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segunda-feira, 28 de julho de 2014

JORNAL DE LITERATURA

Entrei no vagão do metrô com o jornal em punho porque a viagem seria curta e o artigo era longo. Uma entrevista, na verdade, depois transformada em artigo pelo editor, que queria mostrar suas asinhas. Duas páginas inteiras de cima a baixo. Um jornal de literatura, claro. Porque somente jornais de literatura são capazes de publicar duas páginas inteiras sobre literatura. Nestes tempos em que apenas a exceção da exceção – no caso eu, personagem profunda – leria tanto a respeito de ler e escrever, ou sobre pessoas que leem e/ou escrevem. Enfim, pessoas dedicadas à nobre arte da literatura, que quase não existe mais. Em extinção por abandono e maus tratos, é essa a minha opinião. Pois bem, eu voltava de uma longa palestra sobre literatura, estava cansada, precisava me concentrar se quisesse acabar logo com aquela perda de tempo.

Os assentos estavam ocupados, todos eles, porque assim acontece no drama. Então me posicionei estrategicamente de lado, com as pernas tão abertas quanto as páginas do jornal – sem perder a compostura, obviamente –, com objetivo de evitar sobressaltos. Não suporto perder a linha e ter que retomar do princípio.

Ainda na primeira frase do primeiro parágrafo, logo após o título, ouvi um homem se introduzir na história. Penetramente.

Cê vem de onde memo?

Falava com voz afetada, meio gutural. Achei que estava bêbado, seria típico, mas depois notei certo problema de saúde, talvez deficiência nas cordas vocais. Tirei os olhos do jornal. A pergunta se direcionava a uma mulher de jeito bastante humilde, tadinha, que viajava perto da porta. Respondeu baixinho. Vim do Jardim Paulista, vou pro Brás.

Não se conheciam, era evidente. Ele solto; ela encolhida, constrangida. Ele estava exatamente no centro do vagão, dependurado como um babuíno, os dois braços agarrados ao tubo de metal preso no teto, mal se apoiando nos pés, balançando de um lado para o outro conforme o trem o conduzia. Balançando de modo irritante. Sem modos, para ser sincera.

Recomecei a leitura do artigo. Cê vem de oooonde memo?, quis saber o sujeito pela segunda vez, e me deixou inclinada a perguntar se era surdo ou bobo. Não poderia responder, fosse o que fosse; além do mais, achei prudente manter distância. Talvez estivesse provocando a coitada. Tenho medo de confusão. Já vi um pouco de tudo acontecer nos últimos anos, o nível desceu demais. Inclusive no metrô, que já não é como costumava ser. É bom ficar atenta. Sempre atenta.

Incomodada com a situação, a mulherzinha olhou ao redor e falou mais alto, um alto ainda acanhado: vim do Jardim Paulista. Vou pro Brás. E se recolheu novamente, abraçando a bolsa com a força que dispunha, e que não era muita. Escondeu-se atrás do nó.

Desviei os olhos para não parecer enxerida. Brááááss..., repetiu o sujeito, com calma, lentamente, ruminando as vogais, em especial as vogais abertas. Como se sonhasse com ninfas bailando no paraíso. E o paraíso fosse o Brás. E aquela mulher fosse uma ninfa, talvez. Que visão doida. Sua voz soava ainda mais grave.

Nesse ponto, minha única certeza era que não conseguiria concluir a leitura a tempo, uma vez que sequer havia começado, e compreender isso me fez sentir uma impertinência. Tentei apressar os olhos.

Linha um...

Cê vai pro Brás, é?

Sim, Brás.

Cê mora lá?

Linha um.

Moro.

Do Jardim até o Brás...

É.

Jornal de Literatura, linha um.

Que tem no Brás?

Moro lá. Não tem nada.

Nada?

Literatura!

Nada especial.

Bráááás. Não conheço o Bráááás.

É... Eu sim.

Jesus! Literatura!

Cê faz isso todo dia?

...

O caminho...?

É, faço.

Jardim Paulista. Até o Brááás.

Concentração, concentração, concentração.

U-hum.

É.

Vamos lá, você consegue. Linha um.

Eu não. Eu não conheço o Brááás.

Deixei a cabeça cair, derrotada. Espiei. A mulher disfarçava o olhar do homem, que atravessava sua pele até as entranhas. Atravessava a bolsa, o constrangimento, os bons costumes, a vontade de chegar logo em casa. Ele ria. Eu quase podia ver sua saliva escorrer pelos cantos da boca, fazendo espuminha. Ainda tinha receio de que fosse um psicopata, desses da TV. Que seguisse a pobre mulher pela estação e sabe-se lá que tipo de atrocidade cometeria.

Literatura!

Tenho visto muitos casos assim, de lunáticos agressivos. É essa sociedade de hoje, essa correria, solidão, essa virtualização das relações sociais. Eles agem sem razão aparente. Estão todos soltos por aí.

O sistema de som do trem anunciou a chegada à estação Brás. Achei que saltitaria de alegria; a mulher, entretanto, não esboçou qualquer reação, fingiu não prestar atenção no homem que a encarava. Sabia lidar com esse tipo de gente; a infeliz devia passar por isso todo santo dia, supus. Todavia, desceu do trem, caminhou sem pressa pela plataforma, sem olhar para trás. Sem pressa mas com firmeza. Decidida.

O esquisitão continuou dependurado. Tive a impressão de que lhe escapuliu um tchau indeciso, ou talvez fosse imaginação minha. Pensei que agora se voltaria para mim. Não aconteceu. Dei graças a Deus por ter bastante gente no metrô, mesmo àquela hora. A mulher sumiu de vista sem averiguar se aquele sujeito a seguia. Achei corajosa, num primeiro momento. Achei-a irresponsável depois, sem consciência do perigo. Por fim, pensei que talvez estivesse sendo paranoica.

Tentei reiniciar a literatura. Quer dizer, a leitura. Tentei reiniciar a leitura do Jornal de Literatura. Artigo longo, linha um, aqui.

Ora, o homem estava apenas puxando assunto, certo? Eu que fiquei assustada. O que me assustou? Sua deficiência de fala? O descontrole do tom da voz? Ou ele puxar assunto com uma moça qualquer no metrô, na frente de todo mundo, com tamanha indiscrição. Esse seu descabimento.

Tirei os olhos do jornal, botei-os no homem, sujeitinho curioso, que continuava a balançar para lá e para cá, para lá e para cá, para lá...

Despertei com um solavanco. Não tinha como saber. Não é uma atitude comum, ainda mais nos dias de hoje. Não estou acostumada a essas coisas! O mundo está perdido, même.

Não era problema meu, na verdade. Só me dizia respeito o que o escritor, do qual eu não gostava nem um pouco, pensava da literatura; isso sim me interessava, só para poder criticá-lo depois, com fundamento. O homem deficiente que procurasse sua turma.

Jornal de Literatura, linha um.

Queria me concentrar. Só que fiquei repassando, de cabeça, aquela história toda. Que se fazia ali mesmo, numa composição do metrô.

Maldita literatura contemporânea.

Chegou minha estação. Só iria até aquele ponto.

Dobrei o jornal com delicadeza, coloquei-o na bolsa, tomando cuidado para que a tinta preta não sujasse o forro. Saltei na plataforma. O trem levou meu personagem para longe, eu acho. Aquele ser infinitamente superficial.

domingo, 20 de julho de 2014

"Se esta não lhe agrada, não lhe convém, pegue outra, coloque outra no seu lugar. (...) Há apenas palavras inexatas para designar alguma coisa exatamente."

Gilles Deleuze
Diálogos, p. 13

sábado, 19 de julho de 2014

IDEIA PARA PERSONAGEM

Eu o faria assim, obsessivo: alguém que deseja proibir tudo, convicto da ordem e progresso; pior: que os tem como lema e dele não abre mão. Não abre mão de nada, de uma opinião sequer, por mais bruta que pareça [aos outros]. Um sujeito que acredita na rigidez do sistema, na proibição como medida educativa, na punição severa como remédio contra inadequação social, na supressão de direitos por um bem maior; um sujeito como tantos.

Daria a ele o nome de Cristiano, em referência a certo moralismo que, com frequência, se torna um problema e ajuda a esconder faltas de quem o pratica. Não revelaria o sobrenome, bastaria dizer que é oriundo de família tradicional(ista); ou, ainda, que possui no currículo uma sólida base familiar. Prefiro assim porque mais gente pode se identificar, até quem não se afeiçoa ao sentido figurado.

Cristiano é um homem de palavra. Sério, trabalhador. Certo do que é certo e mais certo ainda do que é errado. Divide o mundo em duas metades: o bem e o mal, a direita e a esquerda, o ataque e a defesa, a verdade e a mentira, amigos e inimigos, pretos e brancos; levanta um muro entre elas, um muro alto; defende-o com unhas e dentes e verbos imperativos. Vê facilidade nisso. Não consegue perceber nuances, ambiguidades, perspectivas. Tampouco está interessado. Homem determinado não muda de opinião no meio do caminho.

Acredita que violência gera violência. Ao mesmo tempo em que afirma a necessidade da guerra contra o terror. Tem certeza de que é um problema crônico onde vive – digamos que seja no Brasil, a título de exemplo. Esse problema não se resolve com revisões do sistema policial, judiciário e carcerário; resolve-se com a Rota na rua, o exército nos morros, bombas nas manifestações, trava de bicicleta no pescoço. Resolve-se com diminuição da maioridade penal e, Deus lhe perdoe, com pena de morte também. Pronto, falou. Porque não pode dar moleza pra vagabundo, entende?

Acredita que tudo seria melhor com respeito e educação. Só mantém uma arma de fogo em casa porque nunca se sabe, né? Não dá pra confiar.

Aceita o homossexualismo contanto que fique longe; entre amigos, permite-se dizer isso de um jeito um pouquinho diferente, que mal não faz, imagine! Dá risada. São apenas umas verdades.

Não se envolve com política porque é um ninho de vespas, ninguém ali presta. Não acompanha essas coisas, é responsabilidade daquele sujeito em quem votou nas últimas eleições, o do partido de sempre, reeleito pela quinquagésima vez. Também não entende nada de justiça, mas tem certeza de que houve mamata no veredicto do mensalão. Porque é sempre assim. Acha que só se faz política com partido e colarinho branco.

Reconhece que a educação vai mal, mas não compreende o motivo, pois seus filhos estudam em escola particular. O SUS é uma lástima, mas não sabe quanto, pois paga plano de saúde. Apoia reivindicações de menor custo nos transportes contanto que não atrapalhem o trânsito, que é caótico. Muitos não têm onde viver? Virem-se!; ele já se resolveu comprando – com muito esforço, diga-se de passagem – um apartamento num bairro tranquilo. Sua razão vagueia ali nos finais de semana, é gostoso; só não vai longe para não se cansar. Políticas públicas/sociais são graves sim; graves problemas dos outros. Não tem nada a ver com isso, nadinha. E, mimimis à parte, tudo se resolveria com mais verba e vergonha na cara.

É o que falta para o povo: vergonha na cara. Tem certeza, deu na TV. Mas Cristiano é homem de muita esperança. Tem certeza também que, um dia, Deus sabe quando, o Brasil há de entrar nos eixos. Um dia ele vai acordar no paraíso; o melhor país do mundo, o mais evoluído. Como num passe de mágica. Porque nossa economia é forte. Porque somos abençoados e bonitos por natureza.

O governo ditará o que pode e o que não pode, facilitando nossas vidas; bem paternalista, preocupado, como nos bons tempos de antigamente, quando se trabalhava em prol da nação, quando ninguém ficava inventando moda. O povo vai obedecer porque é consciente e civilizado. Não pode vandalismo, não pode vaiar presidente, não pode greve; não pode perguntar, exigir, criticar. Não pode reclamar quem não tem solução melhor para apresentar. Não pode nada, entendeu bem? Assim é melhor; sem tentação não há pecado.

Meu personagem Cristiano seria absurdo, estereotipado; tão próximo da realidade que duvidaríamos se é realmente ficcional ou se o cotidiano é que parece uma grande invenção. Tipo novela das nove. Já pensou que legal?

terça-feira, 15 de julho de 2014

"O significado originário, a referência etimológica do termo 'personagem' nos ajuda a ver isso: persona, termo latino de onde deriva o vocábulo atual, guarda a memória da palavra grega para máscara – artefato utilizado no teatro para caracterizar, de modo convencional, as expressões e os afetos dos atores. Logo, personagem nem sempre indicou um indivíduo único e irrepetível, mas uma função, um lugar convencional a ser ocupado por sujeitos que representassem, de modo sintético, pessoas de uma determinada classe ou condição social (como ocorre nas comédias da Antiguidade Clássica, por exemplo) ou personagens alegóricos, que figuram a própria condição humana (como o caso do próprio Dante Alighieri, protagonista da Divina Comédia). Se pensarmos historicamente, veremos que a ênfase dada ao indivíduo (e aos personagens marcados como sujeitos únicos e em tudo diferente dos demais) é um fato recente, datando do início da Era Moderna (séculos XV e XVI)."

Gustavo Silveira Ribeiro
Cândido, 35, junho/2014

sábado, 12 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (POSFÁCIO)

Talvez você tenha sido amada também, embora não tenha se encontrado nestes relatos. Talvez eu não me recorde, talvez não deva falar. Talvez tenhamos nos visto apenas uma, duas, muitas vezes. Talvez não o bastante. Talvez a gente ainda não se conheça. Talvez não o suficiente. Talvez pareça que me apaixono fácil, mas não é verdade; a maioria dos casos foi puro platonismo. Talvez eu ainda ame você. Talvez nem mesmo eu saiba. Talvez ainda venha a amá-la. São as incertezas, essas imprecisões e indecisões, que fazem do amor uma aventura viva, pulsante, tão memorável. Tanta gente se dedicou ao amor ao longo da História! Tanta gente se dedicou 'simplesmente' a amar, às suas próprias histórias de amor. Não sou, nem de longe, pessoa apropriada para dar voz aos grandes anseios e mistérios da humanidade. Tenho meras lembranças. Meia dúzia de recordações. Que talvez sejam verdade, talvez não. Seja como for, são obras da minha cabeça. Talvez do coração.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (12)

Enquanto realizava as pesquisas para o mestrado, caí de amores pela artista que permanecia no foco das minhas atenções. É natural que o interesse gere mais interesse. Não seria nada excepcional caso ela não estivesse morta há trinta anos. Mesmo assim eu me sentia próximo, folheando seus escritos, descobrindo suas obras, assistindo aos seus filmes. Era como se pertencesse ao seu mundo, um pouquinho que fosse. O qual, de tão encantador, me fez apaixonar.

Uma certeza que tive, talvez a única certeza que se permita ter, é que o amor não cabe no tempo, no espaço, numa língua ou numa cultura específica. Ele avança fronteiras. E reside aqui e ali consecutivamente, em ambos os territórios, independente da nossa vontade. Numa ambiguidade sedutora.

Lygia tinha temperamento difícil. Discordávamos com frequência. Porém sua obra causava fascínio e admiração, então eu deixava as desavenças de lado para me dedicar inteiramente aos elogios. Conheci o universo pelo seu ponto de vista. Pensei as relações humanas segundo a sua perspectiva. Cada aspecto seu emergia e me transformava. Não tinha outra maneira de agradecer senão agregando pontos positivos às suas memórias.

Foi muito difícil deixá-la. Contudo, era preciso. Voltar as costas, seguir adiante. Trouxe uma parte preciosa comigo. Não suas pinturas e esculturas, que até valem um bom dinheiro. Trouxe experiência de vida. Fé na liberdade. Vontade criativa. Não tem dinheiro que compre essas coisas. Aliás, o dinheiro nem sabe o que significam.

Toda vez que me deparo com uma nova pesquisa sobre arte, sei como Lygia pensaria. Ou pelo menos eu imagino com tamanha convicção que faço realidade da ficção. E vice-versa. De todo modo, é sempre ela que vem. Sempre em primeiro lugar. Como um amor do passado que eu jamais esqueci.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (11)

Não tenho condições de esmiuçar o grande amor da minha vida porque ele não cabe aqui; eu teria que escrever um romance, talvez uma trilogia, como está na moda. Nem mesmo assim... a literatura não daria conta, é muita responsabilidade. Além do mais, o amor é nosso, tem a nossa cara, o nosso jeito; duvido que interesse aos leitores.

Posso compartilhar apenas uma lembrança, que no fim das contas resume bem o casamento. Uma cena. Assim:

Eu quero sanduíche, Juliana quer sopa. Inclusive, ela quer que eu tome sua sopa também. Levo meia hora persuadindo-a de que podemos muito bem jantar juntos com ela tomando a sopa e eu comendo o sanduíche. Gera um atrito mas ela concorda. Preparamos os pratos, sentamos para jantar. E ela come o meu sanduíche.

Rimos. Tomo a sopa, que estava gostosa, até.

Passamos então a planejar o cardápio do dia seguinte.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (10)

Já amei mulher casada. Sim, já. Para melhor ou para pior, acredito que ela me amou também, e ficou esperando um movimento meu para reviver o universo em seu estado de caos. Não seria um ato fugidio, ou ato falho, isso nunca me interessou; seria aposta das grandes, daquelas que põem tudo em risco. Acredite, milhares de possibilidades passam pela cabeça de quem ama nessas condições. Porém as cartadas nem sempre são decididas ali, na cabeça, e algumas daquelas possibilidades por vezes se tornam fato.

Eu estava solteiro na época, sem namorada nem nada. E achava inconcebível não poder amá-la porque um dia, num passado não tão distante, Giovana decidiu se comprometer por toda a vida. Não fazia sentido. Era tão jovem! Tão jovem quanto eu. E, no limite, restava a nós somente uma parcela da vida para sermos felizes.

Sabe, a traição é sempre questão de egoísmo. Não é um moralista que fala, ok? Penso isso friamente. Pode ser que a mudança compense, afinal; não dá para estabelecer uma regra. Mesmo assim, quando a jogada dá certo e os envolvidos ficam bem, ainda me parece egoísmo. Por causa do desejo de romper uma relação somente para iniciar outra. Porque essa outra seria supostamente melhor. Pura tentação. Uma cilada que pode terminar mal. Enfim, é amor. E amor não tem mesmo fundamento, de nada adianta querer justificá-lo.

Fato é que hoje o casado sou eu. Só quando me comprometi é que pude entender o poder do rito. Não foi antes, não foi quando achei que convinha casar. Foi na hora do sim. Compreendi que não se trata de abrir mão de outros amores. Mas, sim, de me dedicar inteiramente ao meu; aquele que provou valer a pena.

Ainda, uma aposta. Que beco sem saída!

Veja bem, sem arrependimentos, continuo a amar mulher casada. A minha.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (9)

Já tentei amar com objetivo de esquecer outro amor. Foi patético; óbvio que não deu certo. Porque não se anula um amor com outro, assim como não se divide o amor em dois. Amor apenas soma. Se o resultado não confere, sinal de que algo na equação está errado – convém rever os elementos.

Insisti durante um tempo. Pouco, na verdade. Para minha sorte, Júlia percebeu e não se deixou enganar. Foi mais esperta, pois eu nem sabia que a enganava. Aliás, enganava a mim, a ela e a meu outro amor, o verdadeiro.

Nossa relação, na qual eu depositava uma quantia incontável de esperança, ingênuo que fui, rompeu de uma hora para a outra, tamanha a sua inconsistência. Desandou. Até nisso eu me enganava.

Investi meu espírito na ciência do amor, por mais incompatíveis que fossem, a princípio. Jamais consegui explicar a razão. De algum modo, acredito que ela compreendeu. Não precisou da lógica, apenas do sentimento. Achei-a forte, decidida. Foi gentil comigo. E desapareceu.

Fiquei livre para me dedicar ao amor primeiro, aquele que eu tentava esquecer sem sucesso, que originou toda a discórdia. Também ele não deu certo, coisa que eu sabia desde o início. Repassei cada uma das suas questões, revisei os dados, adicionei pontos positivos, subtraí pontos negativos, contei demais com conjuntos vazios. Procurava uma resposta esclarecedora. A solução era sempre igual. Tratava-se de um amor impossível.

domingo, 29 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (8)

A primeira vez que chorei por amor foi aos dezoito anos. Foi também a primeira vez que amei de verdade. Porque existem amores e amores; isso eu fui descobrindo com o tempo. Não que os outros sejam falsos – é que o amor verdadeiro tem algo de especial. Difícil defini-lo. Só que a gente sabe quando é.

Esse amor veio misturado com uma vontade de descoberta, uma paixão à primeira vista, uma situação delicada e uma amizade insustentável. Aconteceu logo que ingressei na faculdade. E quatro anos conflituosos se seguiram. Posso afirmar que a disciplina mais complexa de toda a graduação foi amar. Quando finalmente aprendia a lição, era mais uma vez posto à prova, e custava muito a me recuperar. Ainda hoje acho que o tema é uma irregularidade em meu currículo. Jamais irei dominá-lo. Jamais ficarei à vontade com ele.

Como obra do destino, conheci meu amor no primeiro dia de aulas. Não é bonito? Melhor dizendo: eu a vi no primeiro dia; a gente só se conheceria mais tarde. Estava sentada num banco, entre as árvores, solitária. Um fichário aberto sobre o colo, concentrada na leitura. Nunca esqueci a cena. Cheguei a questioná-la numa oportunidade, ela não se lembrava. Deve ter ficado ali por um instante só; instante que tomei para mim.

O destino continuou a me seduzir. Ao perceber que estávamos na mesma turma, tive certeza de que Inês seria o amor de minha vida. Essas certezas que a gente tem... põem todo o resto em questão. Não demoramos a conversar. Nem a descobrir uma ligação muito forte.

Mas eu era lento. Inexperiente. Inseguro. E ela carregava um pretenso caso desde o colégio, que germinou nas brechas que deixei. Nas minhas falhas. Quando me dei conta, éramos amigos muito próximos, de um jeito como nunca tinha experimentado, e ela namorava outro, talvez enquanto aguardava minha tomada de decisão. Pode ser fantasia minha, claro. Mesmo assim, sei que não era amor que a unia ao namorado. Ao menos não naquele início. Era uma aposta às cegas.

Simplifico a relação, falando desse jeito. É muito difícil resumir quatro anos tão intensos, tão cheio de altos e baixos. Tampouco acredito ser necessário. Minha falta de iniciativa era inocente demais, e acabei culpando o bom caráter por não deixar com que abrisse meu coração a uma amiga comprometida. Eu não queria lhe provocar transtornos, então optei por guardar todos para mim. Não achava justo. Por uma questão moral, talvez. Acho que foi essa a desculpa que encontrei para aceitar a situação. Ou para tentar superá-la.

A ligação que tínhamos pendeu para o meu lado. Ela me tratava com frieza para conter meus ânimos acalorados. Sonhei, sofri. Amadureci.

Lembro que aprendi a tocar Beija Flor, do Cazuza, porque era sua música favorita. Passei a gostar da música também. Forcei encontros, deixei-a constrangida, exigia o que ela não podia dar, exagerava na dose de proximidade. A demasia foi um problema. Porque o amor transbordou. Amei-a intensamente sem poder avançar um limite tênue – e opressor. O excesso acabou por desgastar o amor.

Chorei a primeira de diversas vezes, como se chorar esvaziasse a reserva de lágrimas. Descobri que o amor pode ser tão grave quanto delicado; as duas coisas ao mesmo tempo. Ele atravessa tormentas mas falece num sopro de vaidade. Numa atitude não assumida. Numa hesitação. Num ímpeto não correspondido. Basta uma palavra errada e sua solidez se esfacela.

No meu caso, não houve palavra alguma, esse foi o problema. O que restava para ser dito, o que não estava subentendido, já não tinha vitalidade. A angústia, insuportável; ergueu uma barreira entre nós. Nem a amizade podia vencê-la. Carregamos o fardo até a colação de grau. Depois não tivemos como manter contato. Exceto, talvez, em parcas tentativas de fulminar algo tão mal resolvido. Um email, uma lembrança.

Encontrei-a uma vez mais, alguns anos depois. Foi um encontro necessário. Somente para saber se pudemos superar a nós mesmos. Foi um encontro divertido. Que logo esqueci.

Nem todo amor verdadeiro dá frutos. Assim como nem toda certeza sobrevive ao tempo. É preciso aceitar isso. Nada é absoluto. Aliás, o amor não precisa disso para existir. Nós é que impomos tamanha ingratidão a ele. O amor não precisa de condição. Precisa, sim, ser incondicional.

Este deveria ser um dos meus relatos mais comoventes, dado o que significou em minha vida, porém não dou conta dele agora nem consigo descrevê-lo conforme gostaria, sem soar brega. Era para ser o relato mais sincero também. Mas está cheio de linhas duvidosas, caminhos discutíveis, pontos de vista não correspondentes aos fatos. Uma trama maliciosa. Ainda que buscasse somente um final feliz.

Acontece que os finais felizes são os mais manipulados. Os mais distantes da vida comum. Porque nenhum amor acaba bem. Não tem como acabar e continuar bem. Ao contrário, é a felicidade que dura enquanto houver amor.

Quando o fim traz a sensação de bem estar, estou certo de que é porque o amor já não existia. Ao menos não o amor verdadeiro.

sábado, 28 de junho de 2014

Iasnaia Poliana, esposa de Leon Tolstói, passava a limpo o que o marido produzia diariamente. Diz a lenda que era a única capaz de decifrar sua caligrafia. Copiou o imenso romance Guerra e Paz sete vezes, já que o escritor tinha compulsão por revisões e retrabalhos. O processo se estendeu por cinco anos. Ao ponto de seu editor escrever: "Só Deus sabe o que o senhor está fazendo. Se continuar assim, vamos recompor e corrigir eternamente. Qualquer um pode lhe dizer que metade das mudanças que o senhor faz são desnecessárias. No entanto, elas causam uma diferença apreciável nos custos da composição tipográfica. Eu pedi ao tipógrafo que lhe mande uma conta separada, só das correções. Pelo amor de Deus, pare de rabiscar".

quarta-feira, 25 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (7)

Houve amores – poucos, admito – que dispensei. Amores que não podia corresponder. Aprendi com eles. Inclusive, acredito que aprendi a ser mais amoroso quando não correspondia a alguém que me amava. Aprendi também a lidar melhor com a situação contrária, quando eu propunha o amor e nada obtinha em contrapartida – isso sim aconteceu um punhado de vezes, diga-se de passagem.

O primeiro desses amores veio de uma amiga e me pegou de surpresa. Eu jamais a imaginara naquelas condições, e quando descobri já me amava – ou queria amar – havia tempos. Ela 'gostava' de mim, como costumávamos dizer. E eu meio que gostava também, só que não do mesmo jeito. Aliás, não sei se gostava, fosse do jeito que fosse.

Não foi por maldade, entenda bem. Eu somente não conseguia vê-la assim. Nunca disse nada diretamente, foram os amigos em comum que intermediaram a conversa toda. A amizade se transformou, claro. E não durou muito tempo mais. Amar tem suas dádivas e seus pesares. Sem rancor, entretanto. Hoje, sou grato pelo que Ângela me ensinou. Espero que me tenha do mesmo modo.

[REPENSANDO] ARTE FAZ PARTE

Este blog é um caderno de exercícios. Um apanhado de relatos. Um acúmulo de notas esparsas. Uma reunião de esboços sem relação aparente. Uma coleção de textos já publicados. Ineditismos e imediatismos também. Uma experiência. Um acaso. Uma ficção. Uma obrigação não formalizada, talvez um método de produção e organização. Homenagem e citação. Trama. Uma viagem. Um lugar para habitar. Um meio de existir no mundo. Uma vontade. Uma despretensão. Uma veia literária. Um ponto de encontro. Uma reunião de pensamentos. Uma linha de errância. Um objeto/objetivo sem finalidade. Um ensaio. Uma passagem. Uma brecha. Um mundo paralelo. Uma ambiguidade, com certeza. Um alter ego. Uma perspectiva. Várias. Uma provocação, pode ser. Uma abertura à discussão. Uma bagunça sem pé nem cabeça, lugar onde se perder. Limiar. Entrame. Ausência. Um cuidado, uma curadoria; uma cuidadoria. Um sinal de vida. Uma força. Um contratempo. Arte, por que não?

segunda-feira, 23 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (6)

Patrícia foi mais uma admiração do que propriamente um amor; contudo não acho estranho citá-la aqui. Frequentamos os mesmos lugares durante anos. Sei que ela me admirava também, ainda que não tenhamos trocado mais do que meia hora de papo. Era gordinha e divertida, estava sempre sorrindo. Seu bom astral contagiava. Ficou um tempo sumida. Voltou esquelética, indiferente, nem parecia a mesma pessoa. Vieram dizer que estava anoréxica. Mas por quê? Que bobagem é essa?

Deixei de frequentar aqueles lugares. Isso faz anos. Não tive mais notícias dela. Procurei-a diversas vezes depois, nas redes sociais de que participei, sem jamais encontrá-la. Seu sobrenome era bastante incomum, não deveria ser tão difícil. Também não tive coragem de perguntar aos poucos conhecidos que compartilhávamos, e com quem não tinha tanta intimidade assim. Receio que a doença a matou. Seria uma perda lastimável. Fico triste por imaginar isso, e me dou conta de que falo dela com verbos no passado. Pretérito imperfeito.

Eu gostaria que Patrícia estivesse bem. De verdade. É tudo o que me resta.

sábado, 21 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (5)

Ainda no colégio, tive uma paixonite por uma garota que, se muito, foi amiga minha durante um período breve. A história se resumiria a isso caso eu não tivesse descoberto – anos mais tarde e meses após o ocorrido – que ela falecera num acidente de carro. Tinha o quê?, dezoito, dezenove anos? Foi ela que fez da morte algo factível. Quer dizer, que me apresentou a possibilidade de morte para jovens da minha idade e, no limite, para mim mesmo. Até então, morrer era uma verdade distante. Não pertencia à minha realidade.

O namorado dirigia. Pegaram um caminhão de frente na estrada. Disseram que foi ultrapassagem em local proibido. Para ser sincero, nunca quis saber se foi mesmo. Não queria explicação. Pensei em culpar o namorado, já pensei em culpá-la por namorá-lo, só que isso não leva a nada, exceto a mais arrependimento por nunca ter levado a cabo minha vontade e, com sorte, modificado sua trajetória. Bom, talvez não dependesse de mim. Éramos crianças. E essa culpa só vem acompanhada de remorso. Ninguém precisa dela.

Ainda hoje sinto que Ingrid está viva. De vez em quando, com intervalos de tempo sempre mais longos, me percebo lembrando dela, do seu perfil esguio, sua postura ereta de bailarina. Aos poucos, sua imagem vai desaparecendo. Era uma garota bonita, embora sorrisse pouco. Sempre lhe desejei um futuro próspero. Eu queria vê-la dançar, coisa que fazia tão bem. Dançar num palco grandioso. E ver a plateia aplaudi-la de pé.

Sim, penso nela de vez em quando. É como se estivesse dançando por aí, em algum teatro da cidade. Um lugar próximo de mim. Como se a notícia não tivesse passado de um mal entendido. Como se não houvesse nada com que se preocupar. Bastaria isso. Um desencontro. Um desencontro de informações. Um encontro, talvez. Bastaria.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (4)

É curioso falar de sonho porque traz à tona outro amor breve da minha adolescência; amor fugaz e inseguro como eu era na época. Falo de uma amiga num grupo de amigos em que os amores e as desilusões se revezavam. Amávamos e nos desamávamos tanto que o grupo se desfez assim que chegamos à faculdade, e cada um seguiu seu próprio rumo sem remorso ou coisa do tipo.

Mas eu falava de sonho. Foi mais um pesadelo, na verdade, que me acordou com uma sensação esquisita. Eu estava na cobertura de um prédio muito alto; tão alto que só enxergava as luzes da cidade à distância lá embaixo. As ruas eram como rugosidades num tapete. Até o sol estava baixo, deixando tudo numa atmosfera crepuscular. Não havia outros prédios como aquele, talvez sequer houvesse prédios naquela cidade que se esticava além do limite dos meus olhos. O que havia era gente. Muita gente comigo, no topo da torre, e eu não conhecia ninguém, eram tão estranhos quanto o contexto. Estavam todos em pânico e eu não sabia o motivo, mas também ficava em pânico por causa deles. Eu também tinha medo. Do quê? Lembro de olhar para baixo e ver fumaça. O prédio pegava fogo e nós estávamos refugiados no topo sem ter como ir mais para cima. Esperávamos socorro num lugar que o socorro jamais alcançaria. Estávamos no limite entre o céu e a terra.

Reclinado no parapeito, vi outro prédio igualzinho àquele em que eu me encontrava. Tão alto quanto. Não sei se já estava ali ou se apareceu de repente. Então não era apenas um, mas dois prédios maiores do que a humanidade; duas torres isoladas do mundo, da realidade profana das ruas.

O prédio vizinho também tinha fogo, eu podia ver um buraco enorme bem no meio dele, por onde saíam labaredas e uma espessa coluna de fumaça.

No sonho, eu conseguia ver mais um monte de gente na cobertura do prédio vizinho, na mesma situação desoladora. Apesar da distância, eu podia ver Paloma, uma das amigas do grupo do colégio, sozinha no meio daquela gente toda, tal como eu. Tentei gritar, ela não ouviu. Uma, duas vezes. Não deu para fazer mais nada.

Logo em seguida o chão cedeu sob meus pés e eu caí com ele; uma queda interminável. Passavam pessoas, blocos de concreto, estilhaços de vidro, fogo. Tudo voava em torno de mim enquanto caíamos. As pessoas gritavam; eu permanecia impassível, com enorme frio na barriga enquanto o prédio se desmanchava. Uma cena dantesca. Ainda sinto frio na barriga só de pensar.

Lembro também de olhar para o lado e ver o prédio vizinho repetir os movimentos do meu, como um mergulho sincronizado em direção ao inferno. Acho que foi ao vê-lo que compreendi o que acontecia comigo.

Por algum milagre, eu sobrevivia. Caminhava pelos escombros, branco de pó, respirando fuligem em meio a uma escuridão de pedras, ferro retorcido e objetos quebrados. Procurava Paloma. Por algum milagre eu a encontrava. Estava meio inerte, meio soterrada. Completamente atordoada. Eu a resgatava. E o pesadelo terminava.

Acordei com uma sensação esquisita, como disse. Ignorei-a por uns dias, esperando passar. Não aconteceu. Eu sabia que não passaria. Alguma coisa me dava esse pressentimento Chamei então Paloma num canto, expliquei que só contaria o sonho porque ela estava nele e eu não sabia direito o que significava. Fiz isso num tom muito sério. Até demais para um adolescente. Ela ouviu sem dar a menor bola. Me devolveu a mesma mistura de tristeza e receio que se oferece a um lunático. Voltei para casa angustiado. Era tudo o que podia fazer.

Cerca de três meses depois, um ataque terrorista derrubou as Torres Gêmeas de Nova York. Vi os prédios queimarem e desabarem na TV. Fiquei em choque. Nunca mais esqueci a sensação. Nunca deixei de senti-la quando o assunto retornava.

Lembro-me de ir até Paloma e descarregar nela toda a minha aflição. Não disse que aconteceria? Eu sabia. Avisei você. Eu sabia que se realizaria.

Não fui grosso, apenas um pouco afetado. Falei baixo para ninguém ouvir. De qualquer maneira, nenhum colega prestava atenção em outra coisa que não o noticiário.

Paloma também ficou assustada. Não sei o que pensava. Não voltou a falar comigo, embora tenhamos estudado juntos durante o resto do ano. Eu não queria falar tampouco. Sequer na formatura nos cumprimentamos.

Jamais soube se ela contou a história para outra pessoa. Eu a guardei todinha para mim. Até agora.

terça-feira, 17 de junho de 2014

UM PONTO ALÉM DO CONTO

Uma coisa aparentemente chata muito me fascina: a trajetória da Estética no século XX. Trajetória conturbada, que começa com a ingenuidade das vanguardas europeias e sua crença na transformação do mundo por meio da arte, no sentido de "melhorá-lo". Fosse pela negação da beleza clássica, fosse pela pesquisa das formas, das impressões da natureza no homem ou das expressões da natureza humana. Essa ingenuidade acabou dilacerada pelas guerras, quando descobrimos os horrores de que nossa própria natureza é capaz. Tanto que, ao término do primeiro conflito mundial, apareceram as manifestações dadaístas: provocadoras, absurdas, de certo modo até violentas. Estavam em desalinho com os valores clássicos e também com os revolucionários; sem chão, sem esperança, perdidas nas brumas da desilusão. Porque a "missão" do Modernismo falhara – seus esforços foram subjugados. Não havia salvação moral para quem matava sem piedade. Muito menos salvação por meio da arte.

O pouco que restou daquela vontade transformadora sobreviveu menos de duas décadas, sucumbindo de vez nos campos de concentração, nos bombardeios maciços e nas frentes de batalha da segunda grande guerra. "É isto um homem?", pergunta Primo Levi no título do livro em que relata sua passagem por Auschwitz, de onde só era possível sair por um lugar: a chaminé.

Aqueles traumas, entre tantos outros, interromperam o que havia de criativo e jovial na humanidade. Isso nunca pôde ser retomado.

Quando o artista pop Roy Lichtenstein anuncia, na década de 1960, que a arte "não transforma, apenas forma", ele revela outra concepção de Estética, então em voga. Não se acreditava mais no potencial transformador da arte, mas no construtivo, no sentido de que ela poderia erigir numa nova realidade. Estamos falando dos Estados Unidos pós-guerra, da sua chamada Era de Ouro; país vitorioso, pleno de dinheiro e oportunidades, que desde aquela época fabricava cultura em enormes corporações e a exportava para o mundo inteiro. Nós, brasileiros, compramos toneladas do estilo de vida americano. Sonhamos o American Dream. Trouxemos para cá seus automóveis, fizemos estradas para eles transitarem; construímos Brasília inspirados na razão matemática, nas técnicas de engenharia recém-desenvolvidas, na ordem como método de obter progresso. O trabalho estético, por sua vez, afastou-se da natureza do homem e se direcionou à forma plástica; o espiritual na arte perdeu espaço para superfícies modulares, minimalismos e equilíbrio visual pela repetição de padrões.

Alegra-me saber que, no contemporâneo, esse ideal não se sustenta mais. Filósofos e artistas dedicados a compreender nossos modos de existência não acreditam em transformação ou formação pela arte, mas em desformação. Quer dizer, trabalham o esfacelamento dessas estruturas sólidas que foram sedimentando ao longo do século XX, multiplicando-as em singularidades infinitas. Estrutura familiar, social, governamental, militar, religiosa; hierarquias de todo o tipo, cânones, verdades absolutas que, sacralizadas como estão, já não servem mais, ou seja, não condizem com o nosso dia a dia. Pertencem a outro plano. E, dada sua incompatibilidade com a vida contemporânea, precisam ser revistas, reinventadas, desfeitas, profanadas; reorganizadas para voltarem a operar, se ainda forem pertinentes. Destituir as instituições. Deixar a rigidez mais elástica. Manipular o intocável conforme melhor convier.

Há resistência, entretanto. Embrutecimento. Teimosia. Inclusive nas vontades de mudança. Porque muitas vezes essas vontades apenas retomam procedimentos obsoletos e dão outra volta às mesmas reviravoltas. Quando, na realidade, o que se deseja é sair do circuito; linhas de fuga, trajetos de errância em vez do conforto das certezas.

Exemplo dessa resistência está no filme Malévola [se você não viu, talvez seja melhor interromper a leitura para não ter o final revelado]. Quando o vilão morre, o mal é extirpado e os heróis viverão felizes para sempre – conforme protocolo da Disney –; a princesa é coroada e o povo se reclina a seus pés. Povo que não era povo. Reino que não era reino. Quem se lembra do início da história? Quando os seres mágicos viviam felizes e saltitantes, antes da chegada do homem, que os corrompeu e os infligiu os horrores da sua estrutura sociopolítica. Até então, as fadas e seus amigos viviam com harmonia, pois ninguém era mais privilegiado. Depois, conheceram a ambição, a tentadora ascensão social, a possibilidade da dominação do outro.

No dito "final feliz", os produtores optaram por recriar o conflito principal – o jogo de poder – que provocou todo o drama, envelopando-o de "sonho de princesa". Os personagens não precisavam de governantes, porém os aceitaram, mesmo sabendo que renderiam futuras crises. No geral, é o que costumamos fazer em nossas vidas: permanecer atados ao círculo vicioso que se critica, opõe e autoalimenta.

Perguntaram se gostei do filme. Essa revisão inteira passou pela minha cabeça e a resposta foi negativa, claro. Não gostei. Achei uma pena que não reinventaram a fábula de modo que fizesse sentido no contemporâneo: que provocasse deslocamentos, ruídos; que correspondesse às questões mais urgentes.

A Estética segue seu rumo pelos caminhos mais imprecisos. Enquanto o filme encalhou num daqueles pontos retrógrados em que os blockbusters adoram se firmar.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (3)

Tive muitos amores quando criança, naquele período mágico de descoberta do mundo. A cada nova descoberta um novo amor. É fácil apaixonar-se quando se é inocente. Depois fica tudo mais complexo, mais difícil. Inclusive amar.

O amor de que me lembro agora ficou retido na segunda ou terceira série do primário. Menina branquinha, de olhos levemente puxados e cabelo curto. Linda. Todo amor é lindo enquanto dura.

Não me lembro de ter falado com ela sobre minhas intenções. Claro que não; nem mesmo eu sabia quais eram. Lembro-me apenas de ter relatado um sonho:

Ela, uma espécie meio robótica, com rodinhas nos pés, braços estendidos à frente do corpo, mãos prontas para agarrar e não soltar jamais. Eu, vítima acuada, assustada. Com medo de amar.

Havia uma sirene em sua cabeça, isso foi marcante. Aliás, sirene não, era uma luz giroscópica; uma só, igual nos filmes dos anos 1980, nos carros de detetive à paisana que, de uma hora para outra, entravam em missão e tinham uma luz alaranjada acoplada ao capô.

As rodinhas nos pés davam à Karina ritmo constante, e naquela velocidade baixa, angustiante, ela vinha atrás de mim, chegando cada vez mais perto; não importava o quanto eu corria ela se aproximava mais e mais. A perseguição se dava numa escuridão infinita, sem paredes nem pessoas. Apenas o desconhecido para além de nós dois. Apenas solidão. Eu corria, suava, em pânico. Ela vinha atrás, incansável, impassível. Até que despertei.

Não sei dizer qual foi a reação dela ao sonho. Hoje eu jamais o contaria, por mais que sonhar seja meigo. Ainda que o bizarro seja afeito ao mundo dos sonhos, nem todos o aceitam. Comigo seria diferente? Não sei... seja como for, Karina se foi, e o sonho permaneceu por décadas.

Eu tinha um carrinho de pilhas na época, uma viatura policial futurista. Era azul, e quando batia ficava todo amassado. Pois bastava apertar um botão e a lataria retomava a forma original. Eu adorava. Lembrando dele agora, acho que desvendei a associação feita pelo meu inconsciente enquanto eu dormia. Incrível como nunca tinha me dado conta.

Não saberia dizer se gostava mais do carrinho ou de Karina. Essas coisas não se mediam assim, na época.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

quinta-feira, 12 de junho de 2014

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Da série "O que não é?"

42ª questão:
O QUE NÃO É RESISTÊNCIA?

terça-feira, 10 de junho de 2014

Da série "O que não é?"

41ª questão:
O QUE NÃO É DISSIDÊNCIA?

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Da série "O que não é?"

40ª questão:
O QUE NÃO É VALOR?

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (2)

O primeiro amor de que lembro remonta à minha pré-história; a pré-escola, antes mesmo de apreender a ideia de amor. Mocinha sorridente, dividia comigo o balanço do parquinho, na hora do recreio. Nosso caso ia e vinha sem sair do lugar. Ela nunca percebeu. Eu jamais quis que alguém soubesse. Diziam, meus amiguinhos, que o pai dela era dono do açougue, e cortaria fora a graça de quem se engraçasse com Fabiana. Eu tinha pavor de perder a graça, claro. Meus amiguinhos riam. Mais ligeiros, estavam preocupados com proteger outros interesses. Quando entendi a piada, meu primeiro amor estava distante; distante demais para o tamanho da minha precoce liberdade. Talvez no outro período, talvez na escola ao lado, talvez no quarteirão de cima. Enfim, longe de toda possibilidade de germinar; além de qualquer ilusão em meu remoto deserto de experiências.

domingo, 8 de junho de 2014

Da série "O que não é?"

39ª questão:
O QUE NÃO É ENTRETENIMENTO?
ser
no limite
da incerteza

estar
no fundo
do infinito

mergulhar
no exato
do mundo

deixar
para trás
a indiferença

na superfície
flutuante
do ser

sábado, 7 de junho de 2014

Da série "O que não é?"

38ª questão:
O QUE NÃO É CURA?

COINCIDENTE

o passado
aqui
e agora

o futuro
já – não muito –
adiante

tudo junto e misturado
– com-temporâneo –
num embrulho
só;

pacote inconsistente
dado de presente

sexta-feira, 6 de junho de 2014

"A resistência não se dá de forma frontal, unilateral, nem age na negatividade ou na reação tardia. A resistência é um modo de ser. É uma forma/força de estar imerso no movimento, é perceber-se como acontecimento corporal ativo, é a única possibilidade de tornar-se ação criativa de arte. A resistência é a dobra do ser. E essa dobra é a insistência na diferença, no outro, na produção de singularidades múltiplas."

Ericson Pires
As produções de artes atuais
(em Ensaios Fundamentais: Artes Plásticas – editora Beco do Azougue)

terça-feira, 3 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (1)

Lembro como se fosse hoje daquela menina magrela do colégio. Tinha se tornado um mulherão, enquanto eu continuava com jeito de adolescente. Dei a ela uma carona, estiquei a viagem querendo saber mais. Fazia o quê?, quatro ou cinco anos que a gente não se via? Talvez nem tanto, não lembro bem. Acho que permaneci no mesmo colégio, e ela foi cursar um técnico. Disse que namorava, trabalhava, essas coisas que só fui descobrir mais tarde. Eu ia pra faculdade e dirigia o carro de minha mão no outro meio período, para cima e para baixo, e só.

Foi assim também nosso papo, cheio de altos e baixos. Estranho. Ela com receio da carona – estava na cara que eu a desviava do caminho; eu curioso, cheio de expectativa – ela ficava muito bem naquele uniforme.

Disse que estava resolvida. O namorado era do interior, filho de gente bem de vida, eu soube depois. Queria transferir para lá seu emprego de professora da prefeitura, pré-escola. Dava aula para criancinhas, adorava. Imaginei a cena repetidas vezes, sem acreditar na veracidade dela. Seu sonho era casar, fazer uns filhos e viver com a família longe da loucura da capital.

Achei um absurdo, mas não disse nada. Como uma garota de vinte anos sonha assim? Eu queria enrolar a faculdade, sem pressa, mochilar seis meses pela Europa, ficar rico e fazer qualquer coisa legal durante o resto da vida, quando desse vontade, caso desse vontade. Ela queria filhos e uma casinha no interior. Só isso. E tinha certeza.

Uns tempos depois, descobri que o tal namorado era gente muito rica. Mais velho, talvez uns dez anos, filho de fazendeiro, devia ser algo assim. Não vi filhos nem casinha, vi fotos do Mediterrâneo. Estados Unidos também. Caribe, acho. Ela postou no Facebook. Eu virava noites num estágio cujo 'salário' não pagava transporte nem alimentação. Morava com meus pais. Tinha vinte e cinco, vinte e seis anos, se me lembro direito. Ela viajava o mundo às custas do maridão. Tirava fotografia com taça de champanhe. Grécia, Itália, Turquia. Tudo de barco. O cara tinha jeito de cafajeste, desses que têm esquema com polícia. Careca, um porre. Ela continuava linda, mais linda ainda sem o uniforme de tactel. Só que, não sei... perdeu o encanto. Acompanhei as fotos durante uns meses. Depois a deletei dos meus amigos.

(DES)FORMAÇÃO CONTEMPORÂNEA

Masterpiece (1962), de R. Lichtenstein

Roy Lichtenstein acreditava, nos anos 1960, que a arte não deveria transformar nada, no sentido de "mudar o mundo", conforme o ideal modernista que sucumbiu nas guerras mundiais. Isso não seria "função" da arte, se é que ela pode ter finalidade além de si própria. Para ele, a arte não transformava, apenas formava.

Hoje não cabe afirmar o mesmo. Essa espécie de vontade construtiva se esgotou. Nem transformação nem formação; o interessante, no contemporâneo, é a desformação. O desvio. O dissenso. A errância. A transversalidade. A transgressão. A profanação. A possibilidade de experimentar, por meio da obra – seja ela do tipo que for –, a experiência em si. O ato. O gesto. Experimentar a vida, a proximidade da vida com a arte que por vezes as torna indiscerníveis.

Desconstruir conceitos, desfazer estruturas tradicionais, esfacelar verdades absolutas. Revelar possibilidades. Inventar atitudes pertinentes às demandas de agora. Estabelecer diálogos. Colocar novas formas em operação. Sem razão ou brutalidade, sem informação ou conformismo.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

SP PRETO E BRANCO

Fotografia de Carlos Moreira, publicada pelas Edições Sesc em livro que leva o nome do autor
e reproduzida na revista do Sesc de maio de 2014

terça-feira, 20 de maio de 2014

ROMANCE SINCERO

Se eu escrevesse um romance sincero, começaria com uma frase lida em Formas de voltar para casa, de Alejandro Zambra (p. 60): "Este romance devia ser escrito por outra pessoa. Eu gostaria de lê-lo".

Com isso, isentaria a mim próprio – ou ao menos mostraria intenção de me isentar – de tudo aquilo que o autor dissesse. Não quero participar das ocorrências, não quero ser cúmplice de meus algozes.

É sobre isso que gostaria de escrever, sobre um romance que não deveria ser escrito – ou melhor, sobre um romance que não deveria ter sido escrito por mim.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

ANTES DE ATIRAR UMA OPINIÃO CONVÉM SABER:

Rero [trabalho exposto na Caixa Cultural de SP]

Quem é? De onde veio? O que faz? Como faz? O que deseja? Como gostaria que fosse? Para onde vai? Como se sente? Do que precisa? Do que gosta? O que tem? Como obteve? O que falta? Como se chama? Como é chamado? Como se vê? Como os outros o veem? Como pensa que é visto? Como compartilha? Por que é assim? Como se define sua situação? Quais preconceitos estão implícitos nisso? Essa definição serve para alguma coisa? O que está em volta? Onde vive? Que território habita? Que coisas possui? Que coisas o possuem? Qual é o sentimento? Quem está junto? Quem se afasta? Quem não veio? Quem já se foi? De quem sente saudade? Como pode? O que pode e o que não pode? Por que não pode? O que pode mas não consegue? O que não pode mas se dá um jeitinho? Quem é [você] que olha? Por qual ponto de vista / perspectiva? Qual é a relação que se estabelece? Que ideias já vieram formadas antes do encontro? Quais delas permaneceram? Quais ideias se desfizeram? Quais processos estão em operação? O que está dado? O que está implícito? O que foi soterrado? Que corpo é esse? Que gesto produz? Como se expressa? Escreve, pinta, canta, dança? Como se coloca no mundo? Em que situação se impõe? Que situação é imposta a ele? Quando é ignorado? Qual é a sua cor? Qual é o seu cheiro? Como é tocá-lo, qual é a sensação? Como se sente quando tocado? Que vontade surge quando está por perto? Do que lhe faz lembrar? O que sente quando se distancia? Onde está sua força? Onde está o seu olhar? O que pensa do mundo? Como administra a vida? Em que lugar dorme? Em que lugar acorda? Com quem? O que comeu ontem? O que bebeu? De que alimentos gosta mais? Tem mãe, pai, filhos, irmãos, animais de estimação, família de qualquer gênero, raça, cor, imaginação? Qual é o seu bicho favorito? Com o que sonha? Quais são os seus medos? Como se imagina daqui a dez anos? Já dirigiu um carro? Já andou de moto? Avião? Navio? Já pescou? Pratica esporte? Torce para algum time? Como foi parar ali? Vive do quê? Trabalha? Qual é o seu talento? Para que coisa não leva o menor jeito? Tem apelido? Conta bancária? Sabe cozinhar? Toma conta de alguém? Alguém cuida dele? Como se sustenta? O que aprendeu? Frequenta ou frequentou escola? Quais assuntos mais interessam? O que gostaria de saber? É bom de matemática? Português? Geografia? Filosofia? Para que lado fica o seu norte? Quais são as suas condições? O que pensa quando vê as estrelas? Qual é a sua cor favorita? Gosta mais de calor ou de frio? Conhece o mar? Sabe nadar? Visitou o zoológico? Sabe andar de bicicleta? Patins? Cavalo? Qual é a sobremesa preferida? E prato salgado? Aliás, prefere salgado ou doce? Sorvete de massa ou picolé? Gosta de ler? Qual foi o livro mais marcante? Vai ao cinema? Drama, comédia, ação ou suspense? Documentário? Com que frequência? Qual é o seu melhor amigo? Como se sente em dias nublados? Quando foi ao médico pela última vez? Dentista? Sente-se bem? Alguma queixa? Conhece os parques da cidade? Os museus? Qual é o seu favorito? Gosta de algum artista em particular? Cantor? Frequenta teatro? Já assistiu a uma peça de Shakespeare? Gosta de música? De que tipo? Qual canção arranca suspiros toda vez que se ouve no rádio? Qual banda ainda quer ver ao vivo? Qual foi a última vez que viu uma? Qual foi a mais legal? Dança sozinho ou em par? Em grupo, talvez? Sabe o que é amor? Ama? É amado? Foi amado? Faz amor? Qual foi a última vez? Que tipo de amor? Gosta de flores? Quais? Gostaria de enviar algum recado, tem algo a manifestar? Tem vontade de quê? Como se veste? Já usou gravata borboleta? Tem religião? Acredita em Deus ou coisa similar? Qual? Como? Por quê? Acredita em vida após a morte? Gostaria de ser cremado ou enterrado? Doará órgãos? Já tomou banho em banheira? E banho de rio? Para onde vai quando quer se esconder, pode dizer? Ou quando vai descansar? Para onde gostaria de ir? Onde costuma passear? Que cidades gostaria de visitar? Qual celebridade gostaria de conhecer pessoalmente? Mesmo? Por quê? O que diria na ocasião? Sabe contar piadas? Qual é a sua lembrança mais feliz? Qual é a mais triste – fique à vontade para não responder, se preferir. Está à espera de quê ou de quem? Já infringiu alguma Lei? Acredita em ética? Já arrancou um dente do siso? Qual é a cor dos olhos? Dos cabelos? São lisos ou crespos? Admira alguém? Algum ídolo? Por quê? Gostaria de ser mais feliz? Já morou fora do país? Em outra cidade? Outro bairro? Gostaria de experimentar? Onde? Está apaixonado? Cadê a poesia? Como o seu sensível se manifesta? Qual é o aspecto político? Por sinal, o que pensa da política? Como participa? Como se sente na sociedade? Pertencente? Quais são os encontros e as conexões? Tem algo a propor? Algo de que reclamar? O que produz? O que se perde? O que resta? O que gostaria de dizer, de livre e espontânea vontade? O que prefere deixar subentendido? O que não pode ser dito?

[para ajudar na construção de um pensamento crítico]

sábado, 17 de maio de 2014

DEVIR = INVOLUIR

Não há passado nem presente nem futuro.
Agora não há ideia de história. Não há História.
Não há hierarquia. Somente historietas, contos, causos.

Devir diz repeito a desfazer.
Escapar dos excessos. Das finalidades. Da objetivação.
Esfacelar as exigências do sistema de produção.
Resistir, transpassar, refratar.

Há potência da suspensão de sentido.
Uma vontade muito grande de acolhê-la.
Acolher essa potência, esvaziar o mundo.
Aceitar e respeitar seus buracos.
As fendas, as lacunas.

Provocar curto-circuitos. Desvios. Errâncias.
Vagar por linhas erráticas, linhas de fuga.
Rastrear o campo. Suspender o tempo.
Silenciar.

*Palavras apropriadas de Peter Pál Pelbart. Que se apropriou das palavras de Fernand Deligny. Que se apropriou das palavras de quem não precisava delas para existir.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

O AMOR É UMA CONSTRUÇÃO

Na imaturidade do amor, imaginava situações de perigo, querendo ser herói, querendo que a bravura conquistasse a mulher amada. Como nos filmes de Hollywood ou nos romances de cavalaria. Todo homem já quis ser herói. Todo homem sonhou que, num ato de bravura, conquistaria a frágil dama em perigo, sua princesinha trancafiada na torre. E algo me diz que toda mulher também já quis ser princesa. Coisa de criança que às vezes persiste a vida inteira. [Fantasia?] Como se a mulher viesse até nós por conta de um mal que a aflige. Como se precisasse de nós. No fundo é um pensamento machista. Mas na superfície é só ingenuidade mesmo. O heroísmo do dia a dia é muito diferente. Ele existe de maneira tão sutil que nem sempre se faz notar.

Quando conheci você não havia King Kong, prédio em chamas, floresta sem fim. Nenhum risco iminente a meu favor. A fantasia se assumiu como realidade e me enganou. Fiquei inerte, sem saber como agir. Não tinha sido instruído a lidar com os desafios do cotidiano. As fábulas não eram tão literalmente banais. Nós trabalhávamos juntos. E só.

Se o desafio não era salvá-la da torre, qual seria? Como eu poderia ser herói? Precisava descobrir as suas fantasias. Torná-las realidade. Pois todos se permitem ficcionar, ainda que nem sempre se deem conta.

Suas fantasias diziam respeito a conquistar independência, sucesso profissional, constituir família. Você não queria – não precisava – de um príncipe encantado, mas de um companheiro de carne e osso. Talvez nem soubesse que era assim. Fez a bravura ganhar outro significado. A coragem se mostrar nas questões mais simples. Era um desafio maior do que eu imaginava. Topei porque acreditava no desconhecido, naquilo ainda por se fazer. Você também topou. Nós.

* * *

Em nossa relação, nunca vi motivo para deixar de ser o que sou. O que fui. Seria fácil chegar aqui e dizer que mudei, aprendi, tomei outro rumo depois que lhe conheci. Aconteceu, admito. Foi bom. Mas eu mudei sem que existisse tal cobrança. No geral, não existiu. De nenhum dos lados.

O que sempre me fez apostar nessa relação é que um respeita o outro e o outro respeita o um do jeito que somos. Já lhe disse uma porção de vezes. Quase nos confundimos sem desperdiçarmos nossa individualidade. Discordamos quase sempre de quase tudo. Somos nem iguais nem diferentes.

Poder discordar e ainda assim sustentar a relação é muito bonito. E muito difícil. Só dá certo porque não queremos que o outro mude pelo um – ou às vezes até queremos, humanos que somos, porém não exigimos. A vontade de um não pode ser condição.

Nas entrelinhas desse acordo silencioso, as coisas foram se transformando a seu bel-prazer. Acontecendo. A relação foi se reformulando. Porque o amor não é uma solidez, uma entidade inerte, superior a todas as outras. Isso é fantasia. Enquanto o amor é uma construção. Não está pronto nunca; ele se faz no dia a dia. Não pertence a nós; ele depende de nós. Existe por nossa causa, por tudo o que fazemos; através de nós, dentro e fora, numa troca incessante.

Mudei muito nesses últimos anos. Não porque você exigiu, mas por sua causa, em sua causa, para fazer você feliz. Para me adaptar àquilo que inventávamos, num improviso só. Por vontade nossa. Misturei-me às suas fantasias, fiz de algumas delas minhas também. Seus planos começaram a me constituir. E as minhas ficções tinham você no elenco. O espetáculo já não poderia se realizar sem a sua companhia.

Juntos aprendemos que o amor não precede. Primeiro vem um desejo, uma disposição. Depois vem a dedicação, o esforço, a mão na massa. E assim o amor cresce todo dia. A gente mistura, sova, espera crescer, sova de novo, põe no forno, sente o prazer de fazê-lo, o aroma, o sabor. Usufruímos do amor.

Não tem nada a ver com cavalo branco, predestinação, metade da laranja, vestido de noiva. Isso tudo é ingenuidade. Faz parte de uma fantasia instituída distante do afeto, do sentimento e da vontade de construção. A bravura do amor está no dia a dia, no esforço para estar junto, tomar café da manhã; está nos emoticons de celular, na preocupação, nas compras de supermercado, nas surpresas, nas conversas sérias e nas levianas, nos desabafos, risos e saudades. No silêncio confortável. Em sustentar tensões e tesões. Está no abraço acolhedor, no beijo de boa noite, na presença. Concessões e consentimentos. Habitar e ser habitado. Movimentação entrosada. Nessas pequenas coisas que vamos construindo cotidianamente. Porque a gente quer. Porque optamos por fazer assim. Porque você me ama e eu sei. Porque eu amo você.

* * *

Eduardo A. A. Almeida e Juliana L. Andrucioli se casaram no último 26 de abril. Este texto é dedicado a todos os casais que tomaram a mesma decisão. Simplesmente porque acreditam que vale a pena.

sábado, 26 de abril de 2014

Da série "O que não é?"

37ª questão:
O QUE NÃO É ENVOLVIMENTO?

sexta-feira, 25 de abril de 2014

quarta-feira, 23 de abril de 2014

HIPOCRISIA MIDIÁTICA

O sujeito atira para matar, as câmeras mostram tudo ao vivo, e os jornais, revistas, rádios etc. o chamam de 'suspeito'. Criminoso não, bandido não, é suspeito. Ao mesmo tempo em que alguém vai para uma manifestação qualquer, quebra uma coisa qualquer e, mesmo sem saber de quem se trata e de por que quebrou, a mídia o chama de vândalo. Acho esse comportamento muito suspeito.

domingo, 20 de abril de 2014

sábado, 19 de abril de 2014

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Da série "O que não é?"

 33ª questão:
O QUE NÃO É APRENDIZADO?

quinta-feira, 17 de abril de 2014

quarta-feira, 16 de abril de 2014

TUDO QUE PENSO

tenho vontade de escrever
tudo que penso
e essa impossibilidade
angustia

por quê?
a fim de quê?

é uma vontade boba
pois tudo que penso
está cá registrado
nalgum lugar
todinho meu

lugar aberto
a quem quiser
visitar,
revisitar

na porta, a poética
dos livros de ouro
recebe os chegados,
marca a passagem

onde público e privado
se misturam
em gentilezas
literalmente
faladas,
pensadas,
compartilhadas

ainda assim escrevo
minhas vontades
a fim de quê
não sei

não saber
é bom também
escrever, impreciso
Da série "O que não é?"

31ª questão:
O QUE NÃO É CRÍTICA?

terça-feira, 15 de abril de 2014

segunda-feira, 14 de abril de 2014

domingo, 13 de abril de 2014

sábado, 12 de abril de 2014

Da série "O que não é?"

27ª questão:
O QUE NÃO É CORRUPÇÃO?

sexta-feira, 11 de abril de 2014

quarta-feira, 9 de abril de 2014

A constante possibilidade de violência já é uma violência em si.

domingo, 6 de abril de 2014

sábado, 5 de abril de 2014

sexta-feira, 4 de abril de 2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

quarta-feira, 2 de abril de 2014

terça-feira, 1 de abril de 2014


"Todos os hospitais psiquiátricos eram semelhantes, prédios vitorianos de aparência discreta, nos quais o instrumento terapêutico era indistinguível do equipamento de punição. Uma prisão, um hospício, um quartel – cada uma dessas instituições podia converter-se rapidamente em outra. Um programa de tratamento era um programa de correção. Qualquer um daqueles prédios era um hospício em potencial."

Geoff Dyer, Todo Aquele Jazz (referindo-se à esquizofrenia de Bud Powell)
Da série "O que não é"

20ª questão:
O QUE NÃO É IRONIA?

"Queriam que eu fizesse esculturas aqui. E, vendo que não conseguiam, me impuseram todo tipo de aborrecimento. Nestes momentos de festas, penso sempre em nossa querida mamãe. Eu não a revi desde aquele dia quando vocês tomaram a funesta resolução de me enviar a um asilo de alienados."

Carta de Camille Claudel ao irmão Paul (dezembro de 1939)

segunda-feira, 31 de março de 2014

ETC.


Vira e mexe ouvimos falar de mundo plural, sociedade conectada, diminuição de distâncias, reformulação do tempo e das relações interpessoais. As gerações recentes estão mais interessadas numa oportunidade de futuro imediato, tecnológico em especial, do que em sustentar tradições. São ávidas pelo novo. Nem certa nem errada, essa característica tem pontos positivos e negativos, e aos poucos uma espécie de equilíbrio oscilante se põe em operação. O desafio consiste em fluir/fruir com eles sem efetuar uma "divisão policial do sensível" (Jacques Rancière).

Um daqueles pontos, que acredito ser positivo, é a desformação do "especialismo", levado a extremos tão afunilados que resultou em pessoas aptas a exercer uma tarefa específica, excludente e limitada. Em outras palavras, forma-se profissionais embrutecidos por uma lógica de dominação do assunto, desejando se tornarem singulares. Com efeitos colaterais: o médico especialista em ortopedia que não reconhece um problema de pele; o técnico especialista que se torna desnecessário quando um software passa a executar seu trabalho, abandonando-o sem possibilidade de adaptação. Um foco tão acurado, tão aproximado, que impede a visão do redor – quem dirá do universo!


No contemporâneo, essa lógica se esfacela. E para pensar a respeito gosto de me apoiar no que Ricardo Basbaum chama de "artista-etc." A proposta pode ser ampliada a toda atividade profissional, campo do saber ou prática cotidiana; não deve ficar restrita à arte. As "pessoas-etc." são aquelas que não se moldam facilmente em categorias, e por isso não devem ser rotuladas, com risco de diminuí-las, de não fazer jus às suas qualidades. É da multiplicidade – e na multiplicidade – que sobrevivem, conectam-se, produzem. Em vez de fadadas a uma especialidade, elas estão abertas a experiências diversas, que atravessam territórios nem sempre bem relacionados. Irrompem não-lugares, expressam-se a partir da fronteira, das tensões e das ambiguidades da interface.

Um exemplo prático ajuda a esclarecer a ideia: neste semestre, trabalhamos o "etc." com uma turma de graduação em Terapia Ocupacional da USP. Além de aprender o que o terapeuta sabe e fazer o que o terapeuta faz, propomos que eles se permitam agregar outras funções, não necessariamente úteis. Que se expandam na direção da vida comum em vez de entalarem num gargalo da carreira.

Que se façam terapeutas-enfermeiros, terapeutas-artesãos, terapeutas-esportistas, terapeutas-amigos, terapeutas-gestores, terapeutas-cozinheiros, terapeutas-etc. Tudo ao mesmo tempo, tudo misturado. Por quê? Para lidarem com situações da prática terapêutica com desenvoltura, criatividade e atitude transformadora. Para que o conhecimento não fique restrito àquele da própria área, sustentando a mesma lógica, resistindo às demandas inéditas sem qualquer argumento senão o do tradicionalismo per si. E também para que se permitam experimentar, simplesmente, sem a sombra do sentido, da explicação racional, da justificativa exigida, da neurose de ter, na ponta da língua, o "para quê serve", o "para quê sirvo".

Terapeuta-inventor, engenheiro-filósofo, fotógrafo-arquiteto, advogado-músico, químico-místico, jornalista-cavaleiro, matemático-escritor, médico-mecânico, publicitário-cineasta. E assim por diante. Esses profissionais ampliam suas redes, adaptam-se com maior facilidade às situações impostas, desmancham fronteiras, deparam-se frequentemente com o novo, provocam, surpreendem, reinventam modos de ser, de agir e de pensar.


Como formar esse tipo de pessoa? É uma questão importante. Porque elas não se formam – no sentido iluminista de "dar forma", que adota como fundamento a perfectibilidade do espírito, a unidade do gênero humano, a universalidade dos valores e o aprimoramento infinito do homem e do mundo (Celso Favaretto), numa espécie de escala/escola evolutiva. Não se pressupõe uma forma final, um acabamento, como se a educação pudesse ter uma finalidade esclarecida e pré-determinada.

Não se ensina ninguém a ser "etc.", muito menos se especifica que múltiplo o constituirá. O desafio está, justamente, em não impor um sistema, mas desformá-lo, desenformá-lo, destituí-lo. Ao invés de ensinar o pré-formulado – a doutrina –, a proposta é oferecer condições para que cada pessoa encontre sua aptidão, desenvolva suas conexões, alargue seus limites na direção que achar conveniente, sem receio de errar. Trata-se de provocar a construção de um pensamento crítico. "Um modo de problematização que não procede por efeitos de ultrapassamento, de superação e nem de progresso, mas antes, de reativação da atitude crítica do permanente da atualidade" (Favaretto).

Fazemos isso multiplicando linguagens. Porque o terapeuta sabe que a razão não dá conta do humano. Existem muitas camadas embaixo dela que operam num regime de sensibilidade. Pois é incentivando esse sensível, apreendendo linguagens e criticando o redor que se pode desenvolver uma atitude condizente com o contemporâneo.

Tal desenvolvimento exige dedicação, acolhida e nutrição – precisa ser cuidado com carinho para que seu potencial esteja livre. Um tipo de curadoria – no lugar da disciplina, que é um termo importuno, principalmente quando associado à educação. É preferível o descaminho, a destituição, o desfazimento. O dissenso no lugar do ensino moralista, pautado na transmissão de valores.

Aquilo que está soterrado pela lógica embrutecedora aos poucos emerge na busca por emancipação (Rancière). E é como lugar de agenciamento que a arte pode contribuir.

Não sei dizer até que ponto os especialistas continuarão operando. Posso afirmar apenas que, no contemporâneo, é para os "etc." que devemos olhar. Tudo o que de mais interessante está por vir tende a brotar dali.

*Diagramas de Ricardo Basbaum ilustram este texto.
Da série "O que não é"

19ª questão:
O QUE NÃO É VIOLÊNCIA?

domingo, 30 de março de 2014

sábado, 29 de março de 2014

sexta-feira, 28 de março de 2014

quinta-feira, 27 de março de 2014

Da série "O que não é"

15ª questão:
O QUE NÃO É CORRETO?

OS SISTEMAS IDEOLÓGICOS SÃO FICÇÕES

“Os sistemas ideológicos são ficções (fantasmas de teatro, diria Bacon), romances – mas romances clássicos, bem providos de intrigas, crises, personagens boas e más (o romanesco é coisa totalmente diversa: um simples corte instruturado, uma disseminação de formas: o maya). Cada ficção é sustentada por um falar social, um socioleto, ao qual ela se identifica: a ficção é esse grau de consistente que uma linguagem atinge quando pegou excepcionalmente e encontra uma classe sacerdotal (padres, intelectuais, artistas) para a falar comumente e a difundir.

‘[...] Cada povo tem acima de si um tal céu de conceitos matematicamente repartidos, e, sob a exigência da verdade, entende doravante que todo deus conceitual não seja buscado em outra parte a não ser em sua esfera’ (Nietzsche): estamos todos presos na verdade das linguagens, quer dizer, em sua regionalidade, arrastados pela formidável rivalidade que regula sua vizinhança. Pois cada falar (cada ficção) combate pela hegemonia; se tem por si o poder, estende-se por toda a parte no corrente e no quotidiano da vida social, torna-se doxa, natureza: é o falar pretensamente apolítico dos homens políticos, dos agentes do Estado, é o da imprensa, do rádio, da televisão; é o da conversação; mas mesmo fora do poder, contra ele, a rivalidade renasce, os falares se fracionam, lutam entre si. Uma impiedosa tópica, regula a vida da linguagem; a linguagem vem sempre de algum lugar, é topos guerreiro.”

Roland Barthes
O prazer do texto

quarta-feira, 26 de março de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

domingo, 23 de março de 2014

sábado, 22 de março de 2014

Da série "O que não é"

11ª questão:
O QUE NÃO É COMPARTILHAR?

sexta-feira, 21 de março de 2014

quinta-feira, 20 de março de 2014

quarta-feira, 19 de março de 2014

terça-feira, 18 de março de 2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

quarta-feira, 12 de março de 2014

"Se até mesmo de um artista se cobram 'mensagens' e 'posicionamentos', quanto mais de um professor! (E o que parece não passar pela cabeça dos que cobram 'posicionamentos' é o quanto essa cobrança tem de imobilizante, de ordenadora, de controladora – portanto, de antiprogressista.)

(…) O discurso de Barthes, não sendo uma fala magistral mas uma escritura, nunca é uma ameaça de opressão, mas um convite ao jogo."

Leyla Perrone-Moisés
(a respeito da Aula, de Roland Barthes)
Da série "O que não é"

4ª questão:
O QUE NÃO É MANIFESTAÇÃO?

terça-feira, 11 de março de 2014

segunda-feira, 10 de março de 2014

MUSEUS: TRADIÇÃO / REINVENÇÃO

Clique na imagem para ampliá-la

Adorei este comparativo entre 'tradição' e 'reinvenção' dos museus. É assunto para muito debate.

Dá para ver a imagem original, entre outras matérias, aqui: Revista Select [ano 4, ed. 16, fev./mar. 2014]
Da série "O que não é"

2ª questão:
O QUE NÃO É AMOR?

quinta-feira, 6 de março de 2014

O QUE NÃO É?

Penso em começar uma série de questões. Batizada "O que não é?" Porque é costume definir as coisas, botar cada uma em sua gaveta, no tal "devido lugar". Arte é isso, amor é aquilo, política é assim, pessoas são assado. Será possível pensar pelo inverso? Será que ele leva às mesmas conclusões?

1ª questão: O QUE NÃO É PRECONCEITO?

quarta-feira, 5 de março de 2014

A MINHAS OBRIGAÇÕES

Este trecho seria perfeito para a manhã de hoje, quarta-feira de cinzas. Só que eu estava trabalhando e não podia lê-lo, o que é uma pena. Também uma doce ironia.

A todos tenho que dar algo 
a cada semana e cada dia, 
um presente de cor azul, 
uma pétala fria do bosque, 
e então de manhã estou vivo 
enquanto os outros mergulham 
na preguiça, no amor, 
eu estou limpando minha redoma, 
meu coração, minhas ferramentas.

Pablo Neruda, Navegações e Regressos

BOLO DE ROLO

Na última vez que comprei bolo numa dessas casas especializadas, era sexta-feira e o lugar estava movimentado. Enquanto aguardava na fila, ouvi a atendente explicar para um homem que não havia mais bolos em estoque, apenas encomendas.

"Quanto você quer por um desses bolos encomendados? Eu pago", disse o cidadão. A atendente demorou um tempo para entender a proposta e, quando caiu em si, explicou que os bolos não estavam à venda, e ficaria feliz por fazer uma encomenda para ele na próxima vez. O homem bufou e saiu da loja batendo o pé feito criança contrariada.

Não me surpreenderia se esse cliente fosse o primeiro a querer ver os mensaleiros presos pelo resto da vida.

Isso não significa que desejo a liberdade para aqueles criminosos. Alguém duvida que o STF fez uma manobra política lastimável para livrar a cara deles? Desejo, sim, que todos os corruptos e corruptores sejam devidamente condenados pela falta de ética de seus atos. Inclusive aqueles que os praticam em lojas de bolo.

domingo, 2 de março de 2014

GENTE DE BEM

Casa de Brodowski (1943), de Candido Portinari

A vizinha tinha certeza de que havia uma família naquela casa, porém não sabia o que ruíra primeiro. Que tenha sido a família!, disse com certa compaixão. Mas logo deu de ombros, preocupou-se com a panela no fogo e encostou a porta. Ouvi dois trincos serem acionados e averiguados para evitar novo incômodo.

Outro vizinho mencionou parentes no exterior. Eles poderiam me ajudar. Exterior onde? Não sabia. Deve ser Estados Unidos, muita gente quer ir pra lá. Quem pode vai. Ainda mais nesses tempos de agora, essa confusão toda acontecendo. Perguntei da família que morava ali. Ele não tinha muita informação, e a maior parte era inventada. Diziam que havia brigas, parece que o casal não se entendia direito, descontavam tudo nos moleques, coitados. Parece que o marido não era muito chegado no batente, veja só o estado que a casa ficou, um desleixo só, nem se aguentou de pé! Parece que a mulher era da vida, andou de graça com um sujeito do bar ali debaixo, foi o que disseram. Ficou desmoralizada. Parece também que os moleques nunca iam pra escola, ficavam à toa por aí. Esse negócio de ficar à toa não dá certo não. Não é coisa de gente de bem. Onde já se viu?

Um jornal da época estampava, na primeira página, a casa no chão, do mesmo jeito que estava hoje, como se tivessem acabado de fotografar. Tragédia: casa desaba e moradores permanecem soterrados. O texto dizia que até o fechamento da edição as buscas permaneciam sem sucesso, e que os bombeiros trabalhavam duro com auxílio de cães sem jamais abandonarem a esperança. Dava para ver também um monte de curiosos ao redor dos escombros.

Nos dias seguintes veio uma atriz de novela gravar publicidade no coreto da central, aquilo mexeu demais com a cidade, todos ficaram alvoroçados. Depois começou o Carnaval e não encontrei qualquer outra notícia sobre o ocorrido.

Segundo o registro na delegacia, a casa desabou sem ninguém dentro. Não havia detalhes. Cidade pequena, sem peritos para investigar, ficou por isso mesmo. Ninguém tampouco apareceu para reivindicar seus direitos, coisa que não surpreendia; muita gente larga a vida aqui pra se arranjar na capital. O policial começou a desconfiar do meu interesse no assunto e preferi recuar antes que encontrasse suspeito de um crime que sequer existiu.

A dona do mercadinho chamou o casal de excêntrico. Vinham pouco, compravam rapidinho, não puxavam assunto. Pagavam direitinho, nunca pediram fiado. Deviam ter muito dinheiro. Achava que tinham vindo para tratar alguma doença, essas coisas de cidade grande, sabe? Pra repousar. Tinham ficado maluquinhos com a correria, a violência, o trânsito. Ela via TV, sabia como era. Uma loucura, não tem como aguentar muito tempo. A moça era bonita. Não sorria muito, tadinha. Mas era bonita mesmo assim. Perguntei da casa. Não sabia, nunca tinha ido lá ver. Diziam ser uma casa muito engraçada, não tinha nada. Talvez meu marido possa ajudar, ele deu um pulinho ali e já volta. Se você quiser esperar, à vontade.

Na última vez que voltei à rua, um velho lavava a calçada com sua mangueira molenga. Logo se pôs a papear. Eram boa gente, sabe? Nunca incomodaram, nunca fizeram escândalo, ficavam vivendo a vida deles. Gente discreta, só isso. Gente de bem. Dizem que tinham uns probleminhas aí, mas isso todo mundo tem, certo? Se cada um cuidasse do próprio umbigo, a vida seria mais fácil.

Perguntei se o casal trabalhava, o que faziam na cidade, como era a rotina. Sei não. Nunca falei com eles. Ficavam aí, saíam pouco, acho que trabalhavam em casa mesmo. Tinham dois filhos, dois meninos. Eles brincavam no quintal. Acho que tinham problema de dinheiro, talvez dívida no banco. Ouvi mais de uma vez os dois discutirem, gritaram alto, essas coisas de marido e mulher. Só que com essa distância não dava pra saber do que falavam, e eu também não ia me intrometer. Acho que era dívida porque a casa foi deteriorando e eles não davam jeito. Teve um vendaval aí que arrancou as telhas e eles deixaram assim mesmo, tudo esburacado. Teve o muro que cedeu ali do lado, tá vendo?, e ficou caído lá. O mato cresceu, os meninos deixaram de bagunça. Pelo menos eu não vi mais. A pintura mofou, o portão todo enferrujado. Lâmpada que não acendia mais, parede trincada por todo canto. Até que aquela noite fez um barulho danado e, quando eu cheguei aqui, a casa tava no chão. Vieram os bombeiros, teve gente que chorou, tinha carro de imprensa, foi uma coisa de doido. Uma balbúrdia. Todo mundo muito triste. Pensar que gente tão boa podia morrer desse jeito?

Sim, é verdade, não encontraram nada. Eu disse pra eles, na ocasião, que não tinha mais ninguém morando ali. Ninguém tinha certeza, mas só podia ser. Fazia tempo que não via nem ouvia ninguém. Acho que se mudaram. É difícil fazer mudança sem ninguém ver, né? Mas acho que fizeram sim. Sei lá. Tem gente que diz que a família morreu junto com a casa, que morreu antes, que morreu depois. Tem gente que fala em milagre, outros falam em assombração. Eu não acredito nessas bobagens não. O povo fica inventando coisa. Se as autoridades disseram que tá tudo certo assim é porque tá tudo certo mesmo, isso é fato. Quem sou eu pra duvidar?


Ps.: Não tem nada a ver com o texto, mesmo assim aproveite e visite o site do Projeto Portinari [de onde tirei a imagem acima], que é excelente: www.portinari.org.br

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

“A ‘inocência’ moderna fala do poder como se ele fosse um: de um lado, aqueles que o têm, de outro, os que não o têm; acreditamos que o poder fosse um objeto exemplarmente político; acreditamos agora que é também um objeto ideológico (...). E, no entanto, se o poder fosse plural (...)? Adivinhamos então que o poder está presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio social: não somente nos Estados, nas classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espetáculos, nos jogos, nos esportes, nas informações, nas relações familiares e privadas, e até mesmo nos impulsos libertadores que tentam contestá-lo: chamo discurso de poder todo discurso que engendra o erro e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o recebe.”

AULA
Roland Barthes

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

FEITO

cidadão de bem

muito lugar
comum

muitos lugares
como
se muitos
fossem
bons

como se
muito fosse
bem

muito bem, muito bem

tapinha nas costas
tapa na oreia

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A IMAGEM INTOLERÁVEL


"É preciso pôr em causa a opinião corrente segundo a qual esse sistema nos submerge numa vaga de imagens em geral - e imagens de horror em particular -, tornando-nos assim insensíveis à realidade banalizada desses horrores. Essa opinião é amplamente aceita porque confirma a tese tradicional de que o mal das imagens está em seu número, na profusão que invade sem possibilidade de defesa o olhar fascinado e o cérebro amolecido da multidão de consumidores democráticos de mercadorias e imagens. Essa visão pretende ser crítica, mas está perfeitamente de acordo com o funcionamento do sistema. Pois os meios de comunicação dominantes não nos afogam de modo algum sob a torrente de imagens que dão testemunho de massacres, fugas em massa e outros horrores que constituem o presente de nosso planeta. Bem ao contrário, eles reduzem o seu número, tomam bastante cuidado para selecioná-las e ordená-las. Eliminam tudo o que possa exceder a simples ilustração redundante de sua significação. O que vemos, sobretudo nas telas de informação de televisão, é o rosto de governantes, especialistas e jornalistas a comentarem as imagens, a dizerem o que elas mostram e o o que devemos pensar a respeito. Se o horror está banalizado, não é porque vemos imagens demais. Não vemos corpos demais a sofrerem na tela. Mas vemos corpos demais sem nome, corpos demais incapazes de nos devolver o olhar que lhes dirigimos, corpos que são objeto de palavra sem terem a palavra. O sistema de Informação não funciona pelo excesso de imagens, funciona selecionando seres que falam e raciocinam, que são capazes de 'descriptar' a vaga de informações referentes às multidões anônimas. A política dessas imagens consiste em nos ensinar que não é qualquer um que é capaz de ver e falar. E essa lição é confirmada de maneira prosaica pelos que pretendem criticar a inundação das imagens pela televisão."

Jacques Rancière
O ESPECTADOR EMANCIPADO
[A imagem intolerável]


EQUAÇÃO DOS AFETOS

o que se mede
não tem fim
que se define
assim

mate-
mática

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

POT-POURRI (À MODA DA CASA)

Pot Pourri (1897), Herbert James Draper

cenas cruéis
com requintes
de humanidade

cenas vulgares
com pitadas
de piedade

cenas finais
com leves toques
de eternidade

cenas irônicas
recheadas
de ambiguidade

cenas profanas
à moda
da artificialidade

cenas picantes
apinhadas
de religiosidade

cenas poéticas
apuradas
na ociosidade

cenas imperdíveis!
bem passadas,
da pior qualidade

cenas banais
com fervor
de realidade

cenas póstumas
em repouso
por arbitrariedade

cenas improváveis
seguidas à risca
e leviandade

cenas rocambolescas
pré-aquecidas
por cretinidade

cenas imprestáveis
defumadas
com naturalidade

cenas inspiradoras
congeladas
com especificidade

cenas impossíveis
salpicadas
de passividade

cenas grandiosas
ensopadas
de moralidade

homem
manjar dos deuses

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

DISSENSO

"Longe de buscar um consenso cretinizante e infantilizante, a questão será, no futuro, a de cultivar o dissenso e a produção singular de existência."

Félix Gattari, em AS TRÊS ECOLOGIAS


"Dissenso quer dizer uma organização do sensível na qual não há realidade oculta sob as aparências, nem regime único de apresentação e interpretação do dado que imponha a todos a sua evidência. É que toda situação é passível de ser fendida no interior, reconfigurada sob outro regime de percepção e significação. Reconfigurar a paisagem do perceptível e do pensável é modificar o território do possível e a distribuição das capacidades e incapacidades. O dissenso põe em jogo, ao mesmo tempo, a evidência do que é percebido, pensável e factível e a divisão daqueles que são capazes de perceber, pensar e modificar as coordenadas do mundo comum. É nisso que consiste o processo de subjetivação política: na ação de capacidades não contatadas que vêm fender a unidade do dado e a evidência do visível para desenhar uma nova topografia do possível. A inteligência coletiva da emancipação não é a compreensão de um processo global de sujeição. É a coletivização das capacidades investidas nessas cenas de dissenso. É a aplicação da capacidade de qualquer um, da qualidade dos homens sem qualidade."

Jacques Rancière, em O ESPECTADOR EMANCIPADO

domingo, 2 de fevereiro de 2014

TODOS POR UM

Você sai às ruas para exigir um país mais digno. Vem um policial militar e passa por cima de toda dignidade. Refiro-me ao caso brutal do soldado da ROCAM que, após espancar uma garota completamente desarmada de más intenções, subiu com sua moto na calçada e passou por cima da vítima, colocando abaixo qualquer protocolo, bom senso ou moralidade. Em entrevista posterior, ela confessou que nem se lembrava do atropelamento, tão atordoada que estava pelos socos e pontapés. Uma estudante do ensino médio que saiu às ruas para pedir dignidade. Pois bem. Esse PM volta para sua casa, na periferia, com a farda na mochila para não chamar atenção. Ele tem medo. Ele gostaria de viver num país mais digno, em que as pessoas, inclusive policiais, fossem respeitadas. Em que todos estivessem seguros de verdade.


Quando escrevo este texto, alguns dias antes da publicação, as notícias dizem que a Corregedoria da Polícia Militar recolheu outros vídeos além daquele que originou a denúncia, gravado a partir de uma janela alta. O investigador explicou que as câmeras de segurança dos prédios vizinhos mostram a vítima sozinha, indo embora da manifestação, quando é alcançada por uma tropa e espancada covardemente, sem esboçar qualquer reação. Foram oito ou mais policiais fardados e armados contra uma garota de 18 anos. Depois de a atropelarem com a moto, os agressores continuaram a chutá-la no chão, e a abandonaram sem prestar qualquer socorro. As testemunhas que filmaram o crime resgataram a vítima com vida, e por sorte ela agora está se recuperando.

O atropelador é um criminoso, sem dúvida. Ele agiu com cúmplices. O mínimo que se espera é que sejam identificados e punidos conforme a Lei. A PM não precisa desse tipo de gente. A sociedade tampouco.

Existe outra questão aí: eles se aproveitaram da situação suscetível da moça para aplicar as "medidas corretivas" a que gostariam de submeter todos os manifestantes. Do mesmo modo, ao praticaram seu crime, colocaram em xeque a corporação inteira, suas falhas e inaptidões. Um por todos.

"O desafio consiste em não ser polícia", Eduardo Sterzi publicou no Facebook. Claro que ele não se refere à profissão somente, mas às atitudes de todos nós, em geral, que tendemos a reprimir, julgar, querer justiça com as próprias mãos, fazer mau uso do poder, violentar pessoas física e moralmente. O desafio consiste em resistir a isso tudo. Porque fomos, de alguma maneira, doutrinados a acreditar que a ordem deve ser mantida a qualquer custo. A preservar "os bons costumes" (quais mesmo?). A acreditar que o castigo resolve problemas, que a vingança deve ser buscada, que a PM deve atacar ao invés de proteger o povo manifestante. Somos doutrinados a emitir opiniões condenatórias sem conhecer o caso, sem compartilhar dele – porque, na prática, todos são culpados, exceto nós mesmos, não é assim? Nós somos santos, o inferno são os outros.

"Ao invés de acionar incansavelmente procedimentos de censura e de contenção, em nome de grandes princípios morais, melhor conviria promover uma verdadeira ecologia do fantasma, que tivesse como objeto transferências, translações, reconversões de suas matérias de expressão", propõe Félix Guattari. Ao invés de sustentar esse sistema violento e presunçoso, é sempre a hora de revê-lo, reinventá-lo, adequá-lo às novas realidades. A tradição da PM, caso seja o empecilho, deve ser revistada e transformada, provavelmente abandonada, se é de interesse da corporação não cair em desuso. Sua pertinência no contemporâneo depende disso.

O medo da farda não opera mais conforme a princípio. Porque o povo tem medo da farda que deveria protegê-lo, porém oprime. Os soldados têm medo da farda porque denuncia sua profissão, expondo-o ao crime, e também porque é mais forte do que suas próprias convicções, obrigando-o a agir contra a vontade, quando esta existe, em prol de uma corporação falida. Por outro lado, os criminosos, fardados ou não, não têm qualquer medo, ao menos são o suficiente para impedir suas ações.


A polícia precisa morrer. Não no sentido literal, mas no trágico. Conforme escreve Sterzi em Aleijão: "Foram tantos / que me mataram / Não tenho bocas / para agradecer". Morrer como ideal ultrapassado, rever princípios e protocolos, proteger o povo durante as reivindicações, que é uma das mais importantes provas de democracia. Entender que elas buscam um bem maior, do qual todos, policiais inclusive, poderão usufruir.

"A noção de interesse coletivo deveria ser ampliada a empreendimentos que a curto prazo não trazem 'proveito' a ninguém, mas a longo prazo são portadores de enriquecimento processual para o conjunto da humanidade", escreve Guattari.

Por sua vez, os manifestantes não podem agir como fazem as forças opressoras, sustentando o sistema que criticam. A estratégia deve ser outra. Nesse sentido, os rolezinhos foram eficazes: usaram do banal, da facilidade de mobilização e da legalidade para denunciar preconceitos, truculências e falta de estrutura em diversos níveis. Expuseram questões graves, antes reprimidas, e nos puseram a pensar nelas. Expuseram a insuficiência das instituições e a incapacidade dos gestores.

Concordo com Jacques Rancière, para quem "política não é, em primeiro lugar, exercício do poder ou luta pelo poder. (...) É a atividade que reconfigura os âmbitos sensíveis nos quais se definem objetos comuns. Ela rompe a evidência sensível da ordem 'natural' que destina os indivíduos e os grupos ao comando ou à obediência, à vida pública ou à vida privada, votando-se sobretudo a certo tipo de espaço ou tempo, a certa maneira de ser, ver e dizer. (...) A política é a prática que rompe a ordem da polícia".

Gostaríamos de contar com o apoio da PM, não com o ódio. Nós, povo brasileiro, policiais inclusive, temos coisas mais urgentes para odiar e melhorar.


Obs.: Vale a pena ouvir a entrevista com o pai da menina atropelada à rádio Band News. Fica mais fácil entender o que aconteceu e o que está acontecendo: entrevista com Boechat

sábado, 1 de fevereiro de 2014