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quarta-feira, 26 de agosto de 2009


Cascatinha da Tijuca
(1816-1821), de Nicolas-Antoine Taunay

“Meu ponto de vista é para mim muito menos uma limitação de minha experiência do que uma maneira de me introduzir no mundo inteiro.” C. G. Jung

domingo, 23 de agosto de 2009

A VERDADEIRA HISTÓRIA FALSIFICADA DE BUDA


Buda, de Osamu Tezuka

Ao final do décimo quarto volume de Buda, “novela em formato de história em quadrinhos”, como o próprio autor Osamu Tezuka a denomina, descobri que tudo o que li era pura ficção e isso me decepcionou um pouco, inicialmente. Eu acreditava ler uma biografia séria, baseada em pesquisas e textos sagrados, o mais próximo possível da realidade. Só no posfácio o autor explicou que praticamente tudo ali surgiu de sua cabeça, inclusive personagens, paisagens e acontecimentos. Consciente das possíveis críticas que receberia nesse sentido, ele nos recomenda que a história seja lida como mais uma das ficções científicas que o fizeram famoso, em especial Astro Boy e Black Jack.

Pensei um pouco no assunto e cheguei à conclusão de que o importante é que a obra de Tezuka emociona. Em mais de uma passagem, as lágrimas me vieram aos olhos e os pensamentos à razão. Buda não é uma história gratuita, alienada. Ela propõe ao leitor uma nova relação com o mundo. Podemos encontrar, na jornada do príncipe Siddhartha pelas regiões mais peculiares da Índia antiga, a luz que muitas vezes nos falta no dia-a-dia. Não se trata de uma mensagem unicamente religiosa. Como o monge diz a seus discípulos, são ensinamentos, coisas que se aprende e se passa adiante, e que detêm a ousada missão de nos explicar os mistérios da vida.

Isso é ficção? Sim, obviamente, assim como tudo o que pertence ao passado. A vida é apenas um instante, é apenas o agora. O resto são lembranças que guardamos e recontamos como bem entendemos, estão sempre sujeitas ao nosso ponto de vista. Ou à criatividade, como no caso da HQ de Tezuka. A bíblia é ficção, o alcorão idem. Uma biografia de Buda, mesmo que se pautasse em pesquisas históricas, científicas e portanto “sérias”, também não passaria de mera ficção. Uma ficção que todos decidimos aceitar como verdade, tudo bem, e que não deixaria de sê-lo, aliás. Como disse anteriormente, o importante é que o Buda de Osamu Tezuka emociona. E isso basta.

sábado, 22 de agosto de 2009

SANDMAN


Sandman, de Dave Mckean (personagem criado por Neil Gaiman)

Era como se tivesse areia nos olhos, e aquilo ardia, e por mais que esfregasse, não conseguia acordar. Era o pesadelo da vida a perturbar minha paz interior.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

ARGENTINA HOY



Os brasileiros têm finalmente a oportunidade de conhecer um pouco da produção artística contemporânea de seus vizinhos argentinos. Falo da mostra Argentina Hoy, uma realização do Banco do Brasil que reúne 32 artistas e obras das mais variadas linguagens, tais como pinturas, esculturas, intervenções, fotografias, vídeos e instalações, entre outras.

Como lembra o curador Franklin Espath Pedroso, a história da arte brasileira e argentina se cruzam em diversos momentos. Por exemplo, “segundo o crítico de arte Mário Pedrosa, quem primeiro falou em concretismo no Brasil foi o argentino Romero Brest que, vindo da Suíça com destino ao país natal, passou pelo Brasil e proferiu palestras no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1948”.

Este diálogo entre os países existe ainda hoje, em maior ou menor grau, devido não exatamente à proximidade geográfica, mas às suas características histórico-culturais. Em alguns trabalhos, como nas fotos de Leonel Luna e na pintura com pólvora de Tomás Espina, isso fica menos evidente, uma vez que a temática está relacionada com acontecimentos sociais específicos de lá. Em outros, porém, a crítica é tipicamente brasileira, como na animação de Estanislao Florido, em que um catador de papéis é obrigado a superar as diversas dificuldades do jogo da vida, se quiser chegar vivo no final.


A conquista do deserto II (2002), de Leonel Luna

Há também quem discuta assuntos universais, como pode ser visto na ótima montagem fotográfica de Nicola Constantino, intitulada A ceia. Trata-se do antes e depois de um banquete em que homens devoram a si mesmos e que, parodiando a história bíblica, não traz os adjetivos “santo” e nem tampouco “último”, pois é indiscutivelmente profano e tende a se repetir enquanto houver pessoa a ser devorada. Em outras palavras, a obra é um retrato metafórico da canibalismo que presenciamos cotidianamente em qualquer lugar do mundo, não importando a cultura ou a classe social.


A ceia (2008), de Nicola Constantino

Leandro Erlich segue por caminho semelhante com a instalação O vizinho. Ali, somos convidados a espiar a vida alheia, trancafiada entre as quatro paredes de uma casa. Através das janelas, não vemos nada além do que o reflexo de nós mesmos, enquanto a parte observada se incomoda e protesta: “O que você está olhando? O que quer aqui?”

Silvia Rivas, por sua vez, faz uma bonita comparação entre o correr das águas de um rio e o correr dos homens, onde um segue a favor do tempo e o outro contra ele. Difícil não relacionar a obra com nossas próprias vidas e refletir. Afinal, aonde ambos chegarão?


Transcurso e urgência – série Notas sobre o tempo (2000), de Silvia Rivas

A exposição fica em cartaz no CCBB de São Paulo até o fim de agosto, quando ruma para o Rio de Janeiro. Corri contra o tempo para recomendá-la a todos. Espero que gostem.


Argentina Hoy
De 6 de junho a 30 de agosto no CCBB de São Paulo
De 14 de setembro a 22 de novembro no CCBB do Rio de Janeiro
Curadoria: Franklin E. Pedroso e Adriana Rosenberg
Grátis!

Ps.: Assista a uma versão do vídeo de Silvia Rivas citado acima clicando aqui (http://silviarivas.com/) e acessando a série Notas sobre o tempo.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

RETALHOS (E COLAGENS)



O futuro pode até parecer linear, com um novo dia se iniciando insistentemente na sequência do anterior, mas o passado é sempre uma colcha de retalhos. O desenhista e escritor Craig Thompson relembra suas vivências dessa maneira, misturando umas às outras, deixando com que se influenciem e se complementem para se transformarem em algo maior, com novos significados, assim como acontece num trabalho de colagem. O resultado é a ótima história em quadrinhos intitulada Retalhos, que a editora Companhia das Letras lançou em maio deste ano, inaugurando o selo Quadrinhos na Cia.

Ao longo de quase seiscentas páginas, o autor revisita momentos cruciais de seu passado, em especial a infância, vivida ao lado de seu irmão mais novo, e a adolescência, quando a descoberta do amor o leva a redescobrir a si mesmo e o mundo ao seu redor.


Retalhos, de Craig Thompson, página 43

Apesar de Craig não ser o único com dificuldades de crescer em uma família pobre e beata do interior americano, sua companhia mais fiel é a solidão. Dela brotam os devaneios que o libertam da dura realidade, da qual ele é refém e que se mostra na escassez de amigos, nas surras constantes na escola e na religiosidade cega dos pais.


Retalhos, de Craig Thompson, página 93

A história é contada com delicadeza excepcional. Texto e imagem se unem para narrar a uma só voz o estado de espírito dos personagens – a voz da confidência. Penetramos seus pensamentos através de cenas oníricas e cheias de movimento, que às vezes são simples e por isso retratadas com traços leves, econômicos e precisos. Às vezes, são trágicas e trazem pinceladas praticamente expressionistas. Em ambos os casos, no entanto, o entorno sufoca. Tem um movimento vertiginoso quando as coisas vão bem e é denso, pesado ou mesmo assombroso quando as coisas vão mal. O mesmo recurso vale para ilustrar a angústia com que Craig vê o mundo: enquanto seus afetos são retratados com sutileza, as crises são desenhadas grosseiramente, com pouca tinta, o pincel arranhando o papel e criando uma textura agressiva. Ao utilizar tais oscilações de humor, Craig mostra que seus personagens têm alma e nos convida a afundar nelas. Em poucas páginas, já estamos junto deles, sentindo com seus sentidos, vivenciando uma experiência encantadora.



Fun Home, uma tragicomédia em família, de Alison Bechdel

Enquanto ele se recorda do passado, nós o presenciamos. Em muitos aspectos, seus relatos se assemelham aos de Fun Home, excelente autobiografia em quadrinhos de Alison Bechdel, principalmente em relação ao enredo – o problema de crescer em meio a uma infinidade de outros problemas, entre os quais estão a própria família e os amigos. Há também a forma não-linear de relembrar o passado, indo e voltando, produzindo flashes de acontecimentos que se apresentam consecutivamente, amalgamados em um único momento: o livro. Cenas esparsas que nos fazem pensar nossas próprias vidas e imaginá-las como uma série de retalhos costurados em forma de colcha, essa coisa artesanal, tão íntima e pessoal.

Colocado desta maneira, a metáfora de Craig se mostra mais do que pertinente – é também muito mais interessante.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A CURA PELA ARTE


Quadrado branco sobre fundo branco (1918), de Kazimir Malevich

De um tempo para cá, a arte tem revelado possibilidades cada vez mais interessantes, que vão de descobertas históricas a trabalhos educativos em prol de comunidades carentes. Todas elas, no entanto, têm algo em comum, uma espécie de propriedade curativa que age diretamente sobre os males da humanidade, sejam eles de cunho pessoal ou social. Seus princípios ativos têm eficácia reconhecida desde a antiguidade, tais como concentração, reflexão e autoconhecimento, entre tantos outros. Grandes mestres utilizaram a arte para vencer vícios, superar traumas ou suportar angústias. Van Gogh foi um deles. Encontrou na arte um caminho para conhecer melhor a si próprio e a natureza ao seu redor, liberando a cada pincelada conflitos interiores e emoções reprimidas, numa atitude que mais tarde ficaria conhecida como “expressionismo”.

Se a arte sempre teve este poder, faz pouco tempo, no entanto, que temos consciência dele. E que sabemos explicá-lo de modo mais científico e menos intuitivo. Principalmente se considerarmos que a arte nasceu junto com o homem, lá na época em que descemos das árvores. Pois foi só em uma conferência de 1909 que Freud deu as primeiras indicações daquilo que hoje chamamos de arte-terapia, dizendo que a criação artística tem capacidade de transformar fantasias e reatar nossas ligações com a realidade, minimizando sintomas de neurose. Eram os princípios da psicanálise e também deste remédio inovador que muitos terapeutas têm receitado atualmente para quem chega bufando ao divã.

Pois é, arte cura estresse. Um colega de trabalho, Paulo Vilchez, testou e aprovou. Ele andava meio tenso quando descobriu esta alternativa e obteve um resultado tão positivo que levou a prática adiante, comercializando as obras nascidas daí. Sua tensão agora pode ser vista pendurada em paredes, emoldurada e transmudada em traços e cores. Muito bacana.

Aposto que alguns estão pensando: “Mas eu não tenho a menor aptidão para pintar, ficaria mais angustiado/angustiada ainda”, ao que eu respondo: “Por isso não, tente outras formas de arte”. Vá dançar, é ótimo para melhorar a coordenação motora e aumentar a autoestima. Faça um curso de teatro e perca a timidez. Escreva, nem que seja um diário simples. Poucas linhas por dia obrigarão você a reservar um tempo para refletir sobre a própria vida e a superar fases ruins com mais facilidade. Aprenda a cantar ou a tocar um instrumento. A música amplia horizontes e eleva qualquer pessoa a outro nível de sensibilidade. Fotografe tudo que despertar seu interesse, separe as favoritas e mostre aos amigos. Leia. Deixe as letras guiarem seus pensamentos por realidades distantes.

Quem soube trabalhar maravilhosamente bem esta relação entre arte e cura foi a doutora Nise da Silveira, pioneira no tratamento de esquizofrênicos por meio de terapias artísticas e referência mundial no assunto. Sua biografia é interessantíssima. Ela nadou sozinha contra uma corrente psiquiátrica que administrava choques elétricos e de insulina, mutilava cérebros doentes com lobotomias e atirava pacientes em hospitais tão precários que mais pareciam depósitos de loucos. Isso porque acreditava em um tratamento mais humano. Assim, Nise selou parcerias com artistas plásticos, foi responsável pela criação e administração de órgãos importantes – tais como a Seção de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, o Museu de Imagens do Inconsciente e a Casa das Palmeiras – e descobriu grandes talentos reprimidos em pessoas excluídas da sociedade, curando algumas e recuperando a humanidade de outras. Resumindo, ela mostrou que a arte pode significar a cura para nossas doenças, apresentando uma espécie de salvação para homens e mulheres que vivem perdidos em seus mundinhos pessoais, preocupados com batalhar e vencer acima de qualquer coisa. Graças à sensibilidade, inteligência e força de vontade da doutora Nise, hoje sabemos a diferença que a arte pode fazer em nossas vidas.

Eu arriscaria dizer, inclusive, que sem arte a humanidade não encontraria bases de sustentação para seus sentimentos e desmoronaria em escombros de conflitos mal-resolvidos. Se a vida está difícil agora, sinto ser eu a informar que não há previsão de grandes mudanças nos próximos tempos. As dificuldades sempre existirão e talvez seja daí que venha a vontade de continuar vivendo. É mais ou menos o que Freud pensava do gênio Leonardo Da Vinci, dizendo que o que o interessava num quadro era, acima de tudo, um problema. E poucos conheceram os segredos da vida como Leonardo. Então, ao invés de desperdiçar energia com estresse, por que não fazer como ele, colocando-a na arte e buscando, através dela, a cura?


Obs.: Esta crônica é fruto das recentes pesquisas que tenho realizado a respeito de psicanálise e arte-terapia. Cito o trabalho de um colega, Paulo Vilchez, que pode ser visto com mais detalhes aqui: www.quadrospaulo.blogspot.com. Também comento alguma coisa sobre a vida da doutora Nise da Silveira. Quem se interessar e quiser saber mais, sugiro que leia a breve biografia escrita por Ferreira Gullar, chamada: Nise da Silveira, uma psiquiatra rebelde (Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Prefeitura, 1996).

terça-feira, 11 de agosto de 2009



“No pátio onde nos reunimos à tarde para conversar, fiquei conhecendo ontem um senhor muito idoso e muito educado, que se diz representante do Imperador da Rússia, embora não saiba uma só palavra em russo, segundo pude constatar. Falamos sobre assuntos diversos, conforme manda a boa diplomacia, e no fim concluímos que ambos gostamos imensamente de sorvete, sobretudo de sorvete de frutas, o que nos deixou profundamente satisfeitos pela feliz coincidência.”

Trecho de A Lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho (1956).

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

OBRIGADO POR NÃO FUMAR


Caveira com cigarro aceso, de Van Gogh, 1885(?)

Sábado passado, saí com alguns amigos para comemorar o aniversário de minha irmã. Fomos a um bar que cheirava a perfume de mulher. Pois é, sem aquela fuafa de tabaco queimado, o bar tinha cheiro de vida. Os fumantes que me perdoem, mas estamos muito melhor sem o vício de vocês, obrigado. Lembrei-me imediatamente do aniversário de minha namorada, três meses atrás, quando fomos obrigados a deixar o lugar por causa das janelas fechadas. Fazia muito frrrio, então não deixavam o ar puro entrar*. Fumaça sim, pode, mas ar frio não, faz mal para a saúde, sabe?, vai que todo mundo se resfria… Me poupem! Fomos sufocados pela irresponsabilidade dos fumantes durante muito tempo. É hora de virar o jogo!

*Obviamente que o ar de São Paulo não pode ser classificado como “puro”, até porque fuligem de automóvel é o que menos nos falta. Mas tudo bem, acabemos agora com o cigarro público. Depois passamos aos carros. Afinal, para chegarmos a algum lugar, nada melhor do que dar um passo de cada vez. E aproveitar a paisagem durante o percurso.

Dica para quem ainda não tem opinião sobre o assunto (assista ao trailer): http://www.fumandoespero.com.br/

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

BOBBY MCFERRIN TOCA A PLATEIA, LITERALMENTE

Acabo de ver um vídeo muito legal, em que o músico Bobby McFerrin mostra o poder da escala pentatônica para a plateia de um congresso de ciência. Mas ele não mostra somente isso. Trata-se da capacidade de aprendizado da mente e da facilidade que as pessoas têm para criar coisas juntas.

Para começar, todas subentendem a escala musical sem que ele precise ensinar mais do que duas notas. Depois, basta soltarem a voz para compor em uma só sintonia.

Certa vez, a Marisa Monte fez uma brincadeira parecida num show. E, para incentivar todos a participarem, disse uma coisa muito bonita: quando todos cantam juntos, não há desafinação. A união vibra em harmonia.

Este vídeo deixa isso muito claro. Imagine então que, se todos podem cantar juntos, que outras coisas maravilhosas não poderiam fazer também.


Para saber mais sobre Bobby McFerrin: http://www.bobbymcferrin.com

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

FRANCISCO B.

Eu gostaria que o nome Chico Buarque não significasse nada. Não que eu tenha algo contra ele, não é nada pessoal nem profissional. Meu problema é unicamente com o que representa. Quer dizer, hoje em dia, é impossível falar de sua obra sem que se associe a ela os milhares de preconceitos que fomos desenvolvendo ao longo do tempo. Podem ser preconceitos positivos ou negativos – você pode gostar ou não do Chico –, mas haverá alguma opinião sobre ele, e esta opinião vai influenciar tudo o que eu disser.

Ainda assim, insisto. Pois muito me surpreendeu que Budapeste tenha sido exibido em tão poucas salas de cinema. Tive que me empenhar bastante para ver. Puxa, o filme tinha tudo para ser um sucesso de bilheteria: foi baseado num best-seller do Chico, os protagonistas são atores famosos do porte de Leonardo Medeiros e Giovanna Antonelli, a produção é boa, o diretor Walter Carvalho tem um currículo exemplar e o enredo não trata nem de favela e nem de nordeste. Por que, então, ficou fadado a um circuito tão restrito?




Outro dia, um amigo estava revoltado com as pessoas que assistem a filmes alternativos e depois ficam falando mal dos blockbusters. Segundo ele, isso é coisa de quem quer bancar o intelectual. Mas o pior é que não tem jeito, é difícil fugir dessa discrepância. Quem busca filmes mais autorais, mais “artísticos”, mais experimentais ou simplesmente alguma coisa que faça pensar, para variar, provavelmente vai cair nos chamados cinemas “cult”. Budapeste seguiu por este caminho. E o resultado é maravilhoso, tem um toque ao mesmo tempo intenso e delicado que raramente se vê em grandes produções nacionais.

Para ter uma ideia de como ele nos atinge, quando as luzes do cinema se acenderam e os créditos começaram a subir na tela, olhei ao meu redor e estranhei o fato de que ninguém se levantou para atropelar os outros nas escadas enquanto desvia dos baldes de pipoca largados no chão e tenta ligar o celular. Não, ficaram todos sentados em seus lugares e me fizeram achar que teria outro filme na sequência. Foi quando percebi que estavam – pasmem! – discutindo o que tinham acabado de presenciar. Eu, que já estava contente por ter assistido a um filme sem ter ninguém matraqueando na orelha, achei aquele debate uma coisa de outro mundo. Pena que as redes mais populares de cinema deixaram esta grande obra de lado.

O filme fala justamente das incongruências entre o valor de uma obra e o reconhecimento de quem a criou. Li o livro quando foi lançado, há alguns anos, mas já nem lembrava mais do que acontecia, até porque a narrativa é o que menos importa. Bacana são as reflexões sobre autoria. Por exemplo, a obra pode existir sem seu criador? Em ordem de importância, qual deve vir primeiro? Quanto um influencia a apreensão do outro?



É a tal história do nome Chico Buarque. Quando se fala em Budapeste, o que vem em seguida? “Baseado na obra de Chico Buarque”. Supostamente, este nome deveria vender bilhetes a rodo. Não aconteceu com o filme, mas aconteceu com o livro Leite Derramado, seu romance mais recente. Quando se fala do livro, o que vem em seguida? “O novo romance de Chico Buarque”. Deve ser bom, né?



Sinceramente, eu li e não gostei. Enquanto o anterior, Budapeste, me deixou fascinado tanto pelas reflexões quanto pela engenhosidade com que foi construído, Leite Derramado foi difícil de terminar. Tive a impressão de que o Chico pegou uma fórmula corrente – do velho que, já meio biruta, começa a filosofar sobre a própria vida – para criticar a história do Brasil de um jeito confuso, cansativo, que mais complica do que explica. Claro que existem boas passagens, tais como esta breve referência ao ciúme: “Com o tempo, aprendi que o ciúme é um sentimento para proclamar de peito aberto, no instante mesmo de sua origem. Porque ao nascer, ele é realmente um sentimento cortês, deve ser logo oferecido à mulher como uma rosa. Senão, no instante seguinte ele se fecha em repolho, e dentro dele todo o mal fermenta”. Só que, de resto, fica apenas o velho a recordar e recontar o passado à sua maneira, repetidamente, como o seguinte trecho parece querer justificar: “Se com a idade a gente dá para repetir casos antigos, palavra por palavra, não é por cansaço da alma, é por esmero. É para si próprio que um velho repete sempre a mesma história, como se assim tirasse cópias dela, para a hipótese de a história se extraviar”. E, depois de tanta repetição, o que sobra? A sensação de que comprei gato por lebre.

Admiro a ideia de que a história é apenas uma versão do passado na qual decidimos acreditar, assim como a pertinência na escolha do título do livro, só achei que ele não precisava ser tão maçante.

Talvez eu tenha lido com preconceito. Afinal, é um livro do Chico, eu esperava que ele me fascinasse tanto quanto Budapeste. Fiquei me perguntando se apenas eu tinha achado o mesmo. E o que me deixou mais decepcionado foi perceber que as críticas, matérias e entrevistas sobre o lançamento mal falavam da obra. Só falavam do Chico. Que só o Chico entende as mulheres, que foi um músico importante, que sua mesa na FLIP seria a mais concorrida etc., todas essas ladainhas que estamos cansados de ouvir. Mas ninguém comentava o livro. Afinal, é um romance do Chico, quem se atreve a dar opinião? E basta citar o autor para vender bem.

Posso estar enganado, afinal, isso não aconteceu com o filme. Só gostaria de poder me distanciar do Chico e admirar sua obra como a de um Francisco qualquer, sem preconceitos.

Provavelmente há muito mais riqueza ali do que o mero lugar-comum deixa perceber. Enquanto algumas coisas me diriam que o Chico é deus, muitas outras mostrariam que ele não passa de um homem comum, repleto de talentos e defeitos para a gente admirar.s madrugadas de bebida, mxcesso. devo ofundas que nunca mais me deixaram em paz.