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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O ESTILO ANTI-ÉDIPO DE SER

O filósofo Michel Foucault escreveu um prefácio bastante breve para o livro O Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Tão breve quanto preciso. Digo preciso no sentido de exatidão, uma vez que o texto pontua qualidades reconhecidas do livro. Digo preciso também no sentido de necessário, pois Foucault não apenas introduz o assunto como faz com que o leitor sinta fome de conhecimento e devore todas as páginas subsequentes.

É uma pena que seu prefácio conste apenas em poucas edições. Abaixo, destaquei os tópicos do final, que considero o trecho mais intenso. Fica claro que, como diz o próprio filósofo, o anti-édipo tornou-se um estilo de vida, um modo de pensar e de viver. Estou torcendo para que as pessoas adotem ao menos alguns dos seus princípios.

• Libere a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante; 

• Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal; 

• Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo não é sedentário, mas nômade; 

• Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária; 

• Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política; 

• Não exija da ação política que ela restabeleça os "direitos" do indivíduo, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é "desindividualizar" pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de "desindividualização"; 

• Não se apaixone pelo poder. 

FOUCAULT, Michel. Preface. In: Gilles Deleuze e Félix Guattari. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia. New York: Viking Press, 1977, pp. XI-XIV. Traduzido por Wanderson Flor do Nascimento.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A DANÇA DE CRUZ-DIEZ



Já tinha passado por um terço da exposição de Carlos Cruz-Diez quando percebi como aquilo era engraçado. Acontecia uma espécie de dança dos visitantes, tentando não esbarrarem uns nos outros, caminhando para cá e para lá sem tirar os olhos das obras. Não acontecia por acaso, o artista transmite essa inquietação contagiante. Para ele, o simples olhar já é uma experiência interativa. A cor, mais do que um pigmento sobre a tela, é entendida como um elemento de natureza instável que provoca impactos emocionais. "Eu queria comunicar", diz Cruz-Diez em um dos trechos da entrevista adesivada nas paredes da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Essa comunicação se realiza com uma linguagem própria, uma mistura de luz, cor e movimento. É difícil mesmo desviar os olhos, a gente não quer perder nada, nem um compasso.

Cor aditiva 105, 1956 (clique na imagem para ampliá-la). 
Abaixo, detalhe da mesma obra.

Boa parte dessas obras pertence ao grupo intitulado Fisiocromia, algo como "o corpo da cor", que o artista desenvolve desde 1959. Os visitantes caminham de um lado para o outro porque, de acordo com o ponto de vista, a obra revela novas estruturas. Lembra um pouco a brincadeira de "ola" que se faz em estádios. Ou aquelas figurinhas holográficas que contêm diversas imagens num única face. Enfim, é tão difícil de explicar quanto de fotografar, e essa era a segunda coisa engraçada que acontecia na Pinacoteca: as pessoas queriam levar, como recordação, uma fotografia daquela experiência maravilhosa. Só que é impossível fixar numa imagem o fenômeno ótico e a sensação física subsequente. Os fotógrafos saíam frustrados.

Confesso que eu também queria uma foto bonita para colocar no blog, mas não me arriscava. Estava na cara que era impossível. Até eu me dar contar de que, se a questão era o movimento, a solução seria filmar. Fiz isso com o telefone, o que explica a precariedade dos vídeos disponíveis aqui. Seja como for, acho que passam uma ideia do que está exposto no museu.


Tem muitas obras lá, desde pinturas a óleo do início da carreira de Cruz-Diez até instalações com projeção de cores. No geral, todas compartilham da mesma curiosidade: colocar a superfície ou os expectadores em movimento, provocá-los com sensações cromáticas que se multiplicam em diversas outras, modulações óticas com um pé no ilusionismo e outro na ciência. Transitam por persistência retiniana, somatória visual, gestalt, relevo, sombras e arquitetura. Seu trabalho é intenso e consistente. Faz mais de meio século que estuda possibilidades emotivas do uso da cor, seja no quadro, no espaço, na cidade (com intervenções urbanas) ou em veículos. Existe até navio e avião "à lá Cruz-Diez". Em resumo, é uma experiência estética bastante divertida. Vale a pena entrar na dança.


Leia mais no site da Pinacoteca do Estado de São Paulo: Carlos Cruz-Diez

domingo, 26 de agosto de 2012

IMAGEM LENTA, MUNDO VELOZ



Na primeira conversa que tivemos sobre a exposição individual no Museu de Arte de Goiânia, Felipe Góes estava indeciso. Porque sua intenção era levar para lá as pequenas pinturas que produz desde o início da carreira, nas quais o caráter experimental da pesquisa fica mais evidente. "Só que a administração local me concedeu um espaço enorme", disse ele. "Acho que vai ficar vazio demais só com essas telinhas".

A ideia do vazio me pareceu interessante. Na mesma hora, tive certeza de que aquele deveria ser o conceito da mostra: propor uma relação com o espaço expositivo e com o tempo de apreensão das obras. As pequenas telas de Felipe, naquele generoso salão, poderiam surpreender, criar conflitos e retirar o visitante da zona de conforto que se construiu ao longo de séculos de exibição de pinturas em museus. Melhor ainda se estivessem deslocadas da habitual linha do horizonte que costuma orientar a colocação das peças na parede. Assim, poderíamos sugerir uma reflexão sobre o corpo presente – uma vez que o visitante movimentaria mais do que apenas os olhos para observá-las, abaixando-se, aproximando-se, reclinando-se, torcendo o pescoço etc.

A mostra também chamaria atenção para outro aspecto relevante: o tempo da arte. Digo isso não somente em relação à tradição da pintura, mas ao contexto contemporâneo, em que o volume de informação aumentou tão bruscamente quanto se reduziu nossa dedicação para absorvê-la – como se o pensamento humano se desenvolvesse na mesma velocidade dos processadores artificiais.

Sabe-se que, na ansiedade de ver o máximo no menor tempo possível, se gasta, em média, quinze segundos em cada obra de arte de uma exposição. Esse tempo ainda diminui consideravelmente em museus visitados por massas de turistas, tais como o MoMA (Nova York) e o Louvre (Paris). Gasta-se tempo, investe-se tempo, perde-se tempo, ganha-se tempo. O tempo virou moeda de troca na veloz sociedade capitalista, em especial a metropolitana.

Só que há coisas que esse tempo não compra. Sim, numa mostra de arte, muito passa despercebido. Cá entre nós, quinze segundos não bastam nem mesmo para obra e visitante se apresentarem, quanto mais para se conhecerem profundamente e trocarem experiências.

Quando adentramos o Museu de Arte de Goiânia e nos deparamos com telas pequenas dispostas em paredes extensas, percebemos de imediato que elas exigirão outro tempo de experimentação, descoberta, reflexão e criação. Elas querem que as pessoas se aproximem, perguntem, espiem, inventem e ouçam tudo aquilo que sussurram ao pé do ouvido, que se despe aos pouquinhos, numa relação de perfeita intimidade. 

São imagens lentas, que não carregam significado instantâneo. Contrariando o mundo apressado em que estão, pedem silêncio, calma e disposição para se revelarem. Pedem a dedicação de quem cativa. Será assim ou não será nada.

*O vídeo acima é uma maquete digital que simula a disposição das pinturas nas paredes do Museu de Arte de Goiânia. Leia mais sobre a exposição aqui: Álbum e Grandiosidade não se mede com régua

GRANDIOSIDADE NÃO SE MEDE COM RÉGUA

O que mais me surpreendeu quando vi as pinturas de Felipe Góes ao vivo e a cores foram as dimensões reduzidas. Não que todas sejam pequenas, pelo contrário, algumas são razoavelmente grandes. Mas foram as menores que me chamaram atenção. Porque muitas delas eu conhecia por meio de fotografias divulgadas na internet, e as imaginava como gigantescas manchas de cor. Na galeria, entretanto, elas eram pouco maiores do que um cartão postal.

A visita ao espaço expositivo tem esse poder de transformar nossa relação com as obras. Tive que rearranjar uma série de pensamento já constituídos, então tirados do lugar por aquela descoberta.

Foi ótimo perceber o mundo em mutação, excedendo os paradigmáticos movimentos de rotação e translação, num tipo de abertura perceptiva muito própria da arte.

Nossa ideia, para a individual no Museu de Arte de Goiânia, era induzir um choque similar. Queríamos que o visitante pusesse os pés no enorme salão concedido à mostra e se surpreendesse com aquelas pinturas reduzidas, dedicando-se ao pequeno num mundo que privilegia os grandes, como alertou o filósofo Walter Benjamin na primeira metade do século passado.

Já nesse primeiro encontro, a proposição estaria colocada. Tudo o que viria a seguir dependeria unicamente do diálogo entre o visitante e as pinturas. Nós desejávamos que logo encontrassem diversas coisas em comum.

Aqui estão algumas das pinturas exibidas no Museu de Arte de Goiânia. Clique nas fotos para ampliá-las:

 







Leia mais sobre a exposição de Felipe Góes no Museu de Arte de Goiânia aqui: Álbum e Imagem lenta, mundo veloz

ÁLBUM

As telas de pequena dimensão acompanham o trabalho de Felipe Góes desde sempre. São quase um projeto paralelo. Entretanto, talvez devido à expectativa do público e das galerias, elas raramente ganham espaço de exibição.

Reunimos aqui cerca de 10 dessas pinturas que, como explica o artista, não são esboços – quer dizer, o objetivo delas não é planejar para depois ampliar. São experimentos. Justamente por não enfrentarem a pretensão das pinturas monumentais, elas permitem que Felipe voe mais alto, arriscando-se sem medo de errar. Nelas, seus pensamentos ficam registrados durante a formação, enquanto ele ainda não sabe aonde pode chegar.

Por conta disso, as telas pequenas revelam um artista mais fresco, livre, instintivo; ocupam um papel importante em seu processo criativo, embora não ostentem qualquer título de nobreza. São segredos de bastidores.

São cartões postais: registros de experiências visuais, plásticas e estéticas, recortadas de um contexto complexo para destacarem um ponto de atenção.

Também são obras em si mesmas, ou seja, adquiriram autonomia na produção de Felipe e caminham com seus próprios pés. Por conta disso, possibilitam outras reflexões, em especial no que diz respeito ao espaço expositivo e ao tempo de olhar do visitante.

Nesse sentido, o Museu de Arte de Goiânia não poderia ser mais apropriado: seu amplo salão desmistifica o paradigma da proporção. Acrescentamos aí a questão do alinhamento feito com prumo e esquadro; pois, deslocando as telas do nível do horizonte – eixo de equilíbrio herdado de séculos de tradição museológica –, fazemos o visitante mover o corpo, e não apenas os olhos, para observá-las, ampliando a sensorialidade proporcionada pela tinta sobre tela.

As paisagens retratadas nesses cartões postais saltam da tela e acabam se revelando no ambiente, nas pessoas ao redor, na cidade e também dentro de nós mesmos. São excertos que carregamos conosco quando voltamos de uma viagem pictórica, que compõem nosso álbum de imagens, nosso diário de bordo. Experiência marcante.

Leia mais sobre a exposição de Felipe Góes no Museu de Arte de Goiânia aqui: Grandiosidade não se mede com réguaImagem lenta, mundo veloz

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

"Em algum momento da atual Bienal do Livro de São Paulo se falará da iminente morte do livro e as opiniões se dividirão. Alguns dirão que o livro nunca acabará, e aí estão as bienais, as feiras e as flips para provar isto, e outros dirão que o livro caminha para a obsolescência e logo estaremos lendo tudo em tabletes, ipodes, ipedes e E-tceteras. Não se chegará a nenhuma conclusão e a conversa será transferida para a próxima bienal."

 Luis Fernado Veríssimo no Correio Popular de hoje.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

LENHA NA FOGUEIRA

Estou inconformado com o incêndio que destruiu uma porção de obras de arte no Rio de Janeiro. Mais um! Devia ter algum tipo de lei para proteger o patrimônio público. Colecionadores podem comprar as obras, tudo bem, mas elas devem ficar sob cuidados de uma instituição competente. Nada de pendurar na parede da cozinha. Nada de tê-las somente para si. Patrimônio cultural brasileiro deveria ficar só no museu, ao alcance do povo.

E agora? Vamos ressuscitar Lygia Clark e pedir para ela fazer de novo? Pedir desculpas para Di Cavalcanti e dizer que, agora sim, vamos tomar conta do seu legado? 

Leia sobre o incêndio aqui: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1136816-incendio-no-rio-destroi-apartamento-com-colecao-de-arte-valiosa.shtml

Outros incêndios que destruíram parte de nosso patrimônio artístico-cultural, só para lembrar que o desta semana não foi exceção:


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

DRAMA SOBRE O PALCO

Eu jamais imaginaria que, na falta de médicos em hospitais, policiamento nas ruas e vagas em creches, os moradores de um bairro da capital paulista se manifestariam pela reconstrução de um palco. A prefeitura tampouco. Não que eu menospreze os palcos, claro. Apenas achei surpreendente a consciência da população diante do impasse – e também a exigência subsequente, entre outras urgências que o senso comum entende como prioritárias.

Deixe-me explicar melhor: ao longo dos últimos quatro meses, repórteres da rádio CBN visitaram os noventa e seis distritos que compõem a cidade de São Paulo, um a cada dia, ouvindo a opinião dos moradores acerca dos principais problemas locais. Os diagnósticos eram sempre os mesmos: saúde, educação e segurança; ameaças congênitas generalizadas no sistema sócio-político brasileiro. “Pouca saúde e muita saúva”, como dizia Policarpo Quaresma, personagem clássico criado por Lima Barreto em 1911. Males que nos levariam a um triste fim. Acontece que, em um dos distritos, pedia-se a reconstrução de um palco, demolido pela prefeitura pouco tempo antes.


Veja bem, não estou falando de um auditório com preparação acústica e capacidade para acomodar milhares de espectadores em confortáveis poltronas, mas de uma mera laje de concreto disposta na praça. Pena que não me lembro o local em questão. Não era nenhum dos nobres, cujas carências são menores e onde os moradores poderiam se “dar ao luxo” de exigir cultura. Era um dos humildes mesmo, da periferia, se não me engano.

O poder público agiu com displicência, para variar. Quando mendigos e usuários de drogas começaram a ocupar o tal palco, o povo pediu uma solução. A prefeitura respondeu com um trator e botou o problema abaixo. O problema dela, obviamente. Porque os cidadãos “indesejados” continuaram nos arredores, sem casa e viciados. Por sua vez, os moradores perderam um dos poucos recursos de lazer que possuíam.

Foi a reivindicação que me surpreendeu. A manifestação em prol da cultura, sinal de que sua importância é reconhecida. Exigiam a reconstrução do palco, mesmo diante de outras questões aparentemente mais graves.

Talvez você esteja se perguntando qual é a importância de uma estrutura rudimentar como aquela numa praça de periferia. Foi o que me instigou também. Que tanto faziam no palco?

A obra tinha um poder transformador. Era espaço de manifestação e expressão popular que, de uma hora para outra, foi vetada a cidadãos já bastante carentes. Músicos de bairro se apresentavam ali, voluntários ofereciam aulas de dança ou capoeira, escolas promoviam teatrinhos, havia festas organizadas espontaneamente. Tudo isso ruiu com a atitude irresponsável da prefeitura, que não estudou a situação com o devido cuidado.

Sabe-se que pólos de cultura possibilitam o desenvolvimento social onde estão instalados. Grandes complexos como as unidades do CEU e do SESC, por exemplo, oferecem alternativas à televisão e à vagabundagem. Crianças que passam meio período na escola encontram à disposição atividades esportivas, oficinas culturais, bibliotecas e entretenimento sadio. Adultos também têm opção de lazer para o fim de semana. Isso é ainda mais intenso entre aqueles que não têm condição financeira para viajar, fazer compras no shopping ou jantar em restaurantes sofisticados, ou seja, boa parte dos brasileiros. 

Por isso aquele palco era tão caro. Podia não ser um enorme complexo cultural, mas já era alguma coisa. Fiquei satisfeito ao descobrir que a população local está consciente disso e que se manifestou pela sua reconstrução. Quero só ver se a prefeitura receberá o pedido com o mesmo carinho. E se o realizará.

No palco, apresenta-se uma esperança de futuro. Aos poucos, fui me dando conta disso. Pode-se aprender uma profissão, ver uma porta se abrir, realizar encontros com o inusitado. Ele oferece possibilidades. Uma construção tão simples proporciona, em si mesma, alternativa potencial à dramática vida cotidiana. Pouca cultura também é um dos males do Brasil, foi o que faltou Policarpo dizer. Pouca cultura e muita saúva, há pelo menos 100 anos.
Sabe, vi muita gente criticando os oito minutos brasileiros no encerramento das Olimpíadas de Londres. Não sei, não assisti à cerimônia. Disseram que foi clichê, que o Rio de Janeiro não é apenas praia, Pelé, carnaval, samba, mulatas e índios, entre outras coisas. Ao mesmo tempo, não vi ninguém dizer o que o Rio de Janeiro e o Brasil são, afinal. Se não mostrarmos esses clichês – que fundamentam nossa cultura, querendo ou não – talvez pudéssemos apresentar outros. Como o mensalão, por exemplo. Que tal?

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

CAÇA AO BRUXO

E Paulo Coelho disse que “Um dos livros que fez esse mal [de autores quererem impressionar seus pares] à humanidade foi Ulysses, que é só estilo. Não tem nada ali. Se você disseca Ulysses, dá um tuíte".

O livro de Joyce é até hoje um tesouro para a literatura, repleto de experimentos vanguardistas, intelectuais e práticos. Os de Paulo Coelho são uma piada – ou vinte e duas, considerando o recente "Manuscrito Encontrado em Accra", que originou o infeliz comentário. São piadas literárias que vendem bem, sem dúvida alguma. Mas, daqui uns anos, esse tesouro vai acabar. E o de James Joyce provavelmente permanecerá incrivelmente rico.

Aliás, Ulysses tem vendido milhões de exemplares ao longo dos anos, o que põe abaixo a questão econômica – e a comparação dela com a qualidade de cada obra.

Pelo jeito, Paulo Coelho entende tanto de dissecação quanto de arte. Com um detalhe: o escritor é um dos "imortais" da Academia Brasileira de Letras. Pois é.

Para saber mais sobre a polêmica, vale a pena ler o texto de Rodrigo de Moraes no Correio Popular de hoje:

(clique na imagem para ampliá-la)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

"Sem uma dimensão crítica não podemos refletir sobre a singularidade da experiência artística, principalmente em um momento em que as fronteiras entre as artes, e mais do que isso, entre arte e vida, parecem cada vez mais confusas. A obra de arte é um meio através do qual o homem revela sua percepção do tempo e do espaço. Essa busca se faz através de uma síntese temporal que implica a percepção do presente, a memória do passado e a antecipação do futuro.”

Marco Gianotti em Breve História da Pintura Contemporânea

segunda-feira, 23 de julho de 2012

PAUSA PARA LITERATURA

 
Começaram a surgir, nos embalos da Festa Literária de Paraty (FLIP), uma série de eventos promovidos por editoras e livrarias em outras cidades do país. São lançamentos de livros, debates, sessões de autógrafo etc. Acho ótimo, é sinal de que a ideia surtiu efeito e está se proliferando. Mas tem uma coisa que torna a FLIP incomparável a qualquer outro evento de literatura no Brasil e no mundo, algo impossível de substituir, que aparece discretamente representado na sigla pela letra P: a cidade de Paraty.

Este ano, a festa completou 10 anos. Li uma matéria publicada no último 4 de julho, dia da abertura oficial, em que diversos críticos e jornalistas discutiam seu futuro, listando prós e contras, sugerindo novos caminhos. É fato que se encontrou uma fórmula de sucesso. Seria a hora de mudar para não sucumbir à mesmice?

Chegaram a sugerir que a FLIP fosse transferida para uma cidade maior, já que Paraty mal comporta o contingente de visitantes. Sabe, eu aceitaria várias mudanças numa boa, sou a favor de experimentar. Mas jamais trocaria aquele local. Porque, para mim, Paraty traduz perfeitamente a essência da literatura, que é viver outra vida em outro mundo.

Quem participou alguma vez da FLIP entende o que estou dizendo. Tentarei explicar, em poucas palavras, para quem nunca foi.


A festa começa sempre numa noite de quarta-feira, com solenidades e show de abertura. Até esse momento, já li a programação inteira, acompanhei as notícias no site, comprei ingressos para uma ou outra mesa, enfim, estou ansioso. Quando soam as primeiras notas no palco, ainda estou em São Paulo, trabalhando. Chegarei a Paraty apenas no sábado, quando muita coisa já aconteceu. Infelizmente, é o máximo que posso fazer.

Tudo bem, não tem problema, entro no carro e parto cedinho. A estrada oferece paisagens maravilhosas. O frio vai ficando para trás, o sol do Rio de Janeiro começa a dar as caras, sei que estou perto.

Este ano, havia obras na estrada. Trânsito parado, sensação de que não vai dar tempo. Até aqui? Ai, ai...

Chego em cima da hora, estaciono onde dá e aperto o passo para alcançar a tenda onde ocorrem os debates. Então, acontece. Sou dominado pela magia que só a cidade de Paraty tem. Ao pisar nas ruas do centro histórico, pavimentadas com aquelas pedras enormes e irregulares, as casinhas pintadas de branco, os batentes coloridos, um monte de gente papeando com alegria no rosto e sacolas na mão... a realidade se transforma. É a tal essência literária de que falei. Sou imediatamente transportado para outro mundo. Diminuo a velocidade, respiro fundo, sinto cheiro de praia e livro no ar. Cedo à ficção.

O tempo se espreguiça em Paraty. Vira página por página, vagueia sem compromisso pelas linhas. Conheço a cidade desde criança, mas ainda me perco em suas ruas. Elas foram feitas para isso. É fabuloso.


Assisto aos debates, que têm sempre um tom gostoso de informalidade. Os autores falam de seus livros, do método de escrita, do que têm lido ultimamente. Falam também da gozada – e perigosa – experiência de beber caipirinha e depois sair para um passeio. Invariavelmente alguém se perde. Ou acaba virando o pé, perdendo o chinelo e caindo de bunda. Ouvi isso da boca de diversos estrangeiros.

Diz a lenda que a cachaça é que dá o molejo para pular de pedra em pedra sem se machucar. Pode ser verdade, não faltam cachaçarias por ali. Ainda assim, prefiro deitar os olhos no chão.

A plateia faz perguntas e, terminado o bate-papo, saio à caça de um lugar para almoçar. Tem sempre um restaurante charmoso à espera. Aproveito para dar uma volta, ver as crianças brincarem com os livros que pendem das árvores, na praça, e com os bonecões feitos com papel machê, inspirados em faz-de-conta.

Depois do almoço, a sobremesa vem trotando pelas ruas em carrinhos de doces típicos. Pé-de-moleque, quebra-queixo, cocada, bolo de mandioca. Bate um sono danado. E também uma vontade de pertencer ainda mais àquilo tudo, de ficar ali para sempre.


Tem muito mais na FLIP. Lojas, estandes de editoras, shows, bares animados, cafés, saraus, artistas de rua... Programação para todas as idades. O que eu mais gosto, no entanto, é deixar o mundo real durante algumas horas para participar daquela fantasia coletiva, em que as pessoas se divertem em torno de um bem comum: o amor à literatura.

Assim que voltei para casa, li um artigo em que Liz Calder, criadora do evento, se dizia muito satisfeita e que não pretende fazer mudanças drásticas. Para ela, a FLIP atingiu o tamanho certo, não precisa crescer mais. O que precisa haver é outras festas similares no Brasil.

Reconheço o esforço de quem lê em tempos de internet, TV, congestionamentos e horas extras. Quem contraria a falta de paciência, a ansiedade por informação, o conhecimento objetivo, a velocidade acelerada do mundo real. A ficção tem seu próprio tempo, assim como Paraty. Também como Paraty, ela exige que você se deixe envolver, que entre no ritmo. Caso contrário, você tropeça e cai de volta na banalidade do dia a dia.

terça-feira, 3 de julho de 2012

AQUECIMENTO FLIP 2012: PENSAMENTO

“Dizem as estatísticas que as editoras [brasileiras] produziram em 2010 23% mais livros que em 2009. Mas a perplexidade continua: tirante os best-sellers, que têm uma dinâmica específica, as edições dos livros ‘normais’ continuam em torno de 2 mil a 3 mil exemplares. Se lembrarmos que quando o país tinha 30 milhões de habitantes (lá por 1920) as edições eram de 500 exemplares, veremos que há algo errado no nosso ‘progresso’. Naquele tempo cerca de 60% da população eram de analfabetos, hoje se diz que são 9%. Façam a conta com os quase 200 milhões de habitantes hoje. Portanto, há algo errado não apenas com a produção de livros mas com a ‘produção’ de leitores.”

O leitor, onde está o leitor?, de Affonso Romano de Sant’Anna, Jornal Rascunho, ed. 140, dezembro de 2011.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

quinta-feira, 21 de junho de 2012

VERGONHAS À MOSTRA


Um homem para no meio da rua, olha para cima, aperta os olhos contra o céu. Outro chega perto, fica olhando também, perguntando-se se é possível. Ele já tinha ouvido histórias assim, e agora uma delas acontece bem na sua frente. Dali a pouco, uma mulher grita: Pula não! Pronto, era o que faltava para a balbúrdia começar. Pula não, homem!, imploram uns. Pula sim, aconselha outro, porque sempre tem um espírito de porco no meio. Chamam os bombeiros, é a maior confusão. Por fim, o suicida fica lá, parado como estátua. Pelo simples fato de que é uma estátua mesmo, colocada no beiral do edifício pelo artista inglês Antony Gormley.

Várias estátuas, na verdade, espalhadas pela cidade de São Paulo, a maioria delas no alto dos prédios. Suas silhuetas observam os passantes formigarem com indiferença pelas ruas. Elas compõem a exposição Corpos Presentes, em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil.

Quando percebe a farsa, a multidão se dispersa. A nova realidade já não tem tanta urgência. Brincadeira sem graça! Cada pessoa segue seu rumo. Mas há quem vire para dar uma última conferida. Para ter certeza. Porque nunca se sabe, né?

Por sua vez, quem adentra o CCBB se depara com diversos outros homens peladões, feitos de ferro fundido, pesando cerca de 630 quilos cada. Estão caídos no chão, amontoados no saguão, pendurados de cabeça para baixo por cabos de aço que descem do andar superior.

As crianças fazem a festa, imitando as posições retorcidas das estátuas, sem preconceitos com a arte, sem grandes expectativas para frustrar. Os adultos também participam, claro, tirando fotos, relutando e fazendo piada. A mostra provoca a imaginação. Porém, quando se descobre que as estátuas são cópias moldadas diretamente no corpo do artista, há quem o julgue um pervertido. Precisa mostrar tudinho assim?

(Porque uma deusa grega pode, mas o inglês contemporâneo não.)

Já devo ter escrito meia dúzia de vezes no Correio Popular sobre o complicado embate entre realidade e ficção. Porque a ficção é algo bem próprio da arte. Antes, porém, está infiltrada em nosso cotidiano de maneira tão profunda que sequer a percebemos. Sim, toda verdade não passa de uma ficção bem apresentada, na qual a gente escolhe acreditar.

Não tem nada a ver com mentira. A ficção não possui o mesmo teor pejorativo, tampouco se opõe à ideia de verdade. "Em vez de falsificar, ela alarga e potencializa o mundo. Em vez de mentir, ela inventa novas maneiras de dizer as coisas do real", escreveu José Castello no jornal literário Rascunho. É verdade, nós ficcionamos o tempo todo. Quando contamos aos amigos uma peripécia de adolescente, quando damos um parecer na reunião da empresa, quando ensinamos nossos filhos que é errado colar na prova. Trata-se de uma característica inerente ao ser humano, simplesmente um registro distinto de compreensão do mundo. Tanto que, para o filósofo Jacques Rancière, a realidade precisa ser ficcionada para ser compreendida. É por causa disso que a arte, em geral, consegue lidar com questões fundamentais da nossa existência sem recorrer à tarja preta ou aos grupos de controle. Um romance, uma música ou uma escultura possibilitam descobertas tão ricas quando qualquer experimento científico. Talvez até mais.

Só que, às vezes, somos muito racionais para perceber a infinita ironia da ficção. Queremos a verdade incontestável, tintim por tintim, sem digressões, como se isso fosse possível. É só ela que aceitamos. Juro, temos necessidade de significado imediato, racional, explicado, comprovado e justificado. Números! Pesquisas! As emoções não valem nada quando comparadas à lógica esclarecida. Assim, o mundo passa despercebido por nossos sentidos.

No texto anterior, falei sobre o artista Hervé Fischer que, vestido de farmacêutico, conversava com transeuntes numa praça de São Paulo e receitava pílulas para todo tipo de problema, por mais absurdo que fosse. Pílulas para obter um bom emprego, para aprender a dançar, para reaparecer cabelo na careca. Eram bolinhas de isopor, embaladas num saquinho plástico e etiquetadas com a frase "A vida está nas pílulas!" Só que muita gente acreditou. Foi difícil, Hervé precisou explicar que era apenas uma provocação artística, com objetivo de fazer o sujeito refletir sobre os próprios problemas e buscar uma solução. Porque a realidade deve ser ficcionada para ser compreendida.

Ainda assim, tenho certeza de que alguns acabaram tomando as bolinhas de isopor. Nunca se sabe, né? Talvez até arranjaram emprego, aprenderam a dançar e recuperaram o cabelo. Eu acredito. É o tal efeito placebo, que, para desespero dos médicos, às vezes cura desenganados. Porque a ficção age misteriosamente dentro de nós, nesse corpo tão incrível e desconhecido que acabamos considerando indecente; que banalizamos e rechaçamos por receio de lidar com a realidade nua e crua.

Aqui tem um making of interessante da mostra, para quem não pode vê-la pessoalmente:

Paradoxo que ouvi por aí: "É uma história verídica, apesar do alto grau de emoção."

terça-feira, 12 de junho de 2012

"A ficção não é sinônimo de mentira, de falsificação, de fraude. Em vez de falsificar, ela alarga e potencializa o mundo. Em vez de mentir, ela inventa novas maneiras de dizer as coisas do real."

Ficção e Realidade, de José Castello
(publicado no Jornal Rascunho nº 141, de janeiro de 2012)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

“E mesmo que em nossa história, num desenrolar mais otimista, Machado de Assis tivesse dado uma resposta concreta ao nosso leitor, sim Capitu traiu, ou não, Capitu não traiu, o caso é que isso não daria ao livro uma leitura correta ou uma interpretação inquestionável. Seria apenas mais uma opinião, uma opinião importante, a do autor, mas não a única, nem a definitiva. Isso porque, no processo da escrita, o escritor nunca tem controle total do resultado, há sempre algo que lhe escapa, algo que ele diz e não sabe que diz, algo que não depende dele, mas de quem lê. Por isso um livro pode ter inúmeras leituras, muitas até contraditórias, por isso um clássico é lido de formas diferentes dependendo da época, do idioma, da cultura. Por isso, no caso de um bom livro, a obra é sempre melhor do que seu autor, que é cheio de defeitos e dúvidas e mesquinharias. Ou, como dizem, o poema vale mais do que o poeta.”

A esfinge diante do próprio enigma,
Carola Saavedra, no jornal Rascunho (março de 2012).

terça-feira, 29 de maio de 2012

ALGO A DECLARAR?

 A gente se olha no espelho e, por mais contorcionismo que faça, não consegue enxergar certas partes do próprio corpo. São as partes que somente os outros podem ver. Tem também a questão psicológica: cada pessoa se supõe assim, só que os outros a veem assado. Caso consiga vencer a pretensão, o egoísmo e as verdades individuais, essa pessoa provavelmente se dará conta de que seus semelhantes têm razão. Uns se acham legais, mas são malas sem alça. Outros se acham prestativos, porém os amigos os consideram invasivos. E assim por diante. É a sina que carregamos: ser, no mínimo, duas pessoas diferentes, muitas vezes excludentes. Difícil é reconhecer o lado obscuro. Mais difícil ainda é conseguir mudá-lo.

O desconforto de ser friamente descrito por alguém pode ser também bastante revelador. Vivenciei situação semelhante há poucas semanas, nos seminários que o artista francês Hervé Fischer ofereceu no Museu de Arte Contemporânea da USP. Sua estratégia foi perspicaz: fez uma análise cultural e sociológica do Brasil, colocando a plateia em conflito consigo mesma. Com propriedade, ele apontou aquilo que nosso espelho não revela – ou que preferimos ignorar. Mostrou um país cujo tempo social é orientado para o futuro – o que seria ótimo, caso não fosse sintoma da nossa falta de opção. Porque, segundo Hervé, os mitos fundadores do povo brasileiro são frágeis demais para sustentar sua vontade construtiva.

Faz sentido. A Argentina, por exemplo, tem como herói nacional o general San Martín, o libertador. Não existe uma única cidade por lá que não possua uma praça com esse nome. San Martín é representado com imponência sobre um cavalo alto, com a espada em riste, lembrando a quem passa por ali que os argentinos são herdeiros de imensa bravura e patriotismo. Um sentimento tão vivo que quase podemos tocá-lo.

O brasileiro se apoia em quê? Na corrupta corte portuguesa, no índio preguiçoso, no negro subjugado, na natureza e no Pelé. Uau. Não houve uma grande revolta, uma grande conquista, grandes feitos do povo. Parece que tudo veio fácil demais.

Não me refiro ao que aconteceu de fato, mas à maneira como tudo entrou para a história – ou como nós compreendemos essa história. Já tentaram levantar o moral de Tiradentes, não deu em nada. O recente filme Xingu, de Cao Hamburger, também serve de termômetro: apesar da produção encantadora, obteve bilheteria medíocre. Porque ninguém quer ver história de índio, principalmente quando meia dúzia de super-heróis fantasiados tenta salvar o planeta das forças do mal.

Ao falar de heroísmo brasileiro, lembro da pintura belíssima de Pedro Américo, em que Dom Pedro I proclama nossa independência às margens do riacho Ipiranga. Uma falácia que ninguém comprou. Pois há sempre quem levante a mão para dizer que não foi bem assim, o imperador estava montado numa mula e precisava correr para o mato a cada cinco minutos por causa de uma diarreia comprometedora. Sim, ele rejeitou o trono português almejando outro mais apropriado às suas necessidades imediatas.

Enfim, são mitos, ou seja, histórias que antecedem o presente e nas quais deveríamos nos inspirar. O povo brasileiro não sabe o que é isso – ou não procura saber. Por falta de opção, se coloca como arauto do futuro.

A análise de Hervé Fischer parece uma afronta. Afinal, quem esse francês pensa que é para vir aqui nos esnobar?

Sua proposta foi, aos poucos, ficando evidente: provocar para gerar debate e, com sorte, alguma consciência sobre nossa situação atual. São os princípios da sua "escola interrogativa", nascida do extinto Coletivo de Arte Sociológica. Os seminários de Hervé, mais do que palavrórios, são experimentos artísticos – uma prática com caráter sócio-pedagógico.

 Não é a primeira vez de Hervé no Brasil. Na década de 1970, em meio à ditadura militar, ele já havia realizado um ciclo de conferências no mesmo MAC/USP, além de uma performance na Praça da República, em São Paulo, chamada Farmácia Fischer e Cia. A tal performance já mostrava, quase 40 anos atrás, a natureza da sua arte: vestido de farmacêutico, com uma barraquinha armada num dos locais mais movimentados do país, o artista conversava com os passantes, ouvia seus males e receitava pílulas metafóricas de tomada de consciência. Pílulas para aturar o vizinho, para alimentar esperança, para obter sucesso profissional, para arranjar marido, para o Corinthians vencer a Libertadores etc. A farmácia acabou fechada pela polícia, como toda manifestação dita subversiva.

Nos seminários recentes, pude perceber que aquele propósito continua a guiar seu trabalho. Hervé elabora questões para as pessoas refletirem sobre a própria situação e buscar melhorias.

Num livro de 1981, ele escreveu: "Há cada vez menos sentido em transformar o mundo. O que há de novo é questioná-lo". Certo, tudo nos leva a crer que o Brasil é o país do futuro. Pois a única coisa que Hervé Fischer fez foi perguntar: por quê? O que nos incomoda, talvez, não seja a ousadia da questão, mas a percepção de como a nossa resposta é frágil.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

"Nosso trabalho é sobre contaminação: quanto mais o mundo nos contamina, mais queremos contaminar o mundo."

Fernando e Humberto Campana