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domingo, 26 de fevereiro de 2012

SR. PAMUK, EU LI TODOS OS SEUS LIVROS. EU O CONHEÇO MUITO BEM.

O mês da vindima (1959), de René Magritte

"Nunca me senti embaraçado quando meus leitores pensavam que as aventuras de meus heróis também haviam ocorrido comigo, porque eu sabia que isso não era verdade. Ademais, eu tinha o suporte de três séculos de teoria do romance e da ficção, que podia usar para me proteger dessas afirmações. E estava bem ciente de que a teoria do romance existia para defender e manter essa independência da imaginação em relação à realidade. No entanto, quando uma leitora inteligente me disse que sentira, nos detalhes do romance, a experiência da vida real que 'os tornavam meus', eu me senti embaraçado como alguém que confessou suas coisas íntimas a respeito da própria alma, como alguém cujas confissões escritas foram lidas por outra pessoa."

Orhan Pamuk, em O romancista ingênuo e o sentimental

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

COMO É QUE CHAMA O NOME DISSO?

Foi uma coincidência muito bacana. Estávamos conversando sobre literatura e uma amiga disse que tinha vontade de ler o romance Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, do brasileiro Marçal Aquino, simplesmente porque gostava do título. Eu também. Desde que me deparei com ele na prateleira da livraria, fiquei tentado a levá-lo para casa. É um título com tamanho poder de persuasão que me seduziu de imediato.

Como é que chama o nome disso?, quis saber o filhinho de Arnaldo Antunes. Uma questão tão pertinente que acabou virando título de um dos livros do pai. Tudo tem um nome. Acho incrível essa necessidade de batizar para identificar. Não que seja um problema, claro que não. É apenas curioso.

Algumas vezes, os nomes são pivôs de polêmicas. O artista francês Marcel Duchamp foi mestre em criar títulos assim, que chegaram a gerar mais discussão do que as próprias obras. Por exemplo: nos primórdios do modernismo, ele pintou uma figura robótica multifacetada e a chamou de Nu descendo uma escada. Os organizadores do Salão onde ela seria exibida, em Paris, ficaram horrorizados: o nu era um gênero clássico da arte pictórica. Consideravam aceitável aquela aparência caleidoscópica, que mal permitia uma apreensão lógica da figura – até porque o cubismo já ditara a moda e não convinha se manifestar contra. Pregar um retorno à tradição era batalha perdida. Mas a pintura de Duchamp estava mais para sacrilégio. Porque o nu se reclinava sobre o divã, deixava os raios de sol o acariciarem na relva, purificava-se nas fontes de água cristalina – mas jamais se sujeitaria a algo tão profano quando descer uma escada.

Parece frescura, mas fazia parte das reviravoltas da época. Propuseram então ao jovem artista que "apenas" mudasse o nome da obra. Atiçaram o demônio. Contrariado, ele pôs o quadro debaixo do braço e saiu do Salão dizendo poucas e boas. Em breve, seu Nu descendo uma escada seria aclamado no Armory Show de Nova York. E a arte moderna invadiria de uma vez por todas a América. Sim, Duchamp sabia dar nome aos bois. Começava também a identificar os melhores pastos para criá-los.

Os títulos das pinturas modernistas foram a última coisa que se rendeu ao abstracionismo. Chegávamos ao cúmulo de ver borrões coloridos chamados flores na janela – ou qualquer coisa do tipo – apenas para serem aceitos como arte legítima – e não como produto de insanidade. Dilema que também ficou no passado, para nossa sorte. Pois Kandinsky e Mondrian, entre outros, passaram a batizar seus experimentos, por exemplo, como Composição com branco, amarelo e vermelho ou Improvisação XI. Abstratos em todos os sentidos. Finalmente, tinham vencido a barreira da figuração, que dominara o pensamento ocidental durante milênios.

Dar nome à cria não é tarefa fácil. Os textos desta coluna, muitas vezes, ficam dias aguardando o título adequado. Precisa ser curto, interessante, instigar a leitura sem resolver o assunto numa só tacada, etc. Ser conciso é um problema amplo demais – sim, um verdadeiro paradoxo.

E vai além: tenho um romance em processo de confecção, por assim dizer, cujo primeiro risco já foi concluído e, agora, espera acabamento. Ele recebeu dois títulos por enquanto. Um foi descartado logo, o outro permanece sob avaliação. Parece que serve, este remanescente; entretanto, preciso criar muitos mais para comprová-lo.

Em uma das visitas que fez ao suíço Alberto Giacometti, o crítico James Lord descobriu uma escultura maravilhosa largada com displicência sob a escada, no canto do ateliê, e quis saber como o artista podia fazer aquilo com tamanha obra-prima. "Se for boa mesmo, se tiver essa força expressiva que você diz, ela aparecerá por si própria", respondeu Giacometti. Suponho que o mesmo vale para o título do livro. Se for bom o bastante, sobreviverá. Caso contrário, da mesma maneira como alguns casais grávidos trocam o nome planejado assim que a criança nasce – só porque bateram os olhos na Maria e ela tinha cara de Beatriz –, eu também escreverei um novo título quando a gestação da narrativa estiver concluída. Quem sabe?

Sobre o romance de Marçal Aquino, que iniciou essa divagação toda, confesso que demorei anos até o comprar e ler. Sou facilmente seduzido, só que custo a ceder, não tem jeito. Tais como o título estampado na capa, as páginas subsequentes são poéticas, intrigantes e escritas com muito talento. O nome, no entanto, surgiu de uma passagem breve – meio esdrúxula até –, que nem tem essa relevância toda. Só que ela combina perfeitamente com a história, sugere sentimentos ao invés de explicitá-los, instiga, contém um lirismo tão marcante quanto a sensibilidade do autor ao tratar desse assunto inexplicável chamado amor. Vou repetir porque vale a pena: Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. Um título único, que cumpre o papel com louvor. Uma beleza rara. Faz jus ao romance, justifica a paixão à primeira lida que acometeu a mim e à minha amiga. Dá vontade de ler. Ou seja, é bom como todo título deveria ser. Não à toa, ocupa lugar de destaque. No caso, mais do que merecido.

Imagens, na ordem:
1. Nu descendo uma escada (1912), de Marcel Duchamp
2. Improvisação XI (1910), de Wassily Kandinsky
3. Composição com branco, amarelo e vermelho (1936), de Piet Mondrian

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012


"A descoberta do inconsciente não é necessariamente uma boa notícia. Como disse o próprio Freud, ela é uma das três grandes humilhações sofridas pela humanidade, as outras sendo a descoberta de Copérnico de que o mundo não é o centro do universo e a afirmativa de Darwin segundo a qual seres humanos e primatas têm antecedentes em comum."

Ilha Deserta – Livros, de Moacyr Scliar

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

“Sou mais feliz que 97,6% da humanidade, nas contas do professor Schianberg. Faço parte de uma ínfima minoria, integrada por monges trapistas, alguns matemáticos, noviças abobadas e uns poucos artistas, gente conservada na calda da mansidão à custa de poesia ou barbitúricos. Um clube de dementes de categorias variadas, malucos de diversos calibres. Gente esquisita, que vive alheia nas frestas da realidade. Só assim conseguem entregar-se por inteiro àquilo que consagraram como objeto de culto e devoção. Para viver num estado de excitação constante, confinados num território particular, incandescente, vedado aos demais. Uma reserva de sonho contra tudo que não é doce, sutil ou sereno. É o mais próximo da felicidade que podemos experimentar, sustenta Schianberg.
Não sei que nome você daria a isso.
Bem, não importa muito, chame do que quiser.
Eu chamo de amor.”

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino

domingo, 5 de fevereiro de 2012

MELHOR QUE A ENCOMENDA


O livro é melhor que o filme, o filme é melhor que a peça, a peça é melhor que o livro. Como é? Sim, sempre que ouço esses comentários, ouso perguntar por quê. Quero entender o que faz uma pessoa esculhambar e a outra elogiar. Muitas vezes, ambos citam os mesmo motivos, positiva e negativamente. É incrível. Por isso, o gosto se discute sim, foi o que Daniel Piza me ensinou. Todo mundo pode – e deve – criticar. Mas exige-se algum conhecimento para o comentário ser produtivo. "Porque sim" e "porque não" não são respostas, como já esclarecia o personagem de Marcelo Tas às crianças do Castelo Rá-Tim-Bum. Tudo tem explicação. Achismo é bom, mas argumentação é melhor ainda. Quem "gosta porque gosta", na verdade, não conhece a si próprio, enquanto quem "gosta e ponto final" nem merece entrar na conversa. Em matéria de gosto, a discussão não acaba nunca.

Agradar a todos é uma tarefa impossível. Muitos leitores já deixaram esta crônica no primeiro parágrafo. Faz parte. O importante é perceber que sempre é possível aprender com o que nos propomos a experimentar, gostando ou não. "A peça é melhor do que o filme". Por quê? Talvez porque a dinâmica dos atores, ao vivo, acrescenta significado ao texto, ou porque o ambiente do teatro acolhe melhor a proposta. "Mas o livro... é melhor ainda!" Por quê? Pode ser que, na adaptação, o roteirista foi obrigado a cortar passagens complexas ou subjetivas demais. Ou porque o espectador imaginava um personagem assim e o diretor o fez assado. Ou simplesmente porque essa pessoa prefere degustar a história no conforto do seu sofá a engoli-la de uma só vez, no cinema, sentada perto de um grupo de aborrescentes que não para de falar. E sem direito a pausa para xixi.

Adaptar obras de uma linguagem para outra, sejam quais forem, é sempre um trabalho arriscado. Exige cuidado para selecionar o material, entender como ele se comporta no novo formato, excluir cenas ou inventar diálogos para complementar.

No meio do ano, deve estrear um filme nacional chamado E aí, comeu? Um filme de grande circulação, feito com celebridades e boa produção. Foi adaptado de uma peça bastante popular, escrita pelo veterano Marcelo Rubens Paiva. Já deu para perceber o tamanho da encrenca, né? Imagine lidar com a expectativa desse público!

Conversei sobre isso com o roteirista responsável pelo projeto, Lusa Silvestre, que tem no currículo o premiado Estômago. Para o roteiro original render na telona, ele teve que criar novos pontos na trama, aproveitando que o cinema permite saltar entre os cenários com rapidez e, de certo modo, até exige esse vai e vem para evitar a monotonia. Lusa também precisou cortar passagens que o público do teatro aceita numa boa, mas que deixaria constrangido quem busca entretenimento durante a semana, na sessão da tarde. Estamos falando de um blockbuster, então essas escolhas são feitas com critérios bem definidos.

Vale lembrar que a adaptação é sempre uma leitura particular da obra em questão. O filme V de Vingança, por exemplo, foi feito a partir da história em quadrinhos de Alan Moore. Pois este não apenas detestou o filme como saiu falando mal na imprensa. Tudo bem, ele tem o direito. Admito que o filme não alcança a profundidade psicológica da HQ, mas transmite a ideia e é muito mais deslumbrante. Cada linguagem tem seus prós e contras.

O clássico Jules e Jim, de François Truffaut, é também adaptação do romance modernista de Henri-Pierre Roché. O filme começa mais ou menos na página 50 do livro. Por quê? Opção do diretor. Para ele, aquele pedaço renderia um bom filme. Não precisava contar a história toda, ficaria cansativo. Chamamos isso de recorte – a tal leitura particular que privilegia determinado aspecto da obra, podendo agradar o espectador ou não. Isso não significa, por si só, que a escolha está certa ou errada, ou que foi bem ou mal feita. Trata-se de uma adaptação, e toda obra assim lida também com a expectativa de quem conhece a original.

Se você gosta do assunto e quer pesquisar mais a respeito, eu indico o filme A liberdade é azul, do polonês Kieslowski. Nele, a personagem vivida pela atriz Juliette Binoche perde o marido num acidente de carro. Compositor renomado, ele escrevia uma sinfonia para a comemoração do aniversário da Revolução Francesa. Faltava apenas um pouquinho para terminar e o cara bateu as botas. A esposa, junto com o assistente, tentará finalizar a composição em seu lugar. Resta a ela superar os seguintes conflitos: como se modifica a criação alheia? Até que ponto ela lhe pertence? É possível adaptar sem interferir ou desrespeitar a original?

É um filme lindo, sensitivo e delicado. Porém, se ele não agradar, nem pense em me culpar. Pergunte-se o motivo. Como disse antes, o gosto se discute sim, e tudo deve ser questionado se o propósito é aprender. Melhor do que gostar de uma obra é ter disposição para experimentá-la.

A crítica está aí para ajudar, mostrando outros pontos de vista – apesar de muita gente achar que criticar é sinônimo de falar mal, inclusive profissionais da área. Esse tipo de crítica sim é perda de tempo.

Seja como for, assista ao filme que sugeri. Depois, me diga se gostou ou não. E por que, claro.


(imagens, na ordem: ANT73, ANT 64, ANT54 e ANT13, todas de 1960, por Yves Klein)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

ARTE CÍCLICA ARTE

"Que recolha essas informações, que as memorize, que disponha de instrumentos para memorizar essas informações em vários códigos; no código das palavras, no código da imagem, no código do som e, mais tarde, no próprio código das cores."

"E que, uma vez gravadas essas informações, as processe."

"Que construa laboratórios, que construa escolas, que construa centros de reflexão, que faça reuniões como esta, que faça exposições, em suma, que processe essas informações para que disso resultem informações novas."

"Que divulgue imediatamente essas informações, seja materialmente, seja imaterialmente, isto é, seja com suporte de papel, seja com suporte de fita vídeo, seja com suporte de fita filme, seja com suporte de disquete. Que essa divulgação seja feita de maneira que provoque, espontaneamente, feedback do mundo inteiro. Que esse feedback seja de novo recolhido, e de novo memorizado, e de novo processado."

(...)

"Claro que lhes falei uma utopia, mas se não fosse utópico, para que engajar-se?"

Vilém Flusser
(excerto da conferência não publicada Por que a Casa da Cor em São Paulo, de 1988)

domingo, 29 de janeiro de 2012

MEU CAMINHO SENTIDO



Foi uma das experiências mais incríveis que vivi numa instituição cultural (eu ia dizer "museu", mas não é bem o caso). Me refiro à instalação Seu Caminho Sentido, de Olafur Eliasson, que foi montada no Sesc Pompeia no segundo semestre de 2011 e permanece lá até hoje.

A obra é constituída por uma grande sala retangular cheia de fumaça. Uma das extremidades fica no escuro, enquanto a oposta é iluminada por lâmpadas frias. Andamos ali com passos curtos por receio de esbarrar nas outras pessoas, que estão perto, sim, podemos ouvi-las, porém não conseguimos vê-las. Seus vultos nos perseguem como fantasmas. Aparecem e desaparecem sem que possamos identificá-los. De repente, nos damos conta de que nós também somos vultos como aqueles, à solta na bruma, assombrando os outros visitantes. Ainda assim, não há qualquer sensação de pavor. Passada a angústia inicial de querer e não poder ver, entramos numa linda brincadeira estética.

Olafur Eliasson nos permite experimentar uma nova relação sensorial com o espaço. É mesmo um caminho sentido, como indica o título da obra, percebido pelo som e pelo olfato muito mais do que pelos olhos. Os sons e o cheiro predominam, enquanto a visão fica refém de dois tipos de cegueira, uma escura e outra clara.

O vídeo acima foi feito durante minha caminhada pela instalação (se preferir, assista diretamente no Youtube). Preste atenção nos barulhos - eles criam um interessante efeito com as imagens que se fazem e desfazem a todo instante. Abaixo, você pode ouvir um relato gravado assim que deixei a sala, com os sentidos ainda afetados pela experiência. Quis registrá-lo logo, supondo que, pelo seu frescor, ele esclareceria o "meu caminho sentido" de um jeito mais preciso do que qualquer outra descrição redigida depois.



Saiba mais sobre o artista aqui: Olafur Eliasson (no site, há também registros feito próprio artista na Pinacoteca do Estado de São Paulo e nas unidades Belenzinho e Pompeia do SESC, além de diversas outras exibidas mundo afora).

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

COM A MÚSICA ENGASGADA NO PESCOÇO

Há mais ou menos uma semana, o maestro Allan Gilbert interrompeu a apresentação da Sinfônica de Nova York porque um celular não parava de tocar na plateia. Foi a primeira interrupção nos 170 anos da orquestra, e ocorreu durante o último movimento da nona sinfonia do compositor Gustav Mahler.

Segundo o maestro, o aparelho tira a concentração dos músicos e compromete a qualidade da apresentação.

Um exemplo de como isso acontece pode ser visto abaixo. O músico Lukas Kmit se apresentava na Sinagoga Ortodoxa de Presov, na Eslováquia, quando um celular o levou a uma reação inesperada, que caiu no gosto do público e ganhou destaque na internet:




Todo mundo sabe que é falta de educação deixar o celular ligado durante apresentações como essa, do mesmo modo como no cinema ou no teatro. Mas elas persistem. Imagino que o insulto estava engasgado no pescoço desses artistas há tempos. Agora, as reações começam a aparecer.

Fica a questão: qual é a melhor maneira de lidar com o problema?


Saiba mais sobre a interrupção da Sinfônica de NY (Toque de celular interrompe concerto da Filarmônica de Nova York) e do músico Lukas Kmit (Músico reage com bom humor ao ser interrompido por um celular).

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"Seguimos a história, mas nos perguntamos também do que trata afinal o romance. Não é apenas para descobrir quem matou quem, mas esperamos que ele nos diga algo sobre nossa vida."

Orhan Pamuk, em palestra na cidade de São Paulo

domingo, 8 de janeiro de 2012

FELIZ ANO NOVO (COM MARGEM DE ERRO DE 10 ANOS PARA MAIS OU PARA MENOS)


"Quando o mundo estiver acabando, venha para o Uruguai. Aqui ele ainda dura uns dez anos mais". Foi o que me disse o gerente de uma excelente vinícola de lá, localizada nos arredores de Montevidéu. Estávamos passeando pela propriedade. Ele me contava a história da empresa, do sistema de viticultura e de elaboração do vinho. Nas últimas três ou quatro décadas, uma grande quantia de capital estrangeiro chegou às vinícolas do Chile e da Argentina, resultando no salto de qualidade que colocou esses países na elite do circuito internacional, a ponto de competirem com nomes consagrados da Europa. No Uruguai, a tecnologia, os estudos científicos e os especialistas chegaram apenas no começo da década de 1990, e o país ainda está se profissionalizando. A promessa é grande, já que ali se produz vinho em dezesseis das dezenove províncias, ou seja, praticamente no território todo. Eles possuem ainda uma vantagem: a uva Tannat encontrou no Uruguai seu solo e clima favoritos, rendendo os melhores vinhos dessa variedade, que é bastante difícil de produzir.

Tudo isso para dizer que os nossos vizinhos não compartilham da mesma ansiedade política e econômica que sentimos por aqui, em especial nas metrópoles do Estado de São Paulo, de onde falo com maior conhecimento de causa. Aqui, trabalha-se praticamente o tempo todo, a correria diária resulta num trânsito caótico, tudo é lotado, a cultura do excesso impera e, num ciclo infinito de causa e consequência, o estresse, a falta de educação e o canibalismo corporativo se tornaram comportamento padrão. Não, lá eles leem jornais em cafés charmosos no trajeto para o escritório, caminham pela orla, voltam para casa antes de escurecer e saem à noite para papear com os amigos.

A senhora gorda e sorridente que me recebeu nos campos de outra vinícola, no interior do país, olhou para toda aquela tranquilidade natural ao seu redor, entre parreiras e oliveiras carregadas de frutos, e confirmou: não trocaria sua vida por nada. Os tais dez anos de atraso de que o gerente da primeira vinícola falou, de repente, me pareceram dez anos de avanço – uma década a mais de vida muito bem aproveitada.

Foi essa aparente incompatibilidade que me chamou a atenção em Joaquín Torres García, o artista plástico mais influente da história do Uruguai. Nascido em 1874, mudou-se para a Espanha dezesseis anos depois, viveu em diversos países-chave durante a efervescência do modernismo (França, Itália e Estados Unidos) e retornou à então provinciana Montevidéu em 1934, aos sessenta anos de idade, "com a ideia de fundar um importante movimento de arte construtiva que, enraizado numa profunda tradição universal, fosse, também, a expressão de uma arte própria, não apenas para o Uruguai, mas para toda a América". Palavras do catálogo da ótima retrospectiva de sua obra, que se encontra em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

De volta à origem, Torres García fez exposições, publicou livros, ministrou palestras, editou revistas especializadas e até mesmo criou uma associação de artistas modernistas, a AAC (Associação de Arte Construtiva); em outros termos, tentou sacudir o lugar para colocá-lo no circuito internacional de arte, polinizando conhecimento e incentivando a produção de seus conterrâneos.

Digo "tentou" sacudir porque, uma década mais tarde, em fins de 1940, o artista profere sua conferência de número 500 desde o retorno a Montevidéu. Nela, "expressa seu desânimo diante da impossibilidade de concretizar as ambições com que havia chegado ao Uruguai e decide que a AAC vai ser transformada, simplesmente, num espaço de estudo da Arte Construtiva".

Torres García falece em 1949. Seu legado, no entanto, alcança o sucesso que ele tanto almejara: suas ideias foram o estopim para tudo aquilo que o país vem produzindo desde então, mais ou menos como aconteceu no Brasil com Tarsila do Amaral, Mario e Oswald de Andrade, entre outros dos nossos modernistas.

Torres García apresentou o futuro àquele país que "vive com uma década de atraso". Ele queria estar à frente de seu tempo e levar o Uruguai inteiro consigo, fazendo "do sul o seu norte", como defendia. Talvez, na ocasião de sua morte, ele tenha achado que o projeto fracassara. Hoje, porém, podemos afirmar que a arte contemporânea uruguaia é fruto do seu ímpeto idealista – uma conquista digna das maiores honrarias.

É bobagem afirmar que um país está atrasado em relação a outro assim, de maneira tão generalista; pior ainda é sinalizar a diferença no calendário. A afirmação que ouvi na vinícola era apenas uma piada, ironizando o estilo de vida praticado pelos uruguaios. Afinal, por mais visionários que sejamos, demoramos a nos adaptar às novidades – boa parte das crises existenciais que hoje em dia afetam a humanidade provém desse processo.

Sinceramente, acredito que a obra de Torres García nos ensina muito, não apenas sobre arte, mas também sobre a relação dela com a vida: buscar sempre inovar, crescer, desenvolver... mas também curtir ao máximo o momento presente. São meus planos para 2012.

*As imagens que ilustram esta crônica são do manuscrito New York (1921), de Joaquín Torres García. Clique para ampliá-las.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

PESSOAS PEQUENAS NA CIDADE GRANDE



A arte de Slinkachu é tão divertida de se conhecer quanto interessante de se analisar. Em suma: ele cria cenas peculiares pela cidade, utilizando bonecos minúsculos, e as fotografa de perto e de longe. Depois, abandona as pecinhas ali mesmo, e a própria cidade fica responsável pelo destino delas.

Faz a gente pensar na peculiaridade da vida urbana, na efemeridade da existência e em nossa pequenez perante o entorno. Também põe em questão o próprio objeto de arte, já que os bonequinhos são abandonados e o único registro que resta daquelas interferências são as fotografias feitas pelo próprio artista. Essas fotografias assumem o papel de obra, transformam-se em livro, são comercializadas, participam de exibições etc.

Escolhi algumas imagens no site do artista para ilustrar este post (clique para ampliá-las). Você pode conferir outras aqui: Slinkachu_Little People









quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

IT'S THE END OF WORLD AS WE KNOW IT

(clique na imagem para ampliá-la)

Fim dos jornais, fim dos discos, fim das cartas, fim dos livros, fim dos casamentos, fim da arte, fim dos bate-papos entre amigos. Cada vez que se inventa uma engenhoca, declara-se o fim de outra. Mas nada termina de verdade, certo? Não dá para acreditar nessas conclusões antecipadas.

Para 2012, previram o fim do mundo. Mas ele não vai acabar, claro – vai acabar a maneira como nós o conhecemos. Tudo para dar início a um mundo melhor, feito de alegrias, conquistas e amizades sinceras. Nisso dá para acreditar.

Como canta o R.E.M., "It's the end of the world as we know it. And I feel fine."
(É o fim do mundo como nós o conhecemos. E eu me sinto bem.)

Então, feliz ano novo!


terça-feira, 27 de dezembro de 2011



"Acabo de descobrir, com brusquidão e sem razão aparente, que menti a mim mesmo durante dez anos. As aventuras estão nos livros. E, naturalmente, tudo o que se conta nos livros pode realmente acontecer, mas não da mesma maneira. Era essa forma de acontecer que era tão importante para mim, que eu prezava tanto."

A náusea, de Jean-Paul Sartre

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A ÓTIMA ESQUISITICE DE KARINA BUHR



Na primeira vez em que ouvi Karina Buhr, achei bastante esquisito. Eu tinha lido uma nota sobre o lançamento do disco Longe de onde em uma revista especializada e fiquei curioso; afinal, é uma estreia que ganhou boas recomendações, que conta com patrocínio da Natura* e com as parcerias talentosas de Edgard Scandurra, Fernando Catatau e Guizado. Baixei o disco gratuitamente do site da artista, ouvi uma faixa ou outra cujo nome me chamou a atenção e fiz uma busca no Youtube para assistir ao clipe Cara Palavra; no geral, achei tudo bastante esquisito, como disse no início.

Comecei então a questionar o que me causava tanto estranhamento. À primeira ouvida, acho que foi o próprio corpo do som – quando soube de mais essa jovem cantora despontando, esperava que ela fosse justamente isso, mais uma como as outras. O que já seria um grande mérito, dada a boa fase da nossa cena musical. Porém, vieram aquelas batidas fortes de coração nordestino, junto com o sotaque que carrega sua origem na ponta da língua; aquelas guitarras distorcidas conectadas diretamente dos fones aos meus ouvidos, bagunçando tudo por ali; aquela mistura muito bem dosada de rock, punk e percussão… fui pego desprevinido. Era uma música diferente, forte e com vontade de expressão.

As letras também dizem muito, vide a própria Cara Palavra, que abre o disco explorando os significados das coisas quando elas mudam de contexto, ou quando as pessoas que as utilizam se transformam. Tudo vira outro, tudo se multiplica. Karina vai unindo palavras para construir novas, acentuando a sílaba errada para sugerir o significado correto. É uma experiência puramente lírica. E também bastante divertida, que vai se desvendando ao longo de uma faixa tão breve e ao mesmo tempo tão ampla.

Outro exemplo bacana é Cadáver, em que as palavras “em defesa” e “indefesa” soam praticamente idênticas, revelando-se somente no contexto (“Sua dúvida é produto da sua escravidão / Mantenha então / Sua sanidade em defesa do seu estômago. / Se você pensou que tinha solução / Mantenha então / Sua integridade indefesa.”).

Não dá para analisar o disco inteiro aqui, até porque cada faixa deve encontrar seu próprio ouvido-metade e sussurrar ali seus segredos mais intrínsecos. Talvez você não se identifique com nenhuma, o que eu acho difícil, mas vale a pena tentar mesmo assim.

Se a esquisitice de Karina Buhr incomoda, isso é bom, é sinal de que existe algo novo e interessante em seu trabalho, algo distante do lugar-comum e que lhe dá evidência nessa fase tão fresca da música brasileira. O disco exige que a gente vença o estranhamento aos poucos, sem apressar o tempo, sem pular as faixas. A cada repetição, ele fica melhor.

Agora, quero saber aonde Karina Buhr vai nos levar. Espero que para bem longe de hoje.

*Projeto selecionado no Edital Nacional 2010 do Natura Musical.


Conheça o site da artista e baixe o disco gratuitamente: www.karinabuhr.com.br

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

ARTE E DOR NA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

“Temos que nos livrar das pegadas da cilada romântica que alia a criação à dor. Qualquer situação em que a vida se vê constrangida pelas formas da realidade e/ou o modo de descrevê-las produz estranhamento. Segue-se um desconforto que mobiliza a necessidade de expressar o que não cabe no mapa vigente, com a criação de novos sentidos, condição para que a vida volte a fluir. É nisso que consiste a experiência estética do mundo: ela depende da capacidade do corpo de fazer-se vulnerável a seu entorno, deixando-se tomar pela sensação da disparidade entre as formas da realidade e os movimentos que se agitam sob sua suposta estabilidade, o que coloca o corpo em ‘estado de arte’. É uma espécie de experiência do mundo que vai além do exercício de sua apreensão reduzida às formas, operado pela percepção e sua associação a certas representações, a partir das quais se lhes atribui sentido.”

Suely Rolnik, no catálogo da mostra Arquivo para uma obra-acontecimento: projeto de ativação da memória corporal de uma trajetória artística e seu contexto 

Foto: a artista brasileira Lygia Clark, criadora da obra Estruturação do Self (ver foto abaixo) e um dos principais assuntos de estudo da psicanalista Suely Rolnik.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A SACOLINHA VERMELHA DO PAPAI NOEL

  
Fico imaginando a reação da criança ao abrir cada um dos pacotes e explorar o conteúdo, sorrindo com os amigos, colocando as roupas sobre o corpinho para ver se servem, procurando o brinquedo que deve estar ali, no meio daquela algazarra. Sempre há um brinquedo, uma caixa de bombons, um conjunto de roupas e um par de sapatos. É o que a instituição responsável pela tutela dessas crianças carentes pede a quem se dispõe a "adotá-las" no Natal.

As tais sacolinhas se popularizaram na agência onde trabalho. Este ano, foram mais de cinquenta, o que significa mais de cinquenta tentativas de proporcionar um Natal minimamente digno a alguém com condições menos – ou nada – favorecidas.

Entre os presentes, eu sempre acrescento dois, que considero imprescindíveis: um livro e uma cartinha. A presença de livros foi determinante em minha vida, e acredito que eles também podem ajudar essas crianças a superar as dificuldades que hoje se colocam para elas, seja por adquirirem o gosto pela leitura (sempre uma experiência positiva), seja pelo conteúdo (aprendizado e visão crítica), seja pelo convívio social que advém dali (emprestando o livro, lendo em conjunto com amigos ou ouvindo um adulto contar a história).


Em uma resenha de 1924, o filósofo alemão Walter Benjamin comenta que as crianças têm um apreço peculiar por todo tipo de detritos, onde quer que eles surjam – na construção de casas, na jardinagem, na carpintaria, na confecção de roupas. Com esses detritos, elas constroem o mundo como lhes aprouver. Os elementos dos livros infantis também seriam exemplos dessa matéria-prima tão rica, que dá sentido à vida e nos impele a estabelecer parcerias com ela, contornando criativamente as reviravoltas, admirando suas ilustrações e inventando finais felizes.

Meus brinquedos mais interessantes foram a folha de papel em branco e as caixas de papelão. Com tinta, tesoura, cola e lápis de cor, tudo era possível, desde orbitar a Lua até desenterrar tesouros do fundo do mar. O papelão se transformava em carro, armadura, cabana ou rio. Lembro-me de como era gostoso brincar sem que outras preocupações interrompessem a fantasia, e suponho que, quanto tiver filhos, conseguirei recuperar um pouco da minha própria infância.

Por enquanto, fico com as crianças carentes. E com Walter Benjamin, que, em outros dois textos, agora de 1928, analisa a história cultural do brinquedo. Ele conta que a casa de bonecas, o cavalinho de pau e os soldadinhos de chumbo – entre muitos outros "papais" dos robôs articulados, sonorizados e iluminados de hoje, do videogame e dos bebês de plástico que mamam, choram e fazem cocô – surgiram em oficinas de entalhadores de madeira ou de fundição de metal e demoraram séculos para se popularizarem, assim como para serem produzidos por indústrias específicas.

O filósofo chama nossa atenção para algo que, em sua época, já era preocupante: os sonhos de consumo que os adultos projetam nas crianças direta ou indiretamente, pela publicidade ou pelas visitas ao shopping, e que as transformam em consumidores mirins cheios de decisão. Para ele, a bola, o bambolê e a pipa são tanto mais verdadeiros quanto menos dizem aos pais, ou seja, quanto mais atraentes, no sentido usual, mais se afastam dos instrumentos de brincar.


O filho de uma amiga adora os tupperwares da mãe, mais do que qualquer um dos brinquedos caros que não lhe faltam. Eu o vejo pular, manobrar os potinhos, fazer sons com a boca e se divertir num incrível mundo interior, e percebo que é disso que Benjamin fala – esses seriam os brinquedos de verdade, que instigam a curiosidade e a criatividade.

Os videogames também pertencem a essa categoria, ainda que os pais tradicionalistas não concordem. Porque, no meu modo de ver, os grandes vilões de hoje são: 1) os brinquedos que brincam sozinhos, deixando a criança apenas a acompanhar com os olhos suas estripulias pré-programadas; e 2) a precocidade, que faz meninos e meninas sentirem vergonha de brincar. Agora, se o futebol eletrônico parece mais interessante do que o pebolim ou o botão, é apenas porque essa é a realidade em que vivemos. Isso não significa que a atividade lúdica na frente da TV é pior do que aquela realizada em torno da mesa, do tabuleiro, na rua... O mundo mudou e, às vezes, a brincadeira só precisa de uma compensação. E de compreensão.

Até porque os próprios adultos estão sempre na frente da tela da televisão, do computador e do celular. Então, como vamos exigir que as crianças ajam diferente? Se algo nessa história permanece intacto é o fato de que continuamos a ser o maior exemplo para elas.

Uma observação bacana de Walter Benjamin é que "a ideia determina o brinquedo", não o contrário. Quer dizer, a imaginação da criança transforma o brinquedo a seu bel-prazer, fazendo um carrinho de plástico correr no deserto ou no autódromo, falar e fazer amigos. Por isso, quando um adulto briga com a criança porque ela está brincando "errado", o errado ali é ele próprio, cortando as asinhas daquela imaginação de um jeito tão mesquinho. Brincadeiras saudáveis devem sempre ser incentivadas, não importa o que diz o manual de instruções.

Com livro e brinquedo, eu tento avivar a magia do Natal em uma criança. Para mim, esse é o verdadeiro significado da data, independentemente de religião – sua origem cristã se diluiu na cultura comum e, hoje, qualquer pessoa pode aproveitar a oportunidade para melhorar o mundo, nem que seja um pouquinho só, presenteando alguém com esperança, carinho e alegria.

Ora, pensando friamente, isso é o mínimo que devemos fazer para devolver à sociedade um pouco do que ela nos permitiu conquistar. Mais do que bondade ou moralismo, contribuir para a felicidade de todos é uma obrigação social. Afinal, estamos nessa juntos.

Sim, eu acredito em Papai Noel. Pois os livros infantis, os brinquedos e a filosofia estão aí para comprovar: basta imaginar – e se dedicar – que toda fantasia se realiza.

*Ilustrações: 1) Ponte de Charing Cross (1906), de André Derain; 2) Ponte de Charing Cross (1906), de André Derain; 3) Catedral de São Paulo vista do Tâmisa (1906), de André Derain.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

QUER PATROCINAR A CULTURA DO BRASIL? PERGUNTE-ME COMO.

Pessoas físicas – tipo você e eu, público entusiasta das artes – podem patrocinar projetos culturais simplesmente pelo prazer de ajudar, de agradecer a boa vontade ou de incentivar a criatividade de pessoas que nem sempre – para não dizer "quase nunca" – recebem o merecido reconhecimento.

Museus importantes como a Pinacoteca do Estado de São Paulo têm programas para associados que, em troca de colaborações periódicas, oferecem vantagens como descontos na loja, entradas gratuitas etc. Vale a pena conferir.

Projetos menores também podem receber seu apoio através da Catarse, uma plataforma de financiamento coletivo que serve a diversos interessados. O vídeo abaixo mostra um exemplo: a revista Efêmero Concreto, do AHH!, que tenta acumular 18 mil reais para imprimir os exemplares da nova edição.

Como a cultura é um bem do povo, acho justo colaborar de vez em quando. Esse dinheiro não se perde nem é gasto à toa, muito pelo contrário: ele se torna parte de um tesouro comum. Basta a gente visitar uma exposição de arte urbana, folhear uma revista alternativa ou assistir a uma apresentação de teatro para perceber como ele está sendo muito bem empregado.

sábado, 3 de dezembro de 2011


"Metropolis é o século 20. É a ciência e o obscurantismo. O monumental e o miserável. O alto e o baixo. Os senhores e os escravos. É o século da luta de classes que ali se anuncia. Século do comunismo e do nazismo. Das utopias que viram pesadelos. Das metrópoles que também viram pesadelos. Tudo isso fala da atualidade do filme de Fritz Lang que Hitler e Goebbels, não por acaso, admiravam. Há muitas razões, inclusive equívocas, para gostar de um filme. Mas algo aqui comunga com as ideias dos dois: Metropolis é, por excelência, o filme do preto e branco, das sombras pintadas que discriminam com nitidez o claro do escuro, a luz da treva. De uma certa ordem rígida, absoluta, que devia andar de acordo com o pensamento dos nazistas. No entanto, a ideia de duplicidade que Lang introduz na trama transtorna um tanto esse panorama unívoco. É uma ideia que o acompanha desde sempre, presente em praticamente todos os seus filmes. É como se dissesse: todo homem é duplo, comporta o seu contrário. (...) É esse ambiente de fricção, conflito, dúvida permanente sobre o outro que Lang evoca magistralmente neste que é seu filme mais próximo do Expressionismo."
Inácio Araujo (2010), no jornal Folha de São Paulo 

Vi Metropolis pela primeira vez não faz muitos anos. Eu estava curioso para conhecer esse clássico que influenciou todo o cinema posterior. Reconheci nele tantos temas, soluções plásticas, jogo de luzes e ideias de futuro que ele parecia um apanhado de Blade Runner, The Wall, 1984, THX 1138, A ilha e Minority Report, entre muitos outros. Aliás, essa é uma experiência interessante, assistir aos clássicos depois dos recentes, percebendo o que deles ficou como legado. Faz a gente ter certeza de que o presente está em constante diálogo com o passado, tanto que mal conseguimos distingui-los, ou saber onde acaba um e começa o outro. Se é que o passado termina mesmo. Porque, quando a gente se dá conta, o presente já ficou para trás, enquanto o futuro jamais chegará de verdade.






segunda-feira, 21 de novembro de 2011

REFLEXÕES POÉTICAS: INFLEXÕES VERBAIS



No Brasil, poesia é essencialmente uma arte marginal, para não dizer que sempre foi. Digo isso por conta do número de iniciados, não pela posição social deles. Qual dos seus amigos lê poesia? Poucos, imagino. Mas, quem gosta, gosta de verdade, de Drummond e Bandeira a Gullar e Piva, dos caras que fizeram história até os que estão começando a ganhar espaço.

Então, fica a dica do Livro Ruído, de Davi Araújo, recém-publicado em Portugal pela Ecleia Editora. Quem é marginal a ponto de ler poesia, vai gostar e gozar.

Ouça a entrevista que o autor concedeu à rádio Unesp: Davi Araújo – Rádio Unesp

Para saber mais sobre o Livro Ruído: Eucleia Editora

Blog: Não Fique São