Esta crônica marcou minha estréia no jornal Correio Popular de Campinas. Foi publicada em 3 de janeiro de 2008, apesar de ter sido escrita alguns meses antes. Nela, vemos uma característica que se repetiria muitas vezes depois - a atemporalidade. Como não consigo saber com certeza o dia da publicação, preciso ficar sempre atento ao escrever para não cometer gafes. Por exemplo, seria bastante estranho você ler algo como: “Ontem, na novela, vi o Marquinho xingar a Mariazinha” e esta novela já ter acabado na semana anterior. Isto tem vantagens e desvantagens. Sinceramente, gosto de escrever assim, pois ganho liberdade para explorar temas que fogem às notícias do momento e tanto eu quanto os leitores podemos pensar em algo diferente, para variar.
O inferno começou quando vieram me dizer que, se fazemos o que gostamos, trabalhar é uma grande diversão. Na ingenuidade de minha adolescência, escolhi uma profissão (sou publicitário). Acho que eu queria concentrar em uma única faculdade várias atividades que me eram agradáveis. Pura ilusão... Nem me dei conta de que os sábios a me darem tão valoroso conselho eram os mesmos que esperavam ansiosamente a redenção de suas férias – uma época de divina felicidade justamente porque nela não precisamos nos execrar pela grande diversão de acordar às quinze para as seis, voltar para a cama à meia-noite e perceber que o melhor momento do dia foi quando, no ônibus, vagou um assento bem na nossa frente e não havia nenhum velhinho por perto para reivindicar a preferência do cochilo.
Enfim, se conselho fosse bom...
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De qualquer modo, caí no conto do vigário e entrei para a turma dos tarados por férias. Conquistei as minhas exatamente um mês atrás, quando estava a ponto de me fazer entender na linguagem do tabefe. Um para “sim”, dois para “não”, cem para “vá encher o saco de outro!” O pessoal andou dizendo que eu estava estressado. Tentei explicar “Não é estresse, é excesso de diversão”.
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Ah, esses 30 dias de alforria foram maravilhosos. Havia sol mesmo quando chovia, os passarinhos cantavam e meu consumo de café caiu aos índices normais, considerando-se um humano que pretende continuar vivo nos próximos anos.
Fui ao cinema numa terça-feira à tarde, entrei no meio da sessão e tinha somente duas outras pessoas na sala. A paz que eu sempre desejei! Fiquei todo animado para compartilhar “Vocês também estão de férias? Bom, né?”, mas achei melhor não interromper o descanso dos coitados.
Voltei para casa e, numa breve recordação do cárcere, disse para mim mesmo “Nãoquerovoltarnãoquerovoltarnãoquerovoltar!”
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E pensar que, segundo a teoria “trabalho é diversão”, as férias não deveriam ser agradáveis, mas tristes: estaríamos afastados daquilo de que realmente gostamos! Uma espécie de descanso forçado.
Mais um paradoxo para a coleção.
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Férias fazem bem para a saúde dos funcionários e da empresa.
Mudar de ares é essencial para a criatividade.
Pensar em outras coisas além do trabalho, por incrível que pareça, é a melhor fórmula para melhorar o desempenho e aumentar a qualidade do próprio trabalho.
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Isso, no entanto, não obstrui minha visão de mundo melhor, onde a oferta de emprego seria grande o bastante para todos poderem mudar de idéia quando quisessem.
Cansei, tchau, vou para outra.
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A rotina conturbada me fez deixar para esses míseros 30 dias tudo que eu deveria ter feito durante o último ano. Sei que reclamo de barriga cheia, porque são pouquíssimos os iluminados que dispõem de tanto tempo contínuo de retiro, mas, sinto muito, não podemos nivelar nossa satisfação por baixo.
Ainda assim, como não poderia ser diferente, todos os meus planos afundaram comigo quando sentei a primeira tarde no sofá e tirei um cochilo.
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Cinco minutos depois já era hoje e amanhã recomeça a contagem regressiva dos próximos longos onze meses. Passei a tarde a arrumar minhas coisas, deixar separada uma roupa como aquela criança que prepara o uniforme certa de voltar à escola com uma redação sobre suas férias.
Já dizia o sábio Minduim “Que puxa...”
Como professor, eu aconselharia “Não estraguem aquilo de que gostam transformando-o em trabalho. Hobby deve continuar hobby!” e ainda “Ao invés de redação, vamos analisar os prós e os contras de cada profissão para que vocês, no futuro, não sejam surpreendidos por uma divertida brincadeira de mau gosto”.
Enfim, se conselho fosse bom...