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domingo, 30 de outubro de 2011

VIAJAR É O MELHOR REMÉDIO

Já ouvi estrangeiros perguntarem se o Brasil é um país doente, dada a quantidade de drogarias à disposição. Em alguns bairros, temos uma a cada dois ou três quarteirões, às vezes mais. Se nossas doenças não extrapolam o normal, ao menos hipocondria e ansiedade, essas sim, temos que admitir. Por quê? Onde estão o samba, o futebol e as mulatas? Será que, com a melhora econômica, esses prazeres banais deram lugar ao estresse do mundo contemporâneo? Ou, ainda, será que as crises político-sociais foram substituídas por crises existenciais?

Estive recentemente no Uruguai, e o que mais me fascina num país estrangeiro é o cotidiano dos nativos, muito mais do que os pontos turísticos. Gosto de caminhar pelas ruas, entrar nas lojas, estar no meio da multidão, pegar seus ônibus e metrôs, experimentar seus cafés no meio da tarde e folhear seus jornais nos bancos da praça. Inserir-se na realidade alheia abre os horizontes de nossos próprios universos.

Foi durante essa viagem que reparei como farmácias são escassas por lá, principalmente quando comparado com São Paulo. E, já que a procura por remédios é pequena, elas vendem outros produtos não convencionais, tais como vinhos, perfumes, cosméticos, livros e brinquedos. Achei o fato curioso. Meio estranho, inicialmente, mas faz sentido. Afinal, esses também são produtos com propriedades curativas: compartilhar uma garrafa de vinho com amigos e familiares faz um bem social danado; cuidar da própria beleza melhora a autoestima e cura a depressão de si e dos outros; ler um bom romance na frente da lareira, ou na poltrona da varanda, ou debaixo dos cobertores, ou na grama do parque, naquela tarde de domingo ensolarada, ou na praia, ou em qualquer outro lugar propício ao relaxamento pode até causar dependência, mas uma dependência boa que não pede moderação. E brincar... é remédio para todas as idades, quem não sabe se divertir não pode dizer que vive de verdade.

O comércio de um país reflete a cultura dos habitantes. Os indícios são fáceis de perceber. Em Montevidéu, há praticamente uma livraria por quarteirão. Não são megastores como as nossas, pelo contrário, são pequenas e entulhadas, mas devem vender muito mais literatura, porque têm livros nas prateleiras ao invés de televisores, computadores, câmeras fotográficas, papelaria, jogos de videogame e iPods.

Cafés também se encontram aos montes, sempre movimentados. Ali, folheia-se revistas, reúne-se amigos e até se trabalha, enquanto a correria permanece do lado de fora. Não vi um só hipermercado – frutas e verduras são compradas frescas diariamente, durante o retorno para casa, em quitandas amistosas. O pão é comprado na padaria. O queijo, no laticínio. A massa, na mercearia. E, em cada um desses lugares, o produto vem acompanhado de uma conversa gostosa com os donos, que prometem reservar alcachofras firmes ou uma penca de bananas maduras para quando voltarmos no dia seguinte.

Parece provinciano e retrógrado quando, na verdade, é um estilo de vida inteligente. Em vez de perderem duas, três ou mais horas por dia no trânsito, as pessoas caminham pela orla depois do trabalho. Não vi nenhuma academia, embora, no geral, os uruguaios sejam magros e cordiais. Museus, em compensação, tem um monte, e por mais esquisito que pareça eles também são frequentados pelo povo, que conhece e respeita a cultura local, e não somente por turistas. Basta ver os prédios antigos espalhados pela cidade, nem sempre bem cuidados, mas preservados como marcos de uma história que convém não esquecer. Existem edifícios modernos no Uruguai? Sim, claro, shopping centers bonitos também, com moda atual e alta tecnologia, só que eles não são construídos em cima do passado.

Se você ainda acha que prédios velhos, lojas familiares e andar a pé são coisa de terceiro mundo, vou dizer que me deparei com o mesmo na Itália, por exemplo, desde as cidadezinhas do interior até Roma. E eles não precisam convencer ninguém da riqueza material e cultural do país. Para mim, está claro que esse estilo de vida é uma opção consciente.

Agora, sabe o que eu mais encontrei no Uruguai? Brasileiros. Sim, nós estamos em todos os cantos, nas ruas, nas empresas, nos noticiários, nos restaurantes e nos pontos turísticos, basta prestar atenção que você ouve alguém falando português. Inclusive, conheci diversas pessoas que estudam nossa língua para nos atender melhor. Se os visitamos com essa frequência é porque gostamos do que eles têm a oferecer. Pois bem, será que não poderíamos trazer um pouco daquela cultura na bagagem, no lugar de jaquetas de couro e doce de leite?

É claro que a realidade do Brasil é muito distinta, incomparavelmente maior e complexa, e que não se pode tirar os costumes de um país e aplicá-los, ipsis litteris, a outro. Mas, para mim, viajar significa observar, aprender e mudar. Se você permitir, a experiência transforma sua maneira de lidar com o mundo.

O Brasil não se resume a samba, futebol e mulatas, não queremos ser conhecidos apenas por isso. Mas, então, o que mais somos? Será que essa dúvida não indica a origem de uma crise existencial? Talvez, se derrubássemos menos prédios históricos, se acompanhássemos a política de perto, se perdêssemos menos horas no trânsito, se caminhássemos mais pelas ruas, se tomássemos mais vinho com quem gostamos, se conversássemos mais sobre assuntos relevantes, se comprar pão fresco para o café de domingo rendesse o mesmo prazer do que sapatos caros no shopping, se ler um livro ou visitar um museu não fosse tão importuno, se fizéssemos piquenique no parque ao invés de ver Faustão na TV, talvez tivéssemos uma noção melhor da nossa própria identidade, aprenderíamos a encarar os perigos de se expor à tendência globalizante e superaríamos o paradoxo de pertencer ao grupo sem perder a singularidade. Não teríamos, assim, que remediar com calmantes, analgésicos e antidepressivos as angústias desse futuro tão promissor.