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domingo, 7 de maio de 2017

LANÇAMENTO DO LIVRO "POR QUE A LUA BRILHA"

Eu e os amigos do coletivo Discórdia preparamos um evento para celebrar meu primeiro livro publicado. Além dos autógrafos, teremos também o lançamento de um Zine com tiragem exclusiva para a ocasião e um sarau com microfone aberto para quem quiser compartilhar a sua literatura. Bônus: bar e música da Creuza Cultural!

Tudo isso no dia 21 de maio, domingo, das 15h às 18h.
Onde? Na Creuza Cultural: Rua Raul Pompéia, 547 (perto do Sesc Pompéia).

A entrada é gratuita, estão todos convidados. Você paga apenas o que consumir no bar e as publicações que quiser adquirir. Ao módico preço de...

Livro (Por que a Lua brilha): R$ 25
Zine (Isso não é literatura): R$ 5

Se você não pode ir, mas quer comprar o livro, encomende direto da editora: Cultura e Barbárie. (atualização: a tiragem impressa se esgotou, mas o livro continua disponível na versão ebook, clique e leia agora mesmo).

Espalhe a notícia e venha curtir esta tarde de domingo com literatura, cerveja e amigos.


terça-feira, 2 de maio de 2017

A METADE DE TUDO

Sua vida seguia muito bem, podia continuar daquele jeitinho sem nunca receber notícia tão desagradável; sem um linguarudo como eu deixar escapar que sim, você é anão, todo mundo sabia menos você, rá rá. Nasceu pronto, nunca cresceu, rá rá. Desculpe. Eu mesmo não superaria, é provável que até encolhesse de desgosto. Acho que me sentiria menosprezado. Rá rá, entendeu? Desculpe, desculpe. Se me permite, você reagiu mais ou menos bem. Sempre é possível piorar. Poderia ter corrido para casa com as perninhas recém-descobertas, tomado impulso e saltado na cama para dela nunca mais sair.

Divided states: supplicate I (Antony Gormley, 2006)
Eu preferiria que você jamais soubesse, evidente! E que pudesse continuar entre nós como sempre foi. Há verdades que não precisam ser ditas. Preciso medir minhas palavras, eu sei. Mas eu me contenho bastante, você não faz ideia! A maioria dos clientes deste bar bebe uma ou duas e já vem me vomitar suas desgraças. Eu sirvo outra dose, finjo que escuto, faço pinta de consolador. Mas o que desejo mesmo é rir na cara dura, dizer que problema não é exclusividade de ninguém e mandar se danar.

Você é um sujeitinho decente, um dos poucos que vêm aqui. Divertido, generoso, não merece ouvir minhas baixarias. Você costumava aguentar firme, já o vi entornar canecos da sua altura! Sei que está alegre o suficiente quando perde a noção do perigo, escala os engradados, trepa num dos bancos fixos do balcão e fica aí dando espetáculo sem se desequilibrar. Já trabalhou em circo? Pergunto só porque qualquer outro desabaria de tão mamado. Mas você parece experiente, sabe o que está fazendo. Sempre teve o domínio da situação. Até que, bem, até eu lhe dizer que você é anão.

Anão sim, e daí? Anão ou não, sempre foi superior a essa gentinha normal que se diz gente grande, pais de família, filhos de Deus.

Ok, ok, eu entendo. De que adianta falar agora, não é? Sinto muito, estou sendo sincero. Na mesma hora saquei o tamanho da minha indiscrição. Saquei também que as consequências não seriam boas. Passadas as minhas gargalhadas solitárias, naquele silêncio que se fez quando a sua ficha caiu, restou aí meio homem. Todo mundo olhando para mim, todo mundo vendo em você apenas metade do camarada de sempre, metade do bom caráter, metade da alegria. A metade de tudo. E sorriso nenhum. Não havia sequer meio sorriso nessa sua cabeça avantajada, rá rá.

Não deveria ser um problema grande assim! Você precisava ser tão dramático? Depois que falei da sua condição, passou a ver tudo por outro ponto de vista. Nossa cidadezinha ficou maior, os objetivos ficaram mais difíceis de alcançar. Já não dirigia porque os pedais do carro ficaram distantes, e a visão do para-brisa comprometida. O computador parecia ter um teclado de piano, você acabou preferindo um tablet. Não apertava as mãos dos bacanas, não fechava mais negócios. As oportunidades passavam, você tentava correr atrás delas, mas seus passos eram curtos demais; você saltava, mas seus dedos eram curtos demais para agarrá-las. Que coisa triste, olha só, dá até uma vontadezinha de chorar. Tá vendo a lágrima? Aqui, ó, deixa eu abaixar para você ver melhor.

Você nunca me culpou, e por isso sou muito agradecido. Os companheiros agiram diferente, disseram que minha verdade bateu forte demais, que acabou botando para baixo toda a sua vontade de viver. Depois eles perceberam que eu estava mal e que o bar podia fechar. Quiseram reverter a situação. Disseram que era melhor assim, que era melhor você viver consciente da sua condição a se enganar para sempre, que uma hora ou outra você teria mesmo que descobrir. Acho que queriam me consolar. Ou queriam uma dose por conta da casa.

O que dizer a um anão que descobre, à meia idade, sua condição? Como consolar o coitadinho? Nascido de pais normais, veja bem. Nem podia ser acusado de filho do padeiro, não existe outro anão neste canto do mundo. Quiseram chamar você de filho do capeta, mas isso é baixo demais até mesmo para nós. Além do que, sabemos muito bem, não é só a estatura que faz um anão.

Me deixa triste é o jeito como aconteceu. Um dia você estava aí, empoleirado nesse banco alto, no dia seguinte já não estava mais. Disseram que você botou suas coisinhas numa mochila, montou uma totoca e pedalou na direção da cidade grande, onde alguém haveria de esticá-lo. Como puderam? Os bocós deram a dica na maldade, disseram que a medicina estava avançada, até corno se remediava, rá rá. O nanismo não seria um desafio tão considerável.

Outros contaram história diferente, disseram que você encolheu mais ainda de tanta vergonha e desceu pelo ralo do chuveiro, desceu pela privada, foi levado pela enxurrada. Tudo piada de mau gosto.

Prefiro acreditar em outra coisa, que ao menos tem jeito de meia verdade: você foi para a cidade grande, não foi? Me diga, o que aconteceu depois? Tantos anos se passaram! Quero ouvir as suas histórias sobre tudo o que viveu! Não ficou na outra cidade porque o esticaram, claro que não, mas porque no meio daqueles prédios gigantes todo mundo é anão. Não foi? Aquela cidade não tem a medida dos homens, ela é trocentas vezes maior. E depois, o que mais? Ninguém ali notaria qualquer diferença em você, não é?

Aliás, você percebeu como ninguém reparou na sua presença hoje? Só eu o notei. Senti sua falta. De verdade. Espero que tenha aproveitado bem e bastante. Tinha certeza de que você jamais voltaria para esta cidade enquanto vivesse, depois de tudo que passou. Mas quem diria que voltaria para cá depois de morto! Isso nem eu imaginaria, meu querido anão.

Por que você está me olhando desse jeito? Você sabe que morreu, não sabe?

*Este texto faz parte do meu próximo livro de contos, chamado Testemunho Ocular, a ser lançado ainda este ano.

domingo, 23 de abril de 2017

LEIA UM TECHO DE "POR QUE A LUA BRILHA"


Até onde vai o mito e onde começam os fatos? Costuma-se dizer que tudo teve início quando uma chama despencou do céu, abrindo imensa cratera com o impacto. Os homens primitivos chegaram ao lugar e depararam com uma menina feita de luz, que chorava lágrimas de cristal. Ela emanava pureza e inocência, envolvidas por uma aura branca que incomodava os olhos dos presentes. Todos estavam apavorados. Então a criatura ofereceu sua amizade e pediu apenas que levassem a solidão para longe, pois tinha muito medo dela. Assim, a primeira estrela a visitar a Terra foi imediatamente capturada.
      Encontramos uma estrela, depois encontramos mais. Havia aquelas que se pareciam com homens; outras tinham formas femininas e até alguns dos seus trejeitos. Sabemos hoje que existem também estrelas infantes e velhas, uma vez que elas crescem, desenvolvem-se e morrem como outro animal qualquer.
      Quando a tendência crônica das estrelas à derrota foi enfim revelada – ainda não se sabe exatamente como isso aconteceu, e mesmo as hipóteses fantasiosas são raras –, os homens da época compreenderam que aquela frágil criatura vinda do céu poderia significar uma grande evolução para a espécie. E eles estavam corretos. Existem teóricos que, inclusive, datam o início da História Humana como o Dia da Queda da Primeira Estrela, em afinidade com certas congregações ortodoxas.
      Teorias e mitologias à parte, resta o fato de que, num determinado momento, uma estrela jogou, perdeu e morreu. A comprovação científica foi saudada com seis prêmios Nobel, com destaque para o da Paz. Mas essa paz demorou a ser conquistada, exigindo dedicadas guerras ao terror. Porque a partir daquela descoberta fenomenal, diversos países se mobilizaram para capturar outras estrelas, aliando-se ao eixo Vermelho ou ao Azul, conforme as forças políticas predominantes. Cada risco no céu significava uma nova guerra no solo. Foram tempos sombrios, repletos de atrocidades, muitas das quais ainda tentamos superar.
      Poucas vozes se levantaram contra a condição de colonizados imposta àqueles seres; poucas vozes dispostas a sustentar qualquer tipo de aconselhamento astrológico depois que a realidade desceu à Terra e provocou de imediato uma verdadeira dialética do esclarecimento.

***

Por que a Lua brilha é meu primeiro livro publicado. Trata-se de um conto distópico, disfarçado de ensaio científico, que analisa pontos fundamentais da história entre os seres humanos e os fenômenos luminosos da Lua.

A tiragem é limitada a 100 exemplares, todos numerados e costurados à mão.

Encomende o seu no site da editora Cultura e Barbárie (tiragem esgotada) ou adquira a versão ebook para Kindle lançada no site da Amazon.

sábado, 15 de abril de 2017

MAMA


E daí? Não vejo problema algum nisso. Eles gostam. Nunca houve unzinho que não gostasse na hora. Depois é que botam caraminholas nas suas cabeças, crescem e vão fazer análise sem nem mesmo ter certeza do que aconteceu. Ou como aconteceu. Não precisava ser assim. Porque eles gostam de verdade, meninos e meninas. Óbvio que gosto também. E você gostaria se largasse a hipocrisia de lado e experimentasse. Um pouquinho só que fosse. É muito doce. Inocente. Delicado. Não tem essa brutalidade toda dos adultos. Faço com carinho, afago a pele, penteio os cabelos. Faço sem pressa. Aqueles olhinhos curiosos me encarando. Tremulo toda vez como se fosse a primeira. Peço que me chamem por um apelido meigo, embora a maioria prefira ficar calada. Sem voz também é bom. Você sabe que não há idade para essas coisas. Minha mãe se casou com catorze anos. Cadê a lógica? Não tem. Lógico é gostar do cheiro da inocência, do jeito inseguro, da carne macia ainda intocada pelas neuroses todas da vida. Não tem como não amar. Tiro primeiro os sapatos, depois as meias, uma a uma, curtindo o momento. Não deixa de ser brincadeira. Adoro aqueles pezinhos rechonchudos, tenho vontade de morder. Toco cada um dos dedos e invento uma história engraçadinha para descontrair. Elas riem. A maioria ri. Digo que vamos brincar de outra coisa, puxo primeiro uma perna da calça e imitamos um saci, tiro depois uma manga da blusa e fingimos ser piratas manetas. Como o capitão Gancho. Vamos, assim, criando aventuras encantadoras, a imaginação delas é linda demais. Vai tão longe! A gente perde esse brilho quando cresce. Isso é cultural também. É o convívio social que bota maldade nas coisas. Que poda as asinhas. As coisas, em si mesmas, são puras. É a hipocrisia que destrói toda a beleza natural do ser humano, os gestos… É por isso que digo: não há problema algum nesse meu amor incondicional. Amor maior que eu. A princípio não há mesmo. Tanto que elas gostam da intimidade e da descoberta. Às vezes ficam um pouco assustadas, mas eu quase nunca as machuco, a não ser que elas mereçam. Há diabinhos, sem dúvida. Mas as angelicais são maioria. Passo minhas mãos calejadas por seus corpinhos inteiros, suas dobrinhas, meninos e meninas, tão iguais! Ficam paradinhos, imaginando o que vai acontecer, imaginando o que já está acontecendo, mas eles jamais chegam à verdade porque são inocentes demais para saber. Sinto a carícia profundamente. Pensar nisso me excita. Mesmo agora, só de falar, algo se movimenta dentro de mim. O sangue esquenta. O ventre se enche de vontade. A pele tensiona e arrepia. É uma delícia. Puxo-as para o meu colo, sinto os nossos corpos como se fossem um. Levanto minha blusa com delicadeza, convido-as a mamar. A brincar de mamãe e filhotinho. As boquinhas sem jeito me chupam os mamilos e gozam. Fecho os olhos e sou apenas mamilos. Então eu choro. Invariavelmente. Não houve uma vez sequer que não chorasse. Porque aquela sensação a traz de volta, reaviva a saudade enterrada tão fundo. Me faz lembrar demais do passado que nunca se foi de verdade. Eu choro. E peço. Eu rezo o tempo inteiro. Você vai dizer que não, todo mundo diz. Mas eu rezo o tempo inteiro. Eu peço com todo o coração. Que Deus a tenha, minha querida, minha vida. Que Deus a tenha.

*Publicado originalmente na Revista Ninhada nº 3.

domingo, 9 de abril de 2017

MEU PRIMEIRO LIVRO PUBLICADO: POR QUE A LUA BRILHA


Se você aguentou firme, cá está a segunda notícia literária que tem feito meu coração de escritor palpitar de alegria: meu primeiro livro acaba de ser publicado pela editora Cultura e Barbárie.

É um conto, disfarçado de ensaio científico, que retoma pontos fundamentais da história dos seres humanos e os fenômenos luminosos da Lua. Com intenção de avaliar as implicações culturais do projeto de Lei que visa apagá-la.

Você pode encomendar seu exemplar aqui: www.armazem.org. (Atualização: a tiragem se esgotou, mas você pode adquirir a versão ebook no site da Amazon, basta clicar aqui e começar a ler agora mesmo.)

O livro ganhou uma linda edição artesanal de Marina Moros, foi impresso com sistema de cera sólida e costurado à mão. São apenas 100 exemplares e numerados. Verdadeira exclusividade! Então garanta o seu enquanto é tempo que eu prometo autografar quando a gente se encontrar.

Confira só as fotos que eu mesmo tirei. Dá para ter uma ideia de como o projeto gráfico ficou incrível! Logo mais eu publicarei um trecho do livro para dar água na boca.





sexta-feira, 7 de abril de 2017

TESTEMUNHO OCULAR GANHA PRÊMIO LITERÁRIO


Esta semana me trouxe duas excelentes notícias literárias. A primeira delas é que o meu projeto mais recente, que eu já tinha mencionado num post anterior, ganhou o 3º Concurso Lamparina Pública na categoria Prosa.

Testemunho Ocular foi escolhido entre mais de 400 inscritos e deve ser publicado ainda este ano pela editora Lamparina Luminosa.

 
É um livro pelo qual eu tenho o maior carinho. E espero que logo ele chegue até você. Pode deixar que avisarei assim que tiver novidades.

E a segunda grande notícia da semana? Essa eu conto nos próximos dias. Aguarde! ;)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O INTERVALO MÁXIMO ENTRE OS TRENS É DE APENAS TRÊS MINUTOS


O xaveco começou na facul, os amassos foram na plataforma do metrô. Composição querendo entrar no túnel, mãos baldeando aqui e ali, línguas se apertando uma contra a outra. Ambas a favor. Não tem erro, bora lá! A parada seguinte foi a decisão de ter ou não ter a porra do bebê. Descarrilamento, trágico acidente. Minha mãe vai me matar! Que merda, você tem certeza? Não tenho de nada. É a solução, tamo junto. Conheço um médico, ninguém vai saber. Por que com a gente? Apagou a luz, problemas técnicos, morro de medo de ficar preso e ter que andar na linha. Mais uma estação e a família dela começou a falar em casamento. Foi combinado, só pode. Que enrolação é essa? Todo mundo casando, percebe? É a fase, só você não vê. Não estou pronto. Ano que vem, ano que vem. Pronto, foi lindo, feitos um para o outro. Até que a morte os separe. Pode parar, quero descer, eu não mereço isso. Crise dos sete meses à puta que pariu, chega, cansei. Vai desistir? Covarde! Não sou! Um segundo antes de apertar o botão de emergência ela diz que está grávida. De novo? De novo. Sério mesmo? Sério. Entendi. Achei que ia ser difícil, depois daquilo tudo. Eu tive medo de nunca ter filhos. A melhor coisa que aconteceu na minha vida, duas mulheres comentam naquele banco lá longe e eu consigo ouvir daqui. Será? Aviso dado, a próxima estação é a minha. Para que festinha em buffet?, o moleque ainda nem sabe andar! Não pode passar em branco. A gente aperta e vai nesse mesmo, anda logo, não temos tempo a perder. Um casal! Que maravilha. Para ter a experiência dos dois. É. Que cheiro horrível, tá sentindo? Passa rio aí embaixo? Alguém saiu de casa sem tomar banho, como consegue? Ah, já esqueceu como troca fralda? Logo agora que me livrei de um, começa a outra? Vai lá que é a sua vez, me deixa tirar um cochilo que tô precisando. Desculpe, por favor, esta linha passa na escola? Que formatura mais bonitinha, mamãe até chorou. Agora vai pra escolinha de criança grande, tá? Não chora... Saudade do tempo em que a gente podia viajar, descer no Jabaquara, pegar ônibus pro litoral. Com que dinheiro? Nunca fizemos isso! Mas a gente podia, se quisesse. Não tinha nada que prendia. Não me arrependo de nada. Parece bobo dizer, mas não me arrependo. Amo você. Vamos dar uma volta, só nós dois hoje, a gente merece. Jantar romântico, depois cinema? Não podemos demorar, meus pais dormem cedo, temos que pegar as crianças. Não se preocupe, só tem metrô até meia-noite.

domingo, 22 de janeiro de 2017

TESTEMUNHO OCULAR


Estou muito feliz neste final de semana, pois consegui terminar meu novo livro de ficção, uhuu! Que por enquanto tem este título, Testemunho Ocular. São 26 textos no total, além de uma espécie de prólogo. Alguns são curtos (o menor tem 4 linhas), outros são mais longos (o maior tem cerca de 10 páginas em formato A4).

(Bateu uma curiosidade? Clique para ler o conto Descoberta, que faz parte da coletânea.)

Os 27 textos foram finalizados ontem. Então começou o difícil processo de estabelecer uma ordem para eles


O livro investiga certos aspectos da realidade contemporânea, em que o regime de visualidade predomina, e tudo parece exposto, revelado, evidente. Esta realidade das câmeras, dos compartilhamentos de intimidades, do ver para crer. Os textos tentam colocar isso em questão. Não de maneira opinativa, mas como provocações literárias. Eles também tentam encontrar brechas para o obscuro, o não dito, o incerto.

Não à toa, apresentam alguma estranheza, que nem sempre é fácil identificar. Às vezes a estranheza parece absurda, outras vezes ambígua ou misteriosa. Mas a inquietação é sempre a mesma: o que está dado a ver? O que permanece apenas entrevisto? Que tipo de dependência temos da imagem? Que verdade é essa que a imagem quer nos revelar? Até que ponto podemos acreditar nela?

Muito bem, muito bem. Então o livro está pronto? Que nada! Agora chegou a hora de pedir para os amigos mais próximos lerem. Depois de algumas conversas, revisões, modificações, mais conversas, incertezas, vontade de jogar tudo fora, calma, angústia, indiferença, revisões, modificações, palavrões etc., vou atrás de oportunidades de publicação. Será que demora? Sempre!

Tudo bem, faz parte. Espero que eu volte a falar dele aqui assim que possível.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

DESCOBERTA

Você desliza a palma da mão pelos ombros, como se eles a convocassem. Encontra de imediato aquele ponto de descamação na pele. Que injusto!, você pensa. Nem abusou do sol, como costumava fazer na adolescência! Usou filtro de fator cinquenta, reaplicou-o a cada duas horas, fez o que pôde para evitar manchas, alergias e envelhecimento precoce. Com pele clarinha não se pode bobear. Ainda assim... Você não se conforma, mesmo que seja uma descamação discreta, o que os outros vão pensar? Talvez uma boa lambuzada de Victoria’s Secret faça-a parar por aí. Que nada, você se engana, sabe muito bem que, uma vez rompida, toda aquela camada de pele precisa ser removida para dar lugar à nova, que vem de baixo, vem de dentro de você. Então não se acanhe, aproveite. É uma verdadeira realização puxar as pelezinhas que vão soltando como folhas de papel arroz, tão finas! A pele nova será melhor, mais forte e mais saudável. Você olha no espelho e lá está, já consegue vê-la, uma pequena superfície negra debaixo da sua pele branca mal cuidada. Enfia a unha nas bordas e levanta aos pouquinhos para não se machucar. A brancura exaurida se solta, as sardas se vão, aquelas pintinhas vermelhas que herdara de uma tia distante. A pele que se revela é negra e luzidia, tem brilho de ouro. A fissura se expande para o pescoço, você continua a puxar, está curiosa e também um tanto ansiosa para saber o que lhe aguarda. As dobras da orelha exigem certo cuidado. Por vezes a pele branca se rompe e você precisa reencontrar a ponta, como acontece, por infortúnio, nos rolos de fita adesiva. Com o atenuante que, no seu caso, as camadas não são transparentes, quase invisíveis; a que se vai é branca, a que surge é evidentemente negra, são fáceis de identificar pela diferença.

Julian Paulo Rodrigues

Você descobre, soterrado, certo orgulho pela nova pele, algo meio inexplicável ainda, que se manifesta como um sentimento de ancestralidade. Como se essa pele estivesse sempre com você, esperando ser descoberta. Seus olhos mudam de cor, a película que os recobria era fria e gelatinosa. O caramelo esverdeado se foi, no lugar as íris petroleadas são profundas e convidativas, são tão sensuais que você tem o desejo de mergulhar e se perder nos próprios olhos, como se fosse possível adentrar o espelho. A bochecha se estica e, como uma onda no mar, avança até o interior da boca; os lábios finos e pálidos dão lugar a outros, graúdos e úmidos. O nariz adunco ganha sinuosidade. Os cabelos claros, ressecados pela tintura, vão sendo descamados também, e no lugar se armam mexas volumosas, brilhosas e perfumadas. Você afunda os dedos nessas mexas e descobre um universo encantador, uma maciez que não se entrega fácil. Seu perfil já é todo negro. Você vira o rosto de um lado para o outro no espelho, apalpa, joga o cabelo para cima. É isso mesmo. Negra.

Agora falta o restante do corpo. Puxa a pele pescoço abaixo, o outro ombro empretece também, você se lembra daquele picolé minissaia e ri consigo mesma. Chocolate em cima, morango embaixo. As camadas de pele clara se acumulam aos seus pés e, meio translúcidas, lembram vestígios da cobra que cresce e já não cabe em si. A pele retesada dos seios deixa ver maior volume, e mamilos escuros, cor de vinho, intumescidos. Você se excita com a descoberta de si mesma. Desce pela barriga, contorce os braços para arrancar a brancura das costas sem rasgá-la, fica com uma espécie de saiote pendurado na cintura enquanto afaga a lisura da noite, sem pelos nem pintas. As mãos deslizam com suavidade e você poderia se acariciar para sempre, acaso dominasse a curiosidade de descobrir o restante. Não consegue, é a ansiedade que a domina, então você continua a revelar-se, desce a cintura e dá a ver as coxas como se enrolasse para baixo uma meia-calça usada. As nádegas são tão escuras como todo o corpo, não têm necessidade alguma de marcas de biquíni, elas são curvilíneas em si próprias. Os pelos do púbis encrespam e rareiam, as mãos deslizam pelas pernas como em tobogãs e puxam a pele frouxa joelho abaixo.

As curvas dos calcanhares são mais difíceis. Eventualmente algum pedaço se rompe e você precisa retomar a ponta, tudo bem, o que parece uma falha é na realidade a sola dos pés, mais clara do que o peito, não por isso menos negra. Sem dúvida existe um negrume naquela brancura, enraizada nos vincos, nas dobras, nas ranhuras contornadas entre os dedos do pé, nas unhas, nas cutículas.

Faltam apenas os braços, que ficaram esquecidos enquanto eles próprios revelaram o restante do corpo. Com a mão direita você tem mais dificuldade, acaba por se descobrir canhota, como é possível uma coisa dessas? Como nunca percebeu?

Puxa de uma só vez a pele inteira do braço, arranca a brancura ressequida dos cotovelos, admira os antebraços, livres das irreversíveis marcas do tempo. Agarra toda aquela camada com a outra mão e a puxa devagar para o alto, até revelar dedos de dorso escuro, e claros no lado da palma.

Você joga ao chão a pele que já não serve mais e coloca as mãos lado a lado, comparando-as. Uma é negra como a noite, a outra é branca como o dia. O sol agora se põe, é hora da escuridão chegar de uma vez por todas, sem timidez.

Então você termina o que começara meio sem querer. Será que não queria mesmo? Que receio a impedia? Lembra da pele branca como uma fantasia, na qual suas curvas e volumes cabiam mal, causavam desconforto, e entre outras mulheres você parecia sempre eclipsada.

Por instinto você lambe os braços e antebraços, sente o gosto puro e verdadeiro de si mesma. Percorre com a língua toda a superfície da pele, os cantos desconhecidos, as texturas. E como uma pantera você se sente limpa e poderosa.

Leva as mãos às narinas, fecha os olhos e sente o novo cheiro, o perfume almiscarado que seu colo, pescoço e cabelos exalam naturalmente. Uma fragrância doce e sedutora, muito mais sincera do que a doçura artificial da Victoria’s Secret. Sem qualquer segredo oculto, muito pelo contrário. Inteiramente revelada.

*Este conto, publicado no Correio Popular, faz parte do meu livro Testemunho Ocular, que ainda está em fase de leitura e revisão. Gostou? Clique aqui para saber um pouquinho mais do projeto.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

EXTRAORDINÁRIO


Vai ficar um troço extraordinário, dizíamos a nós mesmos com a convicção explosiva das crianças. Tínhamos acabado de aprender o adjetivo. A ideia nos instigava a continuar. Uhuu! Demais! Já pensou como será quando terminarmos? Tudo vai ser diferente. Quero ver quem terá coragem de tratar a gente desse jeito de novo. É, vão nos respeitar! Os adultos vão nos respeitar. E não só eles. Aqueles folgados do colégio vão ajoelhar e beijar nossos tênis. Seremos famosos no mundo inteiro. É!

Nós passávamos o tempo todo trabalhando na ideia. Desenhávamos durante a aula de português, trocávamos bilhetes codificados na aula de geografia, matávamos a aula de química para não perder o fio da meada. Química era, na verdade, grego. E continua a ser. A professora de artes gostou da ideia e nos ajudou em algumas etapas, mas é claro que não revelamos para ela as minúcias. Os nossos segredos supersecretos. Não éramos crianças estúpidas assim. Aquele era o grande projeto das nossas vidas. Incrível! Gigante! Um troço extraordinário! O mundo inteiro ia ver, cada país de cada continente ouviria falar de nós. Apareceríamos na televisão! Nem mesmo uma guerra conseguiria nos impedir.

Só fazíamos uma pausa para a educação física. Porque, bom, a gente jogava bola, era divertido. E todo gênio precisa de um descanso mental. Após três ou quatro partidas na quadra da escola, reuníamos a turma novamente para planejar os passos seguintes. Ninguém poderia descobrir, então cuidávamos para afastar os espiões com bexigas cheias de água da privada. Era um planejamento complexo. Desenhávamos cada detalhe numa cartolina branca, que emendávamos nas demais e pendurávamos com fita crepe nas paredes do quartinho de bagunça do Cabeça. Os pais dele nunca entravam lá, só a faxineira, que era nossa cúmplice. Assim o projeto estaria seguro.

Não vou dizer que foram só maravilhas. Às vezes custávamos a chegar num acordo. As assembleias do conselho duravam horas. Houve também questões resolvidas no tapa. No par ou ímpar. No campeonato de pum. Cada assunto demandava um método específico, bolacha Maria e leite com chocolate.

No meio do processo o Biró se afastou por um tempo, disse que não queria mais saber daquilo, não concordava com o jeito como conduzíamos o projeto. Muita pressão, coitado. Nossas expectativas eram altas. Ele queria mudar de assunto, fazer algo diferente, para variar. Mas nós queríamos continuar, então ele tocou a campainha uns três dias depois, contou que seus pais iam se separar e retomou seu posto na missão. Vai ser um troço extraordinário, gritamos juntos para selar o pacto. Biró engoliu o choro. Seu papel era fundamental na execução do plano, ele era o mais alto da turma.

Dediquei as férias de julho daquele ano ao projeto. Meu pai procurava trabalho, e mesmo quando os amigos viajaram eu continuei empenhado. Achei bom fazer sozinho, era mais fácil quando não precisava debater cada detalhe com a turma ou decretar questão de ordem a cada cinco minutos porque o assunto descambava mais uma vez para as figurinhas raras do Campeonato Brasileiro. Eu conseguia até jogar videogame nas horas vagas. Porém meu desempenho era apenas razoável, com aquele monte de coisas me atazanando a cabeça. Seria melhor ficar com a ideia só para mim? Os outros me odiariam se eu ficasse famoso sozinho? Dariam uma surra? Quem precisa de amigos que batem nos outros amigos? Se eu não roubasse a ideia, eles continuariam meus amigos para sempre? Assim me esquecia por completo das tarefas da escola, o que minha mãe fez questão de sublinhar quando sentenciou o castigo. Tudo bem ficar sem televisão, tudo bem fazer toda a lição das férias em apenas três dias, era por uma boa causa. Eu estava trabalhando no grande projeto da minha vida. Um dia ela entenderia. O sacrifício valeria a pena.

Eu dizia que nem tudo eram flores. Nosso troço extraordinário sofreu uma concorrência desleal no segundo semestre escolar, quando parte da equipe trocou as figurinhas de futebol por meninas do colegial. Não conseguiam falar de outra coisa, as hipóteses eram diversas, ficou impossível manter o foco. Percebi na hora que vivíamos uma crise. Eu quis me adaptar, sem saber direito como, então chegaram as provas parciais, os jogos interclasses, a feira de ciências, as provas de fim de ano, a recuperação, o Natal. Foi difícil. Com a saúde bastante debilitada pelo excesso de inconvenientes, nosso troço extraordinário não sobreviveu às longas férias de verão.

Seria um negócio como nunca visto! Talvez nos faltasse experiência para gerenciar um empreendimento daquele porte; talvez faltasse maturidade, como meus pais repetiam a todo instante. Talvez o troço extraordinário fosse, enfim, um pouquinho impossível, mesmo para nós. Não sei. São tantos imprevistos que atravessam o caminho das ideias mais incríveis! De tanto desviar, em algum momento nos perdemos.

Como seria quando terminássemos? Eu sonhava com esse momento. Depois pensava apenas em terminar. Depois planejava fazer, nem que fosse um tantinho por dia. Até que eu só me dedicava a tarefas mais urgentes, estava imerso nos outros projetos que o mundo tinha preparado para mim. Não havia mais tempo para o nosso troço extraordinário. Impossível, eu dizia, agora não tenho a menor condição! Todas as pessoas iriam me respeitar. Eu seria reconhecido, tudo ficaria diferente. Ninguém me trataria desse jeito. Nada seria banal, tudo seria grandioso. Muito bem, o que aconteceu? Sinceramente, não sei. Hoje é difícil explicar.

sábado, 8 de outubro de 2016

VOO NO ZOO


Entre escaravelhos, cronópios e bumbam meus bois, entre macunaímas, utopias e botos cor de rosa, havia aquela girafinha. Sim, eu a via. E ela voava! Baixo para uma girafa, alto o bastante para uma girafinha. Toda aquela liberdade frouxa nos céus! Coisa bonita de se ver, a girafinha. Depois pousava no galho. Bem ali, naquele galho, é. Entre gatos pardos e folhas de relva, entre nenúfares e tritões. Tantas árvores frondosas dentro da sua jaula e ela preferia a menor, mais próxima das grades de aço, de onde esticava a cabeça e comia amendoins nas mãos dos visitantes. Toda a gente de bem. Os cidadãos e citadinhos. Tinha o jabuti, o rinosoro, o macaco prego. Tinha a girafinha, coisa linda! Voava, pousava, comia os amendoins. Mascava junto uns dedinhos, os visitantes nem faziam questão, a gente boa. Croque croque, monsieur; croque croque, madame; croque como o crocodilo faziam falanges e metacarpos na mandíbula da girafinha. Que língua enorme!, admiravam-se os puritanos. Que esfomeadinha! Quando a família notava os cotoquinhos restantes na mão direita do papai, na mão esquerda da mamãe, nas mãos conjuntadas dos filhotinhos, todos achavam graça, riam das travessuras da girafinha. Ela voava de alegria. Passava o dia a exercitar sua liberdade assistida no zoo-safári. As famílias, fiéis, voltavam sempre. Pois adoravam esticar amendoins para dentro da jaula e alimentar a girafinha, mesmo que a maioria caísse por entre os dedos que já não existiam. A girafinha tinha um longo pescoço para alcançá-los no chão. A cada dia sua vivacidade era maior e maior. A cada dia voava mais e mais alto, mais alto do que as árvores, mais alto do que as grades de aço. O que nos deixou senão o vazio?

segunda-feira, 28 de julho de 2014

JORNAL DE LITERATURA

Entrei no vagão do metrô com o jornal em punho porque a viagem seria curta e o artigo era longo. Uma entrevista, na verdade, depois transformada em artigo pelo editor, que queria mostrar suas asinhas. Duas páginas inteiras de cima a baixo. Um jornal de literatura, claro. Porque somente jornais de literatura são capazes de publicar duas páginas inteiras sobre literatura. Nestes tempos em que apenas a exceção da exceção – no caso eu, personagem profunda – leria tanto a respeito de ler e escrever, ou sobre pessoas que leem e/ou escrevem. Enfim, pessoas dedicadas à nobre arte da literatura, que quase não existe mais. Em extinção por abandono e maus tratos, é essa a minha opinião. Pois bem, eu voltava de uma longa palestra sobre literatura, estava cansada, precisava me concentrar se quisesse acabar logo com aquela perda de tempo.

Os assentos estavam ocupados, todos eles, porque assim acontece no drama. Então me posicionei estrategicamente de lado, com as pernas tão abertas quanto as páginas do jornal – sem perder a compostura, obviamente –, com objetivo de evitar sobressaltos. Não suporto perder a linha e ter que retomar do princípio.

Ainda na primeira frase do primeiro parágrafo, logo após o título, ouvi um homem se introduzir na história. Penetramente.

Cê vem de onde memo?

Falava com voz afetada, meio gutural. Achei que estava bêbado, seria típico, mas depois notei certo problema de saúde, talvez deficiência nas cordas vocais. Tirei os olhos do jornal. A pergunta se direcionava a uma mulher de jeito bastante humilde, tadinha, que viajava perto da porta. Respondeu baixinho. Vim do Jardim Paulista, vou pro Brás.

Não se conheciam, era evidente. Ele solto; ela encolhida, constrangida. Ele estava exatamente no centro do vagão, dependurado como um babuíno, os dois braços agarrados ao tubo de metal preso no teto, mal se apoiando nos pés, balançando de um lado para o outro conforme o trem o conduzia. Balançando de modo irritante. Sem modos, para ser sincera.

Recomecei a leitura do artigo. Cê vem de oooonde memo?, quis saber o sujeito pela segunda vez, e me deixou inclinada a perguntar se era surdo ou bobo. Não poderia responder, fosse o que fosse; além do mais, achei prudente manter distância. Talvez estivesse provocando a coitada. Tenho medo de confusão. Já vi um pouco de tudo acontecer nos últimos anos, o nível desceu demais. Inclusive no metrô, que já não é como costumava ser. É bom ficar atenta. Sempre atenta.

Incomodada com a situação, a mulherzinha olhou ao redor e falou mais alto, um alto ainda acanhado: vim do Jardim Paulista. Vou pro Brás. E se recolheu novamente, abraçando a bolsa com a força que dispunha, e que não era muita. Escondeu-se atrás do nó.

Desviei os olhos para não parecer enxerida. Brááááss..., repetiu o sujeito, com calma, lentamente, ruminando as vogais, em especial as vogais abertas. Como se sonhasse com ninfas bailando no paraíso. E o paraíso fosse o Brás. E aquela mulher fosse uma ninfa, talvez. Que visão doida. Sua voz soava ainda mais grave.

Nesse ponto, minha única certeza era que não conseguiria concluir a leitura a tempo, uma vez que sequer havia começado, e compreender isso me fez sentir uma impertinência. Tentei apressar os olhos.

Linha um...

Cê vai pro Brás, é?

Sim, Brás.

Cê mora lá?

Linha um.

Moro.

Do Jardim até o Brás...

É.

Jornal de Literatura, linha um.

Que tem no Brás?

Moro lá. Não tem nada.

Nada?

Literatura!

Nada especial.

Bráááás. Não conheço o Bráááás.

É... Eu sim.

Jesus! Literatura!

Cê faz isso todo dia?

...

O caminho...?

É, faço.

Jardim Paulista. Até o Brááás.

Concentração, concentração, concentração.

U-hum.

É.

Vamos lá, você consegue. Linha um.

Eu não. Eu não conheço o Brááás.

Deixei a cabeça cair, derrotada. Espiei. A mulher disfarçava o olhar do homem, que atravessava sua pele até as entranhas. Atravessava a bolsa, o constrangimento, os bons costumes, a vontade de chegar logo em casa. Ele ria. Eu quase podia ver sua saliva escorrer pelos cantos da boca, fazendo espuminha. Ainda tinha receio de que fosse um psicopata, desses da TV. Que seguisse a pobre mulher pela estação e sabe-se lá que tipo de atrocidade cometeria.

Literatura!

Tenho visto muitos casos assim, de lunáticos agressivos. É essa sociedade de hoje, essa correria, solidão, essa virtualização das relações sociais. Eles agem sem razão aparente. Estão todos soltos por aí.

O sistema de som do trem anunciou a chegada à estação Brás. Achei que saltitaria de alegria; a mulher, entretanto, não esboçou qualquer reação, fingiu não prestar atenção no homem que a encarava. Sabia lidar com esse tipo de gente; a infeliz devia passar por isso todo santo dia, supus. Todavia, desceu do trem, caminhou sem pressa pela plataforma, sem olhar para trás. Sem pressa mas com firmeza. Decidida.

O esquisitão continuou dependurado. Tive a impressão de que lhe escapuliu um tchau indeciso, ou talvez fosse imaginação minha. Pensei que agora se voltaria para mim. Não aconteceu. Dei graças a Deus por ter bastante gente no metrô, mesmo àquela hora. A mulher sumiu de vista sem averiguar se aquele sujeito a seguia. Achei corajosa, num primeiro momento. Achei-a irresponsável depois, sem consciência do perigo. Por fim, pensei que talvez estivesse sendo paranoica.

Tentei reiniciar a literatura. Quer dizer, a leitura. Tentei reiniciar a leitura do Jornal de Literatura. Artigo longo, linha um, aqui.

Ora, o homem estava apenas puxando assunto, certo? Eu que fiquei assustada. O que me assustou? Sua deficiência de fala? O descontrole do tom da voz? Ou ele puxar assunto com uma moça qualquer no metrô, na frente de todo mundo, com tamanha indiscrição. Esse seu descabimento.

Tirei os olhos do jornal, botei-os no homem, sujeitinho curioso, que continuava a balançar para lá e para cá, para lá e para cá, para lá...

Despertei com um solavanco. Não tinha como saber. Não é uma atitude comum, ainda mais nos dias de hoje. Não estou acostumada a essas coisas! O mundo está perdido, même.

Não era problema meu, na verdade. Só me dizia respeito o que o escritor, do qual eu não gostava nem um pouco, pensava da literatura; isso sim me interessava, só para poder criticá-lo depois, com fundamento. O homem deficiente que procurasse sua turma.

Jornal de Literatura, linha um.

Queria me concentrar. Só que fiquei repassando, de cabeça, aquela história toda. Que se fazia ali mesmo, numa composição do metrô.

Maldita literatura contemporânea.

Chegou minha estação. Só iria até aquele ponto.

Dobrei o jornal com delicadeza, coloquei-o na bolsa, tomando cuidado para que a tinta preta não sujasse o forro. Saltei na plataforma. O trem levou meu personagem para longe, eu acho. Aquele ser infinitamente superficial.

sábado, 12 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (POSFÁCIO)

Talvez você tenha sido amada também, embora não tenha se encontrado nestes relatos. Talvez eu não me recorde, talvez não deva falar. Talvez tenhamos nos visto apenas uma, duas, muitas vezes. Talvez não o bastante. Talvez a gente ainda não se conheça. Talvez não o suficiente. Talvez pareça que me apaixono fácil, mas não é verdade; a maioria dos casos foi puro platonismo. Talvez eu ainda ame você. Talvez nem mesmo eu saiba. Talvez ainda venha a amá-la. São as incertezas, essas imprecisões e indecisões, que fazem do amor uma aventura viva, pulsante, tão memorável. Tanta gente se dedicou ao amor ao longo da História! Tanta gente se dedicou 'simplesmente' a amar, às suas próprias histórias de amor. Não sou, nem de longe, pessoa apropriada para dar voz aos grandes anseios e mistérios da humanidade. Tenho meras lembranças. Meia dúzia de recordações. Que talvez sejam verdade, talvez não. Seja como for, são obras da minha cabeça. Talvez do coração.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (12)

Enquanto realizava as pesquisas para o mestrado, caí de amores pela artista que permanecia no foco das minhas atenções. É natural que o interesse gere mais interesse. Não seria nada excepcional caso ela não estivesse morta há trinta anos. Mesmo assim eu me sentia próximo, folheando seus escritos, descobrindo suas obras, assistindo aos seus filmes. Era como se pertencesse ao seu mundo, um pouquinho que fosse. O qual, de tão encantador, me fez apaixonar.

Uma certeza que tive, talvez a única certeza que se permita ter, é que o amor não cabe no tempo, no espaço, numa língua ou numa cultura específica. Ele avança fronteiras. E reside aqui e ali consecutivamente, em ambos os territórios, independente da nossa vontade. Numa ambiguidade sedutora.

Lygia tinha temperamento difícil. Discordávamos com frequência. Porém sua obra causava fascínio e admiração, então eu deixava as desavenças de lado para me dedicar inteiramente aos elogios. Conheci o universo pelo seu ponto de vista. Pensei as relações humanas segundo a sua perspectiva. Cada aspecto seu emergia e me transformava. Não tinha outra maneira de agradecer senão agregando pontos positivos às suas memórias.

Foi muito difícil deixá-la. Contudo, era preciso. Voltar as costas, seguir adiante. Trouxe uma parte preciosa comigo. Não suas pinturas e esculturas, que até valem um bom dinheiro. Trouxe experiência de vida. Fé na liberdade. Vontade criativa. Não tem dinheiro que compre essas coisas. Aliás, o dinheiro nem sabe o que significam.

Toda vez que me deparo com uma nova pesquisa sobre arte, sei como Lygia pensaria. Ou pelo menos eu imagino com tamanha convicção que faço realidade da ficção. E vice-versa. De todo modo, é sempre ela que vem. Sempre em primeiro lugar. Como um amor do passado que eu jamais esqueci.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (11)

Não tenho condições de esmiuçar o grande amor da minha vida porque ele não cabe aqui; eu teria que escrever um romance, talvez uma trilogia, como está na moda. Nem mesmo assim... a literatura não daria conta, é muita responsabilidade. Além do mais, o amor é nosso, tem a nossa cara, o nosso jeito; duvido que interesse aos leitores.

Posso compartilhar apenas uma lembrança, que no fim das contas resume bem o casamento. Uma cena. Assim:

Eu quero sanduíche, Juliana quer sopa. Inclusive, ela quer que eu tome sua sopa também. Levo meia hora persuadindo-a de que podemos muito bem jantar juntos com ela tomando a sopa e eu comendo o sanduíche. Gera um atrito mas ela concorda. Preparamos os pratos, sentamos para jantar. E ela come o meu sanduíche.

Rimos. Tomo a sopa, que estava gostosa, até.

Passamos então a planejar o cardápio do dia seguinte.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (10)

Já amei mulher casada. Sim, já. Para melhor ou para pior, acredito que ela me amou também, e ficou esperando um movimento meu para reviver o universo em seu estado de caos. Não seria um ato fugidio, ou ato falho, isso nunca me interessou; seria aposta das grandes, daquelas que põem tudo em risco. Acredite, milhares de possibilidades passam pela cabeça de quem ama nessas condições. Porém as cartadas nem sempre são decididas ali, na cabeça, e algumas daquelas possibilidades por vezes se tornam fato.

Eu estava solteiro na época, sem namorada nem nada. E achava inconcebível não poder amá-la porque um dia, num passado não tão distante, Giovana decidiu se comprometer por toda a vida. Não fazia sentido. Era tão jovem! Tão jovem quanto eu. E, no limite, restava a nós somente uma parcela da vida para sermos felizes.

Sabe, a traição é sempre questão de egoísmo. Não é um moralista que fala, ok? Penso isso friamente. Pode ser que a mudança compense, afinal; não dá para estabelecer uma regra. Mesmo assim, quando a jogada dá certo e os envolvidos ficam bem, ainda me parece egoísmo. Por causa do desejo de romper uma relação somente para iniciar outra. Porque essa outra seria supostamente melhor. Pura tentação. Uma cilada que pode terminar mal. Enfim, é amor. E amor não tem mesmo fundamento, de nada adianta querer justificá-lo.

Fato é que hoje o casado sou eu. Só quando me comprometi é que pude entender o poder do rito. Não foi antes, não foi quando achei que convinha casar. Foi na hora do sim. Compreendi que não se trata de abrir mão de outros amores. Mas, sim, de me dedicar inteiramente ao meu; aquele que provou valer a pena.

Ainda, uma aposta. Que beco sem saída!

Veja bem, sem arrependimentos, continuo a amar mulher casada. A minha.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (9)

Já tentei amar com objetivo de esquecer outro amor. Foi patético; óbvio que não deu certo. Porque não se anula um amor com outro, assim como não se divide o amor em dois. Amor apenas soma. Se o resultado não confere, sinal de que algo na equação está errado – convém rever os elementos.

Insisti durante um tempo. Pouco, na verdade. Para minha sorte, Júlia percebeu e não se deixou enganar. Foi mais esperta, pois eu nem sabia que a enganava. Aliás, enganava a mim, a ela e a meu outro amor, o verdadeiro.

Nossa relação, na qual eu depositava uma quantia incontável de esperança, ingênuo que fui, rompeu de uma hora para a outra, tamanha a sua inconsistência. Desandou. Até nisso eu me enganava.

Investi meu espírito na ciência do amor, por mais incompatíveis que fossem, a princípio. Jamais consegui explicar a razão. De algum modo, acredito que ela compreendeu. Não precisou da lógica, apenas do sentimento. Achei-a forte, decidida. Foi gentil comigo. E desapareceu.

Fiquei livre para me dedicar ao amor primeiro, aquele que eu tentava esquecer sem sucesso, que originou toda a discórdia. Também ele não deu certo, coisa que eu sabia desde o início. Repassei cada uma das suas questões, revisei os dados, adicionei pontos positivos, subtraí pontos negativos, contei demais com conjuntos vazios. Procurava uma resposta esclarecedora. A solução era sempre igual. Tratava-se de um amor impossível.

domingo, 29 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (8)

A primeira vez que chorei por amor foi aos dezoito anos. Foi também a primeira vez que amei de verdade. Porque existem amores e amores; isso eu fui descobrindo com o tempo. Não que os outros sejam falsos – é que o amor verdadeiro tem algo de especial. Difícil defini-lo. Só que a gente sabe quando é.

Esse amor veio misturado com uma vontade de descoberta, uma paixão à primeira vista, uma situação delicada e uma amizade insustentável. Aconteceu logo que ingressei na faculdade. E quatro anos conflituosos se seguiram. Posso afirmar que a disciplina mais complexa de toda a graduação foi amar. Quando finalmente aprendia a lição, era mais uma vez posto à prova, e custava muito a me recuperar. Ainda hoje acho que o tema é uma irregularidade em meu currículo. Jamais irei dominá-lo. Jamais ficarei à vontade com ele.

Como obra do destino, conheci meu amor no primeiro dia de aulas. Não é bonito? Melhor dizendo: eu a vi no primeiro dia; a gente só se conheceria mais tarde. Estava sentada num banco, entre as árvores, solitária. Um fichário aberto sobre o colo, concentrada na leitura. Nunca esqueci a cena. Cheguei a questioná-la numa oportunidade, ela não se lembrava. Deve ter ficado ali por um instante só; instante que tomei para mim.

O destino continuou a me seduzir. Ao perceber que estávamos na mesma turma, tive certeza de que Inês seria o amor de minha vida. Essas certezas que a gente tem... põem todo o resto em questão. Não demoramos a conversar. Nem a descobrir uma ligação muito forte.

Mas eu era lento. Inexperiente. Inseguro. E ela carregava um pretenso caso desde o colégio, que germinou nas brechas que deixei. Nas minhas falhas. Quando me dei conta, éramos amigos muito próximos, de um jeito como nunca tinha experimentado, e ela namorava outro, talvez enquanto aguardava minha tomada de decisão. Pode ser fantasia minha, claro. Mesmo assim, sei que não era amor que a unia ao namorado. Ao menos não naquele início. Era uma aposta às cegas.

Simplifico a relação, falando desse jeito. É muito difícil resumir quatro anos tão intensos, tão cheio de altos e baixos. Tampouco acredito ser necessário. Minha falta de iniciativa era inocente demais, e acabei culpando o bom caráter por não deixar com que abrisse meu coração a uma amiga comprometida. Eu não queria lhe provocar transtornos, então optei por guardar todos para mim. Não achava justo. Por uma questão moral, talvez. Acho que foi essa a desculpa que encontrei para aceitar a situação. Ou para tentar superá-la.

A ligação que tínhamos pendeu para o meu lado. Ela me tratava com frieza para conter meus ânimos acalorados. Sonhei, sofri. Amadureci.

Lembro que aprendi a tocar Beija Flor, do Cazuza, porque era sua música favorita. Passei a gostar da música também. Forcei encontros, deixei-a constrangida, exigia o que ela não podia dar, exagerava na dose de proximidade. A demasia foi um problema. Porque o amor transbordou. Amei-a intensamente sem poder avançar um limite tênue – e opressor. O excesso acabou por desgastar o amor.

Chorei a primeira de diversas vezes, como se chorar esvaziasse a reserva de lágrimas. Descobri que o amor pode ser tão grave quanto delicado; as duas coisas ao mesmo tempo. Ele atravessa tormentas mas falece num sopro de vaidade. Numa atitude não assumida. Numa hesitação. Num ímpeto não correspondido. Basta uma palavra errada e sua solidez se esfacela.

No meu caso, não houve palavra alguma, esse foi o problema. O que restava para ser dito, o que não estava subentendido, já não tinha vitalidade. A angústia, insuportável; ergueu uma barreira entre nós. Nem a amizade podia vencê-la. Carregamos o fardo até a colação de grau. Depois não tivemos como manter contato. Exceto, talvez, em parcas tentativas de fulminar algo tão mal resolvido. Um email, uma lembrança.

Encontrei-a uma vez mais, alguns anos depois. Foi um encontro necessário. Somente para saber se pudemos superar a nós mesmos. Foi um encontro divertido. Que logo esqueci.

Nem todo amor verdadeiro dá frutos. Assim como nem toda certeza sobrevive ao tempo. É preciso aceitar isso. Nada é absoluto. Aliás, o amor não precisa disso para existir. Nós é que impomos tamanha ingratidão a ele. O amor não precisa de condição. Precisa, sim, ser incondicional.

Este deveria ser um dos meus relatos mais comoventes, dado o que significou em minha vida, porém não dou conta dele agora nem consigo descrevê-lo conforme gostaria, sem soar brega. Era para ser o relato mais sincero também. Mas está cheio de linhas duvidosas, caminhos discutíveis, pontos de vista não correspondentes aos fatos. Uma trama maliciosa. Ainda que buscasse somente um final feliz.

Acontece que os finais felizes são os mais manipulados. Os mais distantes da vida comum. Porque nenhum amor acaba bem. Não tem como acabar e continuar bem. Ao contrário, é a felicidade que dura enquanto houver amor.

Quando o fim traz a sensação de bem estar, estou certo de que é porque o amor já não existia. Ao menos não o amor verdadeiro.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (7)

Houve amores – poucos, admito – que dispensei. Amores que não podia corresponder. Aprendi com eles. Inclusive, acredito que aprendi a ser mais amoroso quando não correspondia a alguém que me amava. Aprendi também a lidar melhor com a situação contrária, quando eu propunha o amor e nada obtinha em contrapartida – isso sim aconteceu um punhado de vezes, diga-se de passagem.

O primeiro desses amores veio de uma amiga e me pegou de surpresa. Eu jamais a imaginara naquelas condições, e quando descobri já me amava – ou queria amar – havia tempos. Ela 'gostava' de mim, como costumávamos dizer. E eu meio que gostava também, só que não do mesmo jeito. Aliás, não sei se gostava, fosse do jeito que fosse.

Não foi por maldade, entenda bem. Eu somente não conseguia vê-la assim. Nunca disse nada diretamente, foram os amigos em comum que intermediaram a conversa toda. A amizade se transformou, claro. E não durou muito tempo mais. Amar tem suas dádivas e seus pesares. Sem rancor, entretanto. Hoje, sou grato pelo que Ângela me ensinou. Espero que me tenha do mesmo modo.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

LEMBRANÇAS DE MEUS AMORES (6)

Patrícia foi mais uma admiração do que propriamente um amor; contudo não acho estranho citá-la aqui. Frequentamos os mesmos lugares durante anos. Sei que ela me admirava também, ainda que não tenhamos trocado mais do que meia hora de papo. Era gordinha e divertida, estava sempre sorrindo. Seu bom astral contagiava. Ficou um tempo sumida. Voltou esquelética, indiferente, nem parecia a mesma pessoa. Vieram dizer que estava anoréxica. Mas por quê? Que bobagem é essa?

Deixei de frequentar aqueles lugares. Isso faz anos. Não tive mais notícias dela. Procurei-a diversas vezes depois, nas redes sociais de que participei, sem jamais encontrá-la. Seu sobrenome era bastante incomum, não deveria ser tão difícil. Também não tive coragem de perguntar aos poucos conhecidos que compartilhávamos, e com quem não tinha tanta intimidade assim. Receio que a doença a matou. Seria uma perda lastimável. Fico triste por imaginar isso, e me dou conta de que falo dela com verbos no passado. Pretérito imperfeito.

Eu gostaria que Patrícia estivesse bem. De verdade. É tudo o que me resta.