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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A CASA DAS PALMEIRAS

Palmeiras, como poderei te falar, te contar ou descrever,
És mundo disfarçado de casa, és casa podendo ser mundo.
Quem te vê de fora não entende, quem entra te conhece, nunca esquece,
Palmeiras, a cada dia nasce vida em teus barros, tintas, papéis e madeira,
És tu, Palmeiras, a casa dos meus sonhos, de uma noite que não quis ter fim,
És o início, o universo, o recomeço, tudo isso tu, Palmeiras, és para mim.

Não sei muito a respeito do autor do poema acima, entitulado Palmeiras, que foi escrito em 1993. Sei apenas que, na época, tratava-se de um rapaz, um dos clientes da Casa das Palmeiras, entidade carioca criada pela psiquiatra Dra. Nise da Silveira 37 anos antes.

A casa surgiu como continuidade de um trabalho importantíssimo que a doutora desenvolvia no Hospital Psiquiátrico D. Pedro II, no distante bairro de Engenho de Dentro, e representou um marco na psiquiatria brasileira. Seu propósito é fazer ponte entre a reclusão hospitalar e a vida em sociedade, ajudando os pacientes a retomarem a rotina que tinham antes da internação. Tudo isso porque os casos de reinternação eram bastante grandes, normalmente ultrapassavam o número de novos internos nos hospitais psiquiátricos.

Na Casa das Palmeiras, os clientes frequentam ateliês de pintura e escultura, oficinas de teatro e de costura, entre outras atividades. Ninguém fica internado; eles apenas participam dos grupos e retornam para casa no fim do dia. Conforme descrito no poema acima, o lugar é mesmo o mundo disfarçado de casa, onde, por meio das terapias artísticas, a vida consciente renasce a cada dia. A vida feita em barro, tinta, papel e madeira. A vida feita em poesia.


Clique e saiba mais sobre a Casa das Palmeiras.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O QUE ACONTECE NA LÍBIA TAMBÉM PODERIA ACONTECER AQUI?

O general dá ordens aos pilotos da força aérea:

– César, bombardeie o bairro de Santana.
– Mas, senhor, eu moro ali, senhor.
– Tudo bem. Então, bombardeie Pinheiros. Você, Luis, você bombardeia Santana.
– Senhor, sim senhor.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

VICE-VERSO

Quando ouvi comentários sobre a série Verso, do brasileiro Vik Muniz, achei que se tratava apenas de mais um factoide inventado para chamar atenção da mídia. Ele tinha selecionado diversas pinturas e fotografias famosas, reproduzido o verso das mesmas com o maior realismo possível e as exibido numa galeria de Nova York. O que poderia haver de interessante naquilo? Na ocasião, achei que nada. Mas algo ficou em meu inconsciente, algo provocador, exigindo uma reflexão a respeito. Até que, na última quarta-feira, comprei o catálogo da mostra e dediquei algum tempo às ideias do artista. Descobri que meu pré-julgamento estava errado – como todo pré-julgamento costuma estar – e que a série tem seus méritos, alguns verdadeiramente relevantes.

Entre eles, por exemplo, está o de revelar que a parte de trás dos quadros se transforma de um jeito diferente da frente. As marcas do tempo ficam mais perceptíveis ali. Na medida em que viajam para exibições mundo afora, as pinturas ganham adesivos, anotações e arranhões – espécie de carimbos de passaporte. Dá para desvendar todo o seu trajeto por meio deles.



As fotografias, por sua vez, até o advento da era digital, receberam notas no verso sempre que foram publicadas por algum veículo de comunicação, que vão desde uma simples data até a própria legenda ou manchete que as acompanhou. Visitamos, assim, os bastidores do espetáculo, como diz o crítico Luc Sante no texto de apresentação do catálogo.

Outros dois pontos importantes para compreender a proposta de Vik Muniz são:

1) A questão do fac-símile. Pois o que estava em exibição em Nova York não eram os versos originais das obras, mas reproduções deles, que poderiam ser consideradas quase tão enganosas quanto uma falsificação deliberada da frente, não fosse o aviso do artista. Ainda que a cópia tenha sido realizada com uma minúcia inimaginável, sabemos que, ao virarmos as peças, não encontraríamos nenhuma pintura ou fotografia do outro lado.

2) Posicionar a série no conjunto de trabalhos do artista. Porque a escolha dos versos foi criteriosa – como ele mesmo diz na entrevista concedida a Eva Respini –, tanto as pinturas quanto as fotografias deveriam despertar a imagem original na mente dos espectadores pela simples menção do título. Vik Muniz continua, dessa maneira, a trabalhar com ícones da História da Arte e com a ambiguidade, duas das suas marcas que podem ser vistas em obras anteriores feitas com chocolate, pigmentos coloridos e lixo.

Por fim, acredito ainda que o maior dos méritos do artista é mostrar que os versos daquelas obras nos ajudam a compreender melhor a imagem da frente e seu lugar na história. Com essa série de reproduções inusitadas, Vik Muniz nos revela um segredo que antes pertencia somente aos curadores, às equipes de montagem de exposições e aos restauradores dos museus. O verso é a face oculta que, em diálogo com a imagem original, acaba por complementá-la, preenchendo uma lacuna que eu jamais me dera conta de que existia. Com perspicácia, técnica e muita curiosidade, Vik Muniz nos permite fazer novas leituras daquilo que já está tão presente em nossas memórias visuais.

Saiba mais sobre o artista: Vik Muniz e Artsy.net

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

"O processo criativo é um diálogo permanente entre o caos e o cosmos: um fluxo entre o abismo, o indiferenciado, o sem-forma, o que ainda não se junta e o borbulhar das palavras, das ideias, dos conceitos, das perguntas. Primeiro, é preciso expandir, andar, ouvir, respirar, para, depois, contrair, concentrar, sentar, respirar."

Carlos Antonio Alves Pontes, Abel Menezes Filho e André Monteiro da Costa, em O processo criativo e a tessitura de projetos acadêmicos de pesquisa. (Interface, v. 9, n. 17)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

OS SIGNIFICADOS DAS COISAS


Na companhia de objetos, de Flávia Junqueira

Que coisas? Sei lá, qualquer coisa. Mas como vou explicar o significado de uma coisa que não sei qual é? Ela pode significar uma coisa para mim e outra para você. Esse é o ponto, percebe? Não. Pois é.

Estive pensando nos significados que damos para as coisas ao nosso redor, desde um objeto banal ao acontecimento mais místico. Porque essas coisas não significam nada por si próprias, somos nós que inventamos encargos para elas.

Tive essa revelação pouco extraordinária lendo uma biografia da Dra. Nise da Silveira – possivelmente a psiquiatra mais importante que o Brasil já produziu e de quem a vida é tão interessante quanto a obra. É um livro que o autor preferiu chamar de "conjunto de biografemas" – coisa que, no final das contas, dá praticamente no mesmo, exceto que deixa a história mais repetitiva. O jornalista Bernardo Carneiro Horta complicou a narrativa para agradar à doutora, de quem era amigo e que considerava o formato biográfico tradicional uma maneira pouco justa de se definir um sujeito.

Enfim, minha revelação se deu porque a Dra. Nise tinha na parede de sua biblioteca um brasão criado por ela mesma, constituído de uma peneira no centro e dois abanadores dispostos um de cada lado. Esquisitíssimo, eu sei. Só que, para ela, aquilo lembrava o doce de laranja preparado por sua tia, que era peneirado sete vezes em fogo brando, controlado com abanadas meticulosas. Ficava delicioso, e o sabor provinha da minúcia e da paixão da cozinheira. Nise empregava essa fórmula em suas pesquisas e o tal brasão ficava pendurado lá para lembrá-la de como agir. Quem nunca teve um amuleto assim?

Como historiador da arte, eu vivo decifrando esquisitices dos outros, principalmente do passado mais distante, também mais difícil de entender. Artistas têm uma grave propensão à esquisitice, o que não deixa de ser divertido e, em alguns casos, engrandecedor.

Lembro sempre de um presente que Marcel Duchamp enviou dos Estados Unidos à França no aniversário de casamento de sua irmã. Na verdade, ele enviou as instruções para que a irmã o realizasse: ela deveria pendurar um livro de geometria do lado de fora da casa e deixar que o vento fosse virando as páginas, escolhendo os problemas que o tempo se encarregaria de destruir. Acho lindo, simbolicamente falando, embora quem passasse na rua possivelmente concluiria que o casal tinha uns parafusos a menos.

Nós todos temos uma percepção específica do que acontece ao nosso redor. Vivemos em um mundo particular. Não tem jeito, cada um pensa à sua maneira, com sua própria bagagem cultural, suas conexões e seu grau de abstração pessoal. Por mais que eu explique a beleza da proposta de Duchamp, muita gente jamais vai compreendê-la como eu a compreendo.

Não faz muito tempo, li um artigo na revista Vida Simples em que a autora resolveu se desfazer de cinquenta dos seus pertences como tentativa de averiguar a relação que estabelecera com eles. Mas não bastava sumir com cinquenta CDs, por exemplo. Tinham que ser coisas diferentes. Foi assim que ela percebeu a imensa carga emocional contida em cada uma delas.

Nós emprestamos significados às coisas e, de alguma maneira, são também as coisas ao nosso redor que dão significado à vida. Juntando aquela reprodução do Abaporu emoldurada na sala de estar, esta caneta tinteiro e uma pilha de livros, dá para ter ideia de quem eu sou, caso um dia desperte sem me lembrar de nada.

Isso é coisa antiga, não tem nada a ver com sociedade de consumo. Os faraós do antigo Egito, por exemplo, eram sepultados com diversos "tesouros", hoje dignos de suspeita. Eram objetos pessoais, às vezes ordinários, mas que podiam fazer falta no outro mundo. Quem visita o Museu do Cairo observa aquele monte de potinhos, colares e besouros dourados sem saber ao certo o que significavam para seus donos originais.

Pensei nesse monte de coisas a partir de um diálogo comigo mesmo. Uma conversa estranha entre a metade que acredita no desapego material e a outra que não consegue viver longe de objetos imbuídos em memória e valor afetivo. Uma conversa em busca de um equilíbrio ideal, que seria perfeitamente representado por uma balança em miniatura. Assim como fez a Dra. Nise da Silveira, essa balança seria o meu brasão, ficaria ótima em cima da escrivaninha. Uma coisa para me lembrar do significado de outras coisas. Gostei. Não parece má ideia comprar uma dessas, né? Tenho certeza de que não.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O QUINTAL DO VIZINHO

Dois cachorros e um coelho brincavam juntos no quintal do vizinho. Eu os observava pela janela da lavanderia. Moro num prédio alto, no décimo terceiro andar de um prédio bem alto, isolado no topo de uma ladeira. Pelas janelas, consigo observar muita coisa que acontece no bairro. Isso não significa que eu fico espiando. É mais ou menos como uma TV ligada – a gente passa por ela e sempre acaba assistindo um pouquinho.

O episódio dos cães, por exemplo, descobri por acaso, enquanto abria as janelas para deixar o sopro do novo dia entrar. Eu tomava café na caneca, ergui a primeira das três janelas basculantes da lavanderia e vi os bichos correndo como loucos pelo quintal do vizinho, numa animação surpreendente para aquela hora da manhã. Não tive como ignorá-los. Me recostei no batente e ali fiquei.

Eram dois cães da mesma raça, de focinhos curtos e longos pêlos brancos, com manchas pretas espalhadas por todo o corpo. Já vi desses por aí, passeando com seus donos, mas não sei dizer o nome da raça, não entendo nada de cachorros. Acho a maioria bonitinha, brinco um pouco com eles e sempre me surpreendo com a devoção que oferecem em troca de um cafuné. Bom, estou falando desses cães menores, mais brincalhões, com os quais tenho coragem de me arriscar. Talvez alguns dos grandes também sejam carinhosos, mas acredito que o risco cresce proporcionalmente à raça e, nesse caso, prefiro manter distância. Talvez eu esteja errado, talvez os maiores sejam até mais carinhosos do que os pequenos, talvez seja o carinho – e não o risco de levar uma mordida – que cresça na proporção do porte. Nunca vou saber ao certo, é difícil saber quem é quem. Como disse antes, não entendo nada de cachorros.

Os do vizinho não são muito grandes e nem muito pequenos. Ficariam enormes em meu apartamento, por exemplo; porém, no quintal que observo pela janela da lavanderia, eles têm espaço de sobra. Deve ser um dos últimos terrenos assim na cidade, que agora se espreme entre prédios e trânsito. Um terreno que logo vai se transformar em estacionamento, mas que, por enquanto, sobrevive com árvores, horta, galinheiro e, inclusive, um singelo laguinho. Para você ter ideia do tamanho dele, tem um velho abacateiro bem no centro, que cobre boa parte da casa e que dificulta bastante minha observação. Abacateiros crescem muito, acredite.

Eu tomava café na caneca e via os cachorros perseguindo um coelho branco por entre os galhos da árvore. De repente, eles corriam para outro canto e eu conseguia vê-los melhor. O pega-pega parecia divertido, em especial por causa da esperteza do coelho. Um coelho branco que depois me fez lembrar do personagem de Lewis Carroll, que levou Alice até o País das Maravilhas. Naquele instante, no entanto, eu só conseguia pensar em qual seria a próxima guinada do bicho, que dava um baile nos atrapalhados cães. Ele era mais rápido e se aproveitava disso para enganar os perseguidores. Vira e mexe, os cães perdiam o rastro, ficavam correndo em círculos até o coelho se mostrar de novo e recomeçar o jogo. O coelho dava voltas no lago, mudava de direção bruscamente e fazia com que os cachorros esbarrassem um no outro, pisassem na água, dessem com a cara num arbusto. Quando se cansava, simplesmente enfiava seu corpinho miúdo num canto em que os focinhos dos outros não o alcançavam.

Não sei dizer quanto tempo aquela alegria durou. Os bichos pareciam se divertir e eu fiquei a admirá-los. Era mesmo uma empolgação fascinante. O café esfriou na caneca e eu nem percebi.

Os cães eram feitos de bobo diante de meus olhos e, como se soubessem observados, foram ficando mais irritados. Quer dizer, eu acho que ficavam mais irritados, pois naquela distância não dava para ter certeza de nada e eles não latiam, rosnavam ou faziam qualquer uma dessas coisas que os cães fazem quando querem demonstrar indignação. Estavam entretidos de verdade.

O coelho, descansado, voltava à correria. Disparava como uma bala e trazia os dois no encalço. Teve uma vez que ele até ousou correr na direção dos companheiros. Foi magnífico. Os dois últimos, surpreendidos com a atitude do danado, tropeçaram e rolaram pelo chão de terra. A torcida vibrou. Devem ter ficado com o pêlo sujo, comprido como é; mais uma vez, não consegui ver direito por causa da distância.

Então, o coelho confiou demais em si mesmo. Ou confiou demais na amizade dos outros. Ou talvez eu é que tenha sido inocente demais para enxergar alguma amizade ali. Enfim, fato é que o coelho se atrapalhou numa curva e um dos cães, que tinha ficado para trás em manobra anterior, o abocanhou de jeito no pescoço. Apertei a caneca instintivamente, quase a ponto de quebrá-la. Não sei se foi obra de minha imaginação, mas vi o pêlo branquinho do coelho sendo tingido de cima a baixo pelo tom rubro da morte. O outro cão se aproximou num pulo, o coelho se debateu um pouco e finalmente suas orelhas relaxaram.

Eu estava em pé, com todos os músculos do corpo retraídos, com uma caneca de café frio na mão, de frente para a janela basculante da lavanderia. Percebia a brisa fresca da manhã me gelar a alma. Olhos fixos no quintal do vizinho, mente voando distante, corpo abandonado naquela situação inerte.

Os cães carregaram o coelho para debaixo do abacateiro, escondendo-o de possíveis curiosos.

O galinheiro tinha tela. Foi a segunda coisa que notei. Tinha tela de arame. Protegidas, as galinhas não davam qualquer atenção ao que acontecia na vizinhança. Elas estavam tão suscetíveis à violência, tão disponíveis ao perigo que rondava sua morada, mas não parecia sequer preocupadas. Eram apenas galinhas. Estúpidas galinhas ciscando no galinheiro.

Deveria haver também uma coelheira. Uma coelheira com tela. O que teria acontecido? Um coelho decidira se aventurar fora dela ou os cães a tinham invadido à força? Não dava para ver mais nada, só imaginar. Os cães já tinham sumido de vista, as águas do laguinho nem se mexiam mais. O quintal ficou em silêncio e pude ouvir a cidade despertar para mais um dia inocente de trabalho. Um dia como qualquer outro, rotineiro e indiferente.

Ainda fiquei um tempo com os olhos fixos no quintal do vizinho, não sei dizer quanto. Os sons da cidade ecoavam distantes em minha cabeça. Os raios de sol iam ganhando força e o verde das plantas ficava mais verde. O concreto reluzia, me chamando de volta à realidade.

O vento frio gelava meu rosto. O silêncio desaparecia. O galo cantou. Havia um galo no galinheiro do vizinho, que cantava sempre num horário diferente, não era parâmetro para nada. Tinha me esquecido dele. O galo cantou, eu pisquei algumas vezes e mexi a cabeça na direção da caneca, que apertava contra o corpo. Fechei a janela por causa do frio. Estiquei o braço, girei o trinco com cuidado, devagar. Olhei ao redor, para as coisas da lavanderia, e fui passar mais um pouco de café.


*A pintura que ilustra este conto chama-se Carta Branca (1965), de René Magritte.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

GRANDES MUSEUS REUNIDOS ONDE VOCÊ ESTIVER



Sempre me surpreendo com as invenções da Google. Não tem jeito, eles ficam criando essas coisas espetaculares que, em pouco tempo, se tornam essenciais.

Não bastasse o Street View, que nos permite caminhar digitalmente por ruas do mundo inteiro utilizando o Google Maps, agora apareceu o Google Art Project, que traz os grandes museus para dentro de nossas casas e ainda mata aquela curiosidade gostosa proporcionada pela arte. Porque não dá para visitar pessoalmente todos eles, muito menos com a frequência com que gostaríamos. Então, fazemos a visita pelo computador.

Não adianta ficar fazendo propaganda aqui. Clique logo no link abaixo, faça um bom passeio cultural e torça para que essa tecnologia chegue o mais rápido possível aos museus brasileiros.