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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

MERGULHO EM PROFUNDIDADE

O livro do mar, de Morten A. Strøksnes

Passei os últimos vinte dias imerso neste livro sobre o mar da Noruega. É uma reportagem literária, mas eu o li como um romance. Talvez ainda mais interessante do que um romance convencional, porque ao longo das suas 420 páginas quase nada acontece, o enredo é mínimo. Trata-se de dois amigos que se encontram uma vez ao ano para darem cabo de um projeto audacioso: pescar um tubarão-da-Groenlândia usando técnicas artesanais como vara, isca de carne podre e barquinho inflável.

Um é artista plástico e se vira como pode; o outro é escritor, que além de autor da narrativa atua também como historiador, jornalista e fotógrafo. Seu livro tem caráter enciclopédico: fala sobre correntes marítimas, histórias da pesca, clima, peixes, cultura escandinava, geografia, evolução da vida na Terra, entre inúmeros assuntos que vão sendo costurados a partir das suas expectativas de zarpar atrás do tal tubarão.

Existe algo de Moby Dick nesse palavrório, porém sem a ação aventuresca. É um texto contemplativo, meditativo, instrutivo. Que se tece num misto de reflexão e pesquisa, precisão jornalística e devaneios próprios de quem sabe apreciar o ócio.

Fiquei fascinado com o apanhado de curiosidades que se apresenta ali. Talvez o que mais tenha me chamado a atenção seja a relação tão diferente que os noruegueses têm com o mar, quando comparada à nossa. Fui criado e salgado em longas temporadas no litoral norte de São Paulo, sinônimo de calor, alegria, farofada. Onde as praias são locais de recreação, ao menos para os turistas.

O mar de Strøksnes é outro. Suas águas são geladas, ameadas por tempestades constantes, fonte de sobrevivência e promessa de partida rumo a terras mais acolhedoras.

Ainda assim, ambos pertencem ao mesmo oceano Atlântico, de onde viemos e que muito provavelmente continuará a existir quando não estivermos mais aqui.

Costumo me sentar na areia, olhar para o horizonte e tentar não pensar em nada. Aquela imensidão decorre num eu cada vez menor. Esse sentimento de pequenez me ajuda a regular a compreensão que tenho de mim, da humanidade, das desimportâncias que tomam conta da vida.

Me parece que O livro do mar trata da mesma coisa.

O livro do mar 
Morten A. Strøksnes 
Belo Horizonte: Âyiné, 2019