Pesquise aqui

quinta-feira, 27 de março de 2014

OS SISTEMAS IDEOLÓGICOS SÃO FICÇÕES

“Os sistemas ideológicos são ficções (fantasmas de teatro, diria Bacon), romances – mas romances clássicos, bem providos de intrigas, crises, personagens boas e más (o romanesco é coisa totalmente diversa: um simples corte instruturado, uma disseminação de formas: o maya). Cada ficção é sustentada por um falar social, um socioleto, ao qual ela se identifica: a ficção é esse grau de consistente que uma linguagem atinge quando pegou excepcionalmente e encontra uma classe sacerdotal (padres, intelectuais, artistas) para a falar comumente e a difundir.

‘[...] Cada povo tem acima de si um tal céu de conceitos matematicamente repartidos, e, sob a exigência da verdade, entende doravante que todo deus conceitual não seja buscado em outra parte a não ser em sua esfera’ (Nietzsche): estamos todos presos na verdade das linguagens, quer dizer, em sua regionalidade, arrastados pela formidável rivalidade que regula sua vizinhança. Pois cada falar (cada ficção) combate pela hegemonia; se tem por si o poder, estende-se por toda a parte no corrente e no quotidiano da vida social, torna-se doxa, natureza: é o falar pretensamente apolítico dos homens políticos, dos agentes do Estado, é o da imprensa, do rádio, da televisão; é o da conversação; mas mesmo fora do poder, contra ele, a rivalidade renasce, os falares se fracionam, lutam entre si. Uma impiedosa tópica, regula a vida da linguagem; a linguagem vem sempre de algum lugar, é topos guerreiro.”

Roland Barthes
O prazer do texto

quarta-feira, 26 de março de 2014

segunda-feira, 24 de março de 2014

domingo, 23 de março de 2014

sábado, 22 de março de 2014

Da série "O que não é"

11ª questão:
O QUE NÃO É COMPARTILHAR?

sexta-feira, 21 de março de 2014

quinta-feira, 20 de março de 2014

quarta-feira, 19 de março de 2014

terça-feira, 18 de março de 2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

quarta-feira, 12 de março de 2014

"Se até mesmo de um artista se cobram 'mensagens' e 'posicionamentos', quanto mais de um professor! (E o que parece não passar pela cabeça dos que cobram 'posicionamentos' é o quanto essa cobrança tem de imobilizante, de ordenadora, de controladora – portanto, de antiprogressista.)

(…) O discurso de Barthes, não sendo uma fala magistral mas uma escritura, nunca é uma ameaça de opressão, mas um convite ao jogo."

Leyla Perrone-Moisés
(a respeito da Aula, de Roland Barthes)
Da série "O que não é"

4ª questão:
O QUE NÃO É MANIFESTAÇÃO?

terça-feira, 11 de março de 2014

segunda-feira, 10 de março de 2014

MUSEUS: TRADIÇÃO / REINVENÇÃO

Clique na imagem para ampliá-la

Adorei este comparativo entre 'tradição' e 'reinvenção' dos museus. É assunto para muito debate.

Dá para ver a imagem original, entre outras matérias, aqui: Revista Select [ano 4, ed. 16, fev./mar. 2014]
Da série "O que não é"

2ª questão:
O QUE NÃO É AMOR?

quinta-feira, 6 de março de 2014

O QUE NÃO É?

Penso em começar uma série de questões. Batizada "O que não é?" Porque é costume definir as coisas, botar cada uma em sua gaveta, no tal "devido lugar". Arte é isso, amor é aquilo, política é assim, pessoas são assado. Será possível pensar pelo inverso? Será que ele leva às mesmas conclusões?

1ª questão: O QUE NÃO É PRECONCEITO?

quarta-feira, 5 de março de 2014

A MINHAS OBRIGAÇÕES

Este trecho seria perfeito para a manhã de hoje, quarta-feira de cinzas. Só que eu estava trabalhando e não podia lê-lo, o que é uma pena. Também uma doce ironia.

A todos tenho que dar algo 
a cada semana e cada dia, 
um presente de cor azul, 
uma pétala fria do bosque, 
e então de manhã estou vivo 
enquanto os outros mergulham 
na preguiça, no amor, 
eu estou limpando minha redoma, 
meu coração, minhas ferramentas.

Pablo Neruda, Navegações e Regressos

BOLO DE ROLO

Na última vez que comprei bolo numa dessas casas especializadas, era sexta-feira e o lugar estava movimentado. Enquanto aguardava na fila, ouvi a atendente explicar para um homem que não havia mais bolos em estoque, apenas encomendas.

"Quanto você quer por um desses bolos encomendados? Eu pago", disse o cidadão. A atendente demorou um tempo para entender a proposta e, quando caiu em si, explicou que os bolos não estavam à venda, e ficaria feliz por fazer uma encomenda para ele na próxima vez. O homem bufou e saiu da loja batendo o pé feito criança contrariada.

Não me surpreenderia se esse cliente fosse o primeiro a querer ver os mensaleiros presos pelo resto da vida.

Isso não significa que desejo a liberdade para aqueles criminosos. Alguém duvida que o STF fez uma manobra política lastimável para livrar a cara deles? Desejo, sim, que todos os corruptos e corruptores sejam devidamente condenados pela falta de ética de seus atos. Inclusive aqueles que os praticam em lojas de bolo.

domingo, 2 de março de 2014

GENTE DE BEM

Casa de Brodowski (1943), de Candido Portinari

A vizinha tinha certeza de que havia uma família naquela casa, porém não sabia o que ruíra primeiro. Que tenha sido a família!, disse com certa compaixão. Mas logo deu de ombros, preocupou-se com a panela no fogo e encostou a porta. Ouvi dois trincos serem acionados e averiguados para evitar novo incômodo.

Outro vizinho mencionou parentes no exterior. Eles poderiam me ajudar. Exterior onde? Não sabia. Deve ser Estados Unidos, muita gente quer ir pra lá. Quem pode vai. Ainda mais nesses tempos de agora, essa confusão toda acontecendo. Perguntei da família que morava ali. Ele não tinha muita informação, e a maior parte era inventada. Diziam que havia brigas, parece que o casal não se entendia direito, descontavam tudo nos moleques, coitados. Parece que o marido não era muito chegado no batente, veja só o estado que a casa ficou, um desleixo só, nem se aguentou de pé! Parece que a mulher era da vida, andou de graça com um sujeito do bar ali debaixo, foi o que disseram. Ficou desmoralizada. Parece também que os moleques nunca iam pra escola, ficavam à toa por aí. Esse negócio de ficar à toa não dá certo não. Não é coisa de gente de bem. Onde já se viu?

Um jornal da época estampava, na primeira página, a casa no chão, do mesmo jeito que estava hoje, como se tivessem acabado de fotografar. Tragédia: casa desaba e moradores permanecem soterrados. O texto dizia que até o fechamento da edição as buscas permaneciam sem sucesso, e que os bombeiros trabalhavam duro com auxílio de cães sem jamais abandonarem a esperança. Dava para ver também um monte de curiosos ao redor dos escombros.

Nos dias seguintes veio uma atriz de novela gravar publicidade no coreto da central, aquilo mexeu demais com a cidade, todos ficaram alvoroçados. Depois começou o Carnaval e não encontrei qualquer outra notícia sobre o ocorrido.

Segundo o registro na delegacia, a casa desabou sem ninguém dentro. Não havia detalhes. Cidade pequena, sem peritos para investigar, ficou por isso mesmo. Ninguém tampouco apareceu para reivindicar seus direitos, coisa que não surpreendia; muita gente larga a vida aqui pra se arranjar na capital. O policial começou a desconfiar do meu interesse no assunto e preferi recuar antes que encontrasse suspeito de um crime que sequer existiu.

A dona do mercadinho chamou o casal de excêntrico. Vinham pouco, compravam rapidinho, não puxavam assunto. Pagavam direitinho, nunca pediram fiado. Deviam ter muito dinheiro. Achava que tinham vindo para tratar alguma doença, essas coisas de cidade grande, sabe? Pra repousar. Tinham ficado maluquinhos com a correria, a violência, o trânsito. Ela via TV, sabia como era. Uma loucura, não tem como aguentar muito tempo. A moça era bonita. Não sorria muito, tadinha. Mas era bonita mesmo assim. Perguntei da casa. Não sabia, nunca tinha ido lá ver. Diziam ser uma casa muito engraçada, não tinha nada. Talvez meu marido possa ajudar, ele deu um pulinho ali e já volta. Se você quiser esperar, à vontade.

Na última vez que voltei à rua, um velho lavava a calçada com sua mangueira molenga. Logo se pôs a papear. Eram boa gente, sabe? Nunca incomodaram, nunca fizeram escândalo, ficavam vivendo a vida deles. Gente discreta, só isso. Gente de bem. Dizem que tinham uns probleminhas aí, mas isso todo mundo tem, certo? Se cada um cuidasse do próprio umbigo, a vida seria mais fácil.

Perguntei se o casal trabalhava, o que faziam na cidade, como era a rotina. Sei não. Nunca falei com eles. Ficavam aí, saíam pouco, acho que trabalhavam em casa mesmo. Tinham dois filhos, dois meninos. Eles brincavam no quintal. Acho que tinham problema de dinheiro, talvez dívida no banco. Ouvi mais de uma vez os dois discutirem, gritaram alto, essas coisas de marido e mulher. Só que com essa distância não dava pra saber do que falavam, e eu também não ia me intrometer. Acho que era dívida porque a casa foi deteriorando e eles não davam jeito. Teve um vendaval aí que arrancou as telhas e eles deixaram assim mesmo, tudo esburacado. Teve o muro que cedeu ali do lado, tá vendo?, e ficou caído lá. O mato cresceu, os meninos deixaram de bagunça. Pelo menos eu não vi mais. A pintura mofou, o portão todo enferrujado. Lâmpada que não acendia mais, parede trincada por todo canto. Até que aquela noite fez um barulho danado e, quando eu cheguei aqui, a casa tava no chão. Vieram os bombeiros, teve gente que chorou, tinha carro de imprensa, foi uma coisa de doido. Uma balbúrdia. Todo mundo muito triste. Pensar que gente tão boa podia morrer desse jeito?

Sim, é verdade, não encontraram nada. Eu disse pra eles, na ocasião, que não tinha mais ninguém morando ali. Ninguém tinha certeza, mas só podia ser. Fazia tempo que não via nem ouvia ninguém. Acho que se mudaram. É difícil fazer mudança sem ninguém ver, né? Mas acho que fizeram sim. Sei lá. Tem gente que diz que a família morreu junto com a casa, que morreu antes, que morreu depois. Tem gente que fala em milagre, outros falam em assombração. Eu não acredito nessas bobagens não. O povo fica inventando coisa. Se as autoridades disseram que tá tudo certo assim é porque tá tudo certo mesmo, isso é fato. Quem sou eu pra duvidar?


Ps.: Não tem nada a ver com o texto, mesmo assim aproveite e visite o site do Projeto Portinari [de onde tirei a imagem acima], que é excelente: www.portinari.org.br