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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

PENSAMENTO PERDIDO

já não se sabe
o que atravessa
a cabeça arremata o
pensamento perdido
atirado de longe
sem cara nem coração
sai nos jornais
comentário assassino
sem experiência viva
nem pulso de coragem
tomado de assalto
feito bala de fuzil
vitimando inocentes
pelo prazer algoz
pela justiça falha
insegurança
atravessa a carne se
aloja no cerne
do suspeito
veias abertas da América
marginal de cor, de raça
perseguida, impedida
graças adeus

domingo, 13 de setembro de 2015

ASSOVIO

resistência poética
quase espiritual
ao som maquinal
da cidade
dominante

sábado, 12 de setembro de 2015

O ABSTRATO E O CONCRETO

Amarelo, vermelho, azul (1925), de Wassily Kandinsky

Li qualquer coisa sobre um pintor abstrato. Fiquei a imaginar uma mancha, talvez algumas formas sem nome nem identidade, apanhadas ao acaso, que se apresentariam como pintor, olá, muito prazer, sou artista, percebe meu propósito? Meu significado? Esse pintor abstrato andaria por aí, fazendo arte.

Agora quero ler qualquer coisa sobre um pintor concreto.

(para Wassily Kandinsky)

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

resistir a Darwin
acolher fragilidades, aprender
com elas convidar ao mundo
deixar as portas abertas
a quem quiser participar
fendas, fissuras, intervenções
onde os fracos não têm vez
fazê-los visíveis, olhar por eles
inventar lugares onde tenham
potência corporal
existência, liberdade
involuir para ser sutil
menos super-homem, menos moralismo
menos reis e suas leis
menos direitos enrijecidos
mais gentileza, por favor
mais poesia, ainda que dura
seja poesia

terça-feira, 8 de setembro de 2015

TODOS ÍNDIOS

Foto de Eduardo Viveiros de Castro

Isto aqui trata daquilo que somos e do que pretendemos ser, disse Danilo Santos de Miranda na cerimônia de abertura da exposição. Somos índios. Quer queira, quer não. Todos aqueles que nos chamamos todos, somos todos os índios. Então, por que é tão estranho? Houve uma performance que simulava um ritual de tribo, eu estava ali no meio dos atores, eles cantando e dançando, eu estava ali e achava tudo muito estranho, ao mesmo tempo em que achava estranho esse próprio estranhamento, tinha vergonha dele. Por que a cultura indígena é pouco familiar a nós, que somos índios – desde o berço – sem saber? Por que não identificamos seus meios nem apreendemos seus sentidos? Por que não somos capazes de enxergar nossas raízes, soterradas ainda vivas por toneladas de ordem e progresso, toneladas de preconceitos e desrespeito?

Se a voz não partir de dentro do peito, é melhor que nada fale. Não pode haver voz que fale "sobre" os índios. Que sujeito é esse que se põe de fora, que se põe acima e quer determiná-los? Os índios são isso ou são aquilo. Não. Ou os índios somos, ou é prudente calar a própria voz, calar essa arma que já disparou as ignorâncias mais violentas. Falar a respeito dos índios, mesmo sem conhecê-los, mesmo que o único índio já visto seja aquele da cartilha escolar, da letra "i", já é falar sobre nós, sobre esse sujeito que fala, sobre seu passado, seu presente e seu futuro. Sobre o que somos e o que pretendemos ser.

Entretanto o que o índio deseja é poder permanecer diferente de nós, explica Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo autor das fotos expostas no Sesc Ipiranga, em São Paulo. Essa igualdade diferente, antes de ser um paradoxo dos tempos atuais, é um dos problemas mais delicados que criamos para nós mesmos ao longo de séculos de massacres velados. É um problema de identificação cultural pautado na invisibilidade das vítimas e, pior, é questão de sobrevivência. Dos índios? Sim, de todos nós.

Chegamos a um ponto em que não parece haver solução. O que existe é somente a oportunidade de pendurar uma rede digna onde o corpo ferido do índio possa repousar. Onde nosso corpo, quem sabe, possa curar as feridas e aprender com as cicatrizes, caso sobreviva. Corpo, quer dizer, "conjunto de maneiras ou modos de ser que constituem um habitus", segundo o antropólogo-fotógrafo. Corpo individual, corpo coletivo, corpo sociocultural. É a partir do corpo – e somente dele – que se dá nossa relação com o mundo. Variações do corpo selvagem, conforme o título da mencionada exposição.

Foto de Eduardo Viveiros de Castro


O que pode ser feito é tocar o nosso sagrado com penas e sementes. Pintar nossa pele de urucum. Dar ritmo de chocalho à correria da metrópole. Incorporar a sensibilidade abandonada, vesti-la com pele de onça. Algo que os curadores Veronica Stigger e Eduardo Sterzi conseguiram propor com ética e sutileza. Pois não cabe idealizar o índio, não cabe idealizar a cultura nem a natureza, isso não faria o menor sentido; mas cabe muito bem provocar estranhamento, um estranhamento que denuncia nosso ponto de vista, que questiona nossas crenças, porque é somente assim que o índio em nosso sangue ouvirá o chamado e emergirá, esse índio que corre pela escuridão do nosso contemporâneo.

Freud dizia que estranho é o quase familiar, quase comum e reconhecível, que de algum modo não se encaixa na normalidade e por isso nos inquieta, por vezes até apavora. Próximo ao mesmo tempo em que longínquo. Esse estranho tem o poder de nos arrancar do conforto apático do dia a dia e nos levar a outro plano de realidade. Uma experiência transformadora, uma potência que, com sorte, vai nos fazer questionar a normalidade da situação. Não podemos continuar a achar "normal" o índio ser massacrado. Não podemos aceitar que suas terras sejam arrancadas à força. Não podemos achar normal que o índio continue sem voz política, invisível, impedido. Nós comemos alimentos indígenas, caminhamos por ruas indígenas, falamos com suas palavras, curamos enfermidades com suas ervas e ritos. Somos todos nativos do Brasil. Não é normal, nem jamais poderá ser, carregar um índio morto no peito, nem deixar que seu sangue morto corra pelos rios do nosso corpo selvagem. Já basta de civilização.

Foto de Eduardo Viveiros de Castro

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

ORELHA QUE TIREI DA MALA



Olha que coisa linda, a amiga Mariana Teixeira está lançando O que tirei da mala, seu segundo livro de poemas (o primeiro se chama Inversos Paralelos). Perguntou se eu escreveria uma breve apresentação para sair na orelha. É lógico que escrevi, com o maior prazer. Ficou assim:  

cenas breves
na rua, no bar, na cama
só ela nota, Mariana
anota!
faz disso aí
a poesia que já é
só não sabia
incessante
num fluxo
pega no ar
no ato
leveza passarinha
conta, recita, sussurra, desabafa
uns versos sobre a vida
chegam muito bem, no mínimo
não fazem mal a ninguém
infindáveis histórias do universo
uma página por vez
na correria o homem fica
em seu tempo
a poesia vai além

Assim este livro se apresenta, uma página por vez, retiradas da bagagem que Mariana Teixeira acumulou pelos percalços da vida. Se o fardo está pesado, ela faz dele poesia, que bate asas e flana mundo afora até encontrar você, leitor de sorte.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

SÓ MAIS DEZ MINUTINHOS

diz a lenda
a voz das ruas
o gigante acordou
retorcendo-se
desejando
que fosse apenas um
pesadelo
de uma ilusão
recobrou-se e não
entendeu
nada sabia,
inocente
o gigante acordou
suando frio bebeu
um copo d’água
aliviou-se, tirou um peso
desrazão
dormiu novamente
um pouquinho mais, por favor
piedade de nós
até despertar
o smartphone

domingo, 16 de agosto de 2015

UM MUSEU INCOMODA MUITA GENTE

No último final de semana prolongado que tivemos, fui com minha esposa visitar familiares em Marília. Pela enésima vez tentei conhecer o museu de paleontologia, que em tese possui fósseis e registros científicos da região. Como sempre, não consegui; ele estava fechado. Não abre aos finais de semana e, descobrimos dessa vez, nem mesmo em dias úteis da "emenda" de feriados.

Estávamos com meu sobrinho de quatro anos, que foi ao zoológico de São Paulo meia dúzia de vezes para ver reproduções gigantes de dinossauros numa exposição que ficou longo tempo em cartaz. Ele é apaixonado pelos bichanos pré-históricos. Até quando, não sabemos dizer, e o museu público de Marília não tem incentivado esse seu interesse. Será que ninguém cogitou abri-lo aos finais de semana, quando chegam pessoas de fora, e compensar esses dias numa segunda e terça, se for necessário?



A revista Piauí nº 105, de junho passado, publicou um texto em que crítico de arte Hal Foster provoca: afinal, museu para quê? Seu incômodo tem fundamento. Embora se refira às imensas instituições que têm surgido na Europa e nos Estados Unidos, acho possível estender a pergunta ao tímido museu de paleontologia de Marília e a quaisquer outros do Brasil: será que eles conseguem dialogar com a sociedade, sustentando esse formato tradicionalista? Será que conseguem oferecer a possibilidade de alguma experiência transformadora ao invés de entretenimento raso e fotos para redes sociais?

Foster não é o único nem o primeiro a pensar nisso – esse problema é constante em instituições culturais do mundo inteiro, e debatido amplamente sem que se obtenha soluções muito interessantes. Trata-se de uma questão-chave para quem administra museus hoje em dia.

A última grande renovação dos museus de arte ocorreu quase um século atrás, quando foram concebidos prédios herméticos, utópicos e supostamente neutros para acolher a produção modernista, com o propósito de isolá-la da vida exterior. Ficaram conhecidos como "cubos brancos" porque, na prática, eram exatamente isso: paredes brancas sem janelas, tudo limpo e silencioso, como templos onde se podia admirar a criação dos "gênios" da arte. Se a ideia já não condiz com o contemporâneo, tampouco encontramos outra que dê conta das novas demandas, embora haja boas experiências, claro.

O consenso até agora afirma que não pode haver consenso. Não existe fórmula de sucesso. Pelo contrário: entende-se que as instituições devem ser diferentes umas das outras e também de si próprias, adequando-se com frequência aos novos desafios.

Não sou profundo conhecedor do assunto, e talvez esse olhar distanciado permita ver as coisas por outro ângulo: em resposta à provocação de Foster, suponho que o museu contemporâneo não deva ser exatamente um museu. Ele deseja ser outra coisa. Em vez de "Instituição Cultural" (com maiúsculas), um espaço de experiências. Um local que possibilite encontros ao invés de forçar interações. Cuja vontade é ativar o sensível em vez de lotar galerias com pessoas, informações e números. Que deixe arte à disposição, porém antes se pergunte: qual é o interesse dos visitantes? De que maneira a arte poderia participar da vida deles? Como criar diálogo em vez de impor conhecimento goela abaixo, por meio de autoridades e autoritarismos? Qual é a melhor forma, aqui, nesta situação específica, para manter vivo e pulsante certo campo ampliado de cultura? E como fazer acolá?

Passeando por Marília, vi uma série de galpões (aparentemente) abandonados às margens da linha do trem. Lindos. Deu vontade de instalar ali centros de convivência que incentivem encontros e experiências estéticas, que envolvam os cidadãos e cultivem o interesse por descobertas. Onde tivesse um palco para bandas da cidade ensaiarem, onde grupos de teatro pudessem se desenvolver. Um salão silencioso para oficinas literárias e círculos de livro. Um ginásio de esportes. Ciclovias. Cozinha coletiva. Biblioteca e brinquedoteca. Pomar, gramado para piquenique, ateliê para pintar e bordar. Espaço expositivo. Café. Enfim, um ponto de encontro de jovens e adultos, ricos e pobres, indivíduos e famílias, verdadeiramente aberto às práticas comunitárias. Tive vontade de implementar algo assim antes que façam shopping center no lugar. Convenhamos, estruturas do tipo são investimento pequeno (para um país que se dá ao luxo de construir estádios de futebol "padrão Fifa") e são capazes de acolher pessoas sempre carentes por atividades que as coloquem em contato com si próprias e com as demais. Vejam o SESC Pompeia e o CCSP, por exemplo, e como eles mobilizam a cidade de São Paulo.

Instituições culturais que permanecem a alimentar preconceitos em relação aos seus frequentadores, acreditando que a sua "função" é "educá-los", que os olha de cima para baixo e os determina, tendem a ir do cubo branco ao elefante branco. Reformulando a questão inicial: quem precisa delas?

O próprio Hal Foster conta, logo na introdução do livro O retorno do real, a ocasião em que visitava uma mostra de arte contemporânea na companhia de um amigo e sua família. Enquanto conversavam, a filhinha do amigo brincava entre vigas de madeira que compunham um dos trabalhos expostos. "Ali estávamos nós, um crítico e um artista bem informados sobre arte contemporânea, tomando aula de uma criança de seis anos de idade, cuja prática deixava nossa teoria muito para trás".

Se não abrirem as portas da mente, os museus jamais testemunharão qualquer brincadeira reveladora sobre o futuro, seja deles próprios ou do público. E restarão esquecidos como os fósseis que guardam. Por sua vez, as instituições culturais que insistem em modelos de consumo de informação e que resumem cultura a mero entretenimento e espetáculo não têm potencial para transformar nada nem ninguém. No fim das contas, não servem para muita coisa.

sábado, 15 de agosto de 2015

Comedores de batatas (1885), de Vincent Van Gogh

"a vida está no lugar
em que você
serve a sopa
sob o círculo de luz."

Fora do tempo, David Grossman

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

“A imprensa é uma vasta boca aberta que tem de ser periodicamente alimentada – um vaso de enorme capacidade que tem de ser preenchido. É como um trem regular que sai numa hora marcada, mas que só pode sair se todos os lugares estiverem ocupados. Os lugares são muitos, o trem é consideravelmente longo, e daí a fabricação de bonecos para as estações em que não há passageiros suficientes. Um manequim é colocado no assento vazio, onde passa por uma figura real até o final da jornada. Parece-se bastante com um passageiro, e você só percebe que ele não o é quando nota que não fala nem se move. O guarda vai até ele quando o trem para, limpa as cinzas de sua face de madeira e muda a posição de seu cotovelo, de modo que sirva para uma nova viagem. (…) O espírito arisco pode se perguntar, sem resposta à mão, qual a função na vida de um homem dessa periodicidade de platitude e irrelevância? Tal espírito vai se perguntar como a idade de um homem sobrevive a isso e, sobretudo, o que é mais importante, como a literatura resiste a isso (…). Os sinais da catástrofe, no caso, suponho que não serão tão sutis que não possam ser apontados – a falência da distinção, a falência do estilo, a falência do conhecimento, a falência da reflexão.”

Henry James, Crítica (mais de um século atrás!)

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

DE COR

Escultura que compõe o trabalho Vazio cérebro, de Nelson Felix

se a cor branca é
uma junção de todas
as outras, para ser
branco é preciso ser negro
amarelo, vermelho, pardo
azul-tição
mesmo assim há branco
sem graça, sem cor
sem jeito, que quer
destaque na multidão.
há branco que não se enxerga

sábado, 18 de julho de 2015

TUDO BEM

Tempo branco (1959), de Pablo Palazuelo
toda vez que a toco
que troco de lugar
encho de café,
de baldes de água fria

da boca à mesa
trabalho, repouso depois
de cabeça para baixo
no escorredor

provoco fissuras
mínimas, que sejam
invisíveis, insensíveis
por toda a sua conjetura

da superfície à estrutura
breves rompimentos
na cerâmica do dia
que não cicatriza, nunca
volta atrás

só aumento
a duras penas
sustentando-a
como se nada tivesse
acontecido

um gole a mais,
outro a menos
dia a dia
momentos, momentos

chega o que basta
leve toque de pluma
para romper a casca
desde a fundação

ela se estilhaça
seja o que for
que se faça

como saber, desgraça?
pior viver sem
provar os amores
nem arder dissabores

tudo bem?
tudo bem.

a pergunta terrível,
a resposta impassível,
impossível!

restam fragmentos, cacos
na palma da mão
lapsos da experiência única
vivida repetidas vezes
a dois, a dez, a mil

segunda-feira, 6 de julho de 2015

QUE EXPERIÊNCIA NOS RESTA?

Ler um texto como O narrador, que Walter Benjamin escreveu quase 80 anos atrás, em 1936, e perceber com espanto sua atualidade sugere algo sobre aquilo que poderíamos chamar de contemporâneo, no sentido de que condiz e é pertinente às questões que agora nos atravessam. Em primeiro lugar, sugere que o contemporâneo não se refere ao tempo cronológico, portanto não segue a linha do progresso – em vez de Benjamin poderíamos citar autores de séculos antes que parecem ter escrito especialmente para nós. Em segundo lugar, diríamos que o contemporâneo não é pleno: não conseguiríamos distinguir uma totalidade nem na apreensão sensível do tempo nem no senso comum sobre a experiência da vida; não existe comportamento padrão em nossas sociedades, mas lampejos que sugerem mudanças de atitude em meio ao previsível, lugares que privilegiam o dissenso em meio ao conforto da tradição pré-estabelecida. São pontos que brilham por um instante e logo se apagam; um surge aqui, outro responde acolá, como um grupo de vaga-lumes à noite, que vemos em sua singularidade tanto quanto na efemeridade.

O contemporâneo se constituiria, entre outras coisas, de reminiscências: passados retomados pela memória; resíduos, restos, fragmentos postos em conexão numa nova estrutura; lembranças imprecisas ou indecisas que evocam imagens borradas. Seria como um vulto: que passa sem se revelar por inteiro – restaria do contemporâneo mais uma sensação daquilo que ele manifesta do que um conceito propriamente formulado, aceito e contestável segundo os métodos da crítica conservadora.

Como as narrativas sobrevivem nos tempos atuais? Se na época de Benjamin já se notava certa precariedade dessa forma de compartilhamento de experiências, hoje em dia as perspectivas não são melhores. Conforme o filósofo escreveu, "cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação".

Enquanto a informação só tem relevância quando é fresca, a sabedoria da experiência, tecida na forma de narrativas, compartilhada geração após geração, não tem prazo de validade. Seu valor independe do tempo e por conta desse alargamento não determinado ela é mais contemporânea nossa do que o preço do dólar ou o próximo capítulo da novela.

Jorge Larrosa Bondía certa vez explicou que é preciso separar o saber da experiência e a posse de informações. Porque, ao contrário do que acontece por aí e somente diz respeito aos outros, a experiência é o que nos acontece, o que nos toca. Em suas palavras: "O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação (...), o que consegue é que nada lhe aconteça".

Por que nada nos acontece? Por que nada mais ganha a gravidade da experiência digna de ser narrada, que nos toca e transforma, além de ser passada adiante ao longo dos séculos, tal como nas mitologias que sobreviveram desde os tempos mais remotos? Talvez porque não tenhamos, justamente, tempo: na correria em que vivemos, não encontramos um instante sequer para dispor à possibilidade de irromperem experiências. Ou melhor: não arranjamos tempo para nos colocar à disposição do mundo. E as verdadeiras experiências só acontecem a quem está aberto.

Benjamin acreditava que esse processo "exige um estado de distensão que se torna cada vez mais raro". Para ele, tal distensão se encontraria no tédio.

Almoço na relva (1863), Édouard Manet

Tenho quase certeza de que, se eu perguntar quem se sente entediado, boa parte das pessoas responderá que sim; nos sentimos entediados com a rotina puxada, o cansaço, a falta de perspectivas, descobertas e desafios. Mas não é a esse tédio que o filósofo se refere. Estamos mesmo esgotados, porém continuamos mergulhados no excesso de informação e de tarefas. Esse excesso afasta o tédio proposto por Benjamin, que seria obtido pelo desligamento da máquina produtiva, pelo "dolce far niente" dos italianos, quer dizer, a doçura do não fazer nada, de abrir terreno para que o inusitado germine.

Para Bondía, "a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço".

Houve um tempo em que se buscava nas drogas uma espécie de interrupção, que na realidade era uma dilatação de sentidos contra a dureza da razão moral, com objetivo de experimentar outra relação com o mundo. Até mesmo isso foi desaparecendo durante o século XX, e hoje as drogas acabam usadas no sentido oposto, de anestesia, como meio de escapar das experiências da vida. Uma fuga no lugar da descoberta, embora na prática a coisa não seja tão diferente assim. Acontece que nem mesmo o estímulo dos sentidos consegue se sustentar por muito tempo, talvez por conta da sua artificialidade. Há uma frase no romance Demian, de Hermann Hesse, que sintetiza bem essa ideia: “As pessoas que vivem todo o dia nas tabernas já perderam por completo essa exaltação. Tudo se transforma num hábito”. Pois nos acostumamos até mesmo com o excesso de novidades, e logo ele próprio assume o status de banalidade.

Acredito mais no gesto de interrupção que se revela uma atitude estético-política. Sensível. Profunda, complexa e necessária. Um gesto singelo de resistência crítica à velocidade, à informação em demasia que nos provoca a falsa sensação de pertencimento ao mundo, à tecnologia que afasta a possibilidade de que as coisas nos toquem diretamente, ao trabalho mecânico, produtivista e inconseqüente, ao consumismo exacerbado de produtos, serviços e verdades; resistência a tudo isso que de alguma maneira preenche nosso cotidiano como se o completasse, e que nos configura como máquinas ligadas incessantemente no modo automático. Não precisa ser uma grande força contrária, é preferível até que seja um gesto frágil, que transforma e que também se transforma durante o processo. O que nos resta fazer? Resistir poeticamente, sim. Não porque aquelas coisas não sejam importantes, mas porque não podem ser absolutas.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

É, NEM

“Até gosto de Humanas”, disse um cara atrás de mim, na escada rolante do metrô, “mas não gosto desse negócio de abraçar árvores”. Ele conversava com uma amiga, e pelo jeito ambos planejavam prestar o vestibular. Fiquei tentado a perguntar se ele não confundia Humanas com algum ramo pervertido da Botânica. Fiz bem em me manter calado. Porque logo na sequência ele emendou: “Gosto também de Biologia. Mas eu não quero saber de cuidar dos animais. Quero botá-los na mesa e picá-los todinhos”.

domingo, 28 de junho de 2015

MAIS EDUCAÇÃO, MENOS ARMAS

Resolvi trazer um ponto de vista diferente sobre o que Bene Barbosa escreveu no Correio Popular de 24 de junho passado. Talvez porque eu tenha me identificado com o que ele chama de “desarmamentistas, profetas do caos”, nessa sua lógica paradoxal. Ao contrário de Bene, não sou especialista em segurança pública, e mesmo assim não é difícil mostrar outras perspectivas sobre o assunto. Afinal, aquela sua opinião acaba restrita a uma única maneira de pensar, tanto que não se sustenta se considerarmos:

1) O objetivo final da arma de fogo é provocar tragédias (guerras, mortes, ataques, violências de diversos gêneros). Ela não é fabricada para evitá-las e, ainda que alguém as empunhe com esse propósito, só poderá fazê-lo por meio de tragédia similar a qual combate. Porque é assim que as armas de fogo funcionam. Elas sustentam a própria lógica da violência.

2) Bene afirma que, quando os seguranças de shopping center passaram a portar armas, os assaltos deixaram de existir. Se seguirmos o mesmo raciocínio, nunca deveria ter ocorrido assalto a bancos ou carros-fortes, uma vez que seus seguranças sempre estiveram armados. Sabemos que isso é absurdo. E sabemos que um ambiente armado necessariamente implica maior risco potencial do que um ambiente livre de armas. Em outras palavras, o risco de consumidores tomarem um tiro no shopping é maior quando o número de balas e armas naquele ambiente aumenta. Se o tiro é disparado ou não, isso não depende somente de os seguranças apresentarem maior ameaça aos bandidos. A análise de um contexto como esse é muito mais complexa do que o fato de os seguranças estarem ou não armados. É difícil aceitar um argumento tão reducionista.

3) Acharia até engraçado, se não fosse lamentável, alguém chamar de “profetas do caos” aqueles que desejam viver num mundo sem armas. Quem seriam os armamentistas, então? Profetas da ordem? Ora, a ordem mantida pela ameaça é sempre impositiva, repressiva, violenta. Vide as ações do Estado Islâmico e dos soldados norte-americanos. Vide todas as ditaduras estabelecidas mundo afora. Vide nosso próprio dia a dia, a realidade dos morros brasileiros, a realidade das nossas ruas etc. Cada um deles impõe sua ideia de ordem à sua própria maneira.

4) Bene parece ter uma visão distorcida sobre educação. Pois, ao citar um segurança de shopping com quem conversou – e fazer questão de explicitar a pronúncia errada do sujeito (como forma de menosprezá-lo?) –, ele defende o argumento de que “os bandos de moleques que gostavam de fazer arruaça” deixaram de agir assim porque ficaram mais educados. Não, claro que não. Eles ficaram acuados porque os seguranças apresentaram maior poder. Isso não é educação, é coerção. Enquanto desconhecemos limites da educação, sabemos que a coerção sobrevive somente até que um poder maior se apresente. Em suma, acho impossível concordar com seu argumento final, de que armas nas mãos certas significariam mais educação.

Este é o texto que originou o meu. Clique na imagem para ampliá-la.

Não bastassem esses argumentos, compartilho ainda uma inquietação que me atravessa. Pois a conclusão lógica para todos esses meus pontos seria: vamos proibir o porte de armas. Porém eu não posso defender a proibição de algo como solução. Entendo que proibir é sempre uma forma de exercer violência, ainda que “cidadãos de bem” a façam com “a melhor das intenções”, conforme alguns discursos falsamente moralistas que observamos com frequência em relatos de confrontos. O mesmo vale para suprimir direitos que os cidadãos têm de agir conforme suas crenças, dentro de um limite socialmente saudável, com vontade libertária, respeito pelo outro e conduta ética. Direto de fazer suas escolhas e assumir as consequências. Talvez seja esse o único ponto em que concordo com as propostas da ONG presidida por Bene. Conforme li no site do Movimento Viva Brasil, “Não defendemos de que a população deva se armar indistintamente, mas tomamos por inaceitável que lhe seja retirado o direito de escolha em o fazer ou não”.

Entre o sim e o não, eu acredito, acima de tudo, no investimento em educação. Acredito que uma sociedade culta, capaz de refletir por si mesma e também de aceitar suas diferenças não recorreria às armas. E quem acredita em educação não aposta em armas de fogo. Simplesmente porque, em essência, as duas coisas são diametralmente opostas. Uma deseja a emancipação, a outra propõe a morte.

Não quero armas nas mãos de “pessoas certas”, até porque é o fato de estarem armadas que costuma dar razão às pessoas que as portam. Quero, sim, uma sociedade sem armas. Que não se exponha aos riscos desse porte.

Bene considera excelente um artigo do major norte-americano L. Caudill, intitulado “A arma é civilização”. Admito que sim, infelizmente. A nossa civilização acolhe violências de muitos tipos. Então, de alguma maneira, arma e civilização compartilham características que as aproximam. Só não podemos confundir, nesse caso, civilização com civilidade. Porque a arma pode ter alguma relação com o modo como a civilização se constitui. Mas portar armas jamais será uma atitude de civilidade.

domingo, 21 de junho de 2015

PALAVREADO SOBRE A LÍNGUA

Achei graça quando vi Inês Books falar sobre A desumanização, romance de Valter Hugo Mãe que ainda não li. Foi num vídeo de Youtube, numa das experiências de leitura que ela compartilha com o mundo a partir de Portugal, onde vive. Inês conta que a história se passa na Islândia, e que a presença da ilha é tão forte quanto a de outras personagens, a ponto de considerar ela própria uma espécie de protagonista. A ilha influencia o comportamento de seus habitantes e o desenrolar da narrativa, portanto o autor teria conseguido dar vida àquela porção de terra isolada no oceano, a qual sobrevive em meio ao antagonismo do gelo glacial e o fogo dos vulcões. Para Inês, é como se a lava pulsasse sob o chão, temperamental; como se corresse nas entranhas do lugar, provocando a sensação de que "a qualquer momento a ilha se vai a zangar e vai deitar tudo cá pra fora".

Foi essa sua expressão, em particular, que me fez sorrir. Acho divertido o que chamamos popularmente de "sotaque lusitano", e que a meu ver está além de uma sonorização diversa: é mesmo uma dobra na língua, uma espécie de marca territorial que se abre a outro campo de exploração. Um convite para desvendar um novo mundo. Quer dizer, o "português de Portugal" não seria somente questão de entonação, mas uma maneira própria de cuidar das palavras, constituir frases, construir sentidos, pronunciar e se expressar pelo verbo.

Admito que desconheço a teoria, e o que escrevo aqui diz mais respeito ao sentimento de ler e ouvir os portugueses do que a um estudo linguístico ou algo similar. Esse sentimento sugere que os portugueses utilizam a língua de maneira diferente de nós, brasileiros, seja nosso sotaque paulista, carioca, baiano ou gaúcho. Empregam palavras incomuns, expressões locais, contorções ou desvios, estruturas de diálogo que obedecem a outra lógica. Mais que isso: exploram demais sentidos das palavras que usamos corriqueiramente por aqui, e acho linda essa ampliação do campo semântico, que revela certa elasticidade da nossa língua comum.

Ao ler e ouvir o português de além-mar, sinto como se os territórios da língua se alargassem, como se cada termo operasse mais potência. A ponto de, em muitas ocasiões, a comunicação ser ininteligível: ainda que reconheça as palavras, não consigo acessar o significado maior do enunciado; ouço eles conversarem porém não apreendo com exatidão o que é dito, como se ouvisse mesmo uma língua estrangeira. Resta me aproximar aos poucos, com cautela e disposição, deixando que sons e letras indiquem um caminho.

Não me entenda mal: defendo que o português seja um só; abomino a ideia de segregar nossa língua, chamando-a de "brasileirês" ou qualquer bobagem do gênero. O que eu mais gostaria de ver são livros publicados em Portugal e nos outros países lusófonos circulando livremente por aqui, sem amarras jurídicas, mercadológicas e políticas, nem adaptações lexicais – todos só teríamos a ganhar com isso, tanto autores e leitores quanto a própria literatura e, claro, a língua portuguesa em si.

Daí a estupidez de ignorar as variações do português com um acordo ortográfico internacional, como se a norma fizesse a língua e não o contrário. Acentuação, hifenização, trema... que sejam diferentes como costumavam ser em cada canto destas terras! Não são as regras que aproximam as "línguas portuguesas", mas o incentivo à leitura e às trocas culturais; o acesso, o conhecimento e o respeito pelas diferenças; a livre circulação das publicações; a oportunidade de emergir o comum por meio do dissenso – em vez deste consenso artificial.

Admiro a resistência do jornal Rascunho, dedicado à literatura, por publicar mensalmente suas edições sem obedecer ao tal acordo ortográfico de 1990, embora pareçam ter abdicado dessa atitude há pouco tempo, não sei por qual motivo. Assim como admiro também José Saramago, que, se não me engano, não admitia a adaptação de seus livros para o "português brasileiro", sendo todos eles publicados aqui exatamente como em Portugal. Pois acredito que é pela possibilidade de exercer diferença que a língua amplia seus limites; é por causa disso que permanece viva e pulsante. Pode assim – se Inês me permite parodiar sua simpática expressão – a qualquer instante se enraivecer e irromper em verborragias sobre nossas ilhotas particulares.

sábado, 23 de maio de 2015

OCUPAR A CIDADE


No último século observamos um movimento de abertura no mundo. Que, apesar das exceções, coincide com aberturas culturais, econômicas, de fronteiras etc. Os territórios que habitamos se ampliaram: desde nossa casa, nossa rua, nossa cidade até nosso país, nossa língua, nosso continente, nossa galáxia. Não precisamos estar presentes fisicamente para que os lugares nos pertençam ou para que nós pertençamos a eles. Quase no mesmo instante em que as coisas acontecem alhures nós ficamos sabendo aqui: vitórias no esporte, transações comerciais, acidentes de trânsito, desavenças amorosas, conflitos militares e assim por diante. Assistimos a tudo pela internet, no conforto de nossas poltronas. Podemos nunca ter ido a Nova York ou Paris, mas algo que lá acontece também nos afeta.

Ao mesmo tempo em que nos abrimos para esse viver global nós realizamos um movimento contrário: corremos para casa quando anoitece, circulamos em carros blindados, instalamos cercas elétricas e câmeras de vigilância, restringimos nossos grupos sociais a padrões – moralmente, cruelmente, preconceituosamente – estabelecidos (ricos, brancos, machos, jovens, europeus).

O paradoxo é curioso. Quer dizer, o senso comum entende que abrir-se implica maior exposição, seja a boas experiências ou a ameaças diversas. Mas o que talvez passe despercebido é que fechar-se resulta apenas nas ameaças, ou seja, é ainda pior, ainda mais perigoso, ainda mais neurótico.

No livro Tempos líquidos, o sociólogo Zygmunt Bauman propõe uma perspectiva interessante a respeito das nossas atitudes. Para ele, a exposição advinda dessa abertura provoca a sensação de falta de segurança, e, querendo nos sentir mais protegidos, abrimos mão de liberdade.

Abstrato demais? Não é, basta olhar a popularização dos condomínios fechados, que isolam apartamentos ou casas dos perigos da cidade grande; basta olhar o recente projeto de lei francês que concede ao governo o direito de vigiar – leia "espionar" – qualquer cidadão sem necessidade de autorização judicial.

Em vez de construir condições para que a liberdade exista, o governo e também o povo promovem um policiamento generalizado. O que não é exclusividade da França – penso, entre tantos exemplos que poderia dar, na violência com que o Estado do Paraná tratou seus professores, num ato político movido a ignorância e incompetência. Penso também na máxima malufista da "ROTA na rua", repetida a torto e a direito como solução contra o crime – que, no limite, significa o mesmo que "estupra mas não mata", outra das suas propostas políticas. Com exceção de que a ROTA mata. E mata muito.

Enfim, se a proteção não é provida pela polícia nem pelos políticos, se eles não dão conta de garantir a liberdade e preferem a heteronomia à população, o que podemos fazer? Uma das respostas possíveis é simples, embora a solução exija um belo esforço coletivo: precisamos ocupar a cidade.

Sabemos que os vazios não permanecem assim por muito tempo, há sempre quem reivindique poder sobre eles. Em outras palavras, toda vez que nos recolhemos em nossos bunkers, toda vez que preferimos nossos carros, abandonamos o espaço do entorno, que acaba tomado pela violência.

Bauman explica que "a vida social se altera quando as pessoas vivem atrás de muros, contratam seguranças, dirigem veículos blindados, portam porretes e revólveres, e frequentam aulas de artes marciais. O problema é que essas atividades reafirmam e ajudam a produzir o senso de desordem que nossas ações buscam evitar. Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e tangibilidade ao medo".

O medo da livre circulação leva à baixa autoestima. A sensação generalizada de impotência nos empurra pouco a pouco para o abismo. O estado social se torna cada vez mais policial e prisional. O combate às ameaças é feito com guerra – a fórmula estúpida da tal "guerra ao terror". As grandes corporações lucram um absurdo com nossos medos de inimigos fantasmas, ou seja, nossa fragilidade as fortalece no poder. Ficamos reféns do excesso de informação. Consumimos altas doses de opiniões fabricadas porque não temos tempo para refletir e construir as nossas próprias – não temos tempo a perder porque "tempo é dinheiro".

Parece urgente a necessidade de realizar um gesto de interrupção nesse assombroso declínio da "experiência autêntica", conforme Walter Benjamin já alertava cerca de 80 anos atrás. Um gesto poético e político de interrupção, que seja: reatar vínculos sociais e ocupar a cidade. Conversar, concordar ou discordar, refletir e construir pensamentos coletivamente só para poder desconstruí-los depois – em vez de apenas reproduzir o que se ouve por aí. Pedalar, criar grupos com interesses culturais comuns, produzir algo engrandecedor (em outro sentido que não o financeiro). Organizar hortas comunitárias, fazer manutenção no parque mais próximo, oferecer oficinas na escola pública do bairro, usar transporte público, visitar bibliotecas, universidades e museus públicos da cidade. Exigir melhores condições para aquilo que é de interesse de todos – e não somente da sua família! Abandonar o racionalismo perverso e deixar-se levar pelo sensível. Tocar violão na praça, ler poesia em voz alta, frequentar cinema de rua, andar a pé. Porque ocupar também significa cuidar – tomar posse em vez de exercer poder. Ocupar a cidade é o primeiro passo para melhorá-la, transformando ausências em espaços de convivência. Porque num planeta ao mesmo tempo "globalizado" e fragmentado não temos condições de transformar o todo senão começando por nosso próprio eu e seu arredor.

Peço desculpas por escrever tamanhas obviedades, mas elas parecem tão necessárias!

segunda-feira, 18 de maio de 2015

POÉTICA

Sem título, Nelson Felix

tempo e espaço
vazio e cheio
leve e pesado
localização e perda
círculo e quadrado
força e delicadeza
poética

domingo, 17 de maio de 2015

O QUE FAZER COM ESSA INFORMAÇÃO?

"A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituir-nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado. É a língua mesma que nos dá essa possibilidade."

Jorge Larrosa Bondía
Texto completo aqui [é ótimo, leia!]: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf

sábado, 16 de maio de 2015

Poder
contraPoder
poder contra
poder Poder
Contra

como poder-
íamos revolucionar
– transformar, que seja
liberdade e respeito –
sem dar outra volta
nessas reviravoltas?

Volta
reviraVolta
volta revira
volta Volta
Revira