigo. Se for maçante, larguem-no, esse livro não foi escrito para vocês. A leitura deve ser uma forma de felicidade."

Há quem diga que o desinteresse por livros é cultural, que os brasileiros jamais lerão tanto quanto os franceses e os americanos, mas eu acredito em mudanças.

Meu pai, que viveu cinquenta e cinco anos sem ter lido praticamente um único livro, veio me contar outro dia, cheio de satisfação, ter terminado seu terceiro. Eu, minha mãe e minha irmã sempre estivemos com o nariz metido em algum. Demorou, mas ele resolveu pôr o preconceito de lado e, depois de meia dúzia de tentativas, descobriu um estilo que lhe agradava. Uma porta assim se abriu e ele está adorando explorar esse novo mundo.

Outra coisa que digo por experiência própria: se você quiser que seus filhos leiam, não basta contar historinhas ao pé da cama. Eles precisam ver você lendo. Senão, vai parecer que literatura é coisa de criança.

Um senhor que trabalhava comigo e que também era aficionado por livros certa vez me revelou que a lembrança mais marcante de sua infância era a figura da mãe, sentada na cadeira de balanço, com um livro no colo. Ela passava horas ali e o menino, fascinado, ficava admirando seu semblante pleno.

Já eu me lembro de meu avô, depois do almoço, sentado no sofá da sala a folhear uma das enciclopédias de fauna e flora que tanto lhe agradavam. Eu sentava ao seu lado e ele me revelava o significado daquelas letrinhas, que ainda eram mistério para mim.

Entre os diversos fatores que prejudicam o hábito de ler está o cultural, é verdade. Porém, já disse antes, eu acredito em mudanças. Como o próprio termo sugere, cultura é algo que se cultiva, e ela renderá os frutos que a gente plantar. Deixo aqui uma sementinha. Pois ler é uma paixão que se ensina, que se incentiva e que se compartilha. Como toda paixão, depois que nos conquista, é impossível de largar.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A ficção me faz chorar
lágrimas de emoção.

A realidade não.

É triste, verdade;
mas é feita
de homens
por homens.

A realidade não merece minhas lágrimas,
merece minha ação.

Cores, sons e palavras;
Coração.

Minha própria ficção.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ARTE E ARTESANATO, RIQUEZA MATERIAL E RIQUEZA CULTURAL


Ruína de charque Caruaru (2000), de Adriana Varejão

“Uma matéria alcança, por meio do trabalho de um autêntico artista um valor interior, que permanece para a eternidade, ao passo que a forma dada por um trabalhador mecânico, inclusive ao metal mais precioso, sempre tem em si mesmo, no melhor trabalho, algo de insignificante e de indiferente, que apenas pode alegrar enquanto é novo.”

Em 1797, Johann Wolfgang Goethe escreveu uma singela reflexão a respeito do valor do objeto artístico e do objeto artesanal. Singela, porém corajosa, tendo em vista que o assunto é complexo. Na época, a produção industrial europeia crescia fervorosamente e despejava milhares de traquitanas no mercado, desde utensílios domésticos a gravuras e reproduções de pinturas famosas. Incomodado com a banalização da arte, aquele escritor, filósofo e cientista alemão defendeu a singularidade da obra de arte, classificando-a como “verdadeira riqueza” e a relacionando à produção de conhecimento:

“A verdadeira riqueza consiste, portanto, na posse de tais bens, que se conserva por toda a vida, em cujo gozo possamos sempre mais nos alegrar junto aos conhecimentos sempre maiores.”

O toque do artista, com sentimento e sensibilidade, produziria obras com “valor interior”, enquanto os objetos industriais conteriam apenas o encanto superficial com que satisfaziam o público menos esclarecido. Ao invés de verdadeira riqueza, esses objetos proviriam o luxo. E só.

Duzentos anos depois, passadas a teoria de Walter Benjamin sobre a reprodutibilidade técnica da arte e a incorporação do processo industrial realizada pelo movimento Pop, o assunto ainda é relevante. Afinal, o que nos faz chamar uma Ferrari de obra-prima, enquanto o pintor de azulejos da feirinha hippie continua subjugado como artesão?

Fico me perguntando o que Goethe teria a dizer sobre esses valores em nosso confuso período contemporâneo.


GOETHE, Johann Wolfgang. Arte e artesanato. In: Escritos sobre arte. São Paulo: Editorial Humanitas / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Errar é humano.
Ter tempo para corrigir é privilégio para poucos.
Temos um ano pela frente.
365 chances para ser feliz.
Será que vai dar?

FELIZ 2011

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

LEMBRANÇA DE OLINDA

Minha irmã esteve em Olinda e me trouxe de presente este desenho, assinado por Souza, um artista local.

Ele me lembra de quando eu era criança e tinha paciência para fazer desenhos assim, com bico de pena e nanquim, tracinho por tracinho. Naquela época, os adultos se aproximavam e perguntavam: como você tem paciência para fazer isso? É admirável! E eu pensava: ué, como é que você não tem?


(clique para ampliar)

domingo, 26 de dezembro de 2010

AS METADES DA LARANJA

Tive o prazer de ler o romance Laranja Mecânica (1962), de Anthony Burgess, e na sequência rever o filme homônimo (1971) de Stanley Kubrick. É uma experiência que recomendo a todos e não somente a ser realizada com essas duas obras-primas, mas com todos os romances, roteiros e adaptações cinematográficas disponíveis. Só não se prenda àqueles comentários típicos de “o livro é melhor que o filme, é muito mais completo”. Pois é normal que seja mais completo – no livro, a história pode se estender, os dramas se aprofundam, os personagens parecem mais próximos e é o leitor quem dita o ritmo. O filme, em compensação, costuma ser um recorte do livro, uma maneira de lê-lo, uma interpretação pessoal e, por isso mesmo, uma nova criação feita nos moldes próprios do cinema. Em outras palavras, o filme sempre será diferente, porém não necessariamente melhor ou pior.

É o caso de Laranja Mecânica, em que ambas as produções são magníficas. O romance, por inovar o gênero de ficção futurista – ao invés de criar máquinas voadoras e pistolas de laser, Burgess inventou uma espécie de dialeto que, ao mesmo tempo em que causa estranhamento, permite ao leitor se identificar rapidamente com o universo proposto. É um futuro mais plausível do que o descrito no romance “1984”, de George Orwell, e mais realista do que o de “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.

No filme, por sua vez, fica claro o esforço de Kubrick no sentido de recriar a atmosfera do Laranja Mecânica original e de resolver visualmente situações sugeridas apenas com palavras pelo escritor – coisa que ele faz com talento e perspicácia. Os cenários são ao mesmo tempo futuristas e bizarros, os personagens são fortes e a narrativa não se alonga além do necessário. Para isso, diversos trechos do romance tiveram que ser suprimidos e outros tantos modificados. O motivo é simples: algumas coisas que são aceitáveis no papel perdem o apelo na tela, caso sejam tomadas ao pé-da-letra. Quais seriam elas? Só vai descobrir quem estiver disposto a repetir minha experiência de ler o romance e assistir ao filme.

Vou citar apenas um exemplo para incentivar sua empreitada: Laranja Mecânica foi publicado na Inglaterra com os 21 capítulos originais. No entanto, os editores norte-americanos acharam que seu final otimista não combinava com o resto da história e simplesmente excluíram o último capítulo. Quando Kubrick escreveu seu roteiro, tomou por base esta edição do livro. É por isso que as duas histórias acabam de jeitos bem diferentes.


Para quem se interessar pelo romance, indico esta edição nacional, que além do texto original completo traz ainda um vocabulário do linguajar Nadsat (utilizado pelo protagonista Alex e seus druguis), um prefácio esclarecedor escrito por Fábio Fernandes e interessantíssimas notas sobre a tradução: Editora Aleph

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

IT'S CHRISTMAS TIME!



Era o programa favorito do país. Depois que descobriram a verdadeira vocação do Papai Noel, seu índice de celebridade bateu no teto e ele foi parar na TV. Era o apresentador mais simpático da telinha e... dava presentes! O IBOPE, das 14h às 23h de domingo, era exclusividade sua. Bons tempos. Eu adorava o quadro "Renas da Fortuna", embora os mais populares fossem a "Porta do Pólo Norte" e as "Cartas ao Vento". Meu sonho era estar naquela plateia, na caravana da minha cidade, para sorrir e cantar com o bom velhinho. Lá, lá, lalá. Lá, lá, lalá. Era o sonho de muita gente, embora nem mesmo o Papai Noel pudesse realizar todos. Então, um dia, descobriram a farsa. Papai Noel tinha outra identidade, era um inescrupuloso homem de negócios, escondido sob a barba, a roupa vermelha e o microfone de lapela. Foi quando deixei de acreditar nele.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

PERSONALIDADE EM PRIMEIRO PLANO

“Tenho pena dos que sofrem, e gostaria de ajudar a remediar a injustiça social existente. Qualquer artista consciente sente o mesmo.” Candido Portinari

A partir de hoje, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, os brasileiros podem ver os painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, que estão de volta ao país depois de passarem cinco décadas na sede da ONU, em Nova York.

O retorno é provisório: o prédio onde as obras são mantidas será reformado e João Candido, filho do artista e administrador de seu espólio, aproveitou a oportunidade para fazê-las circular pelo Brasil e pelo mundo. Isso deve ocorrer durante os próximos dois anos, ao final dos quais ambas serão reinstaladas no local de origem.

O evento está sendo bastante noticiado e não poderia ser diferente – o próprio Portinari considerava esses painéis seu principal trabalho. Você já deve ter lido que, juntos, eles medem 280 metros quadrados, pesam 2,8 toneladas e foram realizados com tinta a óleo sobre madeira compensada – a mesma usada na fabricação de barcos. O que achei mais curioso, no entanto, foi a postura do pintor em relação a duas coisas: ao problema de saúde, diagnosticado durante a execução do projeto e causado pelo contato com a tinta, e ao governo norte-americano, que dificultou sua entrada no país para a cerimônia de inauguração porque Portinari era comunista declarado.

Pois é, já em 1953 surgiram os primeiros sintomas de intoxicação por tinta, que mataria o artista em 1962. Mesmo sabendo que o trabalho prejudicaria sua saúde, Portinari o realizou em aproximadamente quatro anos, de 1952 a 1956.

Quando eles finalmente foram inaugurados, em 1957, a cerimônia foi discreta e o pintor não participou. Os Estados Unidos viviam o auge do macartismo, marcado por perseguições políticas. Os diplomatas brasileiros chegaram a interferir e, depois de muito negociarem, conseguiram a solução: bastava Portinari solicitar o visto no consulado americano que este lhe seria concedido. Mas ele não ficou satisfeito – Portinari queria um convite oficial de Washington, que jamais chegou. Era um homem de personalidade forte, tão forte quanto a expressividade de suas pinturas.


Guerra e Paz (1952-1956), de Candido Portinari

Saiba mais sobre os painéis: Projeto Portinari

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A VIDA COMO ALEGORIA (EM UM TEATRO DE BONECOS)

Adoro filmes que me proporcionam uma experiência nova quando os vejo. Pode ser um jeito diferente de contar a história, um visual exuberante, um toque pessoal do diretor ou uma atuação particularmente especial. É por isso que cansei dos blockbusters hollywoodianos, que se esforçam para serem exatamente como o grande público espera que sejam e, no final, ficam todos iguais – tenho visto cada vez menos desses. Aliás, tenho visto menos filmes de modo geral; porém, venho selecionando os títulos a dedo e, nos últimos tempos, descobri grandes pérolas. A de ontem foi Dolls (2002), longa-metragem escrito, dirigido e editado pelo japonês Takeshi Kitano.

São três histórias dentro de uma só, que se misturam e que, aos pouquinhos, vão se ajudando a contar, aproximando-se e se afastando num ritmo imprevisível. Até aí, nenhuma grande novidade – existem diversos filmes assim, inclusive recentes, tais como Babel e Crash. Só que Dolls possui algo a mais: aquele simbolismo típico da cultural oriental, que concede significados a objetos ou gestos e vai nos revelando a narrativa com sutileza. Uma folha que se solta da árvore em uma das histórias, por exemplo, representa a morte de um personagem na outra, e a gente compreende isso mesmo que não seja dito explicitamente.

O visual impressiona de tão bonito, dá para perceber de cara que cada plano foi cuidadosamente estudado. As cores saltam da tela e, muitas vezes, tive vontade de pausar o vídeo para emoldurá-las. Talvez seja herança de Akira Kurosawa, aquele mestre do cinema japonês que, não por acaso, queria ser pintor. Ou talvez seja mesmo um novo artista de sensibilidade aguçada, destacando-se por mérito próprio.

Dolls fala de amor, perseverança e compromisso. Mistura vida e arte, realidade e ficção, às vezes tendendo ao absurdo. As histórias foram inspiradas no teatro bunraku, aquele com bonecos e música ao vivo em que o drama beira a tragédia. Pena que a trilha se repete demais, o que deixa o filme um pouco cansativo. Talvez se ele fosse um tantinho mais curto resolveria. De qualquer maneira, não vou entrar nesses detalhes. Quero apenas registrar aqui minhas impressões positivas e incentivar os fãs do cinema a irem buscar as suas.

Em resumo, Dolls me conquistou porque contraria a ideia pessimista e apática de que o cinema não pode mais se reinventar, e faz isso de um jeito lírico, tranquilo e sutil, sem apelar para efeitos mirabolantes, computação gráfica e 3D. Quem disse que não dava?

Algumas imagens dizem melhor do que eu: