"A poesia se converte em religião para aquele que chegou ao limite do despossuimento da fala. Quando o mundo vai se desvanecendo e indo embora, quando os outros vão ficando estranhos e o insondável vira o nosso cotidiano companheiro, tudo o que desejamos é um religamento; um maçarico amoroso que solde novamente nossa pertença quebrada e nos retire deste divórcio de suspensão.
Quando todas as outras prosas vão morrendo e se gastando, só a poesia pode nos acordar e reintroduzir-nos na vitalidade e na trama do tempo...
Mas a poesia deve então instaurar um novo mundo, pois o antigo já não tem mais sentido para nós... já perdemos a familiaridade... e sonhamos com uma nova espessura do tempo – o tempo feito de outra tecitura."
Sabedoria do Nunca
Juliano Garcia Pessanha
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sexta-feira, 15 de agosto de 2014
domingo, 8 de junho de 2014
sábado, 7 de junho de 2014
COINCIDENTE
o passado
aqui
e agora
o futuro
já – não muito –
adiante
tudo junto e misturado
– com-temporâneo –
num embrulho
só;
pacote inconsistente
dado de presente
aqui
e agora
o futuro
já – não muito –
adiante
tudo junto e misturado
– com-temporâneo –
num embrulho
só;
pacote inconsistente
dado de presente
sábado, 17 de maio de 2014
DEVIR = INVOLUIR
Não há passado nem presente nem futuro.
Agora não há ideia de história. Não há História.
Não há hierarquia. Somente historietas, contos, causos.
Devir diz repeito a desfazer.
Escapar dos excessos. Das finalidades. Da objetivação.
Esfacelar as exigências do sistema de produção.
Resistir, transpassar, refratar.
Há potência da suspensão de sentido.
Uma vontade muito grande de acolhê-la.
Acolher essa potência, esvaziar o mundo.
Aceitar e respeitar seus buracos.
As fendas, as lacunas.
Provocar curto-circuitos. Desvios. Errâncias.
Vagar por linhas erráticas, linhas de fuga.
Rastrear o campo. Suspender o tempo.
Silenciar.
*Palavras apropriadas de Peter Pál Pelbart. Que se apropriou das palavras de Fernand Deligny. Que se apropriou das palavras de quem não precisava delas para existir.
Agora não há ideia de história. Não há História.
Não há hierarquia. Somente historietas, contos, causos.
Devir diz repeito a desfazer.
Escapar dos excessos. Das finalidades. Da objetivação.
Esfacelar as exigências do sistema de produção.
Resistir, transpassar, refratar.
Há potência da suspensão de sentido.
Uma vontade muito grande de acolhê-la.
Acolher essa potência, esvaziar o mundo.
Aceitar e respeitar seus buracos.
As fendas, as lacunas.
Provocar curto-circuitos. Desvios. Errâncias.
Vagar por linhas erráticas, linhas de fuga.
Rastrear o campo. Suspender o tempo.
Silenciar.
*Palavras apropriadas de Peter Pál Pelbart. Que se apropriou das palavras de Fernand Deligny. Que se apropriou das palavras de quem não precisava delas para existir.
quarta-feira, 16 de abril de 2014
TUDO QUE PENSO
tenho vontade de escrever
tudo que penso
e essa impossibilidade
angustia
por quê?
a fim de quê?
é uma vontade boba
pois tudo que penso
está cá registrado
nalgum lugar
todinho meu
lugar aberto
a quem quiser
visitar,
revisitar
na porta, a poética
dos livros de ouro
recebe os chegados,
marca a passagem
onde público e privado
se misturam
em gentilezas
literalmente
faladas,
pensadas,
compartilhadas
ainda assim escrevo
minhas vontades
a fim de quê
não sei
não saber
é bom também
escrever, impreciso
tudo que penso
e essa impossibilidade
angustia
por quê?
a fim de quê?
é uma vontade boba
pois tudo que penso
está cá registrado
nalgum lugar
todinho meu
lugar aberto
a quem quiser
visitar,
revisitar
na porta, a poética
dos livros de ouro
recebe os chegados,
marca a passagem
onde público e privado
se misturam
em gentilezas
literalmente
faladas,
pensadas,
compartilhadas
ainda assim escrevo
minhas vontades
a fim de quê
não sei
não saber
é bom também
escrever, impreciso
quarta-feira, 5 de março de 2014
A MINHAS OBRIGAÇÕES
Este trecho seria perfeito para a manhã de hoje, quarta-feira de cinzas. Só que eu estava trabalhando e não podia lê-lo, o que é uma pena. Também uma doce ironia.
A todos tenho que dar algo
a cada semana e cada dia,
um presente de cor azul,
uma pétala fria do bosque,
e então de manhã estou vivo
enquanto os outros mergulham
na preguiça, no amor,
eu estou limpando minha redoma,
meu coração, minhas ferramentas.
Pablo Neruda, Navegações e Regressos
A todos tenho que dar algo
a cada semana e cada dia,
um presente de cor azul,
uma pétala fria do bosque,
e então de manhã estou vivo
enquanto os outros mergulham
na preguiça, no amor,
eu estou limpando minha redoma,
meu coração, minhas ferramentas.
Pablo Neruda, Navegações e Regressos
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
FEITO
cidadão de bem
muito lugar
comum
muitos lugares
como
se muitos
fossem
bons
como se
muito fosse
bem
muito bem, muito bem
tapinha nas costas
tapa na oreia
muito lugar
comum
muitos lugares
como
se muitos
fossem
bons
como se
muito fosse
bem
muito bem, muito bem
tapinha nas costas
tapa na oreia
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
POT-POURRI (À MODA DA CASA)
Pot Pourri (1897), Herbert James Draper |
cenas cruéis
com requintes
de humanidade
cenas vulgares
com pitadas
de piedade
cenas finais
com leves toques
de eternidade
cenas irônicas
recheadas
de ambiguidade
cenas profanas
à moda
da artificialidade
cenas picantes
apinhadas
de religiosidade
cenas poéticas
apuradas
na ociosidade
cenas imperdíveis!
bem passadas,
da pior qualidade
cenas banais
com fervor
de realidade
cenas póstumas
em repouso
por arbitrariedade
cenas improváveis
seguidas à risca
e leviandade
cenas rocambolescas
pré-aquecidas
por cretinidade
cenas imprestáveis
defumadas
com naturalidade
cenas inspiradoras
congeladas
com especificidade
cenas impossíveis
salpicadas
de passividade
cenas grandiosas
ensopadas
de moralidade
homem
manjar dos deuses
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
DESEJO PUERIL
queria morar numa rua
com nome de poeta
onde errar fosse coisa certa
rua de tripla mão
para ir, vir, devir
não julgue vazio
meu desejo pueril
nessa minha rua
todos que passassem
deixariam um rastro
de boa recordação
de presente
levariam sentimento
sem matéria
nem razão
uma rua de gente
justa e honesta
em que todas as memórias
fossem pura invenção
com nome de poeta
onde errar fosse coisa certa
rua de tripla mão
para ir, vir, devir
não julgue vazio
meu desejo pueril
nessa minha rua
todos que passassem
deixariam um rastro
de boa recordação
de presente
levariam sentimento
sem matéria
nem razão
uma rua de gente
justa e honesta
em que todas as memórias
fossem pura invenção
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
AFIA A DOR
assovia,
afiador,
assovia
sua gaita me lembra os tempos
de casa,
quando pertencia ao chão
e o dividia
com quem não merecia
saudade, sim
tristeza,
é verdade
afia!
a dor
Fiu-ru-lin
Fiu-ru-lon
afiador,
assovia
sua gaita me lembra os tempos
de casa,
quando pertencia ao chão
e o dividia
com quem não merecia
saudade, sim
tristeza,
é verdade
afia!
a dor
Fiu-ru-lin
Fiu-ru-lon
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
PRODUÇÃO FEMININA
Vi o clipe no mesmo dia em que li o poema. Adoro essas obras do acaso.
porque uma mulher boa
é uma mulher limpa
e se ela é uma mulher limpa
ela é uma mulher boa
há milhões, milhões de anos
pôs-se sobre duas patas
a mulher era braba e suja
braba e suja e ladrava
porque uma mulher braba
não é uma mulher boa
e uma mulher boa
é uma mulher limpa
há milhões, milhões de anos
pôs-se sobre duas patas
não ladra mais, é mansa
é mansa e boa e limpa
* * *
uma mulher muito feia
era extremamente limpa
e tinha uma irmã menos feia
que era mais ou menos limpa
e ainda uma prima
incrivelmente bonita
que mantinha tão somente
as partes essenciais limpas
que eram o cabelo e o sexo
mantinha o cabelo e o sexo
extremamente limpos
com um xampu feito no texas
por mexicanos aburridos
mas a heroína deste poema
era uma mulher muito feia
extremamente limpa
que levou por muitos anos
uma vida sem eventos
* * *
uma mulher sóbria
é uma mulher limpa
uma mulher ébria
é uma mulher suja
dos animais deste mundo
com unhas ou sem unhas
é da mulher ébria e suja
que tudo se aproveita
as orelhas o focinho
a barriga os joelhos
até o rabo em parafuso
os mindinhos os artelhos
* * *
era uma vez uma mulher
e ela queria falar de gênero
era uma vez outra mulher
e ela queria falar de coletivos
e outra mulher ainda
especialista em declinações
a união faz a força
então as três se juntaram
e fundaram o grupo de estudos
celso
pedro luft
Uma Mulher Limpa, de Angélica Freitas
[do livro UM ÚTERO É DO TAMANHO DE UM PUNHO]
Página oficial da artista: www.boggieofficial.com
sábado, 5 de outubro de 2013
SIGNIFICADO POÉTICO
gosto
das palavras
imprevisíveis
que aguardam
na linha
debaixo
e mudam
o sentido das coisas
das palavras
imprevisíveis
que aguardam
na linha
debaixo
e mudam
o sentido das coisas
terça-feira, 10 de setembro de 2013
INVERSOS PARALELOS
Quando Mariana Teixeira me convidou para escrever o release do seu primeiro livro "solo", fiquei tão feliz quanto ensimesmado. Porque, se já é difícil escrever sobre o trabalho de outra pessoa, fica pior ainda quando se trata de uma amiga. Só que o livro é bom, muito bom, a começar pelo título. Repleto de poesia em todos os sentidos. Eu fui escrevendo, escrevendo, até que tinha em mãos um texto mais extenso do que o necessário. Acabei por fazer uma versão resumida, que foi utilizada na divulgação oficial. E resolvi postar aqui a versão completa, assim você pode ter uma ideia da literatura que aquelas páginas têm a oferecer.
Inversos Paralelos. O mundo às avessas. Todos os mundos; os mundos de cada um. Correndo lado a lado, ignorando-se mutuamente num universo particular – um pacto silencioso –, até que se cruzam, impactam, embatem, empatam. Caem na real.
Sem grandes utopias, o primeiro livro de Mariana Teixeira não romantiza o mundo, apenas o deseja menos estúpido, mais gentil, menos racional, mais acolhedor, menos partilhado, mais compartilhado; mais e/ou menos humano.
São versos cotidianos, feitos de pão na chapa, falta de tempo, (des)encontros, lembranças, sofás, andanças, paisagens urbanas, lágrimas, sinas e signos, resistências, rimas, tv, manchetes de jornal, coisas. Da vida. Quebra-cabeça rejuntado por certo incômodo errante, porém preciso e necessário, de quem observa sem saber direito o que está errado; suspeita de quem percebe, no vai e vem, as pecinhas fora do lugar. De quem não se deixa ludibriar pela amortização permissiva do dia a dia: o "deixa pra lá" que consente. Andar oscilante, insatisfeito, de quem enfrenta a realidade com as armas que tem à mão: uma lata de cerveja, um rinosoro, um celular tijolinho pré-pago, um arrepio de amor – talvez de frio –, cartão de crédito, café com leite para dar coragem. Condições do ser e do não ser. Questão delicada.
Em versos e prosas, a autora evoca cenas entrevistas nas ruas, onde procura a poesia das esquinas, a literatura dos botecos, as rimas sugestivas perdidas na primeira ou na segunda gaveta do criado-mudo, entre calmantes para dormir, estimulantes para trabalhar e um livro do Machado para fazer alguma coisa valer a pena, afinal.
Dores de cabeça de quem não sossega e pega o problema para si. Um tapa na cara, algumas sabedorias populares, afetos e desafetos, apontamentos e desapontamentos; risos e esperanças também, por que não? Todos os – muitos – lados da moeda. Tudo o que se vive num único dia, se tiver sorte, se estiver disposto a botar os pezinhos descalços na realidade dura. Sonhos e jovialidades entremeados pela vontade decidida de colocar os pingos nos is (somente pontos, sem coraçõezinhos). Vontade de consertar "o que não tem conserto; nem com fé nem com jeito; nem com pé nem com peito".
Cutucões, despropósitos, obsessões, politicagens, instantes fotográficos nem sempre fotogênicos, sarcasmos, diferenças, realidades surreais, relativismos. Porque, veja bem... A natureza tenta sobreviver no mundo dos homens, enquanto os homens falecem em sua própria natureza, sozinhos. Os paralelos se invertem.
O que Mariana Teixeira quer contar "vai além do conto. Vai além dos dias, das noites. Do sapato molhado e dos espirros vazios. Dos passeios sozinha pelo centro. Da companhia do gato preto".
Há quem cruze com um gato desses e faça o sinal da cruz. Por sua vez, Mariana Teixeira agarra o gato, abraça, faz dele um filho. Cruzes!
Ela agarra o que há de promissor no cotidiano, intimidado pelos (des)prazeres que correm soltos por aí, sufocado por eles. Assim, desmistifica atitudes e pensamentos mundanos que só têm a prejudicar a vida. Sua e a do gato. Nossa também.
Lançamento:
2 de outubro, das 18h30 às 21h30, na Livraria da Vila.
Rua Fradique Coutinho, 915 – Vila Madalena – São Paulo/SP.
Conheça também o blog da autora: Correndo com os Dedos
Inversos Paralelos. O mundo às avessas. Todos os mundos; os mundos de cada um. Correndo lado a lado, ignorando-se mutuamente num universo particular – um pacto silencioso –, até que se cruzam, impactam, embatem, empatam. Caem na real.
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São versos cotidianos, feitos de pão na chapa, falta de tempo, (des)encontros, lembranças, sofás, andanças, paisagens urbanas, lágrimas, sinas e signos, resistências, rimas, tv, manchetes de jornal, coisas. Da vida. Quebra-cabeça rejuntado por certo incômodo errante, porém preciso e necessário, de quem observa sem saber direito o que está errado; suspeita de quem percebe, no vai e vem, as pecinhas fora do lugar. De quem não se deixa ludibriar pela amortização permissiva do dia a dia: o "deixa pra lá" que consente. Andar oscilante, insatisfeito, de quem enfrenta a realidade com as armas que tem à mão: uma lata de cerveja, um rinosoro, um celular tijolinho pré-pago, um arrepio de amor – talvez de frio –, cartão de crédito, café com leite para dar coragem. Condições do ser e do não ser. Questão delicada.
Em versos e prosas, a autora evoca cenas entrevistas nas ruas, onde procura a poesia das esquinas, a literatura dos botecos, as rimas sugestivas perdidas na primeira ou na segunda gaveta do criado-mudo, entre calmantes para dormir, estimulantes para trabalhar e um livro do Machado para fazer alguma coisa valer a pena, afinal.
Dores de cabeça de quem não sossega e pega o problema para si. Um tapa na cara, algumas sabedorias populares, afetos e desafetos, apontamentos e desapontamentos; risos e esperanças também, por que não? Todos os – muitos – lados da moeda. Tudo o que se vive num único dia, se tiver sorte, se estiver disposto a botar os pezinhos descalços na realidade dura. Sonhos e jovialidades entremeados pela vontade decidida de colocar os pingos nos is (somente pontos, sem coraçõezinhos). Vontade de consertar "o que não tem conserto; nem com fé nem com jeito; nem com pé nem com peito".
Cutucões, despropósitos, obsessões, politicagens, instantes fotográficos nem sempre fotogênicos, sarcasmos, diferenças, realidades surreais, relativismos. Porque, veja bem... A natureza tenta sobreviver no mundo dos homens, enquanto os homens falecem em sua própria natureza, sozinhos. Os paralelos se invertem.
O que Mariana Teixeira quer contar "vai além do conto. Vai além dos dias, das noites. Do sapato molhado e dos espirros vazios. Dos passeios sozinha pelo centro. Da companhia do gato preto".
Há quem cruze com um gato desses e faça o sinal da cruz. Por sua vez, Mariana Teixeira agarra o gato, abraça, faz dele um filho. Cruzes!
Ela agarra o que há de promissor no cotidiano, intimidado pelos (des)prazeres que correm soltos por aí, sufocado por eles. Assim, desmistifica atitudes e pensamentos mundanos que só têm a prejudicar a vida. Sua e a do gato. Nossa também.
Lançamento:
2 de outubro, das 18h30 às 21h30, na Livraria da Vila.
Rua Fradique Coutinho, 915 – Vila Madalena – São Paulo/SP.
Conheça também o blog da autora: Correndo com os Dedos
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