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domingo, 15 de março de 2009

GIRAMUNDO

Acho que já está na hora de publicar aqui alguma coisa diferente, para variar. O escolhido foi este conto infantil, escrito recentemente – em fevereiro de 2009 –, a pedido de uma colega de trabalho. Ela surgiu com um projeto novo e, depois de uma rápida conversa, o esboço da história surgiu em minha cabeça quase que espontaneamente.
A proposta é que a leitura seja feita em voz alta para uma criança. Espero sinceramente que quem tenha filhos, sobrinhos, netos ou simplesmente conheça algum pequeno interessado se divirta bastante. Tentei ser o mais musical possível para deixar a leitura dinâmica e, no final, acho que deu certo.
Foi uma experiência ótima, pois jamais tinha me aventurado no universo dos textos infantis. Sempre admirei muito as publicações do gênero que, em minha opinião, são riquíssimas. Os escritores e ilustradores brasileiros, principalmente, merecem meus parabéns, pois têm se superado cada vez mais. Sorte dos pequenos, que podem crescer na companhia de histórias tão maravilhosas.
A idéia é que este texto receba ilustrações em breve. Assim que estiverem prontas, prometo que atualizo a postagem.
Enfim, espero que gostem e, se não for pedir muito, escrevam-me contanto a reação dos ouvintes. E as suas também, claro.



Quando começaram a chamar a girafa Joana de “Jô”, ela não gostou. Achava que o apelido soava baixo e gordo, enquanto ela, na verdade, era alta e magra como toda girafa costuma ser. Na escola onde estudava, era a mais alta da turma. As andorinhas, para agradá-la, chamavam-na de “Joaninha”, mas o resto da classe ria, pois sabia que as verdadeiras joaninhas praticamente desapareceriam se ficassem ao seu lado.

Os problemas de ser uma girafa no meio de animais baixinhos não ficavam por aí. Primeiro porque nada estava adaptado para ela. Os lustres, por exemplo, ficavam sempre pendurados no meio do caminho e Jô vivia batendo a cabeça neles. Precisava se dobrar inteira para caber no elevador e achava que a camiseta do uniforme escolar a deixava muito pescoçuda. Quando se olhava no espelho, então, era uma decepção do tamanho do mundo, pois enxergava apenas seus pés. Também, em lugar algum havia espelho grande como ela.

Se normalmente ninguém lhe dava atenção, bastava surgir alguma necessidade de altura que corriam atrás da sua ajuda. Os tatus, por exemplo, só saíam da toca para pedir que ela pegasse uma pipa presa na árvore. O gatinho não sabe descer do telhado? Chamem a Jô. O bebê pardal caiu do ninho e precisa de um empurrãozinho para voltar? Chamem a Jô que ela ajuda de bom grado, tem um grande coração. O que ninguém sabia é que a girafinha vivia triste, pois pediam sua ajuda mas ignoravam sua amizade.

Jô se sentia solitária lá em cima. Nas famosas festas de aniversário da galinha Maristela, no galinheiro de teto baixo, dava para entender perfeitamente a situação: enquanto as marias ficavam de cocota, Jô acabava sozinha num canto, com a cabeça nas nuvens, sem poder se divertir com os outros animais.

De vez em quando, acontecia uma situação ainda mais embaraçosa: Jô errava o passo, dava um nó nas pernas e desabava no chão. Era difícil não se atrapalhar, comprida daquele jeito. Mais difícil ainda era escapar da chacota das hienas, que desatavam a rir às suas custas.

Apesar de tudo, Jô era uma girafa especial. Inteligente, dedicada e muito curiosa, sabia um pouco de tudo. Na hora de inventar brincadeiras, sempre enxergava mais longe do que os amigos e o resultado era diversão na certa.

Uma vez, quando a turma saiu para fazer pic-nic no bosque, Jô fora a única que se lembrou de consultar a previsão do tempo. No meio da tarde, quando as águas de março vieram fechando o verão, formou-se uma confusão. “É o vento ventando! É a chuva chovendo!”, gritavam seus amigos. “É o fim do caminho! É o fim do passeio!” Então, de repente, FLOP!, a chuva parou de chover em cima deles e ficou chovendo só em volta. “Que coisa estranha! Que mistério profundo!” Que nada, era a girafa Jô, que abriu seu guardachuva e salvou todo mundo.

Foi ótimo viver esse dia de heroína. A turma da escola, empolgada com a aventura, a contou e recontou durante um tempão, acrescentando detalhes e exagerando aqui e ali para deixá-la mais emocionante. Jô, por alguns instantes, tornou-se o centro das atenções. Mas aos poucos as coisas foram voltando ao que eram antes – elas sempre voltam se a gente deixar. A girafa Jô continuou se achando alta demais, magra demais, desengonçada demais. A tristeza também voltou. Ela fazia Jô pensar: “O que vou fazer? Queria tanto ser como os outros animais! Queria tanto ser baixinha para me encaixar melhor no mundo deles!”

Para se distrair, Jô gostava de caminhar e descobrir coisas novas. Uma arvorezinha aqui, um morrinho ali, uma vista bonita acolá. Um dia, distraiu-se tanto que foi parar bem mais longe que acolá. Quando se deu conta, estava perdida. Sentou-se em uma pedra para pensar no que fazer, apoiou o cotovelo no joelho, a cabeça no punho fechado e ficou apertando as sobrancelhas, criando rugas de preocupação. Foi quando ouviu uma buzina soar ao longe. E depois outra. E depois mais outra. Curiosa como era, esqueceu-se de pensar e correu em direção às buzinadas. Acabou por encontrar uma enorme cidade.

Nunca tinha visto nada assim antes. Como os prédios eram altos! Muito mais altos do que ela. Jô ficou encantada. Saltitou de rua em rua, sentindo-se pequenina em meio a tamanha imensidão.

Deparou-se com um prédio lindo, todo feito de vidro azul, brilhando à luz do sol como uma safira gigante. Jô se aproximou para ver melhor e teve uma surpresa que a deixou de queixo caído – lá dentro estava uma linda girafa, alta e esbelta. Quanta elegância! Ficou observando-a sem piscar até perceber que a outra girafa também olhava para ela. Pintou-se de rosa-vergonha. Meio sem jeito, desviou o olhar e a girafa bonita fez o mesmo. Só que a curiosidade de Jô não estava satisfeita. Ela então foi se aproximando devagar, disfarçando o nervosismo com risinhos tímidos. A outra girafa também foi chegando mais perto, olhando de um lado para o outro, exibindo um ar despreocupado. Seria uma estrela de cinema? Será que gostaria de falar com Jô? Bonita como era, a girafa de dentro do prédio deveria ter um monte de amigos, então, por que perderia seu tempo com uma desengonçada? Não importava, Jô queria pedir conselhos. O que deveria fazer para ser assim? Será que a girafa bonita daria umas dicas? A empolgação era tanta que Jô não se aguentou. Disfarçou mais um pouquinho, cantarolou, deu uns passinhos furtivos e záz!, pulou na direção da outra girafa.

Todo mundo da rua ficou surpreso quando viu uma girafa doida chocar-se contra o vidro azul do prédio. Jô caiu de bunda na calçada e, ainda meio tonta, ficou tentando entender o que tinha acontecido. Cadê a outra girafa? Fugiu? Será que se assustou? Não, péra aí, a girafa ainda está lá dentro, sentada no chão, olhando diretamente para Jô.
Olhando para Jô? Como assim?

Foi então que compreendeu tudo. Não havia nenhuma girafa dentro do prédio, era apenas seu reflexo no vidro. Mas... ela era bonita daquele jeito? Esbelta e elegante também?

Ainda sentada na calçada, Jô abriu um imenso sorriso. Acabara de fazer a maior descoberta da sua vida! E, para confirmar que não estava imaginando coisas, a girafa do prédio lhe sorriu de volta.

Depois disso, Jô pegou a estrada de volta à sua cidadezinha, de volta à pequena casa, à pequena escola, às pequenas alegrias da vida. Apenas uma coisa havia mudado: sua autoestima, que crescera e ficara tão alta quanto a de uma girafa satisfeita com o que era. Jô jamais deixaria que ela voltasse ao normal, pois descobriu que era daquele jeito que o normal deveria ser. A tristeza, por sua vez, foi-se embora para nunca mais voltar. A girafa agora irradiava felicidade e contagiava todos.

Assim que chegou à escola, seus amigos perceberam que ali estava uma nova Jô, mais simpática, mais sorridente, mais legal. Jô estava até mesmo mais bonita. Acabou por se tornar uma companhia agradável da qual todo mundo queria compartilhar. E não era para menos, afinal, quem não gosta de uma girafa de alto astral?

Não demorou muito para que o apelido “Jô” fosse ouvido pelos quatro cantos. Era Jô para cá, Jô para lá, Jô Jô Jô. Ela passou a gostar dele, claro.Seus amigos, quando viram tamanho entusiasmo, sentiram uma pontinha de inveja e pensaram: “O que será que eu preciso fazer para ser como ela?”

sábado, 14 de março de 2009

VIZINHOS QUE SÓ OS INTELIGENTES PODEM VER

Esta crônica foi publicada em maio de 2008. Infelizmente, não posso dizer que meu comportamento melhorou muito de lá para cá. Tenho estado cada vez mais afastado, cada vez mais ocupado, que só volto para casa querendo dormir. Relendo o texto abaixo, percebo que ainda tenho muito que fazer...

Moro no mesmo apartamento há pouco mais de dois anos e, até aproximadamente um mês atrás, não conhecia ninguém do prédio, exceto alguns porteiros. Isso não é nada incomum, considerando que saio de casa todos os dias às 6h45 e raramente retorno antes das 21h (quem habita uma metrópole sabe do que estou falando). Nunca nadei na piscina daqui, usava as áreas comuns apenas para ir até a rua e, como não podia ser diferente, jamais participei de uma reunião de condomínio. Quando encontrava alguém no elevador, ficava sem saber se era visita ou não – talvez fossem eles que decidissem quando meu próprio apartamento seria pintado ou dedetizado e eu nem mesmo os conhecia! Cumprimentava, mas não puxava conversa.

Uma única vez, ainda quando estava de mudança, falei com meu vizinho de porta. Ele aproveitou que o apartamento estava aberto e veio me conhecer. Foi bastante humano de sua parte. Trocamos algumas palavras, nos certificamos de que ambos eram suficientemente civilizados e nos despedimos com um “Se precisar de algo, estou logo aqui, ok?”

Depois disso, vivi mais ou menos um ano dizendo a todos os amigos que meus vizinhos eram perfeitos: não faziam barulho, não escondiam cachorros no apartamento, não cavalgavam de madrugada com salto alto, respeitavam as vagas do estacionamento e, de certo modo, não causavam problemas. Em outras palavras, eram invisíveis.

Mas o aconchego do lar não durou muito: aquele mesmo vizinho que viera pacificamente me oferecer sua boa educação, assim, de repente, teve um filho! Eu nem sabia que sua esposa estava grávida e, para ser sincero, nem mesmo tinha certeza de que ele era casado.

* * *

Às vezes tenho a impressão de que o garoto começou a chorar no dia em que chegou e que não parou até agora. Com um agravante: depois de completar um ano, ele descobriu que a brincadeira mais divertida do mundo é jogar ao chão as panelas da mãe. Uma gracinha, não?

* * *

Quando tomava café na manhã de um dos últimos sábados, ouvia as panelas caindo e um martelar irritante na porta da cozinha que ainda não descobri como ele faz. Lembrei dos tempos em que não se ouvia nem mosca durante todo o fim de semana e me senti o maior canalha do universo, mas admiti: era tão bom quando meus vizinhos simplesmente não existiam!

* * *

Quem já viu o clássico filme Meu tio (Mon Uncle), se lembrará da divertida crítica que o diretor francês Jacques Tati faz, já em 1956, à fria e solitária vida moderna, comparando-a a uma pequena vila da periferia da cidade onde os vizinhos preservam o calor de uma verdadeira comunidade: todos brigam, riem, fofocam, trabalham e amam juntos, ou seja, compartilham suas vidas e a si próprios. Em sua opinião, envolver-se com os outros à sua volta é a melhor maneira de viver e, acrescentaria eu, de sobreviver.

Pois até um mês atrás eu pediria a Tati que me perdoasse, mas quem desperdiça quatro horas por dia no trânsito, sente-se obrigado a saber tudo que acontece no mundo e luta contra o tempo para entregar cada trabalho só quer chegar em casa, afundar no sofá e ouvir o silêncio da tensão indo embora.

* * *

Acontece que, hoje, estou tentando mudar isso. Às vezes o ato de ignorar a existência dos outros é apenas reflexo da enorme quantidade de “existências” à nossa volta (na Grande São Paulo, o número deve estar batendo os 20 milhões).

Enfim, talvez errado seja o ritmo frenético que escolhemos para nossas vidas e que nos faz passar por ela fingindo viver. Talvez seja o paradoxo de ficar quatro horas preso num engarrafamento e depois correr contra o tempo no trabalho. Ainda não encontrei uma solução prática para esses problemas, mas, pelo menos, depois de muita meditação, concluí que trancar o moleque do vizinho no armário não vai ajudar.

É engraçado perceber que quem antes não me deixava ouvir os próprios pensamentos tenha mudado um pouco minhas atitudes. No último mês, estou tentando ser um pouco como ele. Não tenho atirado minhas panelas ao chão, mas consegui aparecer e me fazer ouvir. Puxei papo no elevador. Dei uma volta em torno da piscina e acabei jogando bola com uma criança. Planejo agora me livrar do trabalho mais cedo e participar da próxima reunião de condomínio. Fiquei sabendo que até pizza eles compram para atrair o pessoal! Mas não vou até lá por causa dela não. Quero entender o que significa essa tal de comunidade e, quem sabe, ser um vizinho que os outros podem ver.

quarta-feira, 11 de março de 2009

QUEM TEM TEMPO PARA MAIS ESSA?

Esta crônica é de 24 de abril de 2008 e fala sobre um assunto que muito me perturba – estou em constante conflito com o tempo. Tenho a sensação de que nunca tenho tempo para nada, tudo é sofrido, tudo é corrido. Mas, quando consigo tempo livre, sempre arrumo alguma coisa para fazer. E arrumo rapidinho, chega a ser cômico. Ultimamente, tenho pelo menos deixado de reclamar. Faço o que dá e pronto, foi o que deu para fazer. O que não deu fica para a próxima. Se não for assim, enlouqueço a mim e os outros ao meu redor.

A respeito da provocação no final, apenas uma leitora conseguiu me responder a tempo. Fez uma bonita reflexão sobre a vida e sou muito grato por ela. Aliás, gosto muito de saber como os leitores recebem meus textos, portanto, escreva sempre que puder. Se tiver tempo, claro.

Quando relia minha última crônica publicada (sobre o trânsito caótico das grandes cidades e os preciosos minutos que nós perdemos com ele) e considerava a possibilidade de uma continuação, recebi o telefonema de um amigo dos idos da faculdade e de repente soube que, coincidência ou não, tudo em nossa vida é uma questão de tempo. Esse amigo foi especialmente importante na minha escola filosófica acerca do assunto, pois sempre representou o oposto da infalível pontualidade britânica e tinha uma teoria bastante curiosa para explicar seus atrasos costumeiros: nascera meia hora atrasado e, conseqüentemente, esse lapso tem se prolongado durante toda a sua vida!

Brincadeiras à parte, a influência do tempo em nossa sociedade é algo que realmente preocupa, por mais assimilada que já esteja e, pior ainda, por mais suscetíveis a ela que sejamos. Quem já reservou alguns minutos para refletir seriamente sobre as razões e conseqüências dessa escravidão voluntária?

Nas últimas duas semanas, estive me perguntando quando foi que a noção de tempo apareceu pela primeira vez e o que teria levado homens e mulheres a desenvolver matemática tão complexa, pois, na minha concepção, o tempo nada mais é do que um cálculo – a busca de um padrão nos estímulos sensoriais à nossa volta e no qual ficamos tentando nos encaixar.

Em outras palavras, acredito que a noção de tempo deve ter sido criada para que esses humanos primitivos soubessem não apenas quando era dia e quando era noite – mesmo porque isso não deveria ser muito difícil de adivinhar –, mas justamente quantos dias e noites eram necessários para as flores desabrocharem, para as árvores darem frutos, para a neve cair e para as mulheres ovularem.

Será que foi assim? Não sei, mas, de qualquer maneira, imagino que deva ter sido por algum motivo ligado à sobrevivência. Aliás, tudo me leva a crer que os homens só pensam, inventam e se põem a buscar soluções quando se sentem realmente ameaçados de extinção.

Eu gostaria que alguém me explicasse como era a vida antes do relógio de pulso, da agenda via web e do despertador. Como os antigos gregos, por exemplo, marcavam seus encontros e não perdiam a hora? Como os romanos, antes mesmo de Cristo, das igrejas e dos sinos, faziam para não chegar atrasados ao trabalho? Como não perder a estréia de uma peça de teatro ou voltar para casa em tempo de impedir a ira dos pais mais rígidos?

Podem parecer ingênuas, mas essas perguntas têm sua importância. Em primeiro lugar, mostram que havia vida antes do relógio e que, se soltássemos as amarras de nossos pulsos, ela continuaria existindo. O controle do tempo é nosso – ou deveria ser –, já que fomos nós que inventamos tal medida.

Para mim, o horário de verão é sua prova mais concreta. Como é que os brasileiros combinam entre si, adiantam ou atrasam seus relógios em uma hora – avançam e retrocedem no tempo –, e continuam obedecendo a suas rotinas normalmente?

Outro ponto: se o mundo for acabar num dia específico – como prevêem muitas religiões –, será que a destruição começará pelo Japão? Afinal, de acordo com nossa idéia de tempo, quando aqui no Brasil é noite, lá já é o dia seguinte, e seria uma grande sacanagem de Deus chegar atrasado ou, ainda, adiantar nossa aniquilação sem nem mesmo deixar um recado após o bip.

Trabalho em um mercado (publicitário) em que os profissionais não têm muita noção do significado da “vida anterior à morte”. A maioria aceita de bom grado trabalhar dias e noites sem descanso, sem horas extras remuneradas, sem fins de semana etc. É um mercado povoado de workaholics que se deixam explorar e vivem brigando por mais prazo, mas não por mais vida útil. Infelizmente, sei que essa demência também se aplica, em maior ou menor grau, a diversas outras profissões.

Pois minha proposta é que todos analisem um pouco essas (suas) atitudes.

Certa vez, conversando com aquele amigo que nasceu atrasado, propus a criação de um teletransporte para que pudéssemos atender aos nossos compromissos sem gastar horas no trânsito e, assim, ter mais tempo livre para aproveitar a vida. Ele me respondeu com uma verdade incontestável: “Se essa máquina fosse inventada, logo estaríamos marcando reuniões com intervalos de trinta segundos entre uma e outra, e novamente não teríamos tempo livre”.

Pois é, acho que somos um tanto injustos conosco. O tempo foi calculado para ser usado em nosso favor, não o contrário. Ainda assim, nós não temos tempo para fazer nada – é o tempo que nos tem. Não sei de vocês, mas eu estou aqui para ser feliz. Sugiro que experimentem também. Quem conseguir um tempinho, pode começar se perguntando o significado da expressão “qualidade de vida”. (agora, desculpe a pressa, mas será que tem como dar a resposta até a hora do almoço?)

terça-feira, 10 de março de 2009

PECADO DA CAPITAL

Esta crônica foi publicada há um ano e pouco me surpreende o fato de que nada mudou. Ou, se mudou, foi para pior.
Com ou sem crise, as montadoras continuam produzindo e vendendo milhares de veículos todo mês. Com ou sem crise, o povo continua comprando. Com ou sem crise, todos ficam parados no trânsito falando sobre a crise.

O que mais me desanima, no entanto, é que fui obrigado a parar com o ioga. Depois de 9 meses de prática, não consegui mais chegar no horário.

Demoro em média duas horas para ir de casa ao trabalho e o mesmo tempo para fazer o percurso inverso. É uma insanidade que só São Paulo explica (a cidade, não o santo). Acordo cedinho, pego ônibus, metrô, faço baldeação, pego outro metrô, caminho três quarteirões, pego um segundo ônibus e vou a pé os últimos quinze minutos. Daria para ir à praia, mas meu bate-e-volta diário é para o escritório mesmo.

Há aproximadamente dois meses, eu e minha namorada inventamos de fazer ioga nas manhãs das segundas-feiras, pertinho do trabalho, o que significaria sair de casa às cinco e meia da madrugada. Achei cedo demais e optei por um dos maiores sacrilégios da cidade: tirar o carro da garagem. Seria apenas uma vez por semana, duas pessoas no veículo e, na minha ingenuidade, acreditei que haveria chance de absolvição.

O início foi tentador: era janeiro, muita gente ainda estava de férias e nós precisávamos de apenas uma hora e dez para chegar lá. A volta demorava um pouquinho mais, hora do rush, sabe como é; mas tudo bem, aceitei a penitência.

No entanto, a primeira segunda-feira após o carnaval revelou a gravidade do meu pecado. Era a releitura mais atual do Inferno, de Dante, com as almas penitentes sofrendo fechadas em seus círculos individuais, engolindo fumaça, suando sob o sol quente do verão, torturadas por buzinações intermináveis.

Minha namorada ficou desconsolada. Queria usar a ioga para curar aquilo: colocar um new age em cada carro, levantar o megafone e fazer todos aqueles motoristas estressados recitarem juntos o mantra Óóóóhuummm...

Percebi que, para continuar chegando no horário, seríamos obrigados a sair de casa ainda mais cedo e retornar ainda mais tarde. Comparando com o tempo de ônibus + metrô, ficava, como dizem, elas por elas.

E a situação só tende a piorar. Qualquer bom-senso consegue imaginar a enorme e assustadora leva de novos motoristas que chega às ruas todo mês. Basta olhar as notícias sobre as montadoras: é um recorde atrás de outro. Em fevereiro, chegamos a seis milhões de veículos licenciados na cidade e uma média de oitocentos emplacamentos por dia. Mesmo o rodízio já não resolve nada há tempos.

No domingo passado, fiz uma experiência: percorri o mesmo trecho que durante as últimas segundas-feiras me tomou uma hora e meia de vida. Precisei de apenas vinte minutos.

Em outras palavras, o carro, que todo mundo tira da garagem para economizar tempo, acaba se revelando um dos grandes problemas da atualidade. E isso vale para a maioria das metrópoles, porque todos nós somos um bando de preguiçosos inconsequentes. Poluímos, gastamos absurdos com combustível, estacionamento e manutenção do veículo e acabamos com nossa própria saúde no meio daquela loucura.

Sempre gostei de transporte público por dois motivos: 1. Não suporto o processo de engatar a primeira marcha, avançar um metro, desengatar, esperar alguns instantes e fazer tudo de novo, e de novo, e de novo, durante uma eternidade; 2. Uso o tempo que passo no ônibus e no metrô para ler, ouvir música, conversar etc. Não é perdido; ao contrário, é tempo bem aproveitado.

Analisando dessa maneira, o carro se mostra cada vez uma economia mais burra. E, acredite, eu adoro dirigir.

Sempre que proponho a outros motoristas convictos largar o volante e tomar um ônibus, ouço que o transporte público é caro e precário. O pior é que é verdade. É ruim e mal-administrado. Mas as avenidas superlotadas, mal-sinalizadas e esburacadas nunca me pareceram muito melhores.

“Este mundo, em que eu suporto tudo o que suporto (...), este mundo moderno, enfim, que diabo querem que eu faça nele?”, já se perguntava André Breton, em 1924, no primeiro Manifesto do Surrealismo.

Pois seu mundo sem nexo ainda tem tudo a ver com a nossa realidade.

Um amigo, por esses dias, me confessou um inconformismo parecido: a frase que mais ouvia das pessoas era “O mundo está assim porque ninguém faz nada”. “Bom, o que você tem feito ultimamente?”, respondia ele.

Quer dizer que os problemas não se resolvem sozinhos?

Cruzar os braços e reclamar também não é a solução.

Outro amigo, grande mestre, aconselharia sabiamente o uso de seu método TBC – Tire a Bunda da Cadeira (no caso, do assento do motorista). Pois é, o único modo de melhorarmos o transporte público é mostrar nosso interesse em utilizá-lo e lutar por melhorias, tais como: maiores frotas, novas linhas e preços mais baixos. “Fazer acontecer”, como diria o publicitário e escritor Júlio Ribeiro. É nosso dever exigir o melhor de um serviço pelo qual estamos pagando. Entenda, ninguém está nos fazendo um favor ao oferecer transporte.

Não sei se, moralmente falando, o processo deveria ser assim. Acho que não, mas é só partindo da população que o transporte público funcionaria aqui no Brasil. Infelizmente, sempre falta o povo. O povo e sua teórica força.

Se formos esperar que as empresas, assim, de repente, tomem a atitude de mudar por si sós, podemos esperar sentados. Em casa. No entanto, se todos preferirem continuar acordando alguns minutos mais tarde, enfrentando horas de trânsito, enfartando aos quarenta e achando que é vantagem, tudo bem, mantenham a bunda sentada, eu os perdoo e à sua estupidez também. Consciência não é algo que se força, que se obriga, e eu não vou catequizar ninguém. Vamos ver no que dá. Se o trânsito for o Juízo Final, todo mundo vai chegar atrasado no além. E terá muita inércia a confessar.

domingo, 8 de março de 2009

TRATADO VEGETARIANO DE NÃO-AGRESSÃO

Esta foi minha segunda crônica no Correio Popular, publicada dez dias após a primeira. Logo depois disso, estipulamos que as publicações aconteceriam apenas uma vez por mês. Assim, o jornal poderia ceder espaço a outros autores e eu teria mais tempo para desenvolver novos textos. Tem muita gente que funciona bem sob pressão e acaba tirando assuntos maravilhosos da cartola. Eu, sinceramente, prefiro um ritmo mais lento.
Uma curiosidade: a palestrante em questão tinha sido minha orientadora na pós-graduação. Coincidência ou não, a brincadeira não foi direcionada a mim, embora no começo eu tivesse ficado um tanto desconfiado.


Um tempo atrás, fui até a Pinacoteca de São Paulo prestigiar uma amiga que lá palestraria, convidada especialmente para a ocasião: a inauguração de uma grande exposição, dessas internacionais.

Estava na platéia com minha namorada e alguns colegas da área; ao todo, não somávamos cinqüenta pessoas e, num ambiente convidativo como aquele, eu me sentia em casa.

O artista em questão, Kurt Schwitters, revolucionou a arte alemã praticamente sozinho e ficou famoso por suas esquisitices: catava “lixinhos” nas ruas (engrenagens, parafusos perdidos, bilhetes usados de trem etc.), purificava-os seguindo um ritual de água e sabão e os incorporava à sua grande obra Merzbau, uma série de colagens esculturais que, aos poucos, tomou conta de sua casa.

Infelizmente, ele acabou incluído na lista de “artistas degenerados” de Hitler e, perseguido, foi obrigado a fugir para morrer isolado na Inglaterra alguns anos depois. Sua casa foi bombardeada pelos aliados e, da Merzbau original, nada restou a não ser umas poucas fotos e breves relatos de amigos que puderam visitá-la.

A palestrante, doutora em história da arte, aproveitou o momento trágico para provocar um outro amigo seu que também estava na platéia: falou sobre a personalidade perturbada de Hitler – algo como “Ele era maníaco e vegetariano” ou “Promovia matanças desumanas e não comia carne”. Não me lembro da frase exata, mas foi engraçado e todo mundo riu.

Mais tarde, nos minutos reservados às perguntas da platéia, descobri que aquela brincadeira deixou indignada uma garota sentada perto de mim. Ela pediu o microfone, disse que o vegetarianismo é coisa séria, não havia motivo para risos, e que o comentário sobre a atitude de Hitler era um tanto impertinente.

A palestrante pediu desculpas, disse que não teve intenção de ofender ninguém e que o vegetarianismo do ditador obviamente não tinha nenhuma relação com as atrocidades que ele cometeu – era apenas uma provocação particular, coisa de amigos que o ambiente intimista permitia. E era mesmo. Duvido que, em algum momento, alguém levou o comentário a sério, exceto a tal garota.

De qualquer modo, com aquele bate-boca bem polido, o clima na sala ficou tenso. Todos estavam desconcertados. Eu, também vegetariano, fiquei sem-graça, tive vontade de pedir o microfone e dizer a ela: “Por favor, não se leve tão a sério. É bom ter uma ideologia e isso é raro hoje em dia. Acredite, lute por ela, mas não faça a bobagem de acreditar que é a única verdade sobre a Terra. Foi exatamente isso que Hitler fez, e veja só os resultados... Então, vamos deixar o mal-entendido de lado e continuar com as perguntas?”

Fiquei pensando no que dizer, nas palavras exatas, e acabei perdendo a oportunidade: a garota se levantou e sumiu.

Tentamos voltar ao Schwitters, mas o assunto não engatava e acabamos a palestra rindo com o amigo vegetariano provocado, que tomou posse do microfone e tentava expor sua tese sobre a origem do costume de Hitler, atrapalhando-se mais do que explicando: era alguma coisa sobre Wagner, Nietzsche e uma dieta antiesquizofrênica. Ninguém entendeu nada, mas foi divertido. Devo admitir, o cara era espirituoso. Aliviou a tensão e fechou a palestra com a famosa chave de ouro.

Só mais tarde, quando todos estavam indo embora, descobri que a vegetariana ofendida continuara na sala – tinha apenas mudado de lugar. Fiquei mesmo arrependido de não ter dito a ela que defendesse seus pontos de vista somente quando eles são realmente atacados. Que não fosse tão impulsiva e não se ferisse com tão pouco, porque, no final das contas, duvido que alguém seja contra os vegetarianos e, se forem, como vamos provar que são eles os errados da história? É uma importante questão a ser debatida, porém, acho que o momento não foi oportuno. Quando isso acontece, normalmente dispersamos a atenção dos outros e geramos um preconceito que é difícil derrubar.

Enfim, encarar a vida considerando um único lado (o seu) não me parece muito saudável. Bom mesmo seria poder compreender todos à nossa volta, mas, como isso é praticamente impossível, simplesmente não os leve muito a sério e não se leve tampouco. Essa é a minha filosofia.

domingo, 1 de março de 2009

SOBRE A PINTURA AÍ EM CIMA, COM MEU NOME ESCRITO BEM NO MEIO DELA

Quando comecei a montar este blog, não entendia praticamente nada do assunto. Sabia apenas que, hoje em dia, seria uma tarefa simples, mas nada é verdadeiramente simples até que o conheçamos de fato. Como um colega publicitário costuma dizer, todo projeto é complicado até surgir uma boa idéia. Depois dela, as coisas ficam bem mais fáceis.

Aqui não foi diferente. Escolhi um layout entre os padrões oferecidos pelo Blogger e não demorei muito para perceber que ele era “padrão demais”, quer dizer, um monte de gente por aí teria um blog igual (ou, considerando que o meu era um dos mais recentes, ele é que seria parecido com os outros).

Decidi que pelo menos o cabeçalho poderia ter um pouco mais a minha cara e, talvez, ser um diferencial. Então comecei a pensar com que coisa minha cara se parece. Não literalmente, claro, para sua sorte.

Primeiro, resolvi pegar uma fotografia ou uma pintura que tinha feito nos últimos tempos e sobrepô-la com o título do blog. Escolhi uma pintura. O formato não ajudava muito, as cores tampouco e o resultado foi bizarro. Optei então por uma foto preta e branca, fui escurecendo-a para ser mais fácil de ler o nome e, no fim, quase não dava mais para ver a foto – ficou parecendo uma tarja preta com algumas manchas acidentais.

Foi então que me lembrei do Liu Ding.

Para quem não conhece, trata-se de um artista plástico contemporâneo chinês que tem conquistado espaço mundo afora e construído certa fama. Conheci seu trabalho na primeira (e ótima) exposição de arte chinesa contemporânea realizada no Brasil, no MASP, que ficou em cartaz de novembro de 2008 a fevereiro de 2009 com o nome de “CHINA: CONSTRUÇÃO / DESCONSTRUÇÃO”.

Nesta ocasião, ele apresentou uma obra bastante interessante chamada “Liu Ding’s Store – Take Home And Create Whatever the Priceless Image In Your Heart Is” (algo como “A loja do Liu Ding – leve para casa e crie qualquer que seja a imagem de valor inestimável que esteja em seu coração”). Trata-se de uma série de pinturas não-acabadas, cada uma delas exibindo um trecho de paisagens tipicamente chinesas, elaboradas pelo artista e executadas por dez artesãos do vilarejo de Dafen*. Em outras palavras, cada tela tem um pedaço pintado e todo o resto é deixado propositalmente em branco, com a bonita proposta de que o público a termine como bem entender. Me identifiquei imediatamente e comprei uma das duas últimas telas, que são reproduzidas em série. Não bastasse o conflito proposto entre o original e a cópia – já bastante discutido por teóricos importantes desde Walter Benjamin –, esta obra de Liu Ding fala também do papel do público na arte contemporânea, que precisa cada vez mais dar sua interpretação para que ela possa existir. É um tema que venho pesquisando desde a pós-graduação e que me parece importante, levando-me sempre a aprofundar os estudos.

Teorias à parte, eis que surgiu a boa idéia que tornaria a construção do blog bem mais fácil: resolvi finalizar minha tela transportando-a para este novo projeto, utilizando-a de plano de fundo no cabeçalho que você vê acima. Assim, consegui encontrar algo com que me identificasse sem ficar diretamente preso aos meus próprios trabalhos. Em outras palavras, ao invés de colocar aqui um retalho de foto escurecida e, por isso mesmo, sem graça, optei pela tela do Liu Ding, que me permitiu fazer uma referência às minhas pesquisas de arte e aos textos deste blog – afinal, eles também precisam ser lidos e interpretados para existirem. E, se não fosse por você, leitor, eu não os estaria publicando aqui.

Enfim, é por isso que esta pintura não-acabada está aí em cima. Não esperava me prolongar tanto com uma explicação tão simples, mas, como disse anteriormente, nada é verdadeiramente simples até que o conheçamos de fato.

Que bom.

*O vilarejo de Dafen é hoje um dos principais pólos de produção artística do mundo, onde pintores chineses fazem cópias e as vendem por preços bem mais baixos do que os dos originais.
O dinheiro arrecadado com a venda das pinturas de Liu Ding é revertido para a reconstrução das cidades atingidas pelo Tsunami de 2004, que arrasou boa parte do sudoeste da China, entre outros países da Ásia, além de manter o projeto funcionando. Uma ótima idéia, cá entre nós. E também muito atual, pois alia os conceitos de arte e sustentabilidade de maneira exemplar.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

MINHAS FÉRIAS

Esta crônica marcou minha estréia no jornal Correio Popular de Campinas. Foi publicada em 3 de janeiro de 2008, apesar de ter sido escrita alguns meses antes. Nela, vemos uma característica que se repetiria muitas vezes depois - a atemporalidade. Como não consigo saber com certeza o dia da publicação, preciso ficar sempre atento ao escrever para não cometer gafes. Por exemplo, seria bastante estranho você ler algo como: “Ontem, na novela, vi o Marquinho xingar a Mariazinha” e esta novela já ter acabado na semana anterior. Isto tem vantagens e desvantagens. Sinceramente, gosto de escrever assim, pois ganho liberdade para explorar temas que fogem às notícias do momento e tanto eu quanto os leitores podemos pensar em algo diferente, para variar.


O inferno começou quando vieram me dizer que, se fazemos o que gostamos, trabalhar é uma grande diversão. Na ingenuidade de minha adolescência, escolhi uma profissão (sou publicitário). Acho que eu queria concentrar em uma única faculdade várias atividades que me eram agradáveis. Pura ilusão... Nem me dei conta de que os sábios a me darem tão valoroso conselho eram os mesmos que esperavam ansiosamente a redenção de suas férias – uma época de divina felicidade justamente porque nela não precisamos nos execrar pela grande diversão de acordar às quinze para as seis, voltar para a cama à meia-noite e perceber que o melhor momento do dia foi quando, no ônibus, vagou um assento bem na nossa frente e não havia nenhum velhinho por perto para reivindicar a preferência do cochilo.
Enfim, se conselho fosse bom...

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De qualquer modo, caí no conto do vigário e entrei para a turma dos tarados por férias. Conquistei as minhas exatamente um mês atrás, quando estava a ponto de me fazer entender na linguagem do tabefe. Um para “sim”, dois para “não”, cem para “vá encher o saco de outro!” O pessoal andou dizendo que eu estava estressado. Tentei explicar “Não é estresse, é excesso de diversão”.

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Ah, esses 30 dias de alforria foram maravilhosos. Havia sol mesmo quando chovia, os passarinhos cantavam e meu consumo de café caiu aos índices normais, considerando-se um humano que pretende continuar vivo nos próximos anos.
Fui ao cinema numa terça-feira à tarde, entrei no meio da sessão e tinha somente duas outras pessoas na sala. A paz que eu sempre desejei! Fiquei todo animado para compartilhar “Vocês também estão de férias? Bom, né?”, mas achei melhor não interromper o descanso dos coitados.
Voltei para casa e, numa breve recordação do cárcere, disse para mim mesmo “Nãoquerovoltarnãoquerovoltarnãoquerovoltar!”

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E pensar que, segundo a teoria “trabalho é diversão”, as férias não deveriam ser agradáveis, mas tristes: estaríamos afastados daquilo de que realmente gostamos! Uma espécie de descanso forçado.
Mais um paradoxo para a coleção.

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Férias fazem bem para a saúde dos funcionários e da empresa.
Mudar de ares é essencial para a criatividade.
Pensar em outras coisas além do trabalho, por incrível que pareça, é a melhor fórmula para melhorar o desempenho e aumentar a qualidade do próprio trabalho.

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Isso, no entanto, não obstrui minha visão de mundo melhor, onde a oferta de emprego seria grande o bastante para todos poderem mudar de idéia quando quisessem.
Cansei, tchau, vou para outra.

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A rotina conturbada me fez deixar para esses míseros 30 dias tudo que eu deveria ter feito durante o último ano. Sei que reclamo de barriga cheia, porque são pouquíssimos os iluminados que dispõem de tanto tempo contínuo de retiro, mas, sinto muito, não podemos nivelar nossa satisfação por baixo.
Ainda assim, como não poderia ser diferente, todos os meus planos afundaram comigo quando sentei a primeira tarde no sofá e tirei um cochilo.

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Cinco minutos depois já era hoje e amanhã recomeça a contagem regressiva dos próximos longos onze meses. Passei a tarde a arrumar minhas coisas, deixar separada uma roupa como aquela criança que prepara o uniforme certa de voltar à escola com uma redação sobre suas férias.
Já dizia o sábio Minduim “Que puxa...”
Como professor, eu aconselharia “Não estraguem aquilo de que gostam transformando-o em trabalho. Hobby deve continuar hobby!” e ainda “Ao invés de redação, vamos analisar os prós e os contras de cada profissão para que vocês, no futuro, não sejam surpreendidos por uma divertida brincadeira de mau gosto”.
Enfim, se conselho fosse bom...