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segunda-feira, 23 de março de 2009

CONSIDERAÇÕES ACERCA DE UMA VIAGEM

Em setembro de 2008, pude realizar um sonho antigo: conhecer a Itália. A experiência rendeu as duas crônicas abaixo e, sinceramente, restou assunto para muitas outras mais. Este é o poder que as viagens exercem sobre nós – elas ajudam, antes de tudo, a ampliar nossos horizontes.
A respeito das confusões culturais geradas pela globalização, assisti ainda esta semana a um documentário em que um psicólogo da USP falava sobre como, no nível do chão, todas as grandes cidades são parecidas. Não me lembro o nome do sujeito, mas suas análises eram muito impressionantes. Por exemplo, dizia ele que em Paris, Roma ou São Paulo, as pessoas possuíam objetos, gostos e comportamentos muito semelhantes. Para nos sentirmos realmente nestas cidades, precisamos olhar para cima, ou seja, para os prédios antigos, para o relevo etc.

Percebi isto claramente quando estava na Itália. Um pouco destas sensações você pode conferir nestas duas crônicas.


Sempre que arrisco umas voltas por aí, meu objetivo é conhecer algo novo, sentir uma nova sensação, ver gente, absorver culturas, revisitar meus próprios valores e experimentar sabores, cheiros e cores, ainda que esse “novo” seja mais antigo que a própria humanidade. É novo para mim. Posso ter visto fotos, ouvido relatos e pesquisado muito, mas vivenciá-lo tende a mudar completamente a percepção do assunto.

É verdade que cada pessoa busca uma coisa diferente em suas viagens. Imagino que alguns queiram fugir do próprio mundo, ou visam status, compras, solidão e por aí em diante, enquanto outros não fazem a menor idéia dos reais motivos que movimentam seus pés.

Estive recentemente na Itália para conferir de perto a arte que por muito tempo só se apresentou a mim por meio de fotografias e livros. Mas não era só por isso que eu estava lá. Queria também conhecer um pouco desse povo que, dizem, tanto se parece com nós e que, ao mesmo tempo, não tem absolutamente nada a ver. Queria comer pizza. Ouvir uma língua diferente. Observar como eles se vestem, como dirigem seus automóveis por ruas medievais e como convivem com um passado proibido de morrer, agonizando em cada esquina com estátuas, ruínas e cartões postais.

Sem sombra de dúvida, o melhor resultado da viagem foi a diferença entre a expectativa e a realidade. Em relação à arte, tudo correu perfeitamente bem, embora não possa dizer o mesmo do resto. Ao caminhar por Roma, Florença e Veneza, encontrei tanta gente de tantos cantos do mundo que foi difícil me sentir na Itália. A mocinha ao lado falava alemão, as placas estavam em inglês, o guia no meu fone de ouvido explicava em espanhol e, de vez em quando, acontecia de eu ser atropelado por revoadas de japoneses.

Descobri que as cidades turísticas da Itália são uma completa confusão de culturas e que, por causa disso, não têm o espírito que eu esperava encontrar. O que menos vi por lá foram nativos. Grande parte dos restaurantes não serve comida legítima, do dia-a-dia, mas aquilo que o turista acredita ser típico do país. Cheguei ao ponto de questionar comerciantes em italiano e receber a resposta em espanhol. Acho que eles nem reconheciam suas palavras. Falavam “turistês”. Também aprendi a dizer “oferta” em seis línguas diferentes, tropeçando nas milhares de caixinhas que os padres espalham pelas igrejas.

Que crise de identidade! Nada era como eu imaginava, o que me fez achar graça justamente desta minha expectativa. Sentei num banco da Piazza di San Marco, olhei para a multidão ao redor e tentei descobrir o que eles faziam ali. Por que deixaram seu país e vieram se acotovelar num lugar tão distante? O que esperavam encontrar?

Comprovando que os novos ambientes têm o poder de mudar nossa percepção, comecei a questionar o que eu mesmo buscava ali. De certo modo, me senti passeando pelo Second Life, aquele programa que gera uma vida paralela na internet e onde todo tipo de etnia se encontra para conversar, pois Veneza parecia um tanto quanto virtual. Voltei para casa sem ter muita certeza de ter estado na Itália.

Ainda bem que não foi o tempo todo assim. Caminhando por ruas pouco movimentadas de algumas cidades menores como Arezzo, Verona e Assis, pude me sentir um pouco mais no país de meus devaneios. Mas agora, sentado em minha escrivaninha para reorganizar essas impressões, tento descobrir qual é a verdadeira Itália: a que encontrei ou a que esperava encontrar.

Questão difícil. No livro A arte de viajar, o filósofo Alain de Botton diz que “o mundo é complexo o bastante para que dois quadros realistas do mesmo lugar sejam muito diferentes, dependendo do estilo e do temperamento do pintor”. Em outras palavras, enxergamos apenas uma parte da paisagem à nossa frente – a parte que queremos enxergar. Nossa percepção funciona exatamente deste modo, como se estivéssemos observando um assunto para reproduzi-lo na tela, destacando um detalhe e deixando outros de lado.

Essa idéia consola bastante, pois me faz acreditar que vi a Itália que o momento e o meu “temperamento” permitiram. E, sinceramente, fico feliz por ter sido diferente da imagem que fazia dela. Isso dá um toque de realidade à situação.

São muitas itálias, muitas pessoas e muitas visões. Daí, tirei duas conclusões: 1) É muito válido tentar descobrir que motivos nos levam a sair por aí, mundo afora, explorando; 2) Depois, convém deixar esses motivos de lado e lançar-se ao lugar de cabeça aberta, sem preconceitos, absorvendo tudo como se jamais tivesse ouvido um só comentário a respeito. As coisas vão parecer mais verdadeiras, você vai enxergar além daquilo que espera encontrar e poderá curtir a experiência de se ver em um novo contexto.

Mário Quintana uma vez escreveu que lhe bastou ler dois romances para compreender que “o enredo é o pretexto, e o essencial a atmosfera”. Acho que o mesmo vale para a arte de viajar. Se você conhece ou não seus motivos, tudo bem, o importante é sentir o lugar. Afinal, nossa disposição mental dirá mais que o próprio destino.