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segunda-feira, 26 de março de 2018

para Victor Heringer, que não conheci 

Morre um jovem
morrem milhares todos os dias
dizem: o país não se importa
exceto por este sujeito,
ele se importa
e aquela moça mais aquele senhor e
assim por diante
morre um suposto país.

É preciso matar muitos países supostos
para fazer viver um
fresco rebelde ingênuo ousado delicado
desse tal jeito jovem
que outros tantos sujeitos sem jeito
teimam em envelhecer
ao ponto em que a morte eterna
confunde-se com salvação.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

"ESQUENTA" PARA O LANÇAMENTO DO MEU PRÓXIMO LIVRO

Meu conto Justa Medida compõe a 2ª edição especial da revista gueto | direitos humanos e minorias.

Além do orgulho de participar da coletânea ao lado de muita gente talentosa, aproveito para dizer que o conto serve de "esquenta" para o lançamento do meu livro Testemunho Ocular, pela editora Lamparina Luminosa. Mais notícias em breve! ;)

Baixe a revista em PDF, ePub ou Mobi aqui: revista gueto

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

FALAÇÃO

Eat Me - A Gula ou a Luxúria? Versão I (1976), de Lygia Pape
A fala
muda
uma relação ex-
posta.

Quem era
quem?
Como foi?

Sem saber
dizer,
ouço falarem.
E falam, ah!
como falam.

Trans-
bordam a
experiência
em lingua-
gem surda.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

XII ENCONTRO DE HISTÓRIA DA ARTE DO CHAA (UNICAMP)

Mapa de Lopo Homem II (2004), de Adriana Varejão - detalhe

Na próxima quinta-feira, às 8h, eu estarei na Unicamp para falar sobre Silêncios na história (da arte): as pistas do Mapa de Lopo Homem II, de Adriana Varejão. A palestra é um breve recorte da minha atual pesquisa de doutorado.

A mesa "Cartografias de um imaginário fantástico" faz parte do XII Encontro de História da Arte, promovido pelo Centro de História da Arte e Arqueologia.

Venham, venham! A programação completa está no site do evento: www.unicamp.br/chaa/eha

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

JORNADA DE PESQUISA EM ARTE PPG IA/UNESP 2017


Amanhã, a partir das 14h, eu estarei no Instituto de Artes da Unesp (São Paulo/SP), participando da Jornada de Pesquisa em Arte. O título da minha fala é Humanidade Ficcionada, Humanidade Profanada: Patricia Piccinini e Ron Mueck em São Paulo. Ela faz parte da Mesa 11: Arte Moderna e Contemporânea em São Paulo). Todos estão convidados!

Mais informações sobre o evento estão aqui: https://jornadadearteunesp.wixsite.com/pesquisa2017/2017

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

A palavra maiúscula
soa tão minúscula
diante de tamanha pretensão
sua.
Maior é a pequenez
do gesto menor.
Despercebido, invisível, singelo
a transformar não a ordem do dia,
poderoso escalão primeiro.
Mas a oferecer um imensurável
mísero
segundo de desordem.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

POR QUE A LUA BRILHA: IMPRESSÕES DE LEITURA

Quando escritores que admiro fazem comentários elogiosos sobre meu livro, deixo a modéstia de lado e compartilho a alegria com vocês. Obrigado pelas palavras, pessoal.

Terminei aqui a leitura deste "mimo" de livro "Por que a lua brilha" , do Eduardo A. A. Almeida. Belíssima edição artesanal (numerada - costurada à mão), que traz, numa linguagem apurada, metáforas análogas à nossa vida, mostrando imposições subjetivas que nos influenciam como verdades sociais, em referencias à política, aos comportamentos autoritários e opressivos impostos sem que percebamos. Indico a leitura. É belo, original e reflexivo, portanto, relevante.

Marcelo Nocelli (editora Reformatório)


"Por que a lua brilha" é um ensaio ficcional excelente. Me diverti muito lendo essa deliciosa reflexão sobre as estrelas. É um texto irônico e sensível, até comovente, em certas passagens (amei a menina das lágrimas de cristal).
Este ensaio ficcional aproxima você de outros autores interessantes, que curtem o gênero. Por exemplo, o Italo Calvino de "As cidade invisíveis".
E o projeto gráfico também ficou muito gracioso. O livrinho é um mimo.
Você acertou na mosca, ao recusar o formato do conto e abraçar o da reflexão criativa. Quem nos dera as teses e dissertações da Academia fossem assim: inventivas.

Nelson de Oliveira (escritor, ilustrador e professor)



Gostou? A versão impressa do livro está esgotada, mas você pode clicar aqui e adquirir o ebook na Amazon

segunda-feira, 22 de maio de 2017

E A LUA BRILHOU


Apesar da chuva, do frio e do Temer, houve lançamento do meu livro, houve sarau do coletivo literário Discórdia e houve a publicação do zine "Isso não é literatura". Foi uma deliciosa tarde de domingo no Creuza Cultural, em São Paulo. E teve comida boa, música e companhia de muita gente querida.


 
Compartilho agora algumas fotos e também alguns recados.
 
A tiragem do meu livro Por que a Lua brilha está praticamente esgotada. Se você ainda não comprou, encomende já no site da editora Cultura e Barbárie (atualização: desculpe, a tiragem se esgotou em agosto). Se preferir, adquira a versão para Kindle e leia no computador, eReader ou smartphone.

Conheça e acompanhe o trabalho do coletivo Discórdia, do que faço parte, curtindo a página do Facebook e lendo as nossas publicações no Medium.

Agradeço todos que estiveram presente e também quem gostaria de ter estado, mas não pôde, e mesmo assim mandou energias positivas.

Ainda este ano teremos a publicação do meu Testemunho Ocular, ou seja, mais um livro para a gente celebrar juntos!

 




Zine "Isso não é literatura", do coletivo Discórdia, também lançado na ocasião
  



O coletivo Discórdia



domingo, 7 de maio de 2017

LANÇAMENTO DO LIVRO "POR QUE A LUA BRILHA"

Eu e os amigos do coletivo Discórdia preparamos um evento para celebrar meu primeiro livro publicado. Além dos autógrafos, teremos também o lançamento de um Zine com tiragem exclusiva para a ocasião e um sarau com microfone aberto para quem quiser compartilhar a sua literatura. Bônus: bar e música da Creuza Cultural!

Tudo isso no dia 21 de maio, domingo, das 15h às 18h.
Onde? Na Creuza Cultural: Rua Raul Pompéia, 547 (perto do Sesc Pompéia).

A entrada é gratuita, estão todos convidados. Você paga apenas o que consumir no bar e as publicações que quiser adquirir. Ao módico preço de...

Livro (Por que a Lua brilha): R$ 25
Zine (Isso não é literatura): R$ 5

Se você não pode ir, mas quer comprar o livro, encomende direto da editora: Cultura e Barbárie. (atualização: a tiragem impressa se esgotou, mas o livro continua disponível na versão ebook, clique e leia agora mesmo).

Espalhe a notícia e venha curtir esta tarde de domingo com literatura, cerveja e amigos.


terça-feira, 2 de maio de 2017

A METADE DE TUDO

Sua vida seguia muito bem, podia continuar daquele jeitinho sem nunca receber notícia tão desagradável; sem um linguarudo como eu deixar escapar que sim, você é anão, todo mundo sabia menos você, rá rá. Nasceu pronto, nunca cresceu, rá rá. Desculpe. Eu mesmo não superaria, é provável que até encolhesse de desgosto. Acho que me sentiria menosprezado. Rá rá, entendeu? Desculpe, desculpe. Se me permite, você reagiu mais ou menos bem. Sempre é possível piorar. Poderia ter corrido para casa com as perninhas recém-descobertas, tomado impulso e saltado na cama para dela nunca mais sair.

Divided states: supplicate I (Antony Gormley, 2006)
Eu preferiria que você jamais soubesse, evidente! E que pudesse continuar entre nós como sempre foi. Há verdades que não precisam ser ditas. Preciso medir minhas palavras, eu sei. Mas eu me contenho bastante, você não faz ideia! A maioria dos clientes deste bar bebe uma ou duas e já vem me vomitar suas desgraças. Eu sirvo outra dose, finjo que escuto, faço pinta de consolador. Mas o que desejo mesmo é rir na cara dura, dizer que problema não é exclusividade de ninguém e mandar se danar.

Você é um sujeitinho decente, um dos poucos que vêm aqui. Divertido, generoso, não merece ouvir minhas baixarias. Você costumava aguentar firme, já o vi entornar canecos da sua altura! Sei que está alegre o suficiente quando perde a noção do perigo, escala os engradados, trepa num dos bancos fixos do balcão e fica aí dando espetáculo sem se desequilibrar. Já trabalhou em circo? Pergunto só porque qualquer outro desabaria de tão mamado. Mas você parece experiente, sabe o que está fazendo. Sempre teve o domínio da situação. Até que, bem, até eu lhe dizer que você é anão.

Anão sim, e daí? Anão ou não, sempre foi superior a essa gentinha normal que se diz gente grande, pais de família, filhos de Deus.

Ok, ok, eu entendo. De que adianta falar agora, não é? Sinto muito, estou sendo sincero. Na mesma hora saquei o tamanho da minha indiscrição. Saquei também que as consequências não seriam boas. Passadas as minhas gargalhadas solitárias, naquele silêncio que se fez quando a sua ficha caiu, restou aí meio homem. Todo mundo olhando para mim, todo mundo vendo em você apenas metade do camarada de sempre, metade do bom caráter, metade da alegria. A metade de tudo. E sorriso nenhum. Não havia sequer meio sorriso nessa sua cabeça avantajada, rá rá.

Não deveria ser um problema grande assim! Você precisava ser tão dramático? Depois que falei da sua condição, passou a ver tudo por outro ponto de vista. Nossa cidadezinha ficou maior, os objetivos ficaram mais difíceis de alcançar. Já não dirigia porque os pedais do carro ficaram distantes, e a visão do para-brisa comprometida. O computador parecia ter um teclado de piano, você acabou preferindo um tablet. Não apertava as mãos dos bacanas, não fechava mais negócios. As oportunidades passavam, você tentava correr atrás delas, mas seus passos eram curtos demais; você saltava, mas seus dedos eram curtos demais para agarrá-las. Que coisa triste, olha só, dá até uma vontadezinha de chorar. Tá vendo a lágrima? Aqui, ó, deixa eu abaixar para você ver melhor.

Você nunca me culpou, e por isso sou muito agradecido. Os companheiros agiram diferente, disseram que minha verdade bateu forte demais, que acabou botando para baixo toda a sua vontade de viver. Depois eles perceberam que eu estava mal e que o bar podia fechar. Quiseram reverter a situação. Disseram que era melhor assim, que era melhor você viver consciente da sua condição a se enganar para sempre, que uma hora ou outra você teria mesmo que descobrir. Acho que queriam me consolar. Ou queriam uma dose por conta da casa.

O que dizer a um anão que descobre, à meia idade, sua condição? Como consolar o coitadinho? Nascido de pais normais, veja bem. Nem podia ser acusado de filho do padeiro, não existe outro anão neste canto do mundo. Quiseram chamar você de filho do capeta, mas isso é baixo demais até mesmo para nós. Além do que, sabemos muito bem, não é só a estatura que faz um anão.

Me deixa triste é o jeito como aconteceu. Um dia você estava aí, empoleirado nesse banco alto, no dia seguinte já não estava mais. Disseram que você botou suas coisinhas numa mochila, montou uma totoca e pedalou na direção da cidade grande, onde alguém haveria de esticá-lo. Como puderam? Os bocós deram a dica na maldade, disseram que a medicina estava avançada, até corno se remediava, rá rá. O nanismo não seria um desafio tão considerável.

Outros contaram história diferente, disseram que você encolheu mais ainda de tanta vergonha e desceu pelo ralo do chuveiro, desceu pela privada, foi levado pela enxurrada. Tudo piada de mau gosto.

Prefiro acreditar em outra coisa, que ao menos tem jeito de meia verdade: você foi para a cidade grande, não foi? Me diga, o que aconteceu depois? Tantos anos se passaram! Quero ouvir as suas histórias sobre tudo o que viveu! Não ficou na outra cidade porque o esticaram, claro que não, mas porque no meio daqueles prédios gigantes todo mundo é anão. Não foi? Aquela cidade não tem a medida dos homens, ela é trocentas vezes maior. E depois, o que mais? Ninguém ali notaria qualquer diferença em você, não é?

Aliás, você percebeu como ninguém reparou na sua presença hoje? Só eu o notei. Senti sua falta. De verdade. Espero que tenha aproveitado bem e bastante. Tinha certeza de que você jamais voltaria para esta cidade enquanto vivesse, depois de tudo que passou. Mas quem diria que voltaria para cá depois de morto! Isso nem eu imaginaria, meu querido anão.

Por que você está me olhando desse jeito? Você sabe que morreu, não sabe?

*Este texto faz parte do meu próximo livro de contos, chamado Testemunho Ocular, a ser lançado ainda este ano.

domingo, 23 de abril de 2017

LEIA UM TECHO DE "POR QUE A LUA BRILHA"


Até onde vai o mito e onde começam os fatos? Costuma-se dizer que tudo teve início quando uma chama despencou do céu, abrindo imensa cratera com o impacto. Os homens primitivos chegaram ao lugar e depararam com uma menina feita de luz, que chorava lágrimas de cristal. Ela emanava pureza e inocência, envolvidas por uma aura branca que incomodava os olhos dos presentes. Todos estavam apavorados. Então a criatura ofereceu sua amizade e pediu apenas que levassem a solidão para longe, pois tinha muito medo dela. Assim, a primeira estrela a visitar a Terra foi imediatamente capturada.
      Encontramos uma estrela, depois encontramos mais. Havia aquelas que se pareciam com homens; outras tinham formas femininas e até alguns dos seus trejeitos. Sabemos hoje que existem também estrelas infantes e velhas, uma vez que elas crescem, desenvolvem-se e morrem como outro animal qualquer.
      Quando a tendência crônica das estrelas à derrota foi enfim revelada – ainda não se sabe exatamente como isso aconteceu, e mesmo as hipóteses fantasiosas são raras –, os homens da época compreenderam que aquela frágil criatura vinda do céu poderia significar uma grande evolução para a espécie. E eles estavam corretos. Existem teóricos que, inclusive, datam o início da História Humana como o Dia da Queda da Primeira Estrela, em afinidade com certas congregações ortodoxas.
      Teorias e mitologias à parte, resta o fato de que, num determinado momento, uma estrela jogou, perdeu e morreu. A comprovação científica foi saudada com seis prêmios Nobel, com destaque para o da Paz. Mas essa paz demorou a ser conquistada, exigindo dedicadas guerras ao terror. Porque a partir daquela descoberta fenomenal, diversos países se mobilizaram para capturar outras estrelas, aliando-se ao eixo Vermelho ou ao Azul, conforme as forças políticas predominantes. Cada risco no céu significava uma nova guerra no solo. Foram tempos sombrios, repletos de atrocidades, muitas das quais ainda tentamos superar.
      Poucas vozes se levantaram contra a condição de colonizados imposta àqueles seres; poucas vozes dispostas a sustentar qualquer tipo de aconselhamento astrológico depois que a realidade desceu à Terra e provocou de imediato uma verdadeira dialética do esclarecimento.

***

Por que a Lua brilha é meu primeiro livro publicado. Trata-se de um conto distópico, disfarçado de ensaio científico, que analisa pontos fundamentais da história entre os seres humanos e os fenômenos luminosos da Lua.

A tiragem é limitada a 100 exemplares, todos numerados e costurados à mão.

Encomende o seu no site da editora Cultura e Barbárie (tiragem esgotada) ou adquira a versão ebook para Kindle lançada no site da Amazon.

sábado, 15 de abril de 2017

MAMA


E daí? Não vejo problema algum nisso. Eles gostam. Nunca houve unzinho que não gostasse na hora. Depois é que botam caraminholas nas suas cabeças, crescem e vão fazer análise sem nem mesmo ter certeza do que aconteceu. Ou como aconteceu. Não precisava ser assim. Porque eles gostam de verdade, meninos e meninas. Óbvio que gosto também. E você gostaria se largasse a hipocrisia de lado e experimentasse. Um pouquinho só que fosse. É muito doce. Inocente. Delicado. Não tem essa brutalidade toda dos adultos. Faço com carinho, afago a pele, penteio os cabelos. Faço sem pressa. Aqueles olhinhos curiosos me encarando. Tremulo toda vez como se fosse a primeira. Peço que me chamem por um apelido meigo, embora a maioria prefira ficar calada. Sem voz também é bom. Você sabe que não há idade para essas coisas. Minha mãe se casou com catorze anos. Cadê a lógica? Não tem. Lógico é gostar do cheiro da inocência, do jeito inseguro, da carne macia ainda intocada pelas neuroses todas da vida. Não tem como não amar. Tiro primeiro os sapatos, depois as meias, uma a uma, curtindo o momento. Não deixa de ser brincadeira. Adoro aqueles pezinhos rechonchudos, tenho vontade de morder. Toco cada um dos dedos e invento uma história engraçadinha para descontrair. Elas riem. A maioria ri. Digo que vamos brincar de outra coisa, puxo primeiro uma perna da calça e imitamos um saci, tiro depois uma manga da blusa e fingimos ser piratas manetas. Como o capitão Gancho. Vamos, assim, criando aventuras encantadoras, a imaginação delas é linda demais. Vai tão longe! A gente perde esse brilho quando cresce. Isso é cultural também. É o convívio social que bota maldade nas coisas. Que poda as asinhas. As coisas, em si mesmas, são puras. É a hipocrisia que destrói toda a beleza natural do ser humano, os gestos… É por isso que digo: não há problema algum nesse meu amor incondicional. Amor maior que eu. A princípio não há mesmo. Tanto que elas gostam da intimidade e da descoberta. Às vezes ficam um pouco assustadas, mas eu quase nunca as machuco, a não ser que elas mereçam. Há diabinhos, sem dúvida. Mas as angelicais são maioria. Passo minhas mãos calejadas por seus corpinhos inteiros, suas dobrinhas, meninos e meninas, tão iguais! Ficam paradinhos, imaginando o que vai acontecer, imaginando o que já está acontecendo, mas eles jamais chegam à verdade porque são inocentes demais para saber. Sinto a carícia profundamente. Pensar nisso me excita. Mesmo agora, só de falar, algo se movimenta dentro de mim. O sangue esquenta. O ventre se enche de vontade. A pele tensiona e arrepia. É uma delícia. Puxo-as para o meu colo, sinto os nossos corpos como se fossem um. Levanto minha blusa com delicadeza, convido-as a mamar. A brincar de mamãe e filhotinho. As boquinhas sem jeito me chupam os mamilos e gozam. Fecho os olhos e sou apenas mamilos. Então eu choro. Invariavelmente. Não houve uma vez sequer que não chorasse. Porque aquela sensação a traz de volta, reaviva a saudade enterrada tão fundo. Me faz lembrar demais do passado que nunca se foi de verdade. Eu choro. E peço. Eu rezo o tempo inteiro. Você vai dizer que não, todo mundo diz. Mas eu rezo o tempo inteiro. Eu peço com todo o coração. Que Deus a tenha, minha querida, minha vida. Que Deus a tenha.

*Publicado originalmente na Revista Ninhada nº 3.

domingo, 9 de abril de 2017

MEU PRIMEIRO LIVRO PUBLICADO: POR QUE A LUA BRILHA


Se você aguentou firme, cá está a segunda notícia literária que tem feito meu coração de escritor palpitar de alegria: meu primeiro livro acaba de ser publicado pela editora Cultura e Barbárie.

É um conto, disfarçado de ensaio científico, que retoma pontos fundamentais da história dos seres humanos e os fenômenos luminosos da Lua. Com intenção de avaliar as implicações culturais do projeto de Lei que visa apagá-la.

Você pode encomendar seu exemplar aqui: www.armazem.org. (Atualização: a tiragem se esgotou, mas você pode adquirir a versão ebook no site da Amazon, basta clicar aqui e começar a ler agora mesmo.)

O livro ganhou uma linda edição artesanal de Marina Moros, foi impresso com sistema de cera sólida e costurado à mão. São apenas 100 exemplares e numerados. Verdadeira exclusividade! Então garanta o seu enquanto é tempo que eu prometo autografar quando a gente se encontrar.

Confira só as fotos que eu mesmo tirei. Dá para ter uma ideia de como o projeto gráfico ficou incrível! Logo mais eu publicarei um trecho do livro para dar água na boca.





sexta-feira, 7 de abril de 2017

TESTEMUNHO OCULAR GANHA PRÊMIO LITERÁRIO


Esta semana me trouxe duas excelentes notícias literárias. A primeira delas é que o meu projeto mais recente, que eu já tinha mencionado num post anterior, ganhou o 3º Concurso Lamparina Pública na categoria Prosa.

Testemunho Ocular foi escolhido entre mais de 400 inscritos e deve ser publicado ainda este ano pela editora Lamparina Luminosa.

 
É um livro pelo qual eu tenho o maior carinho. E espero que logo ele chegue até você. Pode deixar que avisarei assim que tiver novidades.

E a segunda grande notícia da semana? Essa eu conto nos próximos dias. Aguarde! ;)

quarta-feira, 5 de abril de 2017

DESESCREVER

Planejar minuciosamente meus textos serve apenas para eu me certificar do que não escreverei, que será exatamente o conteúdo do planejamento. Porque, quando inicio a execução do projeto, uma frase descamba noutra qualquer, a terceira surge do nada para me surpreender, a quarta se improvisa, a quinta já nem sei qual é. Na medida em que vou desescrevendo o texto, ele me inscreve e circunscreve. Ao final resta um autor reconhecido por suas linhas tortas. Por seus escritos irreconhecíveis. Um autor meramente ilustrativo.

Texto vivo (2013/2014), de Ana Hupe

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O INTERVALO MÁXIMO ENTRE OS TRENS É DE APENAS TRÊS MINUTOS


O xaveco começou na facul, os amassos foram na plataforma do metrô. Composição querendo entrar no túnel, mãos baldeando aqui e ali, línguas se apertando uma contra a outra. Ambas a favor. Não tem erro, bora lá! A parada seguinte foi a decisão de ter ou não ter a porra do bebê. Descarrilamento, trágico acidente. Minha mãe vai me matar! Que merda, você tem certeza? Não tenho de nada. É a solução, tamo junto. Conheço um médico, ninguém vai saber. Por que com a gente? Apagou a luz, problemas técnicos, morro de medo de ficar preso e ter que andar na linha. Mais uma estação e a família dela começou a falar em casamento. Foi combinado, só pode. Que enrolação é essa? Todo mundo casando, percebe? É a fase, só você não vê. Não estou pronto. Ano que vem, ano que vem. Pronto, foi lindo, feitos um para o outro. Até que a morte os separe. Pode parar, quero descer, eu não mereço isso. Crise dos sete meses à puta que pariu, chega, cansei. Vai desistir? Covarde! Não sou! Um segundo antes de apertar o botão de emergência ela diz que está grávida. De novo? De novo. Sério mesmo? Sério. Entendi. Achei que ia ser difícil, depois daquilo tudo. Eu tive medo de nunca ter filhos. A melhor coisa que aconteceu na minha vida, duas mulheres comentam naquele banco lá longe e eu consigo ouvir daqui. Será? Aviso dado, a próxima estação é a minha. Para que festinha em buffet?, o moleque ainda nem sabe andar! Não pode passar em branco. A gente aperta e vai nesse mesmo, anda logo, não temos tempo a perder. Um casal! Que maravilha. Para ter a experiência dos dois. É. Que cheiro horrível, tá sentindo? Passa rio aí embaixo? Alguém saiu de casa sem tomar banho, como consegue? Ah, já esqueceu como troca fralda? Logo agora que me livrei de um, começa a outra? Vai lá que é a sua vez, me deixa tirar um cochilo que tô precisando. Desculpe, por favor, esta linha passa na escola? Que formatura mais bonitinha, mamãe até chorou. Agora vai pra escolinha de criança grande, tá? Não chora... Saudade do tempo em que a gente podia viajar, descer no Jabaquara, pegar ônibus pro litoral. Com que dinheiro? Nunca fizemos isso! Mas a gente podia, se quisesse. Não tinha nada que prendia. Não me arrependo de nada. Parece bobo dizer, mas não me arrependo. Amo você. Vamos dar uma volta, só nós dois hoje, a gente merece. Jantar romântico, depois cinema? Não podemos demorar, meus pais dormem cedo, temos que pegar as crianças. Não se preocupe, só tem metrô até meia-noite.

domingo, 22 de janeiro de 2017

TESTEMUNHO OCULAR


Estou muito feliz neste final de semana, pois consegui terminar meu novo livro de ficção, uhuu! Que por enquanto tem este título, Testemunho Ocular. São 26 textos no total, além de uma espécie de prólogo. Alguns são curtos (o menor tem 4 linhas), outros são mais longos (o maior tem cerca de 10 páginas em formato A4).

(Bateu uma curiosidade? Clique para ler o conto Descoberta, que faz parte da coletânea.)

Os 27 textos foram finalizados ontem. Então começou o difícil processo de estabelecer uma ordem para eles


O livro investiga certos aspectos da realidade contemporânea, em que o regime de visualidade predomina, e tudo parece exposto, revelado, evidente. Esta realidade das câmeras, dos compartilhamentos de intimidades, do ver para crer. Os textos tentam colocar isso em questão. Não de maneira opinativa, mas como provocações literárias. Eles também tentam encontrar brechas para o obscuro, o não dito, o incerto.

Não à toa, apresentam alguma estranheza, que nem sempre é fácil identificar. Às vezes a estranheza parece absurda, outras vezes ambígua ou misteriosa. Mas a inquietação é sempre a mesma: o que está dado a ver? O que permanece apenas entrevisto? Que tipo de dependência temos da imagem? Que verdade é essa que a imagem quer nos revelar? Até que ponto podemos acreditar nela?

Muito bem, muito bem. Então o livro está pronto? Que nada! Agora chegou a hora de pedir para os amigos mais próximos lerem. Depois de algumas conversas, revisões, modificações, mais conversas, incertezas, vontade de jogar tudo fora, calma, angústia, indiferença, revisões, modificações, palavrões etc., vou atrás de oportunidades de publicação. Será que demora? Sempre!

Tudo bem, faz parte. Espero que eu volte a falar dele aqui assim que possível.

sábado, 8 de outubro de 2016

VOO NO ZOO


Entre escaravelhos, cronópios e bumbam meus bois, entre macunaímas, utopias e botos cor de rosa, havia aquela girafinha. Sim, eu a via. E ela voava! Baixo para uma girafa, alto o bastante para uma girafinha. Toda aquela liberdade frouxa nos céus! Coisa bonita de se ver, a girafinha. Depois pousava no galho. Bem ali, naquele galho, é. Entre gatos pardos e folhas de relva, entre nenúfares e tritões. Tantas árvores frondosas dentro da sua jaula e ela preferia a menor, mais próxima das grades de aço, de onde esticava a cabeça e comia amendoins nas mãos dos visitantes. Toda a gente de bem. Os cidadãos e citadinhos. Tinha o jabuti, o rinosoro, o macaco prego. Tinha a girafinha, coisa linda! Voava, pousava, comia os amendoins. Mascava junto uns dedinhos, os visitantes nem faziam questão, a gente boa. Croque croque, monsieur; croque croque, madame; croque como o crocodilo faziam falanges e metacarpos na mandíbula da girafinha. Que língua enorme!, admiravam-se os puritanos. Que esfomeadinha! Quando a família notava os cotoquinhos restantes na mão direita do papai, na mão esquerda da mamãe, nas mãos conjuntadas dos filhotinhos, todos achavam graça, riam das travessuras da girafinha. Ela voava de alegria. Passava o dia a exercitar sua liberdade assistida no zoo-safári. As famílias, fiéis, voltavam sempre. Pois adoravam esticar amendoins para dentro da jaula e alimentar a girafinha, mesmo que a maioria caísse por entre os dedos que já não existiam. A girafinha tinha um longo pescoço para alcançá-los no chão. A cada dia sua vivacidade era maior e maior. A cada dia voava mais e mais alto, mais alto do que as árvores, mais alto do que as grades de aço. O que nos deixou senão o vazio?

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

PARTO



Close nos olhos de uma menina (ver cena inicial do filme Kill Bill vol. 1). O plano se abre e temos um revólver apontado para a cabeça dela. Calibre .38. Tanto a arma quanto a menina são as mesmas que aparecerão no final da história. Há um disparo. Miolos coloridos voam.

O nascimento traz muitas mortes consigo. Talvez o nascimento seja a morte em si. Sua essência. É bobagem falar de essência, eu sei. 'Cause we're living in a material world / And I am a material girl. É bobagem falar de mundo, eu sei. É bobagem falar qualquer coisa. Falar sobre. De cima. Mas há o inominável e falar é o que nos resta. Linguar, linguajar. É tudo o que nos resta. O ser da linguagem. Então falamos. É a nossa essência. Somos enquanto falamos. Falo, logo existo. A voz marca o nascimento. Choramos. A essência do nascimento, a largada, o início da caminhada que leva ao desconhecido. Do lugar algum ao lugar nenhum. Do pó ao pó. Pode dizer o que quiser, pode explicar conforme crê. A morte. Conheço só de nome. Não há nada além. Nem mesmo pó. Há apenas discurso. Discursar é o que nos resta.

Na ocasião de um nascimento, naquele instante imensurável, naquele momento presente que quando se percebe já é passado, mais veloz do que o disparo de um revólver e mais demorado do que tudo o que já aconteceu na história do universo, no primeiro e derradeiro instante, na passagem da vida à morte, ali, exatamente ali, morre toda a pureza das pessoas. Todo o ideal. Toda a perfeição que poderia um dia existir. A utopia? Morre. Inteirinha. Naquele. Exato. Instante. O que nasce é uma farsa. É uma ficção. Uma historinha para boi dormir. Acredite, sei o que estou falando. A fecundação é o primeiro e o último ato verdadeiramente espontâneo das nossas vidas. Dali para frente somos manipulados. Somos levados a acreditar em liberdade. Justiça. Segurança. Certeza. Verdade. Moradia. Tudo ilusão. Tudo ficção. Tudo discursinho. Até quando? Quer saber? Não sei. Sei apenas que, quando o espermatozoide viola o óvulo, a inocência se esvai. Morre. Um morto que jamais choramos. Todo o resto é vazio.

BAM! A menina puxa o gatilho e seus miolos são coloridos. Que lindo. Que poesia. Que fofo.

A manipulação da vida é premeditada. Sim, premeditada por todos os que já morreram um dia. São eles que tocam nosso réquiem. Se há música, há a música dos sons da rua. A crueza do real. A nudez. A surdez potencial. Interesseira. Ignorante. Manipuladorazinha vil e calculista.

Admirável, senhores, admirável. Isto é tudo? É isto um homem?

Os miolos coloridos. Ai, muito lindo! Vejo ali... Veja bem:
As flores, os sonhos, os sorrisos.
Os abraços. Os beijos. Os carinhos e as carícias.
A grama verdinha, o céu azul, a casinha de chaminé. O arco-íris.
Nos miolos coloridos. Vejo isso tudo. Massa cinzenta não. Massinha de modelar.
Tudo vaza pelo buraco da bala. A cova aberta na cabeça da menininha.
Preste atenção porque essa mesma menina vai aparecer de novo no final da história!
Sua cova pode acolher um cadáver ou uma semente, ainda não sabemos. Aliás, eu sei. É você que ainda não sabe.
Sua inocência se esvai pelo buraco aberto, cai como a chuva. Torrenciais miolinhos coloridos. Tudo isso vaza e abre espaço para o preconceito, o pressuposto, o dispositivo, o dogma, a verdade, a certeza, a máquina, a opinião, a bobagem toda, inteira, imensa. Blá blá blá blá blá blá blá blá.

Sente o cheiro? Acre? É pólvora. Enxofre. Fogo. Passa o fogo e resta o buraco. Cheio de lixo. Cheio de quê? Restos, sobras, resquícios de um passado que nunca existiu. Excesso de informação. Toda essa porcalheira de pensamentos produzidos pelos demais. Pensamentos inventados, imaginação, fantasia. Bobagem demais. Demais, tenho demais. Vendo. Vendo pensamento, único dono. Pouco usado. Cheio de preconceito. Cheio de pólvora. Sente o cheiro? Snif, snif. Sniiif.

Sim! Quem se lembra das cores do arco-íris? Vermelho sangue. Azul calcinha. Púrpura... Fúcsia?

(Quem se esquece do pote de ouro?)

Fúcsia você! BAM! Sua vida foi concebida. Pronto, feito. Aceite-a. Leve-a daqui. Suma. Seus miolos foram recuperados. Toda a massa. Cinzenta. Lúgubre, paciência. É o que resta da sua inocência. Culpado! Sim, senhor. É tudo questão de culpa. Quem leva? Você aí, leve esta culpa para longe de mim. Não adianta chorar.

Parabéns, você acaba de nascer. Nunca mais será o mesmo.
Você tem um nome: Odisseu.
Quem?
Ninguém.

Alto! Quem vem lá? Quem está aí?
Eu.
Eu quem?
Ninguém.
Ninguém.
Ninguém.

(esboço de prólogo para o romance Ninguém, que ainda está em processo de criação)

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

AQUI NÃO

Meu sotaque chega na frente e anuncia meu nome com i. Num universo de dezenas de milhões de pessoas, minhas marcas de distinção. Sou personagem desta novela chamada Vida Real. Um drama que já estava escrito e agora dizem que é meu. Todo mundo percebe imediatamente que não sou daqui. Todo mundo me percebe, basta eu abrir a boca, talvez nem precise de tanto. Está estampado na minha cara de migrante. Todo mundo vê. E torce o nariz. Quem é todo mundo, afinal? Dezenas de milhões de faces anônimas, indistintas, que reconheço pelo gesto. Que olham e me apontam com o olhar, apontam com o dedo, apontam a faca e me enxotam: você não é daqui, o que você quer aqui?, não temos nada para você. Volte lá pra a sua terrinha, vice? Aliás, eles dizem diferente: volta lá pra sua terra, mano. Eles quem? Todo mundo. Os outros. Que não são eu, são diferentes de mim, sou diferente de todos. Você não vê? Está na cara que sou. E não me querem por perto dos seus. Não suportam meu sotaque estrangeiro. Minha caatinga. Eu queria voltar, mas não posso. Não posso voltar para onde meu sotaque inexistia nem posso ficar nesta terra que é ainda mais árida. As marcas de distinção me abrem feridas na carne e me deixam exposto às moscas da cidade grande. É o meu sangue que reclamam. E não tenho onde me esconder. Então escrevo. Liberto-me do absurdo da Vida Real para viver a realidade do texto. Aqui sou eu que aponto, invento, apago. Sou sujeito, não objeto. Sou escritor. Meu sotaque chega na frente e anuncia meu nome com i. Todos então abaixam os olhos e me respeitam. Ou todos me querem bem. Ou todos são iguais a mim, conforme eu quiser; têm também o mesmo sotaque, têm o nome com i. No texto eu escolho as minhas marcas, sou eu que invento as distinções. Ser diferente rende elogio. Melhor assim. Prefiro habitar minhas mentiras a ser subjugado pela pretensa verdade dos outros. Pode não ser a melhor das histórias, mas quem narra sou eu. A palavra final é minha. E digo que fico. Permanecerei neste inferno, farei dele o meu inferno também. Não preciso de alternativa. Sou um cabra teimoso.