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sábado, 19 de março de 2016

MÃE É AMOR

VERSÃO1: Minha mãe é amor. Minha mãe é amor quando cozinha. Quando jogo bola dentro de casa enquanto ela pica cebolas. Quando jogo bola dentro de casa contra a sua vontade, quando a desobedeço. Quando quebro seu vaso de orquídeas favorito. Minha mãe é amor quando me surpreende ao lado do vaso, em cacos, paralisado. A faca ainda na mão. O cheiro ácido das cebolas. Amor que explode de raiva, berra maldições, agarra a bola e a apunhala na minha frente. A sangue frio. Meus olhos arregalados se enchem de lágrimas, é o único movimento de que sou capaz. Sem ar, tenho o vazio dentro de mim. Reajo assim àquela violência jamais sofrida. É amor de mãe que a faz paralisar também, que solta a faca no chão. É seu amor, somente ele, que a traz para chorar junto comigo.

VERSÃO 2: Eu queria ficar por perto enquanto minha mãe cozinhava. Ela me mandava ao quintal, eu insistia com a bola dentro de casa. Ela berrava sem largar a faca nem a cebola. Eu chutava a bola. Corria, batia nos móveis, quicava nas paredes. Continuei até atingir seu vaso de orquídeas favorito. Eu não tinha ido ao quintal, agora sequer podia dar um passo. Minha mãe sim, deu todos os passos num só. Chegou transtornada. Era outra pessoa, alguém que eu desconhecia. Tudo mudado, menos a faca, ainda à mão. Minha mãe nunca me batia, era uma santa. Naquele dia ela atirou a cebola no chão, agarrou a bola e a apunhalou sem piedade. Eu era apenas olhos, arregalados; jamais me moveria de novo. Chorar era tudo o que me restava. Não pela bola, mas pela mãe, que não era a minha, não podia ser. Chorei tormentas que lavaram sua maldição. Até ela voltar ao que era, aquela mãe amorosa que me envolveu e chorou comigo. Que eu queria para sempre por perto.