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quarta-feira, 11 de março de 2009

QUEM TEM TEMPO PARA MAIS ESSA?

Esta crônica é de 24 de abril de 2008 e fala sobre um assunto que muito me perturba – estou em constante conflito com o tempo. Tenho a sensação de que nunca tenho tempo para nada, tudo é sofrido, tudo é corrido. Mas, quando consigo tempo livre, sempre arrumo alguma coisa para fazer. E arrumo rapidinho, chega a ser cômico. Ultimamente, tenho pelo menos deixado de reclamar. Faço o que dá e pronto, foi o que deu para fazer. O que não deu fica para a próxima. Se não for assim, enlouqueço a mim e os outros ao meu redor.

A respeito da provocação no final, apenas uma leitora conseguiu me responder a tempo. Fez uma bonita reflexão sobre a vida e sou muito grato por ela. Aliás, gosto muito de saber como os leitores recebem meus textos, portanto, escreva sempre que puder. Se tiver tempo, claro.

Quando relia minha última crônica publicada (sobre o trânsito caótico das grandes cidades e os preciosos minutos que nós perdemos com ele) e considerava a possibilidade de uma continuação, recebi o telefonema de um amigo dos idos da faculdade e de repente soube que, coincidência ou não, tudo em nossa vida é uma questão de tempo. Esse amigo foi especialmente importante na minha escola filosófica acerca do assunto, pois sempre representou o oposto da infalível pontualidade britânica e tinha uma teoria bastante curiosa para explicar seus atrasos costumeiros: nascera meia hora atrasado e, conseqüentemente, esse lapso tem se prolongado durante toda a sua vida!

Brincadeiras à parte, a influência do tempo em nossa sociedade é algo que realmente preocupa, por mais assimilada que já esteja e, pior ainda, por mais suscetíveis a ela que sejamos. Quem já reservou alguns minutos para refletir seriamente sobre as razões e conseqüências dessa escravidão voluntária?

Nas últimas duas semanas, estive me perguntando quando foi que a noção de tempo apareceu pela primeira vez e o que teria levado homens e mulheres a desenvolver matemática tão complexa, pois, na minha concepção, o tempo nada mais é do que um cálculo – a busca de um padrão nos estímulos sensoriais à nossa volta e no qual ficamos tentando nos encaixar.

Em outras palavras, acredito que a noção de tempo deve ter sido criada para que esses humanos primitivos soubessem não apenas quando era dia e quando era noite – mesmo porque isso não deveria ser muito difícil de adivinhar –, mas justamente quantos dias e noites eram necessários para as flores desabrocharem, para as árvores darem frutos, para a neve cair e para as mulheres ovularem.

Será que foi assim? Não sei, mas, de qualquer maneira, imagino que deva ter sido por algum motivo ligado à sobrevivência. Aliás, tudo me leva a crer que os homens só pensam, inventam e se põem a buscar soluções quando se sentem realmente ameaçados de extinção.

Eu gostaria que alguém me explicasse como era a vida antes do relógio de pulso, da agenda via web e do despertador. Como os antigos gregos, por exemplo, marcavam seus encontros e não perdiam a hora? Como os romanos, antes mesmo de Cristo, das igrejas e dos sinos, faziam para não chegar atrasados ao trabalho? Como não perder a estréia de uma peça de teatro ou voltar para casa em tempo de impedir a ira dos pais mais rígidos?

Podem parecer ingênuas, mas essas perguntas têm sua importância. Em primeiro lugar, mostram que havia vida antes do relógio e que, se soltássemos as amarras de nossos pulsos, ela continuaria existindo. O controle do tempo é nosso – ou deveria ser –, já que fomos nós que inventamos tal medida.

Para mim, o horário de verão é sua prova mais concreta. Como é que os brasileiros combinam entre si, adiantam ou atrasam seus relógios em uma hora – avançam e retrocedem no tempo –, e continuam obedecendo a suas rotinas normalmente?

Outro ponto: se o mundo for acabar num dia específico – como prevêem muitas religiões –, será que a destruição começará pelo Japão? Afinal, de acordo com nossa idéia de tempo, quando aqui no Brasil é noite, lá já é o dia seguinte, e seria uma grande sacanagem de Deus chegar atrasado ou, ainda, adiantar nossa aniquilação sem nem mesmo deixar um recado após o bip.

Trabalho em um mercado (publicitário) em que os profissionais não têm muita noção do significado da “vida anterior à morte”. A maioria aceita de bom grado trabalhar dias e noites sem descanso, sem horas extras remuneradas, sem fins de semana etc. É um mercado povoado de workaholics que se deixam explorar e vivem brigando por mais prazo, mas não por mais vida útil. Infelizmente, sei que essa demência também se aplica, em maior ou menor grau, a diversas outras profissões.

Pois minha proposta é que todos analisem um pouco essas (suas) atitudes.

Certa vez, conversando com aquele amigo que nasceu atrasado, propus a criação de um teletransporte para que pudéssemos atender aos nossos compromissos sem gastar horas no trânsito e, assim, ter mais tempo livre para aproveitar a vida. Ele me respondeu com uma verdade incontestável: “Se essa máquina fosse inventada, logo estaríamos marcando reuniões com intervalos de trinta segundos entre uma e outra, e novamente não teríamos tempo livre”.

Pois é, acho que somos um tanto injustos conosco. O tempo foi calculado para ser usado em nosso favor, não o contrário. Ainda assim, nós não temos tempo para fazer nada – é o tempo que nos tem. Não sei de vocês, mas eu estou aqui para ser feliz. Sugiro que experimentem também. Quem conseguir um tempinho, pode começar se perguntando o significado da expressão “qualidade de vida”. (agora, desculpe a pressa, mas será que tem como dar a resposta até a hora do almoço?)