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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

"ELE VIA O MUNDO DO JEITO QUE UM SANTO SEM CABEÇA O VERIA"

Como um esquizofrênico percebe o mundo? É algo que me pergunto desde que comecei a pesquisar a relação entre arte e espectador, segundo aspectos psicológicos, onde o assunto vive dando as caras. Porque o mundo é sempre o mesmo. Se parece diferente para mim ou para você, é porque nós somos diferentes, temos vidas diferentes, conhecemos pessoas diferentes e temos interesses diferentes. Os esquizofrênicos também têm suas peculiaridades, porém não tantas quanto se supõe – são pessoas como eu e você, que, no entanto, não separam muito bem o consciente do inconsciente, como se vivessem no mundo dos sonhos. Pelo menos é assim que Freud explica. Quando descobri que esse era o mote do romance Afluentes do rio silencioso, fiquei curiosíssimo. O que estaria me esperando ali?

A história se resume às perambulações de um garoto, conhecido como Lowboy (um tipo de cômoda baixa, título original do livro), que foge do hospital psiquiátrico em que trata sua esquizofrenia paranóica e se embrenha nos túneis do metrô nova-iorquino. Ele quer salvar o mundo do aquecimento global. Para encontrá-lo, a mãe e o policial responsável pelo caso devem reconstituir seu percurso – uma frágil linha de raciocínio que, tal como o metrô, se cruza com uma infinidade de outras.

É muito bacana a maneira como o autor – o norteamericano John Wray – retrata o fluxo de pensamentos do garoto, intercalando-os com capítulos racionais e dedutivos protagonizados pelo detetive. Esses contrapontos nos permitem sentir melhor as diferenças psicológicas existentes entre eles. Em diversos momentos, fiquei me perguntando: "Será que é assim mesmo? Será que é assim que um esquizofrênico pensa? Que vê o mundo?" E tudo que Lowboy inventa, as pessoas imaginárias com quem conversa, os planos conspiratórios de que se sente vítima, tudo é confuso, chega a nos tirar o fôlego e embaralhar a realidade. Verdade ou mentira? Fato ou ficção? Como um escritor são pode descrever o processo cognitivo de um esquizofrênico?

Os capítulos sobre Lowboy são difíceis de entender. Não se sabe ao certo o que está acontecendo, não se tem noção precisa do tempo e não é possível deduzir o próximo passo. Por quê? Porque nossa tendência de racionalizar encontra ali uma barreira. Ora, se nem sempre há sentido lógico em nossas escolhas, imagine nas de um doente mental. Evidencia-se um ponto em comum: somos todos movidos pela emoção.

Isoladamente, as falas do garoto são desconexas, mas, no contexto de seus pensamentos, elas fazem sentido – um sentido que, na maioria das vezes, só ele compreende, mas que é suficiente para decidir e agir.

Durante o romance, outras questões cruciais vão surgindo: os esquizofrênicos conseguem mentir? Por que teriam essa necessidade? Qual é a diferença entre mentira e ficção? Existe imaginação pura? Como sabemos que estamos de acordo com a normalidade? Qual seria o parâmetro? As ideias não viriam de momentos de delírio? Nossos desejos não influenciam nossos pensamentos?

Além do fluxo de informação, que deixa a história com aspecto desordenado, há outros recursos que o autor utiliza para obter a sensação de desconforto mental, tal como perguntas sem pontos de interrogação, vírgulas fora de lugar e falas, pensamentos e narração misturados, sem indicação ou destaque. Deve ter dado um trabalhão para a tradutora, Vanessa Barbara.

Vamos a cada página nos enfiando no lodo contagiante da esquizofrenia, acostumando com a falta de exatidão, com o pouco ou nenhum controle sobre a sequência de fatos. Lemos, imaginamos, percebemos tudo que acontece à nossa volta e, de repente, tudo faz sentido e pode ser experimentado, por mais estranho que seja. Não existe certo ou errado, apenas a verdade entendida à nossa maneira. Todo o poder a que um leitor poderia almejar.


Trechos:

"Lentamente, seus pensamentos também se encaixaram. Mesmo a mente estreita e claustrofóbica de Lowboy sentiu afeição pelo túnel. Afinal, era sua cabeça que o fazia de refém, não o túnel nem os passageiros do trem. Sou um prisioneiro do meu próprio crânio, pensou. Refém do meu sistema límbico. Não há saída além do meu nariz." (p. 9)

"Conforme ela se aproximava, o túnel contraía-se como uma boca e Lowboy começou a ficar preocupado. Havia gente no caminho, mas ele as ignorou. Eu fiz um bom trabalho Rafa, ele gritou. Os grafites me disseram. Vá mais devagar, srta. Covington. O mundo pode parar de acabar. Mas então ele correu direto para o Caveira e o Esqueleto." (p. 293)


Afluentes do rio silencioso, de John Wray
Companhia das Letras, 2010, 304 páginas
Página oficial: Cia das Letras

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

FREUD ESPIRRA

Um homem conversa com o psicanalista:
– Sabe, sou louco por símbolos, metáforas e mistérios.
– Sei.
– Só que ninguém me entende.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

DUCHAMP E JUNG EM DEBATE


Etant donnés (1946-66), de Marcel Duchamp

Um artigo meu, chamado RELAÇÕES SIMBÓLICAS ENTRE ARTISTA E ESPECTADOR: UMA CONVERSA ENTRE MARCEL DUCHAMP E CARL G. JUNG, foi publicado recentemente na 11ª edição da revista Pesquisa em Debate, pertencente à Universidade São Marcos.

Trata-se de um trabalho científico, fruto das pesquisas que venho realizando nos últimos anos, mas isso não impede que os curiosos de plantão deem uma olhada. Se quiser arriscar, utilize o seguinte link:

REVISTA PESQUISA EM DEBATE Nº 11


Resumo
Marcel Duchamp afirmou que o artista não tem plena consciência do que realiza no momento da criação, que suas obras são finalizadas apenas quando o público as interpreta e que uma série de elementos subjetivos definem a diferença entre o que se quis realizar e o que foi de fato realizado. A proposta deste artigo é verificar a validade dessas informações, analisando o modo como a mente criativa do artista e a mente interpretativa do espectador se encontram na obra de arte. Em outras palavras, aqui é feita uma tentativa de compreender melhor a relação entre artista, obra e público, tal como proposto por Duchamp em 1957, por um ponto-de-vista psicológico. Para isso, foram utilizadas teorias da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung que tratam principalmente de símbolos, inconsciente e intelecto, mostrando que toda criação humana está sempre sujeita às leis da psique. Portanto, a partir de correlações bibliográficas entre Jung e Duchamp, descobrimos que este tinha razão: através da obra, imagens inconscientes são compartilhadas, e artista e público se encontram no plano simbólico.

Palavras-chave: Arte. Autoria. Duchamp. Jung. Psicologia analítica. Teoria da arte.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

"O que Goethe dizia de si mesmo pode-se perfeitamente aplicar à obra de Jung: 'Se suprimisse tudo o que devo aos meus predecessores, restaria pouco. Minha obra é a de um ser coletivo que se chama Goethe'. Por sua vez, Jung escreve: 'Nós não somos os criadores de nossas ideias, mas apenas seus porta-vozes; são elas que nos dão forma... e cada um de nós carrega a tocha que no fim do caminho outro levará'."

Léon Bonaventure no prefácio de Memórias, Sonhos, Reflexões, de Carl. Gustav Jung (org. Aniela Jaffé)

domingo, 10 de janeiro de 2010

MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE EDUARDO DE ALMEIDA


A música (1910), de Henri Matisse

Minha namorada acha surpreendente o fato de eu lembrar da música que tocava no rádio do carro quando passávamos por determinado lugar, ainda que isso tenha acontecido décadas atrás. Não é que eu me apegue muito aos detalhes da vida, ao menos não com essa minúcia toda. Raramente sei precisar a data de um acontecimento, os motivos de termos optado por isso não por aquilo etc. Não tenho a menor noção da idade em que realizei algumas coisas, mais ou menos como se meu passado tivesse ocorrido de uma vez só. O mesmo vale para a história do mundo. Nunca fui bom nas aulas do colégio e jamais pensei que me especializaria em história da arte quando crescido, pois os professores estavam mais preocupados com "quem faz o que e quando" do que com o significado real daquilo tudo. Napoleão foi derrotado em Waterloo no ano de 1815. Tudo bem, mas quem foi Napoleão? Que tipo de música ele gostava de ouvir? Como se relacionava com a família? Suas preferências gastronômicas tinham alguma coisa a ver com a carreira militar? É esse tipo de coisa que sempre me interessou – descobrir a essência de um personagem e seu papel no espetáculo da vida. Essa é a verdadeira História para mim, e não uma mera lista de acontecimentos a serem decorados segundo sua cronologia. Creio que a razão está no modo como minha memória foi configurada. Nunca lembro de nada muito concreto, mas o sentimento produzido em cada ocasião permanece claro, pulsante, como se tivesse sido vivido anteontem. Para mim, ele constitui a chave do tempo, que me permite avançar e retroceder conforme tenho vontade.

Existem músicas, por exemplo, que se encaixam perfeitamente no momento em que são ouvidas; criam uma combinação tão mágica e única quanto o alinhamento dos planetas. Fica impossível esquecê-las. De algum modo, elas elevam o tal momento a outro nível de percepção, a ponto de eu poder apreendê-lo e criar uma relação afetiva com ele. O instante então se fixa em minha memória, concretizando-se de maneira que quase posso tocá-lo. Você já sentiu algo semelhante?

Numa entrevista de 1942, o pintor francês Henri Matisse descreveu uma situação curiosa: "Quando me falam de um de meus quadros, mesmo antigo, me relembrando de alguns de seus elementos, sem conseguir situar a data da execução, vejo de maneira muito precisa o instante sentimental em que o fiz". Pois o sentimento do mundo é algo importantíssimo na concepção artística de Matisse, que sempre buscou pintar não a coisa em si, mas o efeito que ela provoca. Talvez seja por isso que me identifico tanto com ele. Para ambos, a exatidão da data e dos nomes não faz diferença. Percebo isso claramente ao rever fotografias de viagem. Não sei dizer com exatidão onde foi, nem há quanto tempo, mas as imagens reavivam os aromas, os sons e os sabores do lugar. Em outras palavras, não me importam muito os detalhes puramente racionais, mas sim seus significados mais intrínsecos, reunidos no que para mim constitui a essência do viver. Importa a sensação de pertencer ao mundo; de estar presente e ser parte dele. É o tempo vivo da memória, a persistência que Salvador Dali tentou representar. Acho dificílimo discorrer sobre um instante específico de maneira muito cartesiana, pois tudo se funde em uma lembrança essencial e nuclear; como uma música, por exemplo. A música certa no momento certo, a expressão adquirida e compartilhada; um passeio de carro, um jantar romântico, o cantarolar que põe a criança para ninar; ritmo, harmonia e melodia perfeitos. E a alquimia vira ouro. Como disse Matisse, "para meu sentimento, o espaço é um só desde o horizonte até o interior do aposento de meu ateliê, e o barco passando vive no mesmo espaço que os objetos familiares a meu redor, e a parede da janela não cria dois mundos diferentes. (...) Não preciso aproximar interior e exterior, os dois estão reunidos em minha sensação". Pois o mundo não está além de nossos sentidos. E, no final, tudo o que realmente importa é a nossa sensibilidade ao respirar, degustar, ouvir, tocar e assistir. Em outras palavras, quando todo o excesso sucumbir, restará apenas o belo para preencher nossas recordações. É somente este belo que iremos admirar.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009


L.H.O.O.Q. (1919), de Marcel Duchamp

"Quando nos dispomos a fazer a apreciação de uma obra, seja ela qual for, independentemente da leitura que dela fizermos, é preciso, a cada encontro, olhá-la e ouvi-la pacientemente, esperando que ela nos fale. Para isso, temos de abandonar qualquer pretensão a um sentido preestabelecido ou a uma compreensão imediata. Essa postura disponível do espectador é a exigida pela própria singularidade das obras, porque é uma característica intrínseca a toda obra apresentar uma coesão, uma unidade estrutural tão poderosa que ela remeta mais a si mesma e sua história do que a qualquer outra situação no mundo."

"É preciso respeitar uma obra em seu ser específico, (...) tratá-la como um corpo autorreferenciado, (...) uma organização sensível com duplo aspecto: o de mostrar-se a si mesma, como corpo, como espaço-tempo próprio, em sua imanência, e de suscitar, ao mesmo tempo, um sentido transcendente, um mundo, ou seja, um conjunto mais ou menos vasto de possibilidades de existência e tonalidades afetivas, abstratas ou concretas."

João A. Frayze-Pereira, em A psicanálise implicada

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

JOÃO E OS PÉS DE FEIJÃO

Ando fazendo coisas bastante esquisitas na Universidade de São Paulo. Algumas semanas atrás, por exemplo, fui incumbido de plantar três feijões em algodão umedecido e registrar seu crescimento com desenhos e notas. Não, não me enganei de classe, não assisti à aula do primário. A tarefa era puramente científica. Meus objetos de estudo não seriam apenas os feijões – eu também deveria me colocar do lado de lá da prancheta, observando, uma vez por semana, meu próprio jeito de observar. Esquisito, eu disse. Mas pouquíssimas pessoas têm consciência da força que as coisas exercem sobre nós.

Ao propor uma leitura psicanalítica das obras de arte, o professor João Augusto Frayze-Pereira diz que “pensar psicanaliticamente implica escutar”, ou seja, abrir-se para o mundo e prestar atenção no que ele nos diz. O mesmo pode ser visto no romance Sidarta, de Hermann Hesse, em que o barqueiro Vasudeva sugere ao ex-monge que escute os ensinamentos do rio. “Sem cessar, Sidarta aprendia dele. Antes de mais nada, aperfeiçoava-se na arte de escutar, de prestar atenção, com o coração quieto, com a alma receptiva, aberta, sem paixão, sem desejo, sem preconceito, sem opinião”.

Nesse sentido, meu experimento com os feijões revelou coisas interessantíssimas, entre as quais gostaria de destacar a dificuldade de separar o lado humano do científico. Ou, em outras palavras, a emoção da razão. Pois, no começo, tentei ser o mais técnico possível, registrando a incidência da luz, o formato dos utensílios etc. Com o tempo, no entanto, meu vínculo com a plantinha se fortaleceu, e os relatos foram ficando cada vez mais emotivos. Vê-la se desenvolver, criar raízes, abrir-se em duas metades e revelar folhinhas verde-escuras foi um pouco como criar um filho, guardadas as proporções. Fiquei angustiado com a demora do primeiro broto, que levou dias para aparecer; depois, me realizei ao ver o caule se elevando acima da borda do copo. No final, não apenas a replantei em um vaso maior, como acabei comprando outras para lhe fazerem companhia.

Sabe quem foi o responsável por essa mudança em minha percepção? O tempo.

Isso não é novidade. O grande escritor Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), ícone do Romantismo alemão e autor dos famosos O sofrimento do jovem Werther e Fausto, era também cientista, embora pouca gente conheça – e reconheça – essa sua faceta. Ao longo da vida, Goethe estudou diversos assuntos, tais como a luz e os fenômenos óticos, chegando a propor uma nova teoria das cores, em oposição à de Newton. Mas, veja só, foi estudando plantas que ele chegou a uma das suas conclusões mais importantes: a de que o tempo é um elemento primordial na busca do conhecimento. Segundo Goethe, só é possível chegar à verdade científica por meio de uma profunda observação da natureza, livre de preconceitos e ao longo do tempo. Isso porque, para compreender a essência do ser, precisamos analisar seu processo de formação.

O pintor modernista Henri Matisse (1869-1954) chegou a conclusões semelhantes ao refletir sobre a arte. Segundo ele, para superar a simples imitação da natureza e chegar a uma linguagem pessoal, o pintor deveria desenvolver uma relação profunda com os objetos que pretende representar, observando-os atentamente, fazendo com que lhe revelem sua essência. Essa percepção jamais seria imediata. Tal como pensava Goethe, ela seria obtida apenas através do tempo. Só assim Matisse conseguia incutir seu sentimento na pintura, o que acreditava ser indispensável.

Matisse também disse outra coisa interessante, dessa vez a respeito das composições pictóricas. Para ele, um simples ponto de tinta, quando acrescentado a uma tela, modifica todo o resto que já estava lá, pois eles passam a se relacionar imediatamente. Por isso, apenas o essencial deveria constar numa pintura – todo o excesso é desprezível.

Se traçarmos um paralelo entre essas ideias e o nosso cotidiano, perceberemos que todos os objetos ao redor nos influenciam, relacionando-se conosco e modificando nossas vidas à sua maneira. Quais deles são realmente essenciais? Quais são excesso e atrapalham a percepção da realidade?

O professor João Frayze afirma que a junção da psicologia com a arte ajuda a compreender melhor o ser humano, “num certo momento de sua história e em determinado círculo de civilização”. Ambas nos propõem reflexões, colaboram para tornar nossas ações mais conscientes e rendem um conhecimento mais profundo. O outro João, dos contos de fadas, me lembrou que coisas simples como pés de feijão podem nos levar às alturas, permitindo observar a vida por outro ponto-de-vista. Tudo através dos nossos sentidos e das relações com o mundo que eles nos proporcionam. Com o tempo, nossa sensibilidade cresce e passamos a nos sentir parte de algo muito maior: a natureza. Pois é, como pude verificar, os feijões são mesmo mágicos. Basta a gente olhar bem de perto, com o cérebro e o coração.

* * *

Apenas por curiosidade, selecionei algumas das anotações que fiz ao observar os feijões e as publiquei abaixo. Como não pude digitalizar os desenhos, talvez alguns trechos fiquem meio obscuros, mas dá para ter noção do que estou falando.

DOMINGO, 9H21
Só pude iniciar o exercício hoje. Escolhi os materiais pensando sempre em como eles melhor se adequariam aos meus objetivos. O copo, por exemplo, precisava ser baixo e largo, oferecendo bastante superfície para o algodão e facilitando os desenhos. (...) Fiquei curioso para saber como a umidade faz brotar os feijões. Deixei tudo no chão, bem próximo da janela, de modo que o experimento tenha claridade durante o dia. (...) Considero este um lugar estratégico, pois basta eu posicionar a cadeira nas proximidades para obter sempre o mesmo ângulo de visão.

SEGUNDA-FEIRA, 9H
O algodão continua úmido, o que me surpreendeu; achei que teria que regar meus feijões diariamente. (...) Acredito que os feijões devem receber claridade, mas não luz direta, então fechei as persianas. (...) De ontem para hoje, dá-me a impressão de que tudo mudou, exceto as sementes. Imagino que algo muito maravilhoso esteja acontecendo dentro delas, e que seja tão maravilhoso que elas não podem me mostrar.

TERÇA-FEIRA, 22H25
Nenhuma mudança. Estou achando que meus feijões vão me deixar na mão. O algodão continua bastante úmido. Será que preciso colocá-lo por cima dos grãos? Vou esperar mais um dia. Se nada acontecer, tentarei um plano B.

QUARTA-FEIRA, 22H25
Nada aconteceu, mais uma vez. Se é que “nada” pode acontecer mais de uma vez, assim, consecutivamente. (...) Será que devo enterrar meus feijões no algodão? (...) Até mesmo me cansei de desenhá-los nesta posição. Será que, se eu escolhesse outro ângulo, alguma coisa mudaria?

QUINTA-FEIRA, 22H15
Surgiu um pequeno broto, finalmente. (...) Trata-se apenas de uma pequena ponta amarela que rompeu a casquinha e começa a descer na direção do algodão molhado. Também notei uma lista branca no feijão de cima. (...) Fico feliz que o experimento tenha tomado este rumo.

SEXTA-FEIRA, 22H54
(...) Desconfio que um outro ramo tenha brotado por baixo, fazendo o papel da raiz. Seria uma surpresa interessante. E significaria que eu estava errado: os brotos teriam começado a surgir antes que eu pudesse vê-los. (...) Agora, estou ansioso para ver as folhinhas verdes surgirem no copo.

SÁBADO, 8H46
(...) Percebi que observar o crescimento destes brotos me faz pensar em muitas outras coisas, e fica difícil manter a concentração somente no experimento. Quer dizer, é difícil ser cientista sem deixar de ser humano. Tratar a ciência como algo artificial é esquecer a sua origem e os seus objetivos. Por isso, olho para meus feijões e vejo em seu desenvolvimento as fases da minha própria vida.

DOMINGO, 11H
(...) Estou começando a ter pena destes grãos, brotando no algodão. (...) Ontem, fui mexer nos vasos que tenho na sacada do apartamento e passei bons momentos com a mão na terra. (...) Meus olhos têm visto mais do que feijões brotando num copo. Sinto que, de algum modo, estou começando a enxergar melhor.

SEGUNDA-FEIRA, 21H39
O feijão 3 me surpreendeu enormemente. Em aproximadamente 36 horas, ele criou raízes e se suspendeu no ar. Fiquei maravilhado. É muito bom poder acompanhar o crescimento deles. (...) Ontem à tarde, fui a uma loja de plantas e comprei um pequeno musgo. (...) Suas folhas são minúsculas.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A CURA PELA ARTE


Quadrado branco sobre fundo branco (1918), de Kazimir Malevich

De um tempo para cá, a arte tem revelado possibilidades cada vez mais interessantes, que vão de descobertas históricas a trabalhos educativos em prol de comunidades carentes. Todas elas, no entanto, têm algo em comum, uma espécie de propriedade curativa que age diretamente sobre os males da humanidade, sejam eles de cunho pessoal ou social. Seus princípios ativos têm eficácia reconhecida desde a antiguidade, tais como concentração, reflexão e autoconhecimento, entre tantos outros. Grandes mestres utilizaram a arte para vencer vícios, superar traumas ou suportar angústias. Van Gogh foi um deles. Encontrou na arte um caminho para conhecer melhor a si próprio e a natureza ao seu redor, liberando a cada pincelada conflitos interiores e emoções reprimidas, numa atitude que mais tarde ficaria conhecida como “expressionismo”.

Se a arte sempre teve este poder, faz pouco tempo, no entanto, que temos consciência dele. E que sabemos explicá-lo de modo mais científico e menos intuitivo. Principalmente se considerarmos que a arte nasceu junto com o homem, lá na época em que descemos das árvores. Pois foi só em uma conferência de 1909 que Freud deu as primeiras indicações daquilo que hoje chamamos de arte-terapia, dizendo que a criação artística tem capacidade de transformar fantasias e reatar nossas ligações com a realidade, minimizando sintomas de neurose. Eram os princípios da psicanálise e também deste remédio inovador que muitos terapeutas têm receitado atualmente para quem chega bufando ao divã.

Pois é, arte cura estresse. Um colega de trabalho, Paulo Vilchez, testou e aprovou. Ele andava meio tenso quando descobriu esta alternativa e obteve um resultado tão positivo que levou a prática adiante, comercializando as obras nascidas daí. Sua tensão agora pode ser vista pendurada em paredes, emoldurada e transmudada em traços e cores. Muito bacana.

Aposto que alguns estão pensando: “Mas eu não tenho a menor aptidão para pintar, ficaria mais angustiado/angustiada ainda”, ao que eu respondo: “Por isso não, tente outras formas de arte”. Vá dançar, é ótimo para melhorar a coordenação motora e aumentar a autoestima. Faça um curso de teatro e perca a timidez. Escreva, nem que seja um diário simples. Poucas linhas por dia obrigarão você a reservar um tempo para refletir sobre a própria vida e a superar fases ruins com mais facilidade. Aprenda a cantar ou a tocar um instrumento. A música amplia horizontes e eleva qualquer pessoa a outro nível de sensibilidade. Fotografe tudo que despertar seu interesse, separe as favoritas e mostre aos amigos. Leia. Deixe as letras guiarem seus pensamentos por realidades distantes.

Quem soube trabalhar maravilhosamente bem esta relação entre arte e cura foi a doutora Nise da Silveira, pioneira no tratamento de esquizofrênicos por meio de terapias artísticas e referência mundial no assunto. Sua biografia é interessantíssima. Ela nadou sozinha contra uma corrente psiquiátrica que administrava choques elétricos e de insulina, mutilava cérebros doentes com lobotomias e atirava pacientes em hospitais tão precários que mais pareciam depósitos de loucos. Isso porque acreditava em um tratamento mais humano. Assim, Nise selou parcerias com artistas plásticos, foi responsável pela criação e administração de órgãos importantes – tais como a Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, o Museu de Imagens do Inconsciente e a Casa das Palmeiras – e descobriu grandes talentos reprimidos em pessoas excluídas da sociedade, curando algumas e recuperando a humanidade de outras. Resumindo, ela mostrou que a arte pode significar a cura para nossas doenças, apresentando uma espécie de salvação para homens e mulheres que vivem perdidos em seus mundinhos pessoais, preocupados com batalhar e vencer acima de qualquer coisa. Graças à sensibilidade, inteligência e força de vontade da doutora Nise, hoje sabemos a diferença que a arte pode fazer em nossas vidas.

Eu arriscaria dizer, inclusive, que sem arte a humanidade não encontraria bases de sustentação para seus sentimentos e desmoronaria em escombros de conflitos mal-resolvidos. Se a vida está difícil agora, sinto ser eu a informar que não há previsão de grandes mudanças nos próximos tempos. As dificuldades sempre existirão e talvez seja daí que venha a vontade de continuar vivendo. É mais ou menos o que Freud pensava do gênio Leonardo Da Vinci, dizendo que o que o interessava num quadro era, acima de tudo, um problema. E poucos conheceram os segredos da vida como Leonardo. Então, ao invés de desperdiçar energia com estresse, por que não fazer como ele, colocando-a na arte e buscando, através dela, a cura?


Obs.: Esta crônica é fruto das recentes pesquisas que tenho realizado a respeito de psicanálise e arte-terapia. Cito o trabalho de um colega, Paulo Vilchez, que pode ser visto com mais detalhes aqui: www.quadrospaulo.blogspot.com. Também comento alguma coisa sobre a vida da doutora Nise da Silveira. Quem se interessar e quiser saber mais, sugiro que leia a breve biografia escrita por Ferreira Gullar, chamada: Nise da Silveira, uma psiquiatra rebelde (Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Prefeitura, 1996).

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

BOBBY MCFERRIN TOCA A PLATEIA, LITERALMENTE

Acabo de ver um vídeo muito legal, em que o músico Bobby McFerrin mostra o poder da escala pentatônica para a plateia de um congresso de ciência. Mas ele não mostra somente isso. Trata-se da capacidade de aprendizado da mente e da facilidade que as pessoas têm para criar coisas juntas.

Para começar, todas subentendem a escala musical sem que ele precise ensinar mais do que duas notas. Depois, basta soltarem a voz para compor em uma só sintonia.

Certa vez, a Marisa Monte fez uma brincadeira parecida num show. E, para incentivar todos a participarem, disse uma coisa muito bonita: quando todos cantam juntos, não há desafinação. A união vibra em harmonia.

Este vídeo deixa isso muito claro. Imagine então que, se todos podem cantar juntos, que outras coisas maravilhosas não poderiam fazer também.


Para saber mais sobre Bobby McFerrin: http://www.bobbymcferrin.com