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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

MUITO EXCESSO É DEMAIS


Monalisa aos doze anos de idade (1959), de Fernando Botero

Quando idealizei esta crônica, eu queria falar dos exageros do homem contemporâneo. Só que, na hora de colocar a ideia no papel, eram tantas analogias, referências e citações que não sabia nem por onde começar. Foi assim, por acidente, que também me descobri vítima desse mal. Um mal que nos obriga a saber tudo sem entender nada, a acumular amigos sem conhecer ninguém de verdade, a correr para cumprir missões que poderiam ser postergadas e a exigir informações cada vez mais objetivas. Pois, agora, qualquer tempo usado é tempo perdido.

O fato de ter chegado a este segundo parágrafo já faz de você um(a) vitorioso(a). Tenho certeza de que muitos começaram a ler e pensaram "isso não me interessa", passando rapidamente à próxima coluna, enquanto outros acharam "legal, vou guardar para ler depois" e jamais retornarão àquele velho recorte de jornal. É uma pena, porque vou falar de Epicuro, um interessante filósofo que viveu entre 341 e 270 antes de Cristo e que, naquela época distante, já sabia das coisas. Entre elas, como lidar com os exageros e onde encontrar a felicidade.

Você já deve ter visto por aí o termo "epicurista", embora provavelmente tenha uma noção errada de seu significado original. Fui consultar o dicionário e mesmo lá se usa "materialista" e "sensual" para defini-lo. Só que Epicuro não foi um homem banal, ainda que sua grande contribuição para a história tenha sido adotar o prazer como estilo de vida e, a partir dele, ter formulado seus conceitos filosóficos. "Não sei conhecer o bem", escreveu, "se reprimo os prazeres da mesa, da luxúria e da audição, e se me privo das agradáveis emoções causadas pela visão das belas formas".

Uma leitura superficial pode trazer mesmo a ideia de que a felicidade de Epicuro estava diretamente relacionada com a comilança, o sexo e a preguiça – é aí que tudo se confunde. Na verdade, poucos filósofos foram tão francos em admitir que a vida deveria se voltar ao prazer. Um número ainda menor se preocupou em desvendar o que seria esse prazer e como, em geral, ele é erroneamente associado com fama, poder e extravagâncias. Epicuro estava entre estes últimos.

A pergunta que direcionou todo o seu pensamento foi: "O que me fará feliz?" Ele sabia que a intuição não bastava para obter uma resposta consistente, porque não é realizando desejos como trocar de carro uma vez por ano, comer em restaurantes caros e se relacionar com o maior número possível de pessoas que se atinge a felicidade plena. Esta seria encontrada a partir de um esforço basicamente racional, ou seja, a tarefa da filosofia consistia em ajudar a interpretar nossos impulsos e, desse modo, evitar planos equivocados para a conquista de prazer. Em outras palavras, a felicidade viria da melhor compreensão de nossos desejos e necessidades, ao invés dos exageros que muitas vezes se impõem com a promessa de satisfação.

Para você ver como o termo "epicurista" é mal empregado, a casa do filósofo era simples, assim como sua comida. Não havia excessos materiais ou sensuais, como sugere o dicionário. A felicidade se justificava apenas com a presença de amigos e com a liberdade de agir sem vergonha de si mesmo, ou seja, sem a obrigação de provar nada a ninguém. A reflexão era seu único requisito para acalmar a mente e reconhecer o valor das coisas simples, como o alimento, a natureza e a tranquilidade. Sua filosofia era tão visionária que, já naquele tempo, se preocupava com o poder da propaganda. Para ele, a publicidade não influenciaria tanto nossas vidas se não fôssemos sugestionáveis em demasia.

O que me fez lembrar de Epicuro foram alguns fatos decorrentes dos últimos grandes eventos literários do país: a FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) e a Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Na primeira, ganhei um adesivo com os dizeres "Você pode ler mais". Na segunda, me deparei com uma coleção de livros assinada com as palavras de ordem "Leia mais". É verdade que, comparado a outros povos, o brasileiro lê pouco. Mas, vendo todo esse exagero que movimenta nossas vidas, fiquei me perguntando se essa seria a melhor abordagem para incentivar a leitura por aqui. É curioso como aceitamos passivamente essas mensagens, enquanto consideraríamos absurdo um "Você pode comer mais" nas embalagens do McDonald´s, por exemplo, ou um "Fume mais" nos maços de cigarro.

Não dá para levar tudo ao pé da letra, nem mesmo o epicurismo. Um exagero ou outro, aliás, pode ser saudável, porque é testando os limites que demarcamos a área mais segura para se habitar. Como disse um colega de trabalho, alguns excessos fazem parte, são eles que dão emoção à vida e que nos tiram da rotina. Só não podemos abusar sem considerarmos os ensinamentos daquela filosofia, que buscava na razão o sentido de nossos desejos e o equilíbrio verdadeiramente saudável. Pois, como meu colega disse, "a gente só quer ser feliz; porém, até mesmo quando o assunto é felicidade, muito excesso é demais". Percebi na hora que não haveria título mais apropriado para esta crônica.