Capa do catálogo da exposição realizada no SESC Pompeia em 2010 |
A rigidez da homofobia, do
preconceito racial contra negros, dos abusos sobre as culturas e terras
indígenas, por exemplo, deve ser trabalhada, tornada maleável, moldada até
condizer melhor com a realidade de hoje, com as necessidades de espaço e acolhimento,
com direitos sociais respeitados e defendidos por todos.
Seguindo a mesma lógica, os
homossexuais, os negros e os índios precisam ganhar peso político, participar
em mesmo nível que os demais grupos, usufruir dos mesmos direitos. Isso vale
para todas as questões que nos atravessam e para as quais, infelizmente, muitos
viram as costas: legalização do aborto, descriminalização das drogas, violência
policial, jovens em conflito com a lei, dogmatismo religioso na política,
implementação de transportes alternativos como as ciclovias, entre outros
devires menores que clamam atenção. Tudo deve ser moldado: apertado,
experimentado, errado, feito de novo, tentado de outro jeito... até que
finalmente se obtenha forma satisfatória, a qual permanecerá apenas enquanto
for conveniente, pois assim que surgir nova demanda o trabalho terá que ser
retomado.
Beuys falava de "escultura
social". E afirmava que todos somos artistas, uma vez que temos não apenas
capacidade mas obrigação de agir na substância
da sociedade que constituímos e que à sua maneira nos une, alguns queiram ou
não.
Ao propor isso ele expandiu o
território da arte para diversos outros, embaçando fronteiras e modificando o
mapa inteiro no processo. Atuou em organizações políticas, fundou partidos; deu
aulas, criou um conceito próprio de universidade livre; promoveu debates,
participou de eventos em museus, galerias, redes de rádio e televisão;
escreveu, viajou, transformou a si mesmo numa obra de arte com abrangência
mundial e procurou meios alternativos para divulgar suas ideias sobre a
atitude/responsabilidade transformadora que todos deveríamos assumir.
As mudanças começam no próprio
pensamento. Por isso o aspecto conceitual de sua obra é tão importante. É a
partir de uma transformação na maneira de pensar que podemos chegar a uma
melhor concepção de mundo. Por meio da escultura social seria possível alcançar
a emancipação, ou seja, certa liberdade para viver e compartilhar.
Cartaz de Joseph Beuys apresentado na 15ª Bienal de São Paulo, em 1979 |
Quando participou da 15ª Bienal de
São Paulo, em 1979, Beuys reproduziu em cartaz um longo texto escrito no ano
anterior, intitulado Conclamação à Alternativa.
Dele extraí o trecho a seguir, que serve como aperitivo das suas propostas,
traz um alerta imprescindível e surpreende por sua atualidade.
Neste ano que se inicia, após uma Copa do Mundo
catastrófica (não me refiro ao 7 x 1), manifestações sociais no país inteiro,
confrontos políticos violentos e uma 31ª edição da Bienal que, de tão
provocadora e relevante, talvez tenha passada despercebida pela grande mídia,
vale retomar Beuys e refletir sobre os próximos passos. Quem sabe assim
evitamos novos tropeços – e mais graves?
"É preciso alertar contra
uma mudança irrefletida. Diante da questão: O QUE PODEMOS FAZER?, temos de nos
perguntar COMO DEVEMOS PENSAR?, a fim de evitar que o discurso dos mais altos
ideais da humanidade, proclamado atualmente por todos os programas partidários,
continue a se reproduzir como expressão do contraste crasso com a vida prática
da realidade econômica, política e cultural em todo o mundo.
Comecemos
pela REFLEXÃO DE CADA UM SOBRE SI MESMO. Perguntemo-nos sobre as razões que nos
dão ensejo de abandonar o que seguimos até agora. Procuremos as ideias que nos
indicam a direção a tomar nessa mudança de rumo.
Repassemos
a evolução da vida social e política no século 20.
Reexaminemos
os conceitos segundo os quais se estabeleceram as condições reais no Oriente e
no Ocidente.
Reflitamos
sobre o efeito desses conceitos: terão eles incentivado nosso organismo social
e seu relacionamento com as bases naturais, propiciando o surgimento de uma
existência saudável – ou, pelo contrário, não terão tornado a humanidade
doente, não lhe terão aberto feridas, não lhe terão trazido desgraças,
colocando em questão sua própria sobrevivência, hoje? Aprofundemos nossa
reflexão observando cuidadosamente nossas próprias necessidades: estarão os
princípios do capitalismo ocidental e do comunismo oriental abertos para
receber o que vai se revelando cada vez mais claramente, a partir da evolução
dos últimos tempos, como o impulso central na alma da humanidade, ou seja, a
vontade de autorresponsabilidade concreta? Em outros termos, trata-se de um
impulso que leva o ser humano a emancipar-se das relações sociais pautadas
unicamente por mando e submissão, poder e privilégio."