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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Varal (1993), de Adriana Varejão

"Hoje, a tecnologia assume o centro de um debate reflexivo sobre o seu domínio e predomínio na nossa sociedade. Não se trata de apresentá-la como vilã, mas a ética assume importância fundamental num mundo em que realidade e ficção parecem se fundir. O avanço técnico-científico, com as suas imagens de clones ou ciborgues, vem somar-se ao nosso contexto econômico e político, sobretudo na passagem do milênio, para instaurar uma nova subjetividade, hoje cada vez mais longe da ideia do sujeito autônomo postulado pela Modernidade. Hoje a subjetividade encontra-se em estado de fragmentação e disruptura, e simboliza a condição superlativa em que vivemos. E a arte, sem dúvida, rebate essa condição."

BOUSSO, Vitoria Daniela (curadoria). Por um fio. São Paulo: Paço das Artes, 2007. Catálogo de exposição.

domingo, 24 de novembro de 2013

sábado, 23 de novembro de 2013

VOCABULÁRIO DA RESISTÊNCIA

O governo chinês vasculha a internet atrás de informações compartilhadas por seus opositores. Para evitar a censura, os ativistas empregam termos que soam de maneira similar e até mesmo inventam uma espécie de "vocabulário da resistência", revisto a todo instante dadas as descobertas que lhe tiram o efeito.

"Com frequência usam homófonos, quer dizer, palavras que soam (quase) iguais. O exemplo mais famoso disso provavelmente é o 'cavalo de lama da grama' ['grass mud horse' em inglês], que se tornou uma espécie de mascote virtual entre os blogueiros que criticam o regime. O truque está no fato de que, em chinês, 'cavalo de lama da grama' soa quase exatamente como 'foda a sua mãe' ou 'foda a sua pátria-mãe' – coisa que seria censurada não apenas com base na obscenidade. Depois, há também os 'caranguejos de rio' ['river crabs']; este é um codinome para os censores do Estado, porque a palavra soa quase exatamente igual a 'harmonioso' ou 'harmonizar' – a descrição oficial da censura. Ai Weiwei, ao saber que seu estúdio de Xangai iria ser demolido, no segundo semestre de 2010, organizou um 'banquete de caranguejo de rio'. Foi uma clara estocada nos censores, da mesma maneira que o são as charges mostrando cavalos de lama da grama (representados por alpacas) vitoriosos em batalhas contra os caranguejos de rio."1

Aqui tem alguns exemplos de como termos cotidianos se tornam subversivos:

http://chinadigitaltimes.net/space/Grass-Mud_Horse_Lexicon

1JANSER, Daniela. Ai Weiwei como blogueiro e artista de internet. In: STAHEL, Urs (curadoria). Ai Weiwei – Interlacing. São Paulo: Museu da Imagem e do Som, 2013.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

CAMADAS DE UM TRABALHO ARTÍSTICO

Tinha ido à Pinacoteca de São Paulo por ocasião de uma palestra, se me lembro bem. Havia um horário a cumprir, e eu chegara trinta minutos antes. Decidi circular. Uma espécie de túnel cruzava o Octógono de um lado até o outro. Para quem não conhece, trata-se de um átrio localizado no centro do edifício, cuja forma geométrica lhe rendeu o nome. É costume que projetos especiais o ocupem (intervenções, esculturas de grande dimensão, performances etc.), ao invés de exposições convencionais. Dessa vez, havia um túnel branco, feito de madeira. De tempos em tempos, ouvia-se um estrondo, uma espécie de baque seco e potente, refletindo-se nas paredes ao redor. Fiquei curioso. Dei a volta até encontrar a entrada. O túnel se afundava em escuridão; não podia ver nada além de cinco ou seis metros à frente. O som, ali, era bem mais impactante. A identificação dizia "Um homem entre quatro paredes, de Alexandre Estrela". Entrei.

Um homem entre quatro paredes, de Alexandre Estrela. Vista interna da instalação.

Percorri toda a extensão no escuro, com cautela, tentando não esbarrar em nada nem ninguém. Segundo o artista, o objetivo do canal era executar uma "compressão prévia do sujeito". O volume do som crescia, enquanto o intervalo entre as batidas ficava mais curto. No fim, quando os olhos se acostumaram, me encontrei numa sala toda pintada de preto, com uma gigantesca imagem projetada numa das paredes e diversas pessoas acomodadas em pé ou no chão para observá-la. Descobri um espaço livre ao lado do subwoofer (caixa de som grave) que produzia aqueles estrondos e fazia tudo ao redor vibrar. No vídeo, apenas um pedaço de pele humana – uma fotografia, com enquadramento tão invasivo que mostrava os pelos, os poros e cinco pintas dispostas de modo matemático, formando esquinas de um quadrado mais um ponto no meio, bem centralizado.

Planta baixa do projeto de instalação
A foto se movia: emergia do centro até ocupar a tela inteira, sobrepondo a si mesma repetidas vezes. A cada sobreposição, uma pancada sonora; um incômodo evidente e cada vez mais veloz. Experiência angustiante, sem dúvida; algo claustrofóbica também. O som tomava conta do corpo, fazendo-o vibrar, ainda que sem vontade, sem querer se entregar à experiência. A imagem chamava atenção para as vibrações na pele, para o reflexo daquelas sensações no restante do organismo, para o andamento do coração em descompasso com o ambiente. Um conflito se impunha, e o resultado era a instabilidade, o desequilíbrio, a subserviência do sujeito em relação ao sistema dominante. Com a aceleração da imagem e do som, a angústia crescia. Eu queria sair da sala a todo custo, ao mesmo tempo em que precisava saber como aquilo acabaria.

Quando o ritmo das pulsações se aproximou do insuportável, tudo terminou de repente. O vídeo sumiu, o subwoofer silenciou. Fiquei no escuro. Tive a sensação ser empurrado para longe de mim; também certo alívio e solidão. Permaneci mais alguns minutos sentado, incorporando a experiência. Aos poucos, as pessoas deixavam a sala, caminhando pelo túnel na direção da luz. Segui junto com elas.

Na mesma semana, falei sobre a instalação com os alunos do curso de Terapia Ocupacional, na USP. Estudávamos os tecidos constitutivos do corpo, suas relações com o mundo, as camadas da pele, a reverberação, o pulso vital, percepção e sentimento, vivências disruptivas. Era possível pensar isso tudo por intermédio da experiência estética proposta na Pinacoteca.

Túnel no Octógono da Pinacoteca do Estado de SP.
Vista externa da instalação.
Meses depois, adquiri um livreto de entrevista, em que Alexandre Estrela comenta a obra. Meu entendimento a respeito dela se ampliou de maneira considerável. Pois aquilo que eu pensava serem pintas eram, na realidade, uma tatuagem comum entre presidiários portugueses. Os cinco pontos representavam o sujeito encarcerado; um homem entre quatro paredes. A instalação fora montada pela primeira vez em exposição promovida por uma companhia de seguros, batizada de Putting fear in its place (Colocando o medo em seu devido lugar). A entrevista envereda por ilusão de ótica, hospital do câncer, geometria, carga simbólica de tatuagens e seus limites como manifestação artística, divergências culturais, sistema carcerário, repetição serial como método de trabalho, realidade e veracidade, passividade do público do cinema, técnica e tecnologia, linguagem, marca e afetação, indústria do medo, entre outros assuntos. Tudo isso vinha à tona por conta de uma criação artística, cujas camadas de significado foram sendo dissecadas, aprofundando-se na direção de um núcleo – "centro conceitual e perceptivo", que perdura independentemente da montagem realizada, nas palavras de Alexandre. Uma "base de leitura", quer dizer, uma essência que se preserva qualquer que seja a roupagem empírica a envolvendo.

Levei meses até descobrir essa dimensão do trabalho, e tenho certeza de que é possível ampliá-lo ainda mais. Vale lembrar que estamos falando de uma só instalação. Tamanha a força de certas pesquisas contemporâneas.

Curiosamente, num curso sobre arte e filosofia que se realiza agora na mesma Pinacoteca, dois senhores na plateia, em dias distintos, revelaram-se encantados com as produções artísticas atuais. Os relatos foram similares: ambos descobriram a arte contemporânea somente com a chegada da aposentadoria, estavam impressionados com o seu potencial de conhecimento, crítica e reflexão, ao mesmo tempo em que frustrados por terem sido apresentados tão recentemente. Por que ninguém falou de arte contemporânea antes? Por que não se trata disso nas escolas? Por que tão pouca divulgação e tanta leviandade da mídia?

Faço minhas as palavras dos colegas.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

THE BOOK IS ON

Alguns números para refletir:

O brasileiro lê, em média, 1 livro por ano.
O alemão lê 25.

68% dos brasileiros são analfabetos funcionais.
7% são analfabetos completos.

Se entendeu os dados acima, você faz parte dos 25% restantes da população.

Uma editora com quem trabalhei disse que jamais teve problemas com roubos de carga. Nem um sequer. Afinal, se já é difícil vender livros de maneira lícita, imagine no comércio informal ou no mercado negro.

Por experiência própria, sei que boa parte dos usuários de internet, frequentadores de redes sociais, profissionais gabaritados de empresas riquíssimas, sim, boa parte deles sequer consegue se fazer entender. Não sabe escrever e-mails, conjugar verbos, ligar uma ideia na outra.

Ao contrário de muitos românticos, eu não acredito que livros mudarão o mundo. Nem acho que livros são mais importantes do que cinema ou TV. Ou qualquer outro meio de comunicação. Existem livros de todos os gêneros, bons e ruins. Assim como existem filmes e programação de todos os níveis.

O mercado de livros tem se expandido no Brasil. Mas o que as pessoas estão lendo? E o que estão fazendo com essas leituras?

Escolas transformam o mundo, sem dúvida. Professores transformam o mundo. Dedicação transforma o mundo. Boa vontade...

Penso que uma sociedade decente se constrói com vontade política e olhar crítico. Se, no caso do Brasil, isso não vem dos livros, será que vem de outros lugares?

No meu caso, e se é preciso apostar em alguma coisa, prefiro continuar com os livros.

Façam suas escolhas.

domingo, 10 de novembro de 2013

À RUA O QUE É DA RUA!

Uma amiga compartilhou este relato no Facebook. 

O autor comenta as intervenções urbanas que testemunhou no Minhocão, na cidade de São Paulo. Para quem não conhece, trata-se de um viaduto bizarro, que transformou a rua numa espécie de submundo, fez o comércio ao redor falir, transportou os carros para as janelas dos apartamentos, dividiu o bairro entre ricos de um lado e pobres do outro, além de resultar em teto para pessoas em situação de rua.

O texto fala de intervenções urbanas, ocupações artísticas, políticas culturais, do que fazer, das maneiras de fazer, de a quem pertence a cidade, das questões éticas... É bem interessante, forte, atual. Vale uma reflexão. Ou mais.

Copiei e colei tudo na íntegra, exceto por alguns detalhes de formatação. Desconheço o autor, e acredito que a foto também tenha sido feita por ele. Se alguém souber seu nome, ficarei feliz por citá-lo.

Enfim, achei que este é um bom assunto para o momento. Cá está:




À RUA O QUE É DA RUA!!!

Nos últimos dias o espaço do Minhocão, no centro da cidade de de São Paulo, tem sido destaque na grande mídia por causa de intervenções que atualmente ocuparam visualmente as pilastras do lugar. A cobertura é sempre tendenciosa, é bom colocar o outro lado da história. Se inicialmente foi projetado para ser um local de passagem o Minhocão, foi aos poucos, e cada vez com mais intensidade, sendo ocupado por pessoas e formas de intervenção marginalizadas pela sociedade e pelo poder público, como moradores de rua, graffiteiros e pichadores. Muito tempo já passou desde que esse processo de ocupação do minhocão começou a acontecer. Muitos moradores de rua já foram enxotados de lá como bichos e voltaram, muitos graffiteiros e pichadores já foram presos ou esculachados pela polícia por pintar seus pilares e voltaram e também muitos artistas plásticos presentes nas galerias já intervieram neste espaço, mas na maioria das vezes respeitando quem já ocupava o local. Trata-se claramente de uma disputa política, entre a cidade que queremos e a cidade que o poder público tenta impor para nós.

Nas ultimas duas semanas uma boa parte das intervenções presentes nos pilares do Elevado foram substituídas por uma série de fotos gigantes de moradores da região. Para isso TODAS as intervenções presentes nestes pilares foram cobertas com tinta cinza. Coincidência, ou não, também pude reparar que os moradores de rua também não estão mais lá. No fim de semana passado estava passando pela região com a Magê e encontramos um grupo de pessoas colando as fotos e registrando o momento. Decidimos fazer alguns questionamentos para entender o que estava rolando. Estavam presentes a artista, algumas pessoas ligadas ao projeto e algumas pessoas que me pareceram pessoas contratadas para colar as fotos e pintar as pilastras de cinza. Depois de algum tempo pedimos para conversar com a artista e as coisas se esclareceram. Descobrimos que se tratava de um projeto em parceria com o SESC e com a Prefeitura, para ocupar a região, e que ela havia sido convidada para expor suas fotos no local. Perguntamos se ela sabia que aquele espaço já estava ocupado. E que esta ocupação era fruto de diversos anos de disputa entre várias pessoas e a prefeitura, tais como graffiteiros, pichadores e artistas plásticos que desejavam realizar intervenções públicas. Questionamos também se ela sabia que entre as pessoas que realizam suas intervenções nas rua de São Paulo existe uma forma de proceder em que se respeita as intervenções realizadas anteriormente nos muros, não colocando seu trabalho por cima delas, e que este proceder era fundamental para que o espaço visual da rua fosse ocupado de forma democrática, pois só assim seria possível que o trabalho de graffiteiros, pichadores e artistas plásticos mais consagrados e experientes coexistisse com os de pessoas que estão se iniciando neste mundo da intervenção urbana, sem depender de seleção prévia ou curadoria de ninguém, e muito menos dos projetos políticos da prefeitura.

A artista nos respondeu que sabia das formas de proceder da rua mas que, apesar de saber disso, o convite feito pelo SESC para fazer essa intervenção era “A SUA CHANCE”. Disse que não teve escolha, e que por causa disso tinha pedido autorização para pintar os trabalhos de 2 dos graffiteiros que ocupavam o espaço (tinha pelo menos uns 20 ou 30 graffiteiros com trabalhos nos pilares apagados). Ela nos disse também que seu trabalho era político porque questionava o uso daquele espaço e porque dava destaque para a imagem de moradores da região, principalmente moradores de rua.

Algumas reflexões sobre isso:

– Essa intervenção no Minhocão desrespeitou não só os graffiteiros, pichadores e artistas que tinham ocupado o espaço das pilastras do Minhocão, desrespeitou também todos os outros que de alguma forma lutaram por anos para ocupar este espaço. Para além disso atropelou também a história e o registro das formas de interação de uma série de outras pessoas que convivem neste espaço e que também marcam de forma ativa estas pilastras. A Prefeitura e o SESC estão dizendo que a população não tem condições de contar sua própria história, que ela só tem valor quando registrada por um terceiro, no caso a fotógrafa.

– O espaço do Minhocão sempre foi ocupado e teve vida, diferentemente do que a cobertura da mídia tenta demonstrar. Se está vida é marginalizada e incomoda os autoproclamados cidadãos de bem já é outra história. A solução do problema não está em varrer os moradores de rua para longe dos olhares dessas pessoas, muito menos em tentar cobrir de cinza as frases cores e nomes que aparecem nos muros, pois essas são vozes também fazem parte da vida urbana, e não se calarão.

– Vemos mais uma vez aqui a ideia capitalista da oportunidade individual atropelando a ação coletiva. A ideia de que esta é a minha chance e eu não tenho escolha mostra isso. SEMPRE TEMOS ESCOLHA.

– O trabalho da artista é sim político, aliás, nada contra a ideia de colar fotos gigantes de moradores da região na rua, mas tudo contra a forma como isso foi feito. Se tivesse sido feito de forma independente e respeitando as intervenções anteriores seria algo bem interessante. Mas feito de forma institucionalizada e aliada à prefeitura e sua dita política de “revitalização” do espaço a obra muda sim de característica. Para mim deixa de contestar a ordem vigente para reproduzi-la. Não sei se a artista tem dimensão de tudo isso (me pareceu que não), mas espero que ela descubra de que lado ela está sambando.

– Por ultimo, é bem interessante como a intervenção feita sobre uma das fotos teve repercussão e incomodou a grande mídia. Teve jornal que embaçou a foto na parte da frase escrita para que não se pudesse ler, teve outro que colocou uma bola vermelha em cima dela censurando-a explicitamente. E teve outros que disseram que ali não havia nada...só vandalismo e rabiscos feitos por gente sem inteligência com a intenção de estragar a obra da fotógrafa que tinha dado vida no Minhocão. Se alguns fazem jornalismo manipulador e baseado em preconceitos que os impedem de ler imagens e pesquisar a história, pelo menos recente de um lugar, e se acham inteligentes é preciso rever essa ideia de inteligência.

A RUA ESTÁ VIVA SIM! SEMPRE ESTEVE! E SEMPRE ESTARÁ!!! À RUA O QUE É DA RUA!!!