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sexta-feira, 31 de março de 2023

MINHA ESTREIA NO PORTAL LITERATURABR

 

Clique aqui para acessar

Escrevi durante 14 anos para o caderno de cultura do Correio Popular. O que de início foi a concretização de um sonho aos poucos se revelou uma oportunidade incrível de construir carreira e exercitar o pensamento. No jornal, tive a oportunidade de experimentar os mais diversos tipos de textos, dialogar com leitores e desenvolver meios de divulgar o meu trabalho.

Esse ciclo se encerrou no ano passado. Achei que era hora de me dedicar a outras coisas, mas o “impulso ensaístico”, por assim dizer, continuou a me requerer.

Pois é com imensa alegria que inicio agora uma contribuição com o portal LiteraturaBr. Sou muito grato pela acolhida e pelo espaço que me concederam. Esse é um site repleto de conteúdo bem cuidado, dedicado a valorizar a cultura em geral, com destaque para a literária. Tem podcast, clube de leitura, artigos, resenhas, excerto de livros e muito mais, vale a pena conhecer.

Sinta-se mais do que convidado, convidada, convidade a acessar o LiteraturaBr. E aproveite para assinar a newsletter deles, que é gratuita e leva para o seu e-mail alguns destaques do conteúdo publicado ali.

Pretendo seguir escrevendo sobre literatura e artes visuais. E o primeiro texto, que acaba de sair, trata exatamente do embate entre essas duas áreas iniciado na Renascença e revisitado pelos impressionistas. Espero que goste. 😊

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

FASE DE CRESCIMENTO

 

Foto de Gabby Orcutt

Vizinho de nós, constroem um prédio
cinquenta, sessenta, oitenta andares
– a certa altura já
não faz diferença –
é o maior, não o único
há também o complexo hospitalar
o mercado de luxos
a imponente loja disso ou daquilo
– todos projetos de um moderno “eixo” imobiliário
dizem, rumo ao futuro

Enquanto, para mim, realmente grandioso
é ver seus pezinhos voltados para cima
no braço do sofá. Dez dedinhos redondos
no horizonte iluminado pelo abajur, dançando
ao som do desenho animado
que prenuncia o seu sono

Lá fora, um mundo vasto reivindica
o seu caminhar. Mas ainda é tempo
de viver as pequenas alegrias
dar risinhos com o personagem maluco
ter medo do gigante, do dragão e
construir seu lugar na escala
do ser humano, nem um centímetro mais.

*Minha pequena Lis faz 5 anos! 😍

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

ESPELHO D'ÁGUA

 

Foto de Francesco Ungaro

Não sei se li em algum lugar 
ou se imaginei por conta própria 
certa civilização que mantinha 
tradição infalível contra desavenças: 
consistia em juntar dois rivais 
numa tina de banho 
para ali se lavarem até que 
suas diferenças se diluíssem 

Daquela água suja saíam 
nem puros nem amigos 
saíam uma gota mais conscientes 
de seus limites e do pó 
do mundo que lhes é comum 

Pó dos ossos antepassados 
farinha dos pães frescos 
a serem partilhados.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

DESPERTAR PARA A POESIA

Clique aqui para ver o livro no site da editora Quelônio


Dispersar todo sonho, de Lolita Campani Beretta, seria um chamado à vigília? Seus poemas, sem dúvida, oferecem uma (re)descoberta da realidade, como quando esmiúçam as diferenças e semelhanças entre facas e plumas, quando se debruçam sobre o corpo humano, quando pairam sobre o mar, quando se voltam às lembranças de infância, entre outros dos seus diversos temas. Em contrapartida, o libertário pulso criativo do inconsciente é também convocado a produzir epifanias, muitas delas de caráter surreal, como a de engolir pássaros, matar plantas com água fervente, lançar móveis pela janela, visitar um cinema abandonado no deserto... A riqueza desse imaginário sensato ou onírico nos acompanha nas mais de 100 páginas do livro, com o texto diagramado como num jogo ou numa dança, oferecendo mais esse elemento para nossa apreciação estética.

Somos, por vezes, conduzidos através de longas explanações, que têm algo de narrativas, versando sobre determinado assunto. Em outros casos, o poema se resume a uma só frase. Seja como for, já sempre uma intimidade prestes a implodir, pois não pode permanecer confinada na simplicidade das palavras com que se apresenta. Essa espécie de cotidiano pessoal vai ganhando ares de universal na medida em que o olhar lírico atento se dedica àquilo que, a princípio, parece desimportante, mas que se revela fundamental.

A fotografia, a areia da praia, a pele, a ruína, a fenda, a máquina, entre outros substantivos configuram formas de existência elaboradas com delicadeza, sinceridade, lentidão. Surpreende que nada do livro esteja fora do lugar, nada seja acessório, marca de uma maturidade invejável para a estreia da autora. Assim, Dispersar todo sonho é, no mínimo, um despertar para o que a boa poesia pode nos oferecer.


segunda-feira, 30 de maio de 2022

MORRE UM JOVEM

Clique aqui para saber mais

Escrevi os versos abaixo quando soube do falecimento de Victor Heringer. Nos primeiros rascunhos havia uma menção a ele. Mas achei que, no livro que estou publicando agora, o poema poderia ser dedicado a todos que nos deixam ainda jovens. E à esperança que resiste. Por isso não há dedicatória alguma.

O livro em questão se chama Sutilezas, fins. É o quinto na minha trajetória de escritor, e o primeiro composto exclusivamente por poemas. Ele aposta na apreciação da sutileza, da delicadeza e da profundidade como saída para nossa condição contemporânea.

A pré-venda vai até 31 de maio no site da Loja Pedregulho. Como se trata de uma editora pequena e a tiragem é limitada, faz toda a diferença você encomendar seu exemplar. Clique aqui

Agora sim, o poema.

MORRE UM JOVEM

Morrem milhares
todos os dias dizem:
o país não se importa
exceto por este sujeito
ele se importa
e aquela moça mais aquele senhor e
assim por diante
morre um suposto país

É preciso matar muitos países supostos
para viver um
fresco rebelde ingênuo ousado delicado
desse tal jeito jovem
que outros tantos ajeitados
teimam em envelhecer
ao ponto em que a obsolescência
confunde-se com salvação.

quinta-feira, 10 de março de 2022

COLONIALIS MUNDI

Foto de Jovis Aloor


Haveria então essa porta
de civilização antiga, descoberta
durante uma escavação
ao ser deitada no chão ela se abriu
para o mundo inferior

Algum debate e mulheres e homens avançados
se propuseram descer por ela para explorar 
e foram 
surpreendidos por homens e mulheres 
e silêncios emergentes
tais como eles, de idêntica aparência e conduta
haviam descoberto em seu canteiro de obras 
uma porta 
caída
que os levava ao mundo inferior.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

ESCRITO NA AREIA


Textos para lembrar de ir à praia, de Rodrigo Luiz P. Vianna, traz poemas que têm em comum essa temática explicitada no título. O livro se divide em três partes: Escrito na areia, Ampulheta e Pérola. Que implicam também três destinações da areia, às quais são dedicados inúmeros versos. A sensibilidade e a criatividade do autor para escrever tanto a esse respeito são impressionantes. Sem dúvida, o grande destaque do livro fica com a sua exploração, que ganha aspectos, camadas, perspectivas e significados a cada página, trabalhados com uma cuidadosa elaboração.

Há jogos de palavras, como “mãos em concha” e “o labirinto se despedaça aos ouvidos”; há também ideias muito bonitas, apresentadas na forma de imagens sugestivas, como em “a circunstância tem vida e espessura” ou “cartografar durante o terremoto”. Há muito mais. Trata-se de um escrito capaz de produzir inusitados a partir de algo corriqueiro como um passeio no litoral. Por exemplo, quando nos fala da escultura conforme aquilo que falta a ela: “pedra pole a água / lapida ao longo da vida / as faltas da estátua”.

Sua complexidade nem sempre é fácil de apreender, e por diversas vezes me peguei flutuando em ondas de indefinição. Tal como faz o vento de um dos seus poemas, este livro “dissolve os limites / entre meu corpo e a praia”. Daí a sensação de desfazimento, da impossibilidade de se reter os significados diminutos, que escorrem por entre os dedos. Afinal, “a areia é um fragmento da areia”. Se por vezes enchemos as mãos com ela, outras vezes é ela que se agarra em nós. E seguimos assim, por simples prazer.

Publicado no Brasil pelas editoras Reformatório e Patuá em 2020.

sábado, 27 de novembro de 2021

AMOR DE ÓCULOS — UMA RETRATAÇÃO

Foto de Mariana Beltrán
Seus olhos me convocam 
para mais uma aventura 
a criança no colo 
o dia após dia o 
favor, não esquece 
me tira o sono 
olhos cansados, braços estendidos 
na minha direção 
tudo ainda por fazer 
só o desejo pronto 
a vida correndo solta 
o esforço para agarrar o possível 
tão forte, o que resta 
desta nossa fortuna 
são seus olhos 
atrás da armação 
das lentes engorduradas 
minha insistência em elogiá-los 
em pedir que tire os óculos 
essa insensibilidade minha de não ver 
que eles fazem parte de você 
de não perceber a sua beleza neles 
inclusive quando estão na mesinha de canto 
sugerindo que você está por perto 
como sempre, meu amor.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

SOBRE ERROS

Foto de Inge Poelman

Se de forma antecipada
eu soubesse das coisas
que quase tudo daria certo e afinal
o que não daria importa pouco, ah
se eu tivesse sido informado que
para o que não deu certo
e fosse ainda importante
haveria perdão
teria eu agido diferente
teria mais paciência, talvez
teria dito que amava, teria
ido aonde não tive coragem
sonhado ininterruptamente
arriscado mais, errado menos
por certo
teria deixado de fazer, e assim
teria deixado de viver uma parte, ah
mas que coisa
esta minha vida mediana
feita de altos e baixos
alegrias e tristezas
companhia e solidão e sabores e dissabores e
você já entendeu, logo
sua vida deve ser também assim
ambas têm lá alguma autenticidade
– os erros a comprovam
e por mais que saibamos perfeitamente
a realidade é que corremos e tropeçamos
e caímos e levantamos e
corremos sem poder fugir
disto que nos forma
e com o tempo me fez
careca de tentar aprender.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

ESCRITOS SOBRESCRITOS

Página 47 do DOCUMENTO PT/AMLSB/RJA/01/018, Arquivo Municipal de Lisboa


Meu ofício é escrever. Seja na ficção, na poesia, na comunicação, na revisão, na pesquisa, na edição, na crítica, nas aulas, no acompanhamento de projetos alheios, enfim, escrevendo é como me sustento e me expresso. É pela escrita, especialmente, que me coloco no mundo. Tenho com ela uma obrigação, uma companhia, por vezes certa desconfiança, em outras, uma paixão permeada por realizações, conflitos e frustrações. E mais. Meu ofício me convida para conversas, que rendem anotações a seu respeito, quase sempre perdidas em cadernos e folhas avulsas. Revendo-as, senti o desejo de compartilhar algumas, que você lê a seguir. Elas não concordam entre si nem pretendem estabelecer verdade incontestável; na realidade, com frequência são incompatíveis e precisam ser acolhidas com parcimônia. Seja como for, espero que tragam alguma inquietação a leitores e escritores, assim como trazem para mim.

***

Existe um abismo entre as palavras e as coisas. Escrever é atirar-se nele, não como forma de suicidar-se, pelo contrário: é levar às últimas consequências a tentativa de sobreviver.

***

O que diferencia um texto da “arte literária” de outro qualquer é que ele sempre tratará do próprio ato de escrever, por mais que se apresente dissimulado na forma de temas, narrativas, versos, personagens.

***

Para ser um escritor bem-sucedido é preciso se interessar pelas pessoas, pelas coisas, pela língua; tanto quanto pelas relações, jogos de força e diferenças que atravessam isso tudo. É preciso ter curiosidade e abertura ao que é estranho. Escrever é elaborar esse profundo interesse pelo outro.

***

A boa escrita jamais é a mera expressão do ego. Ela só se realiza quando o escritor se abandona, inclusive ao falar de si mesmo.

***

Ser influenciado pela obra de outrem não pode significar uma receptividade passiva; não se trata de simulação. Melhor é deixar que ela e a sua própria obra colidam, reflitam e se transformem. É uma ação poderosa e, em geral, perturbadora.

***

É sempre o livro que escolhe o seu leitor – o contrário é uma ilusão.

***

Hoje, e talvez desde sempre, não saber ler imagens é o mais grave tipo de analfabetismo.

***

Uma artista me afirmou certa vez que pintar é escrever. Referia-se não apenas ao aspecto narrativo da imagem pintada, mas ao que apresenta também de linguagem, de estrutura, da sua relação com as palavras que a interpretam, com o que ela dá a ver e como é vista. Essa artista não disse que pintar é “como” escrever, não sugeriu uma compatibilidade. “Pintar é escrever”. A pintura é um escrito – embora não necessariamente um texto, claro. Poderíamos responder que escrever é pintar? Que a escritura é também pintura? Uma composição de cores, sensações, espessuras, forças, temporalidades, sugestões, camadas, visualidades, imaginários, ilusões?

***

Poesia é a capacidade de tornar visíveis as singularidades onde a princípio vemos apenas lugares-comuns.

***

Ao mesmo tempo em que um escrito realiza uma memória, dando a ela a materialidade das palavras, torna-a ainda mais distante, impessoal, autônoma, como um construto, uma invenção, uma obra fictícia da qual o autor já não é o sujeito que a viveu e que sobre ela tem ainda algum controle. Tomamos notas para lembrar; escrevemos para esquecer.


***

Como sombras deslocadas do objeto que as produz, personagens são o autor do livro projetado, espelhado, ampliado, negativado, reduzido, distorcido, ou seja, modificado segundo as necessidades da narrativa. Autor e obra são como formas similares e não coincidentes. São e não são. Assim.

***

Um escritor precisa ter muito claras as questões que mobilizam sua escrita. O que não significa respondê-las, mas enunciá-las. Somente assim saberá se de fato acredita nelas e se exerce seu ofício com sinceridade. Essa é a única verdade que importa quando falamos em escrever.

***

A cada palavra do escritor, a obra pode viver ou morrer. É preciso compreender a responsabilidade implicada nesse gesto toda vez que acrescentar, excluir, modificar palavras num texto. Ao mesmo tempo, somente é possível escrever deixando-as livres para escolherem a si mesmas, sem o controle muitas vezes autoritário do autor. Escrever é manejar esse paradoxo.

***

O real motivo do texto é a sua escrita. Qualquer outro produz resultados duvidosos, quando não desastrosos.

***

O texto deseja existir por sua conta e risco. Nossa tarefa é tornar essa existência possível. E basta.

***

A palavra é sempre um aprisionamento, ela encerra no significado a dimensão maior e mais complexa da vida. Na medida em que cria fissuras no entendimento, subjuga o óbvio, reinventa usos, a poesia tenta escapar dessa limitação. Tentativa deveras frustrada.

***

Um texto que não perturba certa ordem preestabelecida não merece ser escrito. Não há escritura real senão em afrontamento.


*Publicado originalmente no jornal Correio Popular.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

UM VAZIO

Foto de Kunj Parekh


Era
uma concha
não era uma concha, era uma cavidade
uma ferida
uma caverna
era
o escuro o abismo a depressão
não, era uma queda
profunda
a queda era uma verdade
a verdade era a dor
a dor era um corpo, de fato
um filho
era
o mar
a onda
a lágrima
a convulsão
o agudo atravessando toda a rouca imensidão
não era um buraco, era
uma marca
a ferro e fogo
perfuração na superfície da história
era mais uma história de ocultamento
era
o trecho da história que não se conta, e muda tudo
a carne que faltava à vítima
a alma que faltava à casca
a existência renegada
era
uma mãe também
não era uma mãe, era um eco
um horror
o júri montado ao redor, nós
como urubus
uns aqui e outros ali e todos
a mesma culpa jamais assumida
assistindo apenas
ao último carinho, à tentativa
de agarrar o que já se tinha esvaído
era o buraco de bala no peito
era a areia ao redor
era uma concha
o nome já meio enterrado
como sempre
a água que batia
e se afastava
a água ia e vinha e batia
uma vez mais
displicente
escavando
desfazendo a concha
em mais areia.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

O BELO E A BESTA: RESSONÂNCIAS


Este é um livro escrito para o leitor rir de si mesmo. Ou melhor, rir de sua patética humanidade. Seja com ironia, espanto ou escracho, estes textos breves retomam uma questão que atravessa as fábulas de Esopo, os bestiários medievais, os seres imaginários de Borges, a bicharada de Guimarães Rosa, qual seja: há diferença entre nós e eles?

“Predicamos ‘homem’ de um homem; assim, de ‘homem’ predicamos ‘animal’”, escreveu Aristóteles em suas Categorias. Para concluir que “um homem é tanto ‘animal’ quanto ‘homem’”. Este O belo e a besta, com menos filosofia e mais absurdo, parece inverter a equação e sugerir que a humanidade não está um grau acima na evolução; ela é a limitação de uma animalidade maior e desconhecida, ainda que jamais abandonada.

O que resta a nós? Ler e rir. Porque, bem sabemos, é melhor rir do que chorar.

Saiba mais no site da editora Moinhos

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

O BELO E A BESTA: RESSONÂNCIAS


Este é um livro escrito para o leitor rir de si mesmo. Ou melhor, rir de sua patética humanidade. Seja com ironia, espanto ou escracho, estes textos breves retomam uma questão que atravessa as fábulas de Esopo, os bestiários medievais, os seres imaginários de Borges, a bicharada de Guimarães Rosa, qual seja: há diferença entre nós e eles?

“Predicamos ‘homem’ de um homem; assim, de ‘homem’ predicamos ‘animal’”, escreveu Aristóteles em suas Categorias. Para concluir que “um homem é tanto ‘animal’ quanto ‘homem’”. Este O belo e a besta, com menos filosofia e mais absurdo, parece inverter a equação e sugerir que a humanidade não está um grau acima na evolução; ela é a limitação de uma animalidade maior e desconhecida, ainda que jamais abandonada.

O que resta a nós? Ler e rir. Porque, bem sabemos, é melhor rir do que chorar.

Saiba mais no site da editora Moinhos

MAGIA

Foto de Geoffroy Hauwen

Primeiro a ouço
como se fosse uma só
gota, são inúmeras
num mesmo tom
frisson da natureza
lembro-me como se fosse
hoje, o cheiro da saudade
vento frio a entorpecer meu rosto
a vontade de permanecer
observando essa magia, a água
cair do céu. Ouviu?
É água
caindo
do céu.

terça-feira, 13 de julho de 2021

A PRESENÇA DA ARTE

Composição em cinza, de Arcângelo Ianelli

É possível permanecer
depois de há muito
ter partido
encher os olhos
com resquícios
de uma existência
antever a crise, o caos
inverter a memória em realidade
experienciar a intensidade – que pulsa
ressoar o espírito do tempo
em tocante melodia
e assim
fazer-se inteiro
pleno-sempre
sobre o chão
estar disposto
único
entre outros
porque a arte
instaura essa presença
frente a toda vida
que desvanece.

terça-feira, 29 de junho de 2021

UMA PEQUENA VITÓRIA POR DIA

Foto de Nicolas Solerieu em Unsplash

Privada sem respingos
vaso com novo broto
flerte com o estranho
entre duas estações do metrô
vazio preenchido com chocolate
comido antes de derreter no bolso
nota de cinquenta esquecida
encontrada a cachorrinha da vizinha
alguém segurando a porta do elevador para você
subir desde o fundo do poço
água quente do chuveiro
cantarolar feliz sem letra
a palavra certa
no momento certo
perdão, dizem
dois pedestres em rota de colisão
ao desviarem para o mesmo lado na calçada
voltar para casa mais cedo
acompanhar o nascer do sol
tocar a pele do bebê
dar tudo por alguém
receber de volta
o olhar
abrir as janelas
a brisa do mar
aroma de café preto
o despertar de uma ideia
sorrir por dentro
uma pequena vitória por dia
o resto é perdição
fogo cruzado
sobrevivência.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

PORCELANA

Foto de Jannet Serhan em Unsplash


Uma amiga dizia

das xícaras de chá

de sua velha tia

que eram sujas

manchadas de restos

de velhos chás e

cerimônias e eu nunca

pude esquecer tal imagem

a velha tia

abandonada por tudo

país família palavras

exceto por suas xícaras

manchadas de memórias

espectros de chá verde, e agora

aquela amiga já não é

a velha tia tampouco

as xícaras se perderam

nos cacos do tempo mas

as manchas

feito relíquias

resistem comigo.


terça-feira, 25 de maio de 2021

UM ANIMAL QUE FALA (E ÀS VEZES OUVE)

Veja mais sobre o livro no site da editora Moinhos

Quais são os limites da linguagem humana? Ainda é possível acessar a animalidade que nos habita? Quanto conhecemos sobre os animais e como a escrita de ficção pode contribuir nisso? O escritor e crítico Fernando Sousa Andrade me convidou para falar sobre O belo e a besta, livro composto por pequenos contos, poemas e ilustrações. Reproduzo a seguir essa ótima conversa, publicada originalmente no site Literatura & Fechadura.

1. Ao entrar num parque, temos regiões, seções, placas, sinalizações para os caminhos. Quais são eles em O Belo e a besta?
O livro propõe esse passeio por uma espécie de jardim zoológico. Mas várias lógicas se invertem, inclusive a do percurso pré-determinado. Os caminhos, as regiões do mapa, as sinalizações estão todas colocadas para o visitante se perder e, com sorte, vivenciar uma experiência diferente do espetáculo convencional. Por meio dessa errância, meu desejo era que o leitor perdesse inclusive algumas noções da própria humanidade e pudesse se reencontrar com certa animalidade sua. Assim, tentei criar meios de desfazer a ideia do “eu aqui e um outro acolá” que temos no zoológico, de modo que o leitor pudesse estranhar a si mesmo, talvez encontrar algum outro ser dentro desse “eu”. Isso feito com humor, às vezes bom, outras vezes nem tanto, num “zooilógico”.

2. Na sua escrita, o poder da sugestão é muito grande. Como foi esmiuçar ideias sobre animalidade sem, no entanto, fechar qualquer tipo de conclusão ou desfecho?
Eu tentei desconstruir algumas ideias pré-concebidas que vão sendo embutidas em nós desde pequenos, que nos formam e nos conformam a respeito da animalidade. São ideias sobre a personalidade de animais, por exemplo, como dizer que a cobra é traiçoeira, a raposa é esperta, a coruja é sábia etc. Boa parte delas estão postas desde as antigas fábulas gregas, de milênios atrás. Há outras ideias mais recentes, com a de o cachorro ser amigo do homem enquanto o aedes aegypti é inimigo, a natureza ser algo exterior a nós, enfim, essas concepções que só falam sobre nós mesmos e sobre como projetamos nossa humanidade nos outros animais. Fui tateando isso, tentando me libertar no sentido conceitual e na linguagem, que também pré-determina os nossos entendimentos. Na medida em que o leitor consegue escapar também, os significados ficam suspensos e, assim, o desfecho permanece aberto.

3. A linguagem parece andar no meio desta coexistência entre bichos e gentes. Temos frases que você coleta na loja de souvenires do parque que já estão no senso comum da vida cotidiana. Você acha que linguagem entre bichos e humanos é tão normativa a ponto de criar uma genealogia da vida em comum, aqui pensando nos animais domésticos? Disserte um pouco.
A linguagem muitas vezes é entendida como o grande abismo entre humanos e outros animais. O que parece libertário nessa capacidade de falar é, em certa medida, uma prisão. Quer dizer, não são aqueles animais que se encontraram limitados a um mundo sem a linguagem falada dos humanos; nós é que acabamos por determinar a maior parte da nossa experiência aos signos linguísticos, às redes de sentido semântico, àquilo que pode ser racionalizado e verbalizado. O mundo é muito maior e mais complexo do que isso; uma grande dimensão da vida simplesmente não cabe em palavras. Contudo, raras vezes nos permitimos escapar dos limites do discurso e vivenciar algo que os outros animais têm a todo instante, pois somos educados a permanecer sãos e salvos nesse terreno da comunicação, da lógica, do pensamento esclarecido. Esse é um ponto que aparece sugerido em alguns textos de O belo e a besta, não como tese, mas como provocação, como piada. Outro ponto é a loja de suvenires do parque, que você mencionou. Ali estão colecionadas uma série de expressões que mostram como os animais fazem parte da nossa língua: pé de cabra, espírito de porco, bico do corvo, conversa para boi dormir, bode expiatório etc. Foi divertido lembrar delas, que por sua vez mostram a complexidade do português, rico em associações e imaginários, capaz de ir muito além do sentido imediato. Temos aí uma espécie de paradoxo que me interessava manter e atiçar, em vez de propor qualquer resolução.

4. Por que os animais se prestam também ao palavrão, ao efeito pejorativo de valor? De onde vem esta relação entre bichos e seu valor para uma ação humana?
Os animais do livro dizem palavrões porque são personagens inventados por um humano que deseja falar com outros humanos. No fim, são sempre criações feitas à nossa imagem e semelhança, e por mais desconstruídas que se queira, elas ainda estão a escancarar nossa incapacidade de acessar grande parte da animalidade que habita em nós. Essa incapacidade, creio, também podemos chamar de humanidade. Sem querer que humanidade seja pior ou melhor do que animalidade. Ambas coexistem à sua maneira. E hoje me parece que a humanidade é mesmo uma pequena parcela de tudo o que nossa animalidade pode vir a ser.

Gostou? Encomende agora mesmo seu exemplar de O BELO E A BESTA no site da Editora Moinhos. Clique aqui.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

FRATURAS NO COMUM

Saiba mais sobre o livro no site da editora Penalux

Havia Pedro no meio do caminho de Zé Ser, a cobra que veio do Paraíso prosear e versejar e tirar as nossas coisas do lugar. Criatura que desde sempre circula por aí abocanhando o próprio rabo, “que percorre estas bandas em busca de antídoto para monotonia”, nas palavras da própria, ou seja, solução para o tom único, a voz solitária, a ideia fixa. E entre Pedro e a cobra Zé Ser, o que se destaca é, justamente, o “entre”; melhor dizendo, os interstícios que marcam este pequeno livro de Fernando Sousa Andrade. Os intervalos, as pausas, as rupturas, as intermitências, os cortes, os vãos, os hiatos entre a música e o pensamento crítico, entre o verso e a prosa, entre melodias e cenas narradas como lapsos cantados de uma existência meio humana e meio animal. 

Esse espaço intermediário é explorado pelo autor com um método capaz de interromper o estabelecido. E o que lemos são, muitas vezes, questões de sujeitos perdidos no universo da linguagem; a linguagem e os sujeitos desconstruídos com esmero, como se Fernando garimpasse palavras nos escombros recém-criados e lapidasse novas possibilidades de sentido, buscando feitos, efeitos e defeitos reversos; as “linhas soltas e fluídas” que atribui aos músicos e filósofos, suas inspirações poéticas. “Toda palavra é só uma ciranda”, diz um dos versos, jogando com o leitor. 

Há sem dúvida esses atravessamentos todos em seus Interstícios (Penalux, 2021). São caminhadas poéticas ao ritmo de provas ou trovas. Indeterminações. Cadência de palavras contra certa decadência dos significados objetivos, alguns inesperados, algumas suspensões da lógica que, paradoxalmente, são criadas com analogias precisas, sonoridades e um inegável interesse filosófico. Mas o livro não é uma aplicação de conceitos nem uma suposta composição musical; é mesmo uma experiência literária que se articula entre a palavra e a vida, entre a linguagem dos seres e o silêncio da página branca, em intervalos preciosos que não cessam de acontecer – “eternos interstícios”, diz um dos textos ali reunidos. Fraturas no comum que o abrem para outros espaço-tempos poéticos.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

CONCORRA A UM EXEMPLAR AUTOGRAFADO DO MEU NOVO LIVRO


Tem sorteio no Instagram do Coletivo Discórdia! 

No dia 5 de junho, vamos conversar sobre O belo e a besta, recém-lançado pela editora Moinhos. E você pode receber um exemplar autografado gratuitamente! 

Confira as regras, participe e boa sorte. Clique aqui: instagram.com/ColetivoDiscordia

O sorteio será realizado em 29 de maio. Nesse mesmo dia, às 15h, teremos o Clube de Leitura no YouTube do Discórdia, em que conversaremos sobre Copo vazio, romance de Natalia Timerman. A autora já confirmou presença. E você?