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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

resistir a Darwin
acolher fragilidades, aprender
com elas convidar ao mundo
deixar as portas abertas
a quem quiser participar
fendas, fissuras, intervenções
onde os fracos não têm vez
fazê-los visíveis, olhar por eles
inventar lugares onde tenham
potência corporal
existência, liberdade
involuir para ser sutil
menos super-homem, menos moralismo
menos reis e suas leis
menos direitos enrijecidos
mais gentileza, por favor
mais poesia, ainda que dura
seja poesia

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

ORELHA QUE TIREI DA MALA



Olha que coisa linda, a amiga Mariana Teixeira está lançando O que tirei da mala, seu segundo livro de poemas (o primeiro se chama Inversos Paralelos). Perguntou se eu escreveria uma breve apresentação para sair na orelha. É lógico que escrevi, com o maior prazer. Ficou assim:  

cenas breves
na rua, no bar, na cama
só ela nota, Mariana
anota!
faz disso aí
a poesia que já é
só não sabia
incessante
num fluxo
pega no ar
no ato
leveza passarinha
conta, recita, sussurra, desabafa
uns versos sobre a vida
chegam muito bem, no mínimo
não fazem mal a ninguém
infindáveis histórias do universo
uma página por vez
na correria o homem fica
em seu tempo
a poesia vai além

Assim este livro se apresenta, uma página por vez, retiradas da bagagem que Mariana Teixeira acumulou pelos percalços da vida. Se o fardo está pesado, ela faz dele poesia, que bate asas e flana mundo afora até encontrar você, leitor de sorte.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

SÓ MAIS DEZ MINUTINHOS

diz a lenda
a voz das ruas
o gigante acordou
retorcendo-se
desejando
que fosse apenas um
pesadelo
de uma ilusão
recobrou-se e não
entendeu
nada sabia,
inocente
o gigante acordou
suando frio bebeu
um copo d’água
aliviou-se, tirou um peso
desrazão
dormiu novamente
um pouquinho mais, por favor
piedade de nós
até despertar
o smartphone

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

DE COR

Escultura que compõe o trabalho Vazio cérebro, de Nelson Felix

se a cor branca é
uma junção de todas
as outras, para ser
branco é preciso ser negro
amarelo, vermelho, pardo
azul-tição
mesmo assim há branco
sem graça, sem cor
sem jeito, que quer
destaque na multidão.
há branco que não se enxerga

sábado, 18 de julho de 2015

TUDO BEM

Tempo branco (1959), de Pablo Palazuelo
toda vez que a toco
que troco de lugar
encho de café,
de baldes de água fria

da boca à mesa
trabalho, repouso depois
de cabeça para baixo
no escorredor

provoco fissuras
mínimas, que sejam
invisíveis, insensíveis
por toda a sua conjetura

da superfície à estrutura
breves rompimentos
na cerâmica do dia
que não cicatriza, nunca
volta atrás

só aumento
a duras penas
sustentando-a
como se nada tivesse
acontecido

um gole a mais,
outro a menos
dia a dia
momentos, momentos

chega o que basta
leve toque de pluma
para romper a casca
desde a fundação

ela se estilhaça
seja o que for
que se faça

como saber, desgraça?
pior viver sem
provar os amores
nem arder dissabores

tudo bem?
tudo bem.

a pergunta terrível,
a resposta impassível,
impossível!

restam fragmentos, cacos
na palma da mão
lapsos da experiência única
vivida repetidas vezes
a dois, a dez, a mil

segunda-feira, 18 de maio de 2015

POÉTICA

Sem título, Nelson Felix

tempo e espaço
vazio e cheio
leve e pesado
localização e perda
círculo e quadrado
força e delicadeza
poética

sábado, 16 de maio de 2015

Poder
contraPoder
poder contra
poder Poder
Contra

como poder-
íamos revolucionar
– transformar, que seja
liberdade e respeito –
sem dar outra volta
nessas reviravoltas?

Volta
reviraVolta
volta revira
volta Volta
Revira

sexta-feira, 1 de maio de 2015

UNIVERSO SUBENTENDIDO

a Verdade é
de fato algo
perigoso
      – em absoluto! –
exatamente como
seria se fosse
outra?

existiriam demais verdades
pulverizadas num ar de dúvida?
      – claro! ou melhor: obscuro! –

creio em teses, perspectivas, possibilidades
ficciono, para ser sincero
tenho fé
nas tentativas frustradas
      – abertas, disponíveis –
que nada concluem
em definitivo

há camadas sob a superfície
      – das coisas, dos homens –
germinando contra a razão
esclarecida
      – o mundo superior seria
      somente justificativa
      para nossa inferiorização –

desejo habitar as profundezas
do ser sem dono nem dogma
sem violência contra
talvez
      – sequer isso pode ser
      verdade, enfim –

quinta-feira, 23 de abril de 2015

traição das imagens,
realidade infiel
profanação da verdade,
significação

verdade e significação,
mudança, transformação
as palavras e as coisas,
ficção

mundo das imagens
versus mundo imaginado,
além do horizonte
Sua representação

dilema da representação na arte,
imagem e semelhança
a Verdade em que se crê
acima de todas as coisas

sobretudo cair em si
sentido, sentimento
absolvição

quarta-feira, 1 de abril de 2015

VENHA CÁ, LENDÁRIO

lá se vai março
que fica abril
não sei dizer

um se arrasta, natural
outro voa

lá se vai
para o bem ou para maio
perto de mim

junho por adeus,
quando passo pelo tempo
ele acena e me deseja

boa viagem, aproveite agosto
diga setembro
ou não

diga
que mandei abraço
outubro que sinto saudade
do que há devir
novembro

dezembro já sei, janeiro
faça chuva ou faça sol,
faça falta

nada muda mesmo
o infinito ano continua
fevereiro sempre igual
um novo

sexta-feira, 13 de março de 2015

Composição suprematista: branco sobre branco (1918), Kazimir Malevich

quem dera,
nenhuma imagem faria
o texto só
isto, letras e palavras
soltas numa folha
a voar

escrever
o que não deixa ser
(d)escrito

sábado, 7 de março de 2015

A BUSCA DO SIGNIFICADO IMPOSSÍVEL

Senecio (1922), Paul Klee

A dimensão do mar
A verossimilhança da sombra
A altura da vontade mor

A temperatura da paixão
A resistência da fé
A dureza da escolha
A solidez da promessa

A arte do esquecimento
A força do espírito
A exatidão da carne
As razões da crítica
A apreensão do tempo
A captura do instante
O encerramento da palavra-chave

A violência predominante
O princípio do preconceito
A brutalidade da maioria
A declaração da guerra
A rua sem saída
O destino da humanidade
O sabor da derrota

O mapa do além
O real, a realidade, o horizonte
O limite da fantasia
A verdade irrefutável
Absolutamente
O ser

[para Roland Barthes]

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Escultura de Tomie Ohtake
  basta ser humano
  basta, ser humano
  basta ser, humano
  basta ser humano,

sábado, 3 de janeiro de 2015

EXTRADITO

quando digo eu
há quem confunda
com outro eu,
a voz que fala
e aquele que deseja
sumir por trás dela

eu não sou, eu não é
eu não se importa
nem importo a mim,
apenas a voz exporta,
transborda, profana, abomina,
a (mal)criação do autor-deus

candidato fajuto
ao lugar do outro deus
que estava morto

resta a obra
que é toda nossa
antropofagia

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

CONJETURA DA IMPOSSIBILIDADE

muito possivelmente é
seria impossível ainda
que desejável seja,
por mais próximo esteja
ao alcance das mãos
atadas

improvável que pareça
a ciência exata joga a toalha,
cobre de artifícios
sua própria falta
de inventividade
criativa

ato possível sim
a imaginação não nega
tampouco arrega à regra,
permite-se a si mesma
sem medo de errar
aceita

o incerto do impossível
tão real quanto alguma ficção,
fixação que solta a mente
do concreto rés do chão

convém pesar a verdade
na não-escala da abstração

       [para o infinito]

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

sim, fui muito ridículo
poucas vezes
na vida
– fui suficientemente ignorante
quase sempre
motivo de conforto, frustração
às vezes dá raiva
assim

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

SOU BENEDITO

"Se fiz bem, vamos manter silêncio;
Se fiz mal – vamos rir então
E fazer sempre pior,
Fazendo pior, rindo mais alto
Até descermos à cova.
(...)
Creiam, amigos, a minha desrazão
Não foi para mim uma maldição!"

       Entre amigos, Nietzsche, 1886


sou benedito
       pelo mau compreendido

uma vês que
       está

       falado mas não se houve
       ah mas não se tem
       dado que não cessente
       visto que não se crê

       fidedigno de ser
       não fosse feito
       – mesmo eu –
       safaria-o

amem! e até mais ver!

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

ANJO: DESTERRITORIALIZADO

ambíguo.
nem deus nem santo nem diabo
nem bom nem mau nem homem
nem carne nem sopro nem espírito
nem macho nem fêmea nem gênero

nem ser nem estar
sem eira nem beira

nem adulto nem criança
nem eros nem querubim

nem voo nem pé
tanto faz como tanto fez

nem meu nem seu
nem todos, imprecisão

nem guarda nem canta nem cai
nem lá nem cá nem acolá
nem céu nem inferno nem lugar
nenhum

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

a linguagem faz ser
o que não é
– definível, exata
sombra nem imagem
fora da linguagem
desformada está.

a linguagem facínora
obrigatoriamente é
sentido
contra o sensível,
dá forma
em troca da alma.