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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

poucas vozes contam a História
algumas sem nome
outras tantas sem rosto
muitas sem palavras
cantam historietas
as mais diversas

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

donos da verdade
que coisa esta!
ah se soubessem...
até
sua ignorância
tem
prazo de validade

terça-feira, 21 de outubro de 2014

ENQUANTO É TEMPO

o ócio se diz
criativo
porém tardio
tanto
que enquanto
o espero
entedio

nada concreto portanto
quero
inventar somente
do fundo do tédio,
do fruto da mente
a via

que venha insolente
criatura
tão logo puder
– sem ódio
contraproducente –
cria!
antes que eu
me vá

ausente.



O tempo é uma ficção. A gente o inventa como convém e às vezes o sustenta por mais inconveniente que tenha se tornado. Essa estrutura de jornadas de trabalho, de descanso aos finais de semana, trinta dias de férias, idade para aposentadoria, isso tudo foi inventado recentemente, da Modernidade para cá, e aos poucos quer ser reinventado. Talvez porque a estrutura simplesmente não funcione mais, em especial nas grandes cidades, onde a alta carga horária, as longas distâncias e a dificuldade de deslocamento determinam que outras atividades sejam realizadas enquanto se deveria dedicar à produção. Consultas médicas, pagamento de contas, correio, burocracias, estudo, questões pessoais, compras em geral, manutenção da casa, entre outras.

Surgem aqui e ali algumas tentativas de adaptação: home office, horários alternativos, banco de horas, jornadas reduzidas e mais focadas etc. Assim como há demandas oriundas das novas tecnologias que embaçam a fronteira entre folga e prática profissional, provocando o exercício de atividades fora do período determinado: whatsapp, emails, internet em geral, que mantêm todo mundo conectado e põem em questão as velhas relações trabalhistas entre empregadores e proletários. Afinal, em que momento estamos trabalhando? Quando deixamos realmente de trabalhar?

Transforma-se até mesmo o conceito de trabalho: ao invés da produção quantitativa, resquício da Revolução Industrial, há também o qualitativo, que não se mede com facilidade e prova seu valor por outras vias, opera por outros sistemas.

Claro que isso não se aplica nem reflete dilemas de todas as categorias ou de todas as cidades, mas, no geral, há demandas por novas organizações de tempo. Isso não é difícil perceber.

Existe o tempo natural, relativo ao nascer do sol, à movimentação dos planetas, às estações do ano, às luas e marés. Por sua vez, existe também o tempo cultural, do relógio que nem sempre conseguimos acompanhar.

Em São Paulo, por exemplo, levo entre trinta minutos e duas horas para chegar ao escritório, conforme as situações adversas que fazem da rotina algo imprevisível. O tempo cultural, atualmente, é inventado para sobreviver neste mundo de excesso: jornadas em que se troca o dia pela noite, supermercados 24h, bancos 30h, finais de semana utilizados para solucionar pendências remanescentes dos dias úteis e assim por diante. A escola dos filhos é incompatível com o horário dos pais, que precisam se desdobrar. O atraso deixa de ser exceção. O comércio passa cada vez menos tempo fechado.

Às vezes o estresse surge mais por conta da desconexão dos tempos do que pela quantidade de tarefas. Surge também a ansiedade por viver algo antecipadamente, por se adiantar aos problemas. Somos dominados pelo imediatismo: a necessidade de fazer primeiro, de chegar antes da concorrência, de ser inédito sempre.

Exploramos o máximo do tempo. E somos explorados em contrapartida. Panetones começam a ser vendidos cada vez mais cedo, perdem o simbolismo e se tornam um produto de consumo como outro qualquer. Frutas de época agora estão disponíveis durante o ano inteiro. As luzes da granja são usadas para acelerar o crescimento dos frangos, coitados. O homem transforma o tempo conforme convém ao momento, sem muita noção das consequências.

Essa correria traz uma nova ordem. O consenso parece impraticável, e a busca é por espaço para o dissenso. Ao invés de forçar métodos do passado, precisamos reinventar o presente. Pode ser que dê certo. Só não sabemos até quando.

Descobri que em alguns lugares virou moda a prática do nadismo: um tempo que as pessoas reservam para não fazerem nada, ou seja, uma tentativa meio paradoxal de resistirem aos excessos do dia a dia. Paradoxal porque tem hora marcada para acontecer. Imagino uma agenda lotada, na qual um dos compromissos é não fazer nada durante uma ou duas horas por semana. Ou seja, uma agenda ainda mais lotada porque o fazer nada é outro compromisso assumido. Uma tentativa ilusória de liberdade que acrescenta um novo nó à corda da escravidão.

Com ou sem nadismo, os prazos a cumprir continuam implacáveis. A sabedoria popular diz que tudo tem seu próprio tempo. Pode ser que sim. Será que temos paciência para esperar?

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A ESQUERDA DE DELEUZE



– O que é ser de esquerda para você?

 – Vou lhe dizer. Acho que não existe governo de esquerda. Não se espantem com isso. O governo francês, que deveria ser de esquerda, não é. Não é que não existam diferenças nos governos. O que pode existir é um governo favorável a algumas exigências da esquerda. Mas não existe governo de esquerda, pois a esquerda não tem nada a ver com governo. Se me pedissem para definir o que é ser de esquerda, ou definir a esquerda, eu o faria de duas formas. Primeiro, é uma questão de percepção. A questão de percepção é a seguinte: o que é não ser de esquerda? Não ser de esquerda é como um endereço postal. Parte-se primeiro de si próprio, depois vem a rua em que se está, depois a cidade, o país, os outros países e, assim, cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é privilegiado, em que se vive em um país rico, costuma-se pensar em como fazer para que essa situação perdure. Sabe-se que há perigos, que isso não vai durar e que é muita loucura. Como fazer para que isso dure? As pessoas pensam: "Os chineses estão longe, mas como fazer para que a Europa dure ainda mais?" E ser de esquerda é o contrário. É perceber… Dizem que os japoneses percebem assim. Não veem como nós. Percebem de outra forma. Primeiro eles percebem o contorno. Começam pelo mundo, depois o continente europeu, por exemplo, depois a França etc., até chegarmos à Rue de Bizerte e a mim. É um fenômeno de percepção. Primeiro se percebe o horizonte.

– Mas os japoneses não são um povo de esquerda…

– Mas isso não importa. Estão à esquerda em seu endereço postal. Estão à esquerda. Primeiro vê no horizonte e sabe que não pode durar, não é possível que milhares de pessoas morram de fome. Isso não pode durar mais. Não é possível essa injustiça absoluta. Não em nome da moral, mas em nome da própria percepção. Ser de esquerda é começar pela ponta. Começar pela ponta e considerar que estes problemas devem ser resolvidos. Não é simplesmente achar que a natalidade deve ser reduzida, pois é uma maneira de preservar os privilégios europeus. Deve-se encontrar os arranjos, os agenciamentos mundiais que farão com que o terceiro mundo… Ser de esquerda é saber que os problemas do terceiro mundo estão mais próximos de nós do que os de nosso bairro. É de fato uma questão de percepção. Não tem nada a ver com a boa alma. Para mim, ser de esquerda é isso. E, segundo, ser de esquerda é ser ou devir minoria. Não deixar devir minoritário. A esquerda nunca é maioria enquanto esquerda. Por uma razão muito simples: a maioria é algo que supõe, até quando se vota, não é só a maior quantidade que vota para tal coisa, mas a existência de um padrão. No Ocidente, o padrão de qualquer maioria é: homem, adulto, macho, cidadão. Ezra Pound e Joyce disseram coisas assim. O padrão é esse. Portanto, irá obter a maioria aquele que, em determinado momento, realizar esse padrão. Ou seja, a imagem sensata do homem adulto, macho, cidadão. Mas posso dizer que a maioria nunca é ninguém. É um padrão vazio. Só que muitas pessoas se reconhecem nesse padrão vazio. Mas, em si, o padrão é vazio. O homem macho etc. As mulheres vão contar e intervir nessa maioria ou em minorias secundárias a partir de seu grupo relacionado a esse padrão. Mas, ao lado disso, o que há? Há todos os devires que são minoria. As mulheres não adquiriram o ser mulher por natureza. Elas têm um devir mulher. Se elas têm um devir mulher, os homens também o têm. Falamos do devir animal. As crianças também têm um devir criança. Não são crianças por natureza. Todos os devires são minoritários. Só os homens não têm devir homem. Não, pois é um padrão majoritário.

– É vazio.

– O homem macho adulto não tem devir. Pode devir mulher e vira minoria. A esquerda é o conjunto de processos de devir minoritário. Eu afirmo: a maioria é ninguém e a minoria é todo mundo. Ser de esquerda é isso: saber que a minoria é todo mundo e que é aí que acontece o fenômeno do devir. É por isso que todos os pensadores tiveram dúvidas em relação à democracia, dúvidas sobre o que chamamos de eleições. Mas são coisas bem conhecidas.

[transcrição da entrevista com Gilles Deleuze disponível no vídeo]

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A TRANSDISCIPLINARIDADE E A MODERNIDADE

"Não é dar a receita que fecharia o real numa caixa, é fortalecer-nos na luta contra a doença do intelecto – o idealismo – que crê que o real se pode deixar fechar na ideia, e que acaba por considerar o mapa como o território, e contra a doença degenerativa da racionalidade, que é a racionalização, a qual crê que o real se pode esgotar num sistema coerente de ideias."

ROQUE THEOPHILO
A Transdisciplinaridade e a Modernidade

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

já dizia o inferno:

pode vir
crente
que eu estou
fervendo

['homenagem' a Leviano Fidelix]

sábado, 4 de outubro de 2014

na minha época
significa algo
existente ou não
mais
e quem o diz
ainda existe
ou já
desistiu?

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

HOMEMFOBIAS

polícia mata
duas pessoas
e meia
toda noite
em SP

(deixa a outra
metade
para o dia
seguinte)

enquanto
a outra
mata
todo dia
em SP

porque volta
e meia
policia
também

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

ÚLTIMAS PALAVRAS ANTES DAS ELEIÇÕES

Domingo, votarei em causa própria. Votarei num índio para senador, numa tetraplégica para deputada federal e num gay para deputado estadual. Não sou índio, tetraplégico ou gay. Mas acredito que quem defende essas causas precisa de espaço na política. E não adianta votar em candidato que promete colocá-los no colo e cuidar com carinho. Que promete ajudar. Eles não precisam de dó. Precisam de espaço. Estão lutando por uma sociedade mais justa. Se conseguirem, minha causa própria estará satisfeita.