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quarta-feira, 14 de julho de 2021

MEIO A MEIO

Foto de Alice Pasqual em Unsplash

Oi, pai.
Oiê.
Oi, meninas. Tudo bem?
Sim.
Mais ou menos.
O que foi?
Nada.
Nada.
Que estão fazendo?
Nada.
Falando.
Falando?
Nada especial.
Só colocando a fofoca em dia.
Estão com fome?
Sempre.
Não muita. Vamos comer o quê?
Pensei em pizza.
Quatro queijos.
Como assim?
Meia quatro queijos.
Por que como assim?
Eu me referia à pizza, não ao sabor. Pai, o médico não proibiu?
De vez em quando pode.
Deixa ele ser feliz.
De vez em quando pode?
Ele não especificou.
Deixa de pegar no pé.
Eu me preocupo, tá?
Já faz tempo que estou só no filé de frango.
Ele não vai comer a pizza inteira. Nem vai comer pizza todo dia. É só hoje.
Faz quanto tempo que você colocou ponte de safena?
Então, agora estou limpo por dentro. Pronto para outra.
Ele pode comer uma fatia ou duas.
Faz três semanas.
Você fala como se eu estivesse para morrer. Logo agora que me salvei.
Tá vendo? Para com isso.
Eu... Eu falei porque não quero passar por esse sufoco mais uma vez.
Eu sei. Obrigado por se preocupar. Eu também não quero, nunca mais.
Pede meia abobrinha.
Não, nada de pizza. Eu faço qualquer coisa para comer.
Eu como abobrinha, pode ser? É mais saudável.
Meia quatro queijos, meia abobrinha. Eu peço.
Pai, por que isso?
Estou bem, de verdade. Só não posso abusar.
Alô, é da pizzaria?
Eu vi seus exames. O colesterol continua no teto.
Até o teto é bom. Não vai melhorar, é genético.
Meia quatro queijos, meia abobrinha.
Você tem feito exercício?
Ainda estou convalescendo.
Rua Tapeté, vinte e um. É casa.
Convalescente toma sopa, não come pizza.
Vou procurar um personal, ok?
Traz a máquina de cartão?
Quando?
Semana que vem.
Ok, obrigada.
Por que não amanhã?
No domingo?
Vai demorar quarenta e cinco minutos.
Então segunda.
Prometo.
Pronto. Vou arrumar a mesa. Você me ajuda?
Ajudo.
Eu também.
Você pega a toalha lá no aparador.
Eu pego os talhares. Você, os copos?
Vou colocar uma toalha especial.
Taças.
O pai não pode beber.
Posso sim.
Tinto ou branco?
Como assim, pai? Convalescente bebe vinho?
Tinto faz bem para o coração.
Você também precisa relaxar.
Como eu posso?
Eu já estou bem.
Ele está bem.
Você sabe que não é só isso. Como pode?
Alguém viu aquela toalha branca que sua mãe trouxe de Portugal?
Não vai entrar nesse assunto agora, né?
Ele precisa saber!
Alô-ô!
Procura direito, pai! Fica aí mesmo.
Eu vou contar. Não é certo.
Na primeira ou na segunda gaveta?
Você vai acabar com a noite dele. E com a nossa. Para quê?
Procura nas duas!
Estou procurando, estou procurando.
A gente conta quando a consulta estiver marcada.
Eu não consigo. Não dá! E quer saber? Será que ele pode beber, não vai fazer mal?
Achei só a vermelha e branca, de piquenique. Pode ser? A do dia a dia eu não quero, hoje é uma noite especial.
Você ouviu o cardiologista. As chances são mínimas. Deixa ele viver o quanto pode.
Se tiver uma chance, eu quero apostar nela. Eu quero acreditar.
Até que combina, parece toalha de cantina italiana. Por que você está chorando?
Não é nada.
É.
Nada?
Bobagem dela.
Eu não sei direito.
Você está estranha desde que eu cheguei. Não é aquele ator, né? Eu já falei para você.
Ator só faz cena, a gente sabe.
Não. Deixa pra lá. Eu... Lembrei agora de uma coisa que perdi.
Vou dar um conselho, tá? Deixa isso de lado e vai ser feliz. Olha aqui a sua taça. Saúde!

quarta-feira, 1 de abril de 2020

E-BOOK GRÁTIS PARA SUA #QUARENTENALITERÁRIA


Uma dica de livro grátis para sua #quarentenaliterária é a 10ª coletânea do Núcleo de Dramaturgia do SESI - British Council, da qual participo junto com outros 11 autores. Uma oportunidade de ler e se deixar sensibilizar por estas peças incríveis. Aproveite!

Basta clicar e baixar os e-books, recomendo muitíssimo: Volume 1 e Volume 2

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

A MALDADE É UMA ESPÉCIE DE INCAPACIDADE

Soube que o propósito da peça tinha se realizado quando as luzes se acenderam e vi três amigos abraçados, de pé, no meio da plateia. Visivelmente emocionado, um deles chorava. Também sensibilizado pela experiência, eu me dirigia à saída, acompanhado de minha esposa. Logo encontramos duas colegas, que de imediato comentaram: parecia feito para mim, tem uma proximidade muito pessoal. Era isso, fazer com que a plateia se deixasse afetar pela história de outros, desconhecidos, que responderam a um anúncio e enviaram relatos de suas experiências pessoais aos dramaturgos para que se transformassem em teatro. Desde histórias graves às mais singelas, pequenas, por vezes ordinárias e ainda assim tocantes, que remontam à singularidade de pessoas também diversas.


Pensando melhor, o propósito da peça Eu de você já tinha se realizado antes, na cena em que a personagem de Denise Fraga desaba no chão, sobrecarregada pelas neuroses nossas de cada dia. Uma mensagem de WhatsApp fora projetada no fundo do palco, solicitando ajuda. Uma, duas, três vezes. Até que uma jovem na plateia se levantou para socorrê-la. Acaso ninguém se dispusesse a isso, a peça teria que acabar ali, e revelaria que, afinal, a atriz estava errada. Pouco antes ela manifestara sua crença na potência transformadora do teatro. A espectadora que subiu no palco provou que, de fato, houve uma transformação: a ficção se fez realidade.

Esse processo começou quando a maioria sequer notara que já estava participando da encenação. Denise, em meio ao público, cumprimentava, tirava fotos, trocava sorrisos. Ela contou uma banalidade qualquer sobre um espetáculo anterior, intitulado A alma boa de Setsuan, quando iniciou esse ritual de receber os convidados pessoalmente. Foi nesse momento que conquistou nossa atenção, simpatia, disposição para ouvir narrativas alheias que, por um triz, não foram as nossas próprias.

E por que as ouvir? “Porque não há melhor espelho do que o outro. Porque sabemos quem somos a partir do que reverberamos. Porque é urgente ver o outro, olhar pelo olhar do outro, ser eu de você. O quanto nos ampliaríamos se conseguíssemos ser eu de você e você de mim, deixando-nos ambos atravessar por nossas experiências?”, pergunta a própria Denise Fraga no programa da peça, cuja idealização ela assina com José Maria e Luiz Villaça.

Entre os recursos que utiliza está o envolvimento direto com os presentes, que são convocados a contracenar, ler cartas, responder perguntas. Fato e invenção se diluem, assim como o discernimento entre o eu e eles.

Quem são eles? Ricos, velhos, brancos, pobres, negros, jovens. Outros. Cujos relatos são costurados com imagens, canções, filmes, memórias coletivas. E que a todo instante sussurram: o que nos difere? O que nos aproxima?


O espetáculo aposta em nossa disponibilidade para nos deixar sensibilizar e sermos, ainda que por instantes, um pouco como o outro. Viver uma cena da sua vida. Conhecer o mundo por seu ponto de vista.

Em um determinado momento, uma personagem dispara: a maldade é uma espécie de incapacidade. Incapacidade de quê? De nos permitirmos sofrer a dor do outro. De sorrir a felicidade alheia. Experimentar a sua maneira de ser. A incapacidade de estarmos abertos às inúmeras formas do viver resulta nessa maldade tão presente, que vai contaminando aos poucos as imagens, os discursos, os desejos. E que arruína toda capacidade de construirmos um comum – ou uma comunidade, se preferir.

Vivemos tempos turvos que nos convidam diariamente ao isolamento, ao medo do convívio e ao individualismo. Uma espécie de epidemia melancólica que nos tem aprisionado atrás de nossas telas geniais, que nos conectam e distanciam em alternância estroboscópica num abismo de encantamento e retórica. Um tempo que tem confundido e abalado a nossa esperança. Tenho a impressão de que cada dia nos distanciamos mais da potência que poderíamos ser se estivéssemos realmente conectados e acredito que o Teatro ainda é capaz de promover este milagre. Todos nós aqui, nesta sala, celulares desligados, escutando o silêncio, a respiração, a tosse, a risada do outro”, escreve a atriz.

A peça usa o bom humor para abordar temas sérios como política, sociedade, comportamento, abuso, discriminação, sonho, culpa – um artifício para ampliar nossa consciência e mobilizar a sensibilidade. Com singeleza e afeto, transforma o teatro numa praça pública em que as vidas se desenrolam, fazendo de nós mesmos seus atores e testemunhas. Produz assim aquele triz, momento do quase, em que somos arrebatados por uma perspectiva diferente, capaz de nos fazer vislumbrar o que poderíamos ser, caso não ficássemos reduzidos ao nosso euzinho particular.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

MUSEU DE ARTE EFÊMERA DE LETHE


Tenho um orgulho danado desta peça, que deu um trabalho mais danado ainda para escrever. Orgulho maior é vê-la publicada junto com outras 11 peças do Núcleo de Dramaturgia do Sesi, que integrei em 2018. Isso porque a experiência de acompanhar o processo criativo dos autores foi única, suas peças são incríveis e o livro ficou lindo.

Leia! Você pode baixar a versão e-book dos dois volumes gratuitamente, é só clicar nestes links:

Núcleo de Dramaturgia do SESI - British Council (10ª turma): volume 1 (ePub)
Núcleo de Dramaturgia do SESI - British Council (10ª turma): volume 2 (ePub)

Sinopse: Zakhor está inconformada porque ninguém se lembra da criança que se afogou no rio. Ela é o estopim para que venham à tona histórias de outras personagens, que têm em comum a indiferença diante de uma tragédia. As histórias são compartilhadas no espaço vazio do museu nepalês, em torno de um fogareiro onde ferve o chá. Zakhor faz de tudo para que as tragédias permaneçam lembradas na história da comunidade. Lethe, entretanto, oferece às vítimas o conforto das suas águas do esquecimento.