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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A SACOLINHA VERMELHA DO PAPAI NOEL

  
Fico imaginando a reação da criança ao abrir cada um dos pacotes e explorar o conteúdo, sorrindo com os amigos, colocando as roupas sobre o corpinho para ver se servem, procurando o brinquedo que deve estar ali, no meio daquela algazarra. Sempre há um brinquedo, uma caixa de bombons, um conjunto de roupas e um par de sapatos. É o que a instituição responsável pela tutela dessas crianças carentes pede a quem se dispõe a "adotá-las" no Natal.

As tais sacolinhas se popularizaram na agência onde trabalho. Este ano, foram mais de cinquenta, o que significa mais de cinquenta tentativas de proporcionar um Natal minimamente digno a alguém com condições menos – ou nada – favorecidas.

Entre os presentes, eu sempre acrescento dois, que considero imprescindíveis: um livro e uma cartinha. A presença de livros foi determinante em minha vida, e acredito que eles também podem ajudar essas crianças a superar as dificuldades que hoje se colocam para elas, seja por adquirirem o gosto pela leitura (sempre uma experiência positiva), seja pelo conteúdo (aprendizado e visão crítica), seja pelo convívio social que advém dali (emprestando o livro, lendo em conjunto com amigos ou ouvindo um adulto contar a história).


Em uma resenha de 1924, o filósofo alemão Walter Benjamin comenta que as crianças têm um apreço peculiar por todo tipo de detritos, onde quer que eles surjam – na construção de casas, na jardinagem, na carpintaria, na confecção de roupas. Com esses detritos, elas constroem o mundo como lhes aprouver. Os elementos dos livros infantis também seriam exemplos dessa matéria-prima tão rica, que dá sentido à vida e nos impele a estabelecer parcerias com ela, contornando criativamente as reviravoltas, admirando suas ilustrações e inventando finais felizes.

Meus brinquedos mais interessantes foram a folha de papel em branco e as caixas de papelão. Com tinta, tesoura, cola e lápis de cor, tudo era possível, desde orbitar a Lua até desenterrar tesouros do fundo do mar. O papelão se transformava em carro, armadura, cabana ou rio. Lembro-me de como era gostoso brincar sem que outras preocupações interrompessem a fantasia, e suponho que, quanto tiver filhos, conseguirei recuperar um pouco da minha própria infância.

Por enquanto, fico com as crianças carentes. E com Walter Benjamin, que, em outros dois textos, agora de 1928, analisa a história cultural do brinquedo. Ele conta que a casa de bonecas, o cavalinho de pau e os soldadinhos de chumbo – entre muitos outros "papais" dos robôs articulados, sonorizados e iluminados de hoje, do videogame e dos bebês de plástico que mamam, choram e fazem cocô – surgiram em oficinas de entalhadores de madeira ou de fundição de metal e demoraram séculos para se popularizarem, assim como para serem produzidos por indústrias específicas.

O filósofo chama nossa atenção para algo que, em sua época, já era preocupante: os sonhos de consumo que os adultos projetam nas crianças direta ou indiretamente, pela publicidade ou pelas visitas ao shopping, e que as transformam em consumidores mirins cheios de decisão. Para ele, a bola, o bambolê e a pipa são tanto mais verdadeiros quanto menos dizem aos pais, ou seja, quanto mais atraentes, no sentido usual, mais se afastam dos instrumentos de brincar.


O filho de uma amiga adora os tupperwares da mãe, mais do que qualquer um dos brinquedos caros que não lhe faltam. Eu o vejo pular, manobrar os potinhos, fazer sons com a boca e se divertir num incrível mundo interior, e percebo que é disso que Benjamin fala – esses seriam os brinquedos de verdade, que instigam a curiosidade e a criatividade.

Os videogames também pertencem a essa categoria, ainda que os pais tradicionalistas não concordem. Porque, no meu modo de ver, os grandes vilões de hoje são: 1) os brinquedos que brincam sozinhos, deixando a criança apenas a acompanhar com os olhos suas estripulias pré-programadas; e 2) a precocidade, que faz meninos e meninas sentirem vergonha de brincar. Agora, se o futebol eletrônico parece mais interessante do que o pebolim ou o botão, é apenas porque essa é a realidade em que vivemos. Isso não significa que a atividade lúdica na frente da TV é pior do que aquela realizada em torno da mesa, do tabuleiro, na rua... O mundo mudou e, às vezes, a brincadeira só precisa de uma compensação. E de compreensão.

Até porque os próprios adultos estão sempre na frente da tela da televisão, do computador e do celular. Então, como vamos exigir que as crianças ajam diferente? Se algo nessa história permanece intacto é o fato de que continuamos a ser o maior exemplo para elas.

Uma observação bacana de Walter Benjamin é que "a ideia determina o brinquedo", não o contrário. Quer dizer, a imaginação da criança transforma o brinquedo a seu bel-prazer, fazendo um carrinho de plástico correr no deserto ou no autódromo, falar e fazer amigos. Por isso, quando um adulto briga com a criança porque ela está brincando "errado", o errado ali é ele próprio, cortando as asinhas daquela imaginação de um jeito tão mesquinho. Brincadeiras saudáveis devem sempre ser incentivadas, não importa o que diz o manual de instruções.

Com livro e brinquedo, eu tento avivar a magia do Natal em uma criança. Para mim, esse é o verdadeiro significado da data, independentemente de religião – sua origem cristã se diluiu na cultura comum e, hoje, qualquer pessoa pode aproveitar a oportunidade para melhorar o mundo, nem que seja um pouquinho só, presenteando alguém com esperança, carinho e alegria.

Ora, pensando friamente, isso é o mínimo que devemos fazer para devolver à sociedade um pouco do que ela nos permitiu conquistar. Mais do que bondade ou moralismo, contribuir para a felicidade de todos é uma obrigação social. Afinal, estamos nessa juntos.

Sim, eu acredito em Papai Noel. Pois os livros infantis, os brinquedos e a filosofia estão aí para comprovar: basta imaginar – e se dedicar – que toda fantasia se realiza.

*Ilustrações: 1) Ponte de Charing Cross (1906), de André Derain; 2) Ponte de Charing Cross (1906), de André Derain; 3) Catedral de São Paulo vista do Tâmisa (1906), de André Derain.