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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Vale-cultura, para mim, é escola decente. Havendo isso, não precisamos de nenhum "incentivo" paliativo.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

“Mesmo pais que em outros níveis tendem a ser satisfatórios, podem facilmente falhar na criação de seus filhos por não serem capazes de distinguir claramente entre os sonhos da criança e os fatos. Pode ocorrer de eles apresentarem uma ideia como se fosse um fato, ou reagir impulsivamente a uma ideia como se esta fosse um ato. Na verdade, é possível que eles temam mais as ideias que os atos. A maturidade implica, entre outras coisas, na capacidade de tolerar ideias.”

Donald W. Winnicott, Natureza Humana.

EXTRA–VAZAR

O tempo me escapa. Mais ou menos como se eu pusesse as mãos sob uma torneira e o tempo escorresse por ela. Escapa por entre os dedos, corre pelas frestas, não importa como eu tente contê-lo. Desajeitadamente. O tempo corre, escorre, escoa sem penetrar. Sem deixar vestígio.

Sinto-me ausente. Como se não pertencesse, como se não estivesse a par do aqui e agora. Inconsciente.

Passou, eu não vi. Foi pelo ralo, foi pelos ares. A ansiedade do início desembocou num desencontro. Sozinho. Na fossa. Suspiro. O último. Quando me dei conta, já tinha ido. Tinha acontecido. Pelas minhas costas, um golpe de vento, um arrepio, um piscar de olhos. A corrente levou. Onde eu estava?

Onde eu estava com a cabeça?
Lá se foi, uma vez mais, como sempre.
Ser sem estar, estar sem ser, não sei dizer.
Sinto. Muito.
É mesmo uma coisa sem sentido.
Por enquanto.

Agora e sempre. Aqui e afora.

O que aconteceria se eu fechasse a torneira? Se voltasse pelo cano, se explorasse a rede oculta nas paredes? Sumir também. Estar contido. Contente. Existe um submundo que percorre o edifício todo, a cidade inteira em conexão. Tudo corre, escorre, escoa.

Sem ver ou ser visto.

Desenhar um mapa no papel. Em branco. Fazendo. Criando. Existindo.

E eu incomodado com as gotas de água que me tocam sem molhar. A água que não me pertence. Que passa à toa. Que trans–borda.

Para além da fronteira do bem e do mal.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O CORPO DA LITERATURA

Aqui vão dois recortes de um texto ótimo que li no jornal Rascunho deste mês. A autora fala sobre as transformações proporcionadas pela escrita e pela leitura, experiências reservadas aos apaixonados por livros. Se você se empolgar, leia o texto completo aqui (edição 152).

“Só é escritor quem foi antes (e continua a ser) um apaixonado leitor, porque nos parágrafos que compõem a obra não há originalidade nem genialidade milagrosa, mas antes memória de tudo aquilo que se leu, e que, misturados às experiências e percepções do mundo também retidas na mesma memória, se remontam em uma obra nova, mesmo que se no momento do devaneio criativo essa memória não seja consciente. Mas de todo modo, a memória estará no corpo e a escrita, dizia Gonçalo Tavares, é uma atividade física. Não há dons inatos, nenhuma sorte genética ou espiritual. Há o narrador de Benjamin, o homem que viveu e se espantou com o mundo e que volta para contar suas histórias.”

“Não são só os olhos, doentes ou não, que se movem acompanhando as linhas de um livro. Move-se a vida toda e a que ainda virá. Porque depois de um grande romance, depois de ler Cem anos de solidão, por exemplo, já não será aquele que seria sem tê-lo lido. E essa descoberta é libertadora. Em potência temos tantas vidas quanto os volumes de uma biblioteca. Quanto mais se lê, mais é possível enredar e reorganizar todas as vidas (a que foi, a que está sendo e a que virá). E quando se estiver em outra vigília, diante do mundo, prático ou não, também ele será outro. E o mesmo mundo será vários, mesmo que a área em que circula não passe de dois ou três quarteirões. Porque tudo é movimento, tudo é duração e descontinuidades, sempre haverá algo a mais que se veja. E, insisto, esse ponto novo percebido só agora impactará toda a vida que foi (mas que se mantém na memória do corpo), a que está sendo e a que virá.”

Vanessa Carneiro Rodrigues
Memória e Movimento
Jornal Rascunho nº 152
(dezembro de 2012)

sábado, 8 de dezembro de 2012

O INFINITO EM CADA UM

"Escrevi um livro" é uma afirmação mentirosa. A gente publica livros, pois eles jamais terminam de ser escritos. As publicações são fases do texto. Digo isso porque, até algumas semanas atrás, eu achei que tinha escrito um. Um romance. Fresquinho, ainda sem previsão de lançamento, mas estava "finalizado", por assim dizer. Só que, então, comecei a ler Como viver junto, de Roland Barthes. Ele fala desse meu livro, parece até uma crítica direta. Ou uma devolutiva criativa. Eu não quero ser pretensioso e me comparar ao grande filósofo, não me entenda mal, por favor. É mais como se ele me desse conselhos, como se tivesse escrito especialmente para mim. Rolou uma sintonia: eu compartilho das suas afetações. Por consequência, vou reabrir meu livro "terminado" e recomeçá-lo (pela quarta vez). E assim ele não termina nunca. Pois "escrever é reescrever", disse certo autor um dia desses. Não me lembro quem foi nem onde li, mas não consigo esquecer a frase, tão bem escrita, tão pulsante, tão infinita.

"Na sociedade contemporânea, está em jogo a afirmação da transitoriedade como contingência ética de habitar o mundo. Ao escrever, não se busca edificar nem eternizar nada, pois a força deste gesto está no instante em que ele acontece e em sua eventual capacidade de produzir em seu entorno apenas deslocamentos, nenhuma fundação. Logo depois que se diz, aquilo já não é mais". Recortei este trecho de um lindo artigo chamado A pesquisa como prática estética, da amiga Renata M. Buelau, publicado no livro do VIII Congresso Internacional de Estética e História da Arte promovido pelo MAC/USP.

Espelho de teto criado pelo artista Olafur Eliasson na Pinacoteca de São Paulo

Eu queria saber por que as pessoas escrevem. Não acredito que haja uma resposta suficiente; ainda assim, a indagação em si parece promissora. Eu acho que escrevi o tal romance por dois motivos principais. O primeiro é "para colocar as ideias para fora", disponibilizá-las ao encontro, para que façam conexões e tentem sobreviver por si mesmas. O segundo motivo apresenta certa afinidade com o primeiro: "escrevi para me livrar dele". Nesse sentido, trata-se de uma espécie de psicanálise. Afinal, o método desenvolvido por Sigmund Freud baseia-se na verbalização como processo de investigação, ou seja, fala-se para trazer à tona (palavras de um leigo, meus amigos psicanalistas que não se ofendam). Não é necessário escrever tanto, claro. Pode ser uma página de diário, uma carta nunca enviada, uma nota no guardanapo, qualquer coisa. Por via das dúvidas, acho saudável ter sempre um caderno por perto para acolher pensamentos ou sentimentos que desejem se livrar de você. Porque o texto também precisa se livrar do autor, a rejeição é recíproca. Criador e criatura encontram no silêncio do papel um excelente psicanalista (sem ofensas novamente). É por isso que se publicam diários de grandes artistas. Eles costumam ser intrigantes.

Naquele mesmo artigo já citado, Renata Buelau explica que "os atos de pesquisar e escrever envolvem – ou deveriam envolver – uma disponibilidade para deixar algo de si para trás". Isso acontece quando se produz uma tese, uma obra literária, um e-mail sincero a um amigo, um cartão de Natal ou um parágrafo no diário. Algo de nós se vai com o texto, por isso se diz "criação". E que "nada se cria, tudo se transforma". Porque o texto é uma fração de nós mesmos que ganha vida própria e passa a se locomover por aí. Pelo mesmo motivo, não se deve confundir o texto com o seu autor. Ele já é outro. E a gente se livra dessa fração para conseguir cuidar das remanescentes. Senão, corre-se o risco de transbordar. Ou pior: de afundar devido ao excesso de si mesmo.

É bobagem escrever com intuito de produzir verdades sólidas, inéditas e que subjuguem, assim como acreditar que irá "fundar uma nova escola". Isso é coisa do passado, quando o tempo do mundo era outro, quando os interlocutores eram uns poucos ousados e/ou privilegiados. No contemporâneo, o dinamismo se estabelece como fundamento, e o potencial de uma obra está em produzir deslocamentos no entorno, como apontou Renata. "Transitório" é a palavra da vez. Entre tantas outras.

Os textos têm um caráter de infinitude, seja porque nos levam a um universo de significados, seja porque jamais encontram uma forma final, porque não sabemos por quanto tempo existirão ou porque não conseguimos enxergar além de seu horizonte, mesmo sabendo que existe algo ali. Às vezes, eu tenho a sensação de que passamos a vida a reescrever o mesmo texto, a pintar as mesmas pinturas, a fotografar os mesmos assuntos, a buscar uma nova perspectiva, a pensar e repensar "igual, só que diferente". Porque as inquietações não se esgotam com facilidade – se é que se esgotam.

Este texto que você lê agora surgiu de um post no Facebook, o qual se resumia mais ou menos ao primeiro parágrafo. A ele, o poeta Davi Araújo respondeu, citando Jorge Luis Borges: "publicamos para não passar a vida a corrigir rascunhos". Portanto, o que temos são pontos de virada, passagens que marcam o final de uma fase e o início da outra. Vivemos, em etapas, uma única longa vida. E só concebemos o infinito porque estamos sujeitos àquilo que termina, porém não nos conformamos. O fim não bastará.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


Oscar Niemeyer faleceu aos 104 anos de idade, quase 105. Saber de sua morte é muito triste. Não o conheci pessoalmente, o que é uma pena, pois ele parecia ser um grande homem, talvez maior do que a própria obra. Jamais encontrei a “pessoa Niemeyer”, mas tive muito prazer ao descobrir as profundezas ocultas da OCA, a visão privilegiada do MAC de Niterói, as curvas insinuantes do Copan e o maravilhoso auditório do Ibirapuera, que se abre para fora e para dentro com uma tocante consciência social. Portanto, tínhamos alguma intimidade, e eu o admirava. Trata-se da perda lastimável de quem poderia ser herói do Brasil no lugar de muita gente que é sem merecer. De alguém que não apenas contribuiu para nossa formação cultural, mas que a construiu. Que inventou a arquitetura moderna brasileira e a tornou respeitada mundo afora. E, mais importante ainda, ao meu ver, Oscar Niemeyer foi um homem que possibilitou que pessoas comuns como eu, na banalidade do dia a dia, experimentassem uma nova relação com o espaço. O espaço como lugar que habitamos física e intelectualmente, pois sua arquitetura era ao mesmo tempo estrutura de concreto e de pensamento. Gente como eu, que poderia viver uma vida inteira sem perceber seu lugar na realidade compartilhada. Niemeyer abriu nossa percepção às potências do entorno. Por isso, dizem que desenhava o futuro. Mas ele desenhava, apenas, com olhar de menino curioso, sem medo de riscar no papel linhas tortas, livres de régua e de regras.

sábado, 1 de dezembro de 2012

QUESTÕES CRUCIAIS PARA O CAMPO DA PESQUISA NAS CIÊNCIAS HUMANAS*

1) A impossibilidade da transparência do olhar do pesquisador e a afirmação do perspectivismo. Em outras palavras, não existe ciência “pura”, e toda construção objetiva sofre interferência de uma cadeia de subjetividades. Afinal, os dados não significam nada sem alguém que os produza e interprete.

2) A crítica da separação entre o sujeito e o seu objeto. Porque nós e o mundo somos feitos da mesma matéria, e um está contido no outro assim como o outro está contido no um**.

3) A articulação do conhecimento com o desejo (vontade do pesquisador e/ou da coletividade) e a implicação (entender “implicação” como conhecimento intrínseco às coisas, portanto o movimento da pesquisa acontece tanto do observador para o assunto quanto – e talvez mais relevante – do assunto em direção ao observador).

4) A recusa da atitude demonstrativa em nome do construtivismo tido como experimentação de conceitos e novos dispositivos de intervenção. Afinal, como Adorno explicou***, a ciência não dá conta de todos os conhecimentos possíveis no mundo.

* Este post foi inspirado em um texto sobre Cartografia e Pesquisa-intervenção, se eu não me engano. Encontrei essas anotações num caderno antigo, mas não a fonte.
** Maurice Merleau-Ponty, O olho e o espírito, (1964).
*** O ensaio como método, de 1958 (?).

terça-feira, 27 de novembro de 2012

domingo, 25 de novembro de 2012


Palavrinha rápida sobre o show de Marcelo Jeneci no Auditório Ibirapuera, do qual eu acabo de voltar. Porque os caras merecem. Confesso que não me empolguei tanto com o disco, talvez por não ter prestado a devida atenção, talvez por achar que a "onda fofa" da atual MPB quisesse sobressair, a qual eu considero ingênua e, por vezes, entediante. Mesmo assim, achei que valia a pena ver ao vivo. Pois então o show começou e na mesma hora deu para perceber que só tinha talento grande no palco, e que esse talento sobressaía a qualquer modinha paz & amor. Arranjos bem construídos, tocada emocionante nem um pouco cafona, carisma, boa vontade, postura de palco madura, letras interessantes e show de bom gosto. 

Fiquei impressionado com a qualidade técnica da banda e com a aparente - só aparência mesmo - facilidade com que encantavam a plateia. Porque fazer aquilo não é para qualquer um. Teve também uma nota de sorte (ou talvez de boa providência): garoava em São Paulo, e o clima fora do auditório combinava perfeitamente com o de dentro - confirmamos isso quando o portão se abriu para o parque e o Wurlitzer soou bonito, melancólico, harmonioso. Som de alma lavada. Havia um sorriso em cada canto dos meus lábios. Meus e de todos ao meu redor. Foi um ótimo show de um ótimo disco. "Feito pra acabar". 

Uma pena, pois acabou mesmo. E eu queria mais.

O público sobe no palco a convite dos músicos

Merece palmas também o Auditório Ibirapuera, uma das raras casas de show que oferece programação de qualidade a preços justos.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

FAZER(-SE) E DESFAZER(-SE)

O homem empurra um grande bloco de gelo pelas ruas da cidade, fazendo-o deslizar com algum esforço. Deve pesar cinquenta quilos, talvez mais. Empurra com as costas arqueadas e deixa para trás um rastro de água que lembra o muco dos caracóis. Algumas pessoas olham sem interesse, uma criança aponta mas logo se distrai com outra curiosidade qualquer, ninguém vê nada de errado. Afinal, ele está fazendo alguma coisa, e manter uma atividade é socialmente bem aceito, seja ela tão estranha quanto levar um bloco de gelo para passear. Deve ser o seu trabalho, coitado. E, se trabalha, é um homem de bem, melhor deixá-lo em paz.

A lógica engana. "Às vezes, fazer algo não leva a nada". Este é o título que Francis Alÿs, artista belga radicado no México, escolhe para a experiência descrita acima. Trata-se de um ensaio visual sobre os meios de produção dominantes, que se apoiam na ideia de estar sempre fazendo alguma coisa na esperança de ter o esforço recompensado, seja financeira ou reconhecidamente. Homens e mulheres na "idade ativa", não é assim que se diz?

A proposta é clara: o trabalho de empurrar o gelo pelas ruas se desfaz com ele próprio, até que não reste mais nada, nem gelo nem trabalho nem produto, com exceção do vídeo em si. É uma afronta a todo regime de produção que opera nos dias atuais, seja orientado por princípios capitalistas ou socialistas. No primeiro caso, tem-se a necessidade de produzir e consumir em larga escala como maneira de impulsionar a economia; no segundo, a mão de obra e o produto gerado por ela entendidos como ferramentas construtoras do coletivo. São regimes aos quais a própria arte está sujeita – e que às vezes provocam reações críticas como aquela.

Francis Alÿs chama a atenção para certos elementos constitutivos das nossas atividades cotidianas que acabam ignorados, mas que de alguma maneira são importantes no processo e se deixam entrever no produto final. Quer dizer, quando estamos implementando um projeto no escritório, quando queremos reformar a loja, oferecer um serviço diferente, acrescentar um curso de aperfeiçoamento ao currículo ou pesquisar uma nova oportunidade – qualquer atividade se enquadra –, estamos sujeitos a uma série de frustrações, becos sem saída e "desperdícios" de tempo. São aqueles modos de "fazer algo" que aparentemente não levam a nada, mas que estarão contidos no resultado da empreitada, mesmo que não sejam tão fáceis de identificar.

Talvez a arte os evidencie. Eu me lembro de uma conversa que tive com o pintor Felipe Góes a respeito de um dos seus trabalhos. Ele apontou o centro da tela e comentou que, dali para baixo, era tudo uma porção de arrependimentos. Achei curiosa essa sua maneira de encarar a própria produção e assumir que as frustrações fazem parte do processo criativo, que são intrínsecas a ele. Porque ignorá-las – ou mesmo negá-las – pode ser uma maneira de lidar com elas, porém não impedirá que continuem a nos assombrar.

Observei a pintura durante um longo tempo. A metade de baixo era composta de pinceladas desordenadas; tentativas de dar forma a uma vontade que talvez não tenha se manifestado com clareza, ou que não conseguira solucionar o problema em questão. Ficaram fixadas ali como registro do processo.

Talvez aquelas frustrações signifiquem algo positivo para outra pessoa. O que me faz voltar à proposta de Francis Alÿs, para quem fazer algo pode levar a nada. Agora tenho dúvidas. Ainda que seja meio paradoxal, para mim o "nada" não existe, é somente algo que ainda não conseguimos definir ou compreender devidamente, uma espécie de vácuo conceitual ou ausência de significado.

A propósito, acabei me esquecendo de contar o final do filme. Pois bem, o bloco de gelo se reduz até ficar do tamanho de um sabonete, que o artista chuta despreocupadamente. Sua postura de trabalhador dedicado também se transforma, agora ele parece um vagabundo que caminha sem rumo pela cidade. Por fim, o gelo é abandonado, desfaz-se numa pequena poça e logo não é mais nada, desparecendo por completo. Sumiu, embora a gente saiba que permanece ali, evaporado no ar, habitando a memória de quem o viu, descrito na proposta do artista ou sugerido na mancha que restou no pavimento. Mesmo que não haja nada para ver, o gelo e o esforço de quem o deslocou estão presentes de alguma maneira. Sempre resta uma evidência, sempre existe a possibilidade de um significado que contrarie a aridez do "nada".

Nós fazemos coisas o tempo todo. Trata-se do bem e do mal-estar da civilização. "Não fazer" é uma promessa que tanto se deseja quanto se condena. Veja a integridade, esse valor social tão benquisto, que também está associado ao fazer: pois moral íntegra é aquela bem constituída, que não se desfaz. Porque trabalhar tornou-se sinônimo de existir, é o ato que tenta nos definir. Ao ponto de, quando conhecemos alguém, perguntarmos "O que você faz?" ao invés de "Quem é você?"

Não que seja um jeito "errado" de viver (se por acaso existem certos e errados). Tampouco é o único jeito. Enquanto fazer algo pode levar a nada, fazer nada também poder ser um caminho ou uma maneira de ser. Não?

Para mim, parece errado apenas não pensar a respeito. Trabalhar a vida inteira sem saber aonde vai chegar, sem consciência das escolhas. A arte incentiva essa reflexão. Temos o quadro na parede, o gelo que escorre por entre nossos dedos e desaparece no chão. Temos todas as nossas realizações e arrependimentos que ainda buscam sentido. O esforço valeu a pena? Se a resposta é "sim", já me parece um ótimo motivo para se fazer.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

ALGUMAS VEZES, FAZER ALGO NÃO LEVA A NADA


A proposta do artista belga Francis Alÿs (assista ao vídeo acima) é chamar atenção para os regimes e processos de produção (inclusive de arte) que operam nas sociedades, sejam elas orientadas por ideias capitalistas ou socialistas. Em um caso, a necessidade de produzir e consumir em larga escala como maneira de impulsionar a economia; no outro, a mão de obra e o produto gerado por ela entendidos como construção de um coletivo. Mas não é apenas desse tipo de política que o artista trata. Seu "fazer algo" leva também:

- A uma provocação.
- Ao nada (que, diferente do simples "nada", é um lugar ou alguma coisa).
- Ao trabalho não objetivo. Afinal, por que tudo precisa de uma razão?
- A uma crítica dos valores que direcionam nosso dia a dia.
- A um vídeo/registro que é comercializado por uma galeria de arte e também exibido gratuitamente no Youtube.
- A uma reflexão, o que me parece ser o resultado mais importante.
- E assim por diante.

E você, aonde - ou a quê - o vídeo leva?

Saiba mais sobre o artista em seu site oficial.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012


Estar é um ponto de vista. 
Ser idem.

(Encontrei esta anotação em minha agenda, depois vi o desenho de Bruno Saggese no blog Imposturas e achei que ambos combinavam. Enfim, é apenas um pensamento perdido que parece ter encontrado alguma conexão.)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

UM LIVRO SOBRE A INFINITUDE

"Escrevi um livro" é uma afirmação mentirosa. A gente publica livros, mas eles jamais terminam de ser escritos. As publicações são fases do texto. Digo isso porque, até ontem à noite, eu achei que tinha escrito um livro. Fresquinho, ainda sem previsão de publicação, mas estava "finalizado", por assim dizer. Só que hoje de manhã eu comecei a ler "Como viver junto", do Roland Barthes. Ele fala desse meu livro ali, parece até uma crítica direta. Ou uma devolutiva criativa. Sim, Barthes me deu bons conselhos, acho que rolou uma sintonia. Compartilha comigo das mesmas afetações. Em alguns trechos, claro, não quero parecer pretensioso e me comparar ao grande Barthes.

Enfim, como resultado, vou reabrir meu livro "terminado" e recomeçá-lo (pela quarta vez). E assim ele não termina nunca. Pois "escrever é reescrever", disse certo autor um dia. Não me lembro quem foi nem quando li, mas não consigo esquecer a frase, tão bem escrita, tão pulsante, tão infinita!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A PINTURA COMO DISCURSO, PENSAMENTO E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO

Quando Felipe Góes disse que eu poderia escolher uma ou mais pinturas e levar para casa, eu achei que ele estava ficando maluco. "Pode levar todas se preferir, assim vocês terão um tempo juntos para se conhecerem melhor". Imagine a responsabilidade de andar por aí com obras de arte! E se me roubam o carro? Ou se derrubam água sanitária em cima? Sabe-se lá que tipo de tragédia pode acontecer, é melhor não dar sopa para o azar. Por isso, quando aceitei a proposta e cheguei em casa com uma tela sua debaixo do braço, percebi que aquilo já havia me contagiado também.

Foi mais ou menos assim que iniciamos o trabalho deste ano, que rendeu três exposições individuais em museus e centros de cultura de Porto Alegre, Goiânia e Castro. Eu queria colaborar com Felipe desde que o conheci, portanto fiquei bastante entusiasmado quando surgiu a oportunidade e ele fez o convite.

Estávamos sentados num café no bairro de Pinheiros, São Paulo. Passamos a nos encontrar durante o almoço ou no fim de tarde para ver as pinturas, trocar ideias, estruturar um pensamento que servisse de proposta curatorial para cada exposição e também para entender melhor nossas próprias convicções estéticas, as quais se transformavam no decorrer do processo. Foram diversos encontros, páginas e páginas de anotações, finais de semana inteiros pesquisando, dezenas de e-mails e muita vontade de ambas as partes para colocar os projetos de pé.

O que significa pintar no contemporâneo? Essa era a questão-chave. Cada seleção de trabalhos parecia oferecer uma resposta apropriada, complementares ou divergentes entre si, o que já se mostrava bastante sugestivo. A nossa missão era fazer com que elas ficassem evidentes para os visitantes. Na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, as pinturas chamavam atenção para os estímulos visuais por meio dos quais inventamos o mundo ao nosso redor e que despertam emoções ocultas na memória; o limiar entre o figurativo e o abstrato, a racionalidade do dia e o vago sentimento dos sonhos. No Museu de Arte de Goiânia, tratamos do processo criativo do artista, levando a público experimentos que nunca haviam deixado o ateliê, além de apontar para o espaço expositivo e para a ocupação que tanto a arte quanto as pessoas fazem dele. Por último, na Galeria Ondas do Yapó, em Castro, Paraná, tratamos da experiência sensível dos visitantes, da construção de discurso e pensamento, da transição entre as maneiras de compreender o mundo, que muitas vezes se assemelha ao transitar entre as camadas de tinta de um quadro. Queríamos ver além da superfície, avançando no subjetivo.

Essas três possibilidades, entre tantas outras que gostaríamos de explorar, deixam claro que não há uma resposta exata para a questão que as provocou. Pintar, no contemporâneo, significa muitas coisas. Se podemos afirmar algo, talvez seja apenas que não se trata de um formalismo alienado e tampouco de uma afirmação de verdade com pretensão de ser única. Pintar é um método de produzir conhecimento, de lidar com o múltiplo, criar diferentes conexões e apreensões de tempo, espaço e sociedade.

Quando se aplica o primeiro borrão de tinta sobre a tela, ativa-se uma porção de problemáticas, que não é função do artista resolver. Não se espera da arte uma solução, mas sim o questionamento em si. O artista percebe e reúne problemas, apropria-se deles e os transforma, transgride, refaz, de modo que sejam apreendidos sob outro ponto de vista. Às vezes, a construção se dá pela própria desconstrução. O objetivo, entretanto, permanece inalterado: provocar reações e, se possível, reflexões.

Como escreveu o pintor, professor e pesquisador Marco Giannotti no livro Breve História da Pintura Contemporânea, "a pintura cria um campo de experiência, um espaço existencial; não cabe mais ao artista descrever um mundo dado, mas transformá-lo a cada instante".

Eu e Felipe desejamos que o trabalho deste ano tenha contribuído, de alguma maneira, para dar novo fôlego aos problemas do homem com os quais a pintura tenta lidar. Porque uma pincelada, por menor que seja, carrega consigo o potencial para resignificar a composição inteira.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

“Aprendi que, quando falam de mim, fãs e desafetos estão falando de si mesmos, do modo como encaram as relações, os problemas, os sonhos. Sirvo apenas de pretexto.”

Marisa Monte em entrevista à revista Bravo! nº 181 (setembro de 2012).

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

CENSURAR A PRÓPRIA BOCA JÁ É UM BOM COMEÇO

Clique na imagem para ampliá-la. Fonte: Metro São Paulo nº 1396 (27/9/2012).

Algumas curiosidades sobre a classificação indicativa de filmes no Brasil:

• Se há usuário de drogas, você só pode assistir se tiver mais de 10 anos. Se o usuário de drogas se dá bem, você precisa ter 14 anos.

• Se tem estupro no filme, você precisa ter 16 anos para assistir. Mas se o estupro é consequência de uma paixão, só entra no cinema com 18 anos ou mais.

• Com 12 anos, você pode ver alguém pelado, mas só de perfil. Se o pelado ficar de frente para a câmera, você precisa ser 2 anos mais velho.

Apesar de todas essas peculiaridades, é prudente avisar – em especial o senhor deputado Protógenes Queiroz – que a censura às artes quem faz é o próprio público, que assiste àquilo que quiser. Se você não quiser ver determinado filme, simplesmente não vá ao cinema e deixe o assento livre para quem se interessar. Se você não quer que seu filho de 11 anos veja prostituição e uso de drogas, não o leve para ver um filme "não recomendado para menores de 16 anos", como foi o caso. E também não o deixe assistir TV, sair de casa com os amigos, ler jornais e acessar a internet. Ao invés disso, compre uma casa com masmorra.

Ou, se você tiver um mínimo de consideração pelas outras pessoas, faça valer seu cargo público e tente construir um Brasil mais decente ao invés de ficar falando bobagens no Congresso e na imprensa.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

VOLÚVEL

Pintura 63 (2009)
Eu tento ler as histórias contidas naquelas finas camadas de tinta, que se escondem umas sob as outras, tímidas. A narrativa potencial que hiberna enquanto aguarda a presença do observador para, só então, se revelar. Uma nova relação a cada olhar, um novo espetáculo de sensações. As pinturas de Felipe Góes se fazem e desfazem diante de nós, paisagens emocionais vêm à tona e depois mergulham de volta no desconhecido. As manchas se desmancham. Solidez tornada translucidez. Os devaneios são livres para caminhar por grandes campos de cor, desbravando matas virgens, territórios em formação constante. Vemos a força da cor se sobressair à fragilidade do assunto. A cor como grande potência criadora, disposta na tela em pinceladas sugestivas.

Até os títulos são abstratos, porque determinar uma palavra oprimiria outras conexões, narrativas que jamais germinariam. É algo que o artista não quer. "A paisagem, em sua infinidade de possibilidades, aceita proposições pictóricas das mais implausíveis e abstratas", diz ele. Suas pinturas são assim, abertas à reflexão, prontas para realizar desejos, prontas para ouvir. Basta se colocar diante delas e deixar o pensamento flanar; mergulhar, deixar-se contagiar, permitir que a experiência se realize num afluxo de sensações. Ida e volta.

Pintura 70 (2010)
São imagens lentas, que não se sujeitam à imposição do relógio ou à impaciência do público. Elas têm o seu próprio tempo e, para que possamos nos relacionar, precisamos sintonizá-lo, estar em sincronia. O tempo da pintura de Felipe Góes é aquele da percepção e da apreensão: singular, individual, livre. Inicia-se quando o raciocínio lógico cede espaço à imaginação. As cores são plácidas, quase meditativas, exatamente o oposto da saturação publicitária, cujas imagens se pautam na sedução imediata e na decodificação fácil. O conceito está impregnado naquelas pinturas, porém não se revela a troco de nada. Exige concentração. O pensamento demora a se formar e jamais se completa, está sempre se fazendo e refazendo. Para ser aberta, a obra precisa se manter viva, pulsante. Não pode se deixar reduzir.

Pintura 86 (2010)
Eu tento ler suas histórias, mas elas são volúveis; logo se misturam sem conclusão, não resultam numa moral. Recriam-se. Assim como seus campos de cor se apresentam sem limites discerníveis, suas verdades têm algo de imprevisível. Pois, quando uma ideia se solidifica, quando não pode mais ser permeada por conexões, ser contestada ou se transformar, ela já não serve mais, virou matéria inanimada. Morreu. O pensamento é um organismo em mutação. Tem vida própria, não se sujeita apenas às nossas vontades. Está contido no mundo. Pintar é também uma maneira de pensar. Sempre há espaço para uma nova pincelada, um retoque aqui, outro ali. Se existe uma certeza, uma só, é a de que toda certeza é efêmera. Quando voltamos a ela, já virou outra coisa, já ganhou uma nova cor.



Leia também Translucidez, texto que consta no folder e que dá nome à exposição de Felipe Góes na Galeria Ondas do Yapó (Castro/PR).

TRANSLUCIDEZ

Convite da exposição. Clique para ampliar.
Nas pinturas de Felipe Góes, a palavra translucidez apresenta dois significados. O primeiro é imediato: refere-se às finas camadas de tinta acrílica que, de tão diluída, ganha semelhanças visuais com aquarela. A técnica permite ver além da superfície do quadro. No entanto, não se trata de um retorno àquele campo de representação tradicional que os concretistas brasileiros tentaram superar. Esse "ver além" se direciona à subjetividade, à experiência sensível do observador, que percebe nas obras um mundo particular, contido dentro de si mesmo, do seu "eu" interior. Trata-se de uma realidade paralela, posta em relação com aquela da superfície pictórica. Ela vem à tona porque as pinturas de Felipe propõem sugestões ao invés de afirmações; outro registro de verdade, sem pretensão de ser absoluta. Muitas verdades permeiam a obra, mancham e se desmancham num rápido passar de olhos, vêm "desafiar sua existência em meio a grandes campos de cor", como disse o artista certa vez.

Isso nos leva ao segundo significado possível da palavra translucidez, que se refere à transição ou à transposição de uma lucidez para outra. Aquele sentido ambíguo que não se encontra estagnado numa porção de tinta, mas que é efêmero, que dura o tempo da percepção e nem um segundo a mais. A lucidez que não se encerra em contornos ou fronteiras, pois os territórios são tão profusos que é quase impossível determinar onde termina uma cor e começa outra. As pinturas habitam uma zona de indiscernibilidade muito própria da experiência criativa, onde estão potencializadas infinitas narrativas, aguardando que alguém se ponha diante das telas e permita ao oculto vir à superfície. É possível fazer uma série de conexões a partir daquilo que o artista deixa sugerido; uma crítica à nossa rigidez de pensamento. Metáfora apropriada para mostrar que nossas crenças são baseadas em registros imprecisos e interpretações subjetivas. Toda solidez é permeável. Basta querer ver.

Leia também o texto Volúvel, escrito especialmente para a internet por ocasião da mostra Translucidez.

sábado, 15 de setembro de 2012

SEMPRE EM FRENTE

Pode parecer meio tolo se eu simplesmente contar, tentando descrever a obra. Vão devolver aquela típica questão de quem acabou de chegar: isso é arte? Como se a arte precisasse de justificativa para existir. A descrição pode parecer meio tola porque não basta ler, é preciso experimentar. Caminhando (1964), de Lygia Clark, é uma obra de arte que se realiza no ato. Você pega uma tira de papel e junta as pontas para formar um círculo. Antes, porém, gira uma delas e a cola do lado contrário, de modo que esse círculo se transforme numa fita de Moebius, da qual não se pode dizer onde é o dentro e onde é o fora. Vamos, você já deve ter feito isso na escola, acho que sabe do que estou falando.

Caminhando (1964), de Lygia Clark

Pois bem, agora você pega uma tesoura, faz um furo no papel e começa a cortar no sentido do comprimento, circulando por toda a extensão da tira, fazendo uma volta completa. Só não pode dividi-la em duas, ok? Portanto, quando estiver próximo do início, você deverá decidir se continua pela direita ou pela esquerda do corte que acabou de fazer. “Esta noção de escolha é decisiva, o único sentido dessa experiência reside no ato de fazê-la. A obra é o seu ato”, explica o filósofo Ricardo Fabbrini no ótimo livro chamado O espaço de Lygia Clark.

Aos poucos, vamos entendendo a proposta, os sentidos emergem. Percebemos o significado na própria ação de percorrer a tira de papel com a tesoura, esse gesto efêmero com o qual você constrói seu próprio caminho. Diga-me se não é uma metáfora útil para a vida! Sim, vamos caminhando sempre em frente, tudo o que experimentamos é único e não se repete, não se pode voltar atrás. As marcas das nossas atitudes, as consequências das nossas escolhas ficam registradas ali para sempre, transformam o papel de um jeito que ele jamais será o mesmo novamente. Caminhamos sempre em frente, é a única possibilidade. Mesmo que se queira reverter uma escolha mal feita, talvez colando as tiras de papel com fita adesiva, restará uma marca aparente, a cicatriz do gesto, algo que jamais nos deixará esquecer o que passou.

Caminhando (detalhe)
A importância das escolhas que fazemos ao longo da vida fica evidente em Caminhando. Ao cortar uma tira de papel com a tesoura, o pensamento flui, passamos então a compreender melhor nossos passos. Tomar conhecimento dos próprios atos é uma maneira de escapar da banalidade do dia a dia, de não sucumbir à rotina. Trata-se de um ato criador em que o participante se encontra tão envolvido consigo mesmo que sequer nota a presença da artista e do objeto de arte. Sujeito e obra estão integrados, são uma coisa só. A participação não se resume a uma atitude comportamental, ela é condição da experiência. Nesse sentido, Caminhando é também uma tentativa de negação do objeto artístico. Uma tentativa de transformar o produto num gesto para livrá-lo dos fetiches e das vaidades do mercado. Uma proposição estética e política. Sim, isso é arte, sem dúvida. Mas a arte não é só isso.

Lygia Clark criou Caminhando há quase meio século, e ainda hoje as pessoas em geral têm dificuldade de lidar com esse tipo de produção que não se pendura na parede ou apoia em pedestais. Como sugeriu o crítico Ronaldo Brito nos seminários que inauguraram a retrospectiva da artista no Itaú Cultural, em São Paulo, ela projetou uma sombra para frente – quer dizer, tentou vencer os limites da arte com obras que superam a própria ideia de obra.

Lygia nos incentiva a seguir em frente, abrindo novos caminhos, buscando descobrir possibilidades. Não é fácil. Afinal, estabelecer-se num ponto qualquer e permanecer ali é cômodo; ficar estagnado naquele ponto final que não leva mais a lugar algum é uma grande bobagem que a gente tende a cometer o tempo todo. A vida é um processo, a criação é um ato, tudo o que produzimos nasce de um gesto. Quando a materialidade se esgota – e um dia ela há de se esgotar, você verá –, apenas o gesto sobrevive. São as nossas ações que permanecerão no mundo quando nós não estivermos mais. Tudo o que fazemos, é isso que ficará, é a marca que deixaremos.

Enfim, não basta ler a respeito de Caminhando, é preciso experimentar. Com essa proposta tão simples de ser realizada, Lygia Clark permite que tomemos conhecimento de nossas ações. Mais do que isso, ela nos dá um belo empurrão para enfrentarmos com sabedoria o caminho tortuoso que precisamos percorrer.