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domingo, 13 de dezembro de 2009

A ELEGÂNCIA DO OURIÇO - PALOMA


Muriel Barbery

“Se tem uma coisa que detesto é quando as pessoas transformam em credos sua impotência ou sua alienação.”

Sabe, depois de apresentar a concierge Renée, senti uma necessidade imensa de escrever também sobre Paloma, a outra personagem central do romance A elegância do ouriço, da filósofa francesa Muriel Barbery. Trata-se de uma menina de apenas doze anos, filha de um dos oito proprietários do rico edifício da Rue de Grenelle, onde Renée trabalha. Mais inteligente do que as crianças de sua idade e mais consciente das suas obrigações com o mundo do que a maioria dos adultos, Paloma está em crise. Planeja colocar fogo no apartamento e se matar em seguida ingerindo calmantes roubados da mãe, não por pura rebeldia, mas com o bonito intuito de trazer sua família alienada de volta à realidade. “Sem apartamento e sem filha, talvez eles pensem em todos os africanos mortos, não?” Ela deseja que o pai covarde, a mãe hipocondríaca e a irmã pseudointelectual redescubram a vida e o sentimento humano que deveria movê-la.

“Aparentemente, de vez em quando os adultos têm tempo de sentar e contemplar o desastre que é a vida deles. (...) ‘Que fim levaram nossos sonhos de juventude?’, perguntam com ar desiludido e satisfeito.”

A crítica de Paloma é ácida e irônica. Tanto na escola quanto em casa, ela se esforça para parecer mais idiota do que é. Suas preocupações são profundas e inquietantes, dizem respeito à natureza humana e a seus conflitos mais essenciais, tais como a morte, o sentido da existência, a arte, o conhecimento, o belo, o trabalho e o prazer. Não quer morrer à toa, tanto que se propõe a escrever em dois cadernos o que chama de “Pensamentos profundos” e “Diário do movimento do mundo”. Como os adultos tendem biologicamente ao absurdo, Paloma quer produzir o máximo de reflexões que puder, de modo que sua mente se conforte com a situação. No entanto, isso não basta. Ela quer também registrar um diário “dedicado ao movimento das pessoas, dos corpos, e até, se realmente não houver nada para dizer, das coisas, e a descobrir aí algo que seja estético o suficiente para dar um valor à vida”. Pois, fora o amor, a amizade e a beleza da arte, Paloma não vê muitas outras coisas capazes de alimentar a alma humana. Os diários têm o propósito de preencher os seus vazios interiores antes do suicídio; são movimento para o corpo e ideia para o espírito.

Os escritos são maravilhosos. Não apenas pelos assuntos abordados, mas porque na maioria das vezes Muriel acerta o ponto e a argumentação de Paloma parece realmente a de uma criança. Assim, ela trata de fundamentos filosóficos com simplicidade, utilizando metáforas corriqueiras, tal como os debates com a professora na sala de aula e a reprovação dos colegas. Ela analisa os animais do prédio de acordo com o comportamento de seus donos, esconde-se para fugir do barulho provocativo da irmã, tem medo da própria avó, pois descobre que as pessoas más não se tornam boas com a idade. Compara literatura e televisão. Observa Renée atentamente, até que se tornam amigas. Elas têm muito em comum; assim como a concierge, Paloma finge ser o que não é: uma criança débil, passiva e banal. Troca de opinião a todo instante, uma vez que está em processo de descoberta do mundo, e não tem medo disso. Ainda bem. Paloma aproveita seu tempo construindo, refletindo, preocupada com a irracionalidade dos outros e com a impossibilidade de promover grandes mudanças. Não quer desperdiçar seus últimos instantes, pois a vida já é curta o suficiente mesmo quando não planejamos morrer precocemente.

“O tempo de uma vida é irrisório. (...) Se tememos o amanhã, é porque não sabemos construir o presente e, quando não sabemos construir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque o amanhã acaba sempre por se tornar hoje, não é mesmo?”