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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

ARTE E PUBLICIDADE: UMA RELAÇÃO


Não acho que publicidade é arte – para mim, são duas coisas quase excludentes. Vivo dizendo que diretor de arte [profissional responsável pela criação de imagens publicitárias] que se considera artista precisa estudar mais história da arte para entender a diferença. Redator que se considera escritor precisa estudar mais literatura. Digo isso sem desmerecer nenhuma das profissões, só não gosto de ver ninguém confundindo as coisas.

É verdade que, em fins do século XIX, quando a publicidade se profissionalizou e começou a ficar mais parecida com o que é hoje, muitos pintores ganhavam a vida fazendo pôsteres de perfume e de canetas tinteiro, assim como muitos escritores faziam frases de impacto a respeito de saponáceos, dentifrícios e fortificantes vitamínicos. Dava para ver tudo isso exposto nos bondes, e hoje essas propagandas se encontram em galerias de arte.

Mas, como disse antes, isso foi no passado, nos primórdios, e deve ter durado até a Pop Art, quando a crítica ao consumo se instaurou de vez e a arte se apropriou da linguagem publicitária para comunicar conceitos. Ali, já dava para ver que uma coisa era uma coisa e outra coisa era outra coisa, como explica o ditado.

Nada impede que um diretor de arte faça artes plásticas, que um redator escreva bons romances e que um fotógrafo publicitário revele propósitos artísticos. Ainda assim, uma coisa continua separada da outra, do mesmo modo como um psiquiatra é diferente de um psicólogo. Mas – e sempre tem um "mas" –, às vezes, essa distância se encurta, e a gente vê fotografias bem conceituais, anúncios lindos como pinturas e títulos ou comerciais de TV cheios de poesia.

Escrevi tudo isso motivado por uma campanha publicitária, vista numa notícia publicada hoje mesmo no Correio Popular de Campinas. Sugiro que você clique na imagem acima e veja também. É uma ideia tão marcante e tão crítica que, se tirássemos o logotipo da Benetton, poderíamos expôr em qualquer bienal de arte contemporânea.

É bem legal, para um consumidor, publicitário e pesquisador de arte, ver campanhas assim.









terça-feira, 6 de setembro de 2011

ARTE NO LIXO



Lixo Extraordinário, documentário que concorreu ao Oscar deste ano, mostra como a arte pode envolver e transformar pessoas. É emocionante, mesmo para quem não se liga muito no assunto.

Trata-se de uma espécie de making of de um projeto artístico de Vik Muniz, em que fica evidente a complexidade da sua criação. Por trás das fotos exibidas em museus e galerias de todo o mundo existe uma vontade muito grande de fazê-las acontecer, uma equipe de especialistas e um longo tempo de execução.

Vi o filme no sábado passado, durante evento da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Na sequência, houve duas leituras críticas, acompanhadas de um debate aberto com a plateia. Os convidados para a mesa foram o jornalista Manuel da Costa Pinto e o psicanalista Plinio Montagna.

A conversa foi ótima, mas o filme foi melhor ainda, principalmente pelas questões que nos propõe. Por essas e por muitas outras, acho que você também precisa assistir.

Site oficial: LixoExtraordinário.net




quinta-feira, 21 de julho de 2011

ARTE INVISÍVEL CUSTA OS OLHOS DA CARA

É verdade que existem muitas coisas que não podemos ver. Mas... arte também?

MONA (Museum of Non-Visible Art) é o nome do novo Museu de Arte Invisível que o grupo Art-Praxis e o ator James Franco estão lançando. A proposta é que, ao invés de obras materiais, encontremos ali imaginação, ideias e proposições visuais pertencentes ao mundo invisível do pensamento.

A iniciativa, bastante esquisita, não escapa do tal mercado de arte – o que depõe contra o conceito tradicional de museu e acaba por transformá-la numa galeria como outra qualquer. Digo isso porque as obras do MONA podem ser compradas por quantias que variam de mil até dez mil dólares.

Funciona assim: o comprador investe dinheiro de verdade e, em troca, recebe uma descrição da peça adquirida. Por exemplo, a peça intitulada "Ar fresco" chega às mãos do dono da seguinte maneira:

"Uma peça única, somente esta se encontra disponível para venda. Comprar esse ar é como comprar um tanque de oxigênio. Não importa onde você está, sempre poderá inspirar o mais delicioso e limpo ar que a Terra pode produzir. Cada inspiração dá a você uma infinita paz e saúde. Esta peça de arte é algo para carregar sempre com você, caso seja sua. Porque, seja lá onde estiver, você pode se imaginar provando o mais lindo e saboroso ar das montanhas, do campo ou do litoral; o suprimento jamais se extingue."

E alguém põe dinheiro nisso? Claro. Sempre tem quem ponha. Como diz meu pai, para tudo no mundo há um comprador; produto e interessado só precisam se encontrar.

Um exemplo é Aimee Davidson, que pagou dez mil dólares pelo ar fresco descrito acima. Para ele, o MONA pode parecer um golpe, mas na verdade é um movimento artístico de mídias sociais. Seja lá o que for, custa caro. E os preços parecem chamar mais a atenção do público do que as obras em si.

Entre a arte invisível e a convencional (dessas que podemos ver), acho que vale pesar o custo x benefício delas, e deixar que o mercado de arte penda para a mais compensadora. Se é que isso pode ser medido assim, com valores financeiros.


Site do museu: MONA

Assista ao vídeo de divulgação:


Uma reportagem interessante sobre o MONA: Paste Magazine

sábado, 16 de julho de 2011

ARTE, NECESSIDADE VITAL

Mãos de Portinari executando a pintura Menino com carneiro (1953)

Tem um fato marcante na biografia de Cândido Portinari que, de tão banalizado, já não recebe o devido respeito. Esse fato é a própria morte do pintor. Ontem mesmo, saiu escrito na Folha de São Paulo, numa reportagem sobre a exposição recém-inaugurada no MAM, que Portinari "morreu intoxicado pelas tintas aos 58 anos, em 1962". E o texto continua como se tivesse explicado uma fração da raiz de nove, sem demonstrar emoção por algo tão cheio de significado - a informação aparece como uma curiosidade qualquer.

Pintar era a vida de Portinari; ainda que ela determinasse sua morte, deveria ser levada adiante. Porque a intoxicação não foi acidental - desde 1953, ele tinha plena consciência do mal que as tintas faziam ao seu organismo. Seu médico o havia proibido de usá-las, e ele tentou obedecer, testou lápis de cor, escreveu poesias, buscou outras linguagens. Morrer pela pintura - e por causa da pintura - foi sua escolha. A opção de viver sem ela jamais o convenceu.

Para esse paulista de Brodósqui que tanto contribuiu para a cultura nacional, a arte pictórica não era um vício impossível de largar. Era muito mais, uma necessidade física e intelectual; o tal "sentido da vida", como dizem por aí. Sua relação com as tintas contribui para o entendimento de toda a sua obra e ressignifica tudo que ele criou a partir delas. Uma dedicação sobre-humana que, para Portinari, valia a pena ser levada às últimas consequências.

No Ateliê de Portinari: 1920-45
Exposição no MAM/SP, com curadoria de Annateresa Fabris
Parque do Ibirapuera, portão 3 - s/nº
De 14 de julho a 11 de setembro de 2011
De terça-feira a domingo, das 10h às 18h

terça-feira, 5 de julho de 2011

VAI UM POUCO DE CULTURA AÍ?

A revista Continuum deste mês revela um dado impressionante: QUASE METADE DA POPULAÇÃO BRASILEIRA NÃO CONSOME CULTURA PORQUE NÃO QUER. Impressionante e alarmante, claro.

Quem frequenta o universo da cultura já parte do pressuposto que ele é essencial à vida, que todos precisam experimentar, que é um absurdo ficar de fora alimentando a ignorância, sabe como é... Uma atitude natural, ainda que precipitada, porque quem valoriza também gosta de compartilhar.

Então surgem ideias de mobilização, de incentivo, pulverizamos palavras de ordem na internet e acabamos correndo o risco de nos tornar chatos persistentes.

Antes de sairmos divulgando cultura por aí, convém perguntar a nós mesmos: por qual razão as outras pessoas teriam interesse nela? Quando isso ficar claro, será mais fácil entender a falta que a cultura faz.

Porque um pouco de cultura não faz mal a ninguém, mas um pouco de consciência também não.


Ps.: Para ler a reportagem da Continuum nº 31, intitulada Vou não, quero não, carregue-a diretamente na web (aqui) ou baixe o arquivo (aqui).

segunda-feira, 4 de julho de 2011

NOTA DA TRADUTORA

Estou lendo Como funciona a ficção, livro de crítica literária escrito pelo americano James Wood que propõe reflexões bastante interessantes sobre técnicas narrativas, construção de personagens, relação da fantasia com a realidade etc. Para melhorar, a edição brasileira chegou com algo a mais: Denise Bottmann, responsável por verter a obra para o português, criticou publicamente a escolha da editora Cosac Naify de utilizar trechos traduzidos anteriormente das obras citadas por Wood. Para ela, o mais correto seria traduzi-los novamente, de modo que fossem compatíveis com a análise do autor.

A crítica não invalida ou prejudica a edição brasileira, muito pelo contrário; discussões como essa são mais do que pertinentes quando o assunto é literatura. Melhor ainda quando vêm a público.

Quem gosta de escrever tem obrigação de ler o livro de Wood. Quem gosta de ler também vai adorar, porque passará a conhecer mais a fundo os detalhes dessa arte. Depois – ou antes, como preferirem – leiam também os argumentos da tradutora Denise Bottmann. Esse "capítulo extra" está disponível aqui: Como engripa a ficção.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

PARA PENSAR TUDO AO CONTRÁRIO

Consegui visitar a exposição O Mundo Mágico de Escher, finalmente! Eu tinha tentando uma vez, logo que ela chegou a São Paulo, mas o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) estava tão lotado que não dava nem para entrar. Agora entendi por quê: aquilo é superdivertido!

Como as gravuras do artista podem ser vistas em qualquer livro sem que o entendimento seja comprometido, os organizadores da mostra prepararam  instalações especiais para os visitantes experimentarem as ilusões na própria pele.

Tem o quarto de Escher, reproduzido tal como consta em seu autorretrato, e podemos segurar uma bola de metal para ver nossa imagem lá; tem portas que correm sobre trilhos e formam desenhos, tem escadas malucas e muitos jogos de espelhos. Resultado: todo mundo se diverte, até os menos interessados em arte.

O mais legal disso tudo: conseguimos perceber claramente que o maior mérito do artista não estava na sua técnica ou na habilidade com o lápis, que são indiscutíveis, mas na sua maneira de pensar. Sabe-se lá como, Escher conseguia desbloquear o cérebro das convenções e imaginar o mundo de ponta-cabeça, com a ponta vista por um ângulo e a cabeça por outro, com as águas correndo no sentido inverso e com escadas que começam e terminam no mesmo ponto. Obras de arte dignas de um verdadeiro mágico.


Relatividade (1953), M. C. Escher

O mundo mágico de Escher é um ótimo programa para o feriadão de Corpus Christi. Mais informações: CCBB/SP.


Belvedere (1958), M. C. Escher

Site oficial de M. C. Escher: www.mcescher.com

sábado, 11 de junho de 2011

CIDADE INTERIOR


Desde muito antes do grande imperador Kublai Kahn, as cidades nos fascinam. Elas exercem poder sobre os homens e estão muito além de simples amontoados de pedras; as cidades possuem alma. Elas contêm o espírito de seus fundadores e a força dos que morreram para mantê-las.

Todos estão intimamente ligados às suas cidades de origem. Acontece de ser um sentimento escondido, uma chama congelada num coração frio; mas as amarras não podem ser negadas. Marco Pólo, embora visitasse as maravilhas do mundo, nunca deixou de retornar ao seu imperador, ao seu reino. Ele sofreu tentações, claro; só que tinha orgulho da sua terra e soube vencer o amor à primeira vista que encanta os estrangeiros. Explicou esse sentimento dizendo que os outros lugares são como espelhos em negativo: o viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá.

Enquanto o turista deseja conhecer o todo de uma cidade, o povo percebe que o máximo a lhe ser concedido é uma imagem bela, que reflete aquilo que ele deseja ver. São ilusões. Ninguém além do próprio povo conhece o espírito da sua cidade. Por mais que você se lance ao mundo na tentativa de explorá-lo, só conseguirá encontrar uma versão pessoal dele.

As cidades, como dizia Marco Pólo, não contam o seu passado, elas o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras; cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras. Nada do que se viveu pode ser revivido, exceto quando percebemos as cicatrizes e buscamos as recordações. E não há nada mais interior do que as nossas próprias recordações.

19 de janeiro de 2005.
[Inspirado no livro As cidades invisíveis (1972), de Italo Calvino.]

sexta-feira, 27 de maio de 2011

SOBRE ARTISTAS E MALUCOS

É verdade que muito se discute sobre o grau de maluquice dos artistas. Em parte, creio eu, porque a maioria de nós não pertence àquele mundo, e é muito difícil compreender um mundo do qual não se toma partido. Por outro lado, a maluquice serve muito bem ao preconceito, no sentido de que, sendo os artistas todos malucos, eles não merecem atenção.

Puro engano. Artista de verdade, seja ele fotógrafo, pintor, músico ou escritor, entre tantos outros, de maluco não tem nada. Bom, talvez tenha um pouquinho, mas em nível saudável e recomendado. Pois artista profissional precisa ser muito consciente de seu trabalho, mesmo que, às vezes, a gente não consiga compreendê-lo de imediato.

Recolhi o trecho abaixo de um texto muito bacana do filósofo francês Gilles Deleuze. Ao analisar a relação entre literatura e vida, ele destaca a "indiscernibilidade" como um dos principais sintomas do mundo contemporâneo, ou seja, a sensação de não pertencer a um lugar específico. Tudo é transitório, tudo está sempre se transformando a vida, em si, nada mais é do que um processo. O eterno devir.

Não há nada de maluco nisso, muito pelo contrário. Inclusive, se você permitir, a arte pode chegar até a curar suas neuroses:

"Não se escreve com as próprias neuroses. A neurose, a psicose não são passagens de vida, mas estados em que se cai quando o processo é interrompido, impedido, colmatado. A doença não é processo, mas parada do processo (...). Por isso o escritor, enquanto tal, não é doente, mas antes médico, médico de si próprio e do mundo."

Gilles Deleuze, em A literatura e a vida (ensaio reunido no livro Crítica e clínica)