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terça-feira, 30 de outubro de 2018

LEITURA DRAMÁTICA DE MINHA NOVA PEÇA

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Dia 6 de novembro, às 18h, minha peça Museu de Arte Efêmera de Lethe terá uma leitura dramática no Mezanino do Sesi SP (Av. Paulista, 1313). A direção é de Carlos Baldim, que selecionou a dedo um grande elenco.

Os ingressos são gratuitos e devem ser reservados com antecedência aqui:
http://inscricaoeventos.sesisp.org.br

O evento Portas Abertas é promovido pelo Núcleo de Dramaturgia do Sesi - British Council, com coordenação de Marici Salomão e César Baptista. Trata-se de um projeto incrível, do qual eu e mais onze dramaturgos fazemos parte desde o início do ano.

A leitura oferece a oportunidade de apresentar um texto em processo de finalização, que será debatido com o público.

Espero ver você lá. Garanta seus ingressos, prestigie o teatro brasileiro e participe do debate para compartilhar comigo impressões da leitura.

Sinopse da peça 
Museu de Arte Efêmera de Lethe

Zakhor está inconformada porque ninguém se lembra da criança que se afogou no rio. Ela é o estopim para que venham à tona histórias de outras personagens, que têm em comum a indiferença diante de uma tragédia. Zakhor faz de tudo para que as tragédias permaneçam lembradas na história da comunidade. Lethe, entretanto, oferece às vitimas o conforto das suas águas do esquecimento.

Aproveite a oportunidade para assistir também à leitura das 20h, da peça "Sentença", de Eduardo Aleixo e direção de Carolina Bianchi. Está primorosa.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A IMPOSSIBILIDADE DE DIZER

Ao ler o esboço de uma peça de teatro que eu escrevia, minha esposa fez o seguinte comentário: você é artista, deve saber o que está fazendo. Hoje preciso dizer que não é bem assim. A poesia habita justamente um não sabido que compõe o discurso. Não saber – e não poder enunciar –, de certo modo, é o que torna a arte interessante e a diferencia do panfleto. Por isso defendo que os teóricos e críticos sustentem a potência do não sabido e a impossibilidade de dizer sobre, em vez de pretenderem esclarecer os trabalhos de arte como se pudessem esgotá-los. O mesmo vale para outros campos das humanidades.

Num ensaio recente intitulado O que é o ato de criação?, Giorgio Agamben comenta a conferência homônima que Gilles Deleuze proferiu em 1987. Deleuze falou da arte como resistência. Agamben, por sua vez, esmiúça a ideia, querendo entender em que medida uma criação pode também resistir e qual seria a natureza dessa resistência.

Ele começa por não associar a resistência a uma força externa, mas a uma potência inerente ao próprio ato criador. Fazendo uma arqueologia da potência desde Aristóteles, como é seu costume, Agamben insiste que toda obra conserva uma inoperosidade na forma de uma potência que não se realiza, resiste e se opõe à expressão. Essa resistência impede que a potência criativa se esgote no ato da criação. Ao mesmo tempo ela expõe a própria potência e a forma criada, de maneira que possamos apreciá-las, contemplando-as, ou seja, observando-as atentamente e sem pressa. O filósofo explica: “a grande poesia não diz apenas aquilo que diz, mas também o fato de que está dizendo, a potência e a impotência de dizê-lo”. Ela diz a si mesma e o impossível de dizer que a faz poesia.

Em outras palavras, é como se algo permanecesse irrealizado durante o ato de criação da obra de arte, e que essa resistência à realização pusesse em xeque tanto o ato quanto a própria obra. De maneira que a obra de arte jamais esteja totalmente exposta, explícita ou acessível pelo olhar, pelo discurso e pelo pensamento do público e até mesmo do artista.

A poesia, por sua vez, seria uma operação na linguagem que desativa o hábito e torna inoperantes funções comunicativas e informativas, abrindo-as a um possível novo uso. É essa sua inoperosidade que desarticula modos de fazer já estabelecidos e abre espaço para alternativas, reinvenções, intervenções.

Isso que permanece não realizado durante a criação poética põe em questão uma política da arte. Ao desativar modelos, destitui governos do olhar, do dizer e do pensar numa operação política que não se distingue de certa operação estética. Nas palavras de Agamben, “política e arte não são tarefas nem simplesmente ‘obras’: elas designam a dimensão na qual as operações linguísticas e corpóreas, materiais e imateriais, biológicas e sociais são desativadas e contempladas como tais”.

Sua filosofia me ajuda a sobreviver nestes tempos de certezas, verdades e absolutismos morais, sociais, históricos etc.; tempos em que um lado é correto apenas porque seu oposto está errado. Ela aponta a importância ética de assumir alguma incerteza na estética e na política, que as mantém vivas e passíveis de transformação. A sabedoria que extravasa todo conhecimento de causa está em perceber que algo inexplicável, indizível e invisível reside em todo discurso, inclusive no que se pretende esclarecedor. Como podemos exercitar tal impossibilidade de dizer? Eu começaria por profanar o sujeito que diz. Uma estratégia seria, por exemplo, escutar o outro. Podemos também destituir o “eu” desse ranço identitário que o quer determinar. Por fim, poderíamos experimentar dar voz a um outro, o que é o fundamento de todo ato de criação. Tal exercício de partilha do sensível pode, com sorte, abrir lugar a alguma sabedoria que mereça ser dita.

Quando a dureza política e institucional impõe sua vontade de ordem, a criação poética pode devolver o gesto e a potência à vida. Não existe saber algum na verdade imposta pelo grito. Como bem notou Georges Didi-Huberman, historiador da arte que se destaca entre os intelectuais contemporâneos, “a certeza não tem a ver com o saber. É na medida em que a certeza é absoluta que se tende a dizê-la alucinada”.

Estamos vivendo um momento em que se fala demais. Um palavrório que pretende dizer tudo e revelar tudo. Se a política brutal insiste nesse discurso iluminado e verdadeiro, é preciso contrabalanceá-la com o incerto, o ambíguo e o paradoxal que pode haver na criação poética. Que nos sugere não afirmar nada em absoluto senão a necessidade urgente de questionamentos. É o que a resistência do ato criador tem a nos ensinar.

*Sobre a imagem que ilustra o texto: trabalho da exposição A infinita história das coisas ou o fim da tragédia do um, organizada por Sofia Borges na 33ª Bienal de São Paulo (2018).

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

LEIA UM CONTO DO MEU NOVO LIVRO

Meu conto “Bons tempos, aqueles” foi publicado na revista Originais Reprovados #12. É uma pequena amostra do que você encontra no livro Testemunho Ocular, recém-lançado pela editora Lamparina Luminosa.


Minha avó e três dos seus irmãos juram de pés juntos que era um índio, ele se perdera da tribo e foi dar na cidade. Seus outros cinco irmãos, menos preconceituosos, falam num negrinho, só não têm certeza da origem. Meus pais sorriem da anedota. Todos concordam apenas neste ponto: a árvore genealógica da família teve um ramo enxertado, e daquele tio-avô, de que tanto falam e pouco sabem, resta somente uma fotografia embaçada, sem cores; um homem enrugado, com lábios grossos e chapéu de linho, que podia ser tanto índio quanto negro. Restou também um nome, Jacó Bento de Lima, que não devia ser negro nem índio, mas era.

Falam da caridade do bisavô, que o adotara de imediato, ainda muito menino. Quantos anos? Ninguém sabe.

Calam-se sobre a morte trágica da bisavó, afogada no poço da fazenda.

Pensam na maldição que contaminou aquela água e a todos que beberam dela durante gerações. Sentem um arrepio.

Que fazenda era essa?

Virou cidade, não existe mais.

Contam, orgulhosos, que o bisavô apareceu certo dia com esse menino meio negro ou meio índio, botou no meio dos filhos, batizou com seu sobrenome. Calam sobre o fato de que, daquele dia em diante, a bisavó viveu amuada.

Onde foi parar esse homem?

A família ignora minhas impertinências.

Teve filhos? Onde estão meus primos índios ou meus primos negros?

Minha avó e seus irmãos se entreolham, meus pais pensam um instante. Calam-se.

Minha avó diz que, quando geava na fazenda, todos os irmãos corriam a acender tochas para proteger a plantação. Uma correria danada, eles se lembram muito bem.

Gostou? Compre o livro aqui: www.lamparinaluminosa.com