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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

ALEIJÃO, DE EDUARDO STERZI



Na próxima terça, dia 3 de novembro, o escritor Eduardo Sterzi lança o livro ALEIJÃO no Espaço Parlapatões. Apareçam!

Espaço Parlapatões
Praça Franklin Roosevelt, 158
A partir das 19h.

domingo, 25 de outubro de 2009

PARADOXOS EM DOBRO



O universo onírico dos dois irmãos grafiteiros conhecidos como OSGEMEOS acaba de chegar ao Museu de Arte Brasileira da FAAP, em São Paulo. Trata-se da mostra Vertigem, que reúne obras antigas e inéditas, entre pinturas, esculturas e instalações. Mas a verdade é que nenhum destes termos se aplica com precisão àquelas criações. As pinturas têm um quê de muralistas, às vezes feitas sobre portas e janelas; não são telas propriamente ditas, como nos acostumamos a ver. O mesmo vale para as instalações, que lembram um estúdio cinematográfico, e para as esculturas, meio robóticas, tais como bonecos gigantes de um parque de diversões.

Sonho e imaginação são a matéria-prima destes artistas que misturam tão bem os contos de fadas com a roupagem popular do Brasil. A pobreza dos personagens trava um intenso conflito com a riqueza das cores e dos detalhes. É tudo muito bonito de se ver, ao mesmo tempo triste e belo. É agradável viajar por seus mundos tão distantes e, ao mesmo tempo, tão próximos de nós, da nossa realidade paradoxal.

Também fica no ar a seguinte pergunta: o que acontece com a arte de rua quando adentra o museu? O que será que ganha e o que perde com isso? Algumas poucas fotografias de grafites da cidade de São Paulo são deixadas como pistas para quem quiser arriscar um palpite.

O que percebemos de bate-pronto é que a interação com o público se transforma completamente. A arte de OSGEMEOS se distancia, faz-se “um outro” pendurada nas paredes do museu. Nem mesmo o aparato cênico desenvolvido pela FAAP consegue disfarçar essa distância. Ali, o grafite não pertence mais à cidade, aos moradores e aos passantes. Parece esquecer sua origem. Acaba sendo “elevado ao status de arte”, o que é muito bom por um lado e uma grande pena por outro. Ora, não deveria ser a mesma coisa, sendo assim ou sendo assada? Na prática, isso não procede. Mais um paradoxo entre tantos outros que OSGEMEOS nos propõem. Pura vertigem.




OSGEMEOS – VERTIGEM
De 25 de outubro a 13 de dezembro
MAB – FAAP/SP

terça-feira, 20 de outubro de 2009

ACERTE O TERRORISTA!


Sir Ian Blair

Em sua biografia, intitulada Policing Controversy, o ex-chefe da Scotland Yard elogia os dois policiais que assassinaram o brasileiro Jean Charles no metrô londrino, em 2005. Segundo ele, os dois deveriam ter recebido uma medalha cada, pois, se Jean fosse mesmo um homem-bomba, o trem teria explodido e milhares de pessoas estariam mortas.

Minha sugestão é que todos saiam atirando por aí. Quem sabe você não acerta um terrorista e ganha uma medalha?

A porta-voz da família do brasileiro, Yasmin Khan, acusou Blair de tentar reescrever a história.

Realmente, após um comentário infeliz como esse, podemos supor que sua biografia não passará de mera ficção. E de muito mal gosto, por sinal.



RECOMENDO:


O filme Jean Charles conta a tragédia ocorrida em 2005, com Selton Mello no papel principal.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

HOMENAGEM A HÉLIO OITICICA (1937-1980)

Na noite de sexta-feira, dia 16 de outubro de 2009, um incêndio destruiu grande parte da obra de Hélio Oiticica. Uma perda inestimável para a cultura brasileira. Um capítulo infeliz para a história da arte.



Cosmococa (1973)


Seja marginal, seja herói



Metaesquema expandido no espaço (década de 60)

sábado, 17 de outubro de 2009


sem título, 2004.


Sonhei que havia um espetáculo,
que necessitavam de um voluntário da plateia.

Não me manifestei.

Fui escolhido sob aplausos.
Luzes!, Luzes!
O que quis sonhar com isso tudo?

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

JOÃO E OS PÉS DE FEIJÃO

Ando fazendo coisas bastante esquisitas na Universidade de São Paulo. Algumas semanas atrás, por exemplo, fui incumbido de plantar três feijões em algodão umedecido e registrar seu crescimento com desenhos e notas. Não, não me enganei de classe, não assisti à aula do primário. A tarefa era puramente científica. Meus objetos de estudo não seriam apenas os feijões – eu também deveria me colocar do lado de lá da prancheta, observando, uma vez por semana, meu próprio jeito de observar. Esquisito, eu disse. Mas pouquíssimas pessoas têm consciência da força que as coisas exercem sobre nós.

Ao propor uma leitura psicanalítica das obras de arte, o professor João Augusto Frayze-Pereira diz que “pensar psicanaliticamente implica escutar”, ou seja, abrir-se para o mundo e prestar atenção no que ele nos diz. O mesmo pode ser visto no romance Sidarta, de Hermann Hesse, em que o barqueiro Vasudeva sugere ao ex-monge que escute os ensinamentos do rio. “Sem cessar, Sidarta aprendia dele. Antes de mais nada, aperfeiçoava-se na arte de escutar, de prestar atenção, com o coração quieto, com a alma receptiva, aberta, sem paixão, sem desejo, sem preconceito, sem opinião”.

Nesse sentido, meu experimento com os feijões revelou coisas interessantíssimas, entre as quais gostaria de destacar a dificuldade de separar o lado humano do científico. Ou, em outras palavras, a emoção da razão. Pois, no começo, tentei ser o mais técnico possível, registrando a incidência da luz, o formato dos utensílios etc. Com o tempo, no entanto, meu vínculo com a plantinha se fortaleceu, e os relatos foram ficando cada vez mais emotivos. Vê-la se desenvolver, criar raízes, abrir-se em duas metades e revelar folhinhas verde-escuras foi um pouco como criar um filho, guardadas as proporções. Fiquei angustiado com a demora do primeiro broto, que levou dias para aparecer; depois, me realizei ao ver o caule se elevando acima da borda do copo. No final, não apenas a replantei em um vaso maior, como acabei comprando outras para lhe fazerem companhia.

Sabe quem foi o responsável por essa mudança em minha percepção? O tempo.

Isso não é novidade. O grande escritor Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), ícone do Romantismo alemão e autor dos famosos O sofrimento do jovem Werther e Fausto, era também cientista, embora pouca gente conheça – e reconheça – essa sua faceta. Ao longo da vida, Goethe estudou diversos assuntos, tais como a luz e os fenômenos óticos, chegando a propor uma nova teoria das cores, em oposição à de Newton. Mas, veja só, foi estudando plantas que ele chegou a uma das suas conclusões mais importantes: a de que o tempo é um elemento primordial na busca do conhecimento. Segundo Goethe, só é possível chegar à verdade científica por meio de uma profunda observação da natureza, livre de preconceitos e ao longo do tempo. Isso porque, para compreender a essência do ser, precisamos analisar seu processo de formação.

O pintor modernista Henri Matisse (1869-1954) chegou a conclusões semelhantes ao refletir sobre a arte. Segundo ele, para superar a simples imitação da natureza e chegar a uma linguagem pessoal, o pintor deveria desenvolver uma relação profunda com os objetos que pretende representar, observando-os atentamente, fazendo com que lhe revelem sua essência. Essa percepção jamais seria imediata. Tal como pensava Goethe, ela seria obtida apenas através do tempo. Só assim Matisse conseguia incutir seu sentimento na pintura, o que acreditava ser indispensável.

Matisse também disse outra coisa interessante, dessa vez a respeito das composições pictóricas. Para ele, um simples ponto de tinta, quando acrescentado a uma tela, modifica todo o resto que já estava lá, pois eles passam a se relacionar imediatamente. Por isso, apenas o essencial deveria constar numa pintura – todo o excesso é desprezível.

Se traçarmos um paralelo entre essas ideias e o nosso cotidiano, perceberemos que todos os objetos ao redor nos influenciam, relacionando-se conosco e modificando nossas vidas à sua maneira. Quais deles são realmente essenciais? Quais são excesso e atrapalham a percepção da realidade?

O professor João Frayze afirma que a junção da psicologia com a arte ajuda a compreender melhor o ser humano, “num certo momento de sua história e em determinado círculo de civilização”. Ambas nos propõem reflexões, colaboram para tornar nossas ações mais conscientes e rendem um conhecimento mais profundo. O outro João, dos contos de fadas, me lembrou que coisas simples como pés de feijão podem nos levar às alturas, permitindo observar a vida por outro ponto-de-vista. Tudo através dos nossos sentidos e das relações com o mundo que eles nos proporcionam. Com o tempo, nossa sensibilidade cresce e passamos a nos sentir parte de algo muito maior: a natureza. Pois é, como pude verificar, os feijões são mesmo mágicos. Basta a gente olhar bem de perto, com o cérebro e o coração.

* * *

Apenas por curiosidade, selecionei algumas das anotações que fiz ao observar os feijões e as publiquei abaixo. Como não pude digitalizar os desenhos, talvez alguns trechos fiquem meio obscuros, mas dá para ter noção do que estou falando.

DOMINGO, 9H21
Só pude iniciar o exercício hoje. Escolhi os materiais pensando sempre em como eles melhor se adequariam aos meus objetivos. O copo, por exemplo, precisava ser baixo e largo, oferecendo bastante superfície para o algodão e facilitando os desenhos. (...) Fiquei curioso para saber como a umidade faz brotar os feijões. Deixei tudo no chão, bem próximo da janela, de modo que o experimento tenha claridade durante o dia. (...) Considero este um lugar estratégico, pois basta eu posicionar a cadeira nas proximidades para obter sempre o mesmo ângulo de visão.

SEGUNDA-FEIRA, 9H
O algodão continua úmido, o que me surpreendeu; achei que teria que regar meus feijões diariamente. (...) Acredito que os feijões devem receber claridade, mas não luz direta, então fechei as persianas. (...) De ontem para hoje, dá-me a impressão de que tudo mudou, exceto as sementes. Imagino que algo muito maravilhoso esteja acontecendo dentro delas, e que seja tão maravilhoso que elas não podem me mostrar.

TERÇA-FEIRA, 22H25
Nenhuma mudança. Estou achando que meus feijões vão me deixar na mão. O algodão continua bastante úmido. Será que preciso colocá-lo por cima dos grãos? Vou esperar mais um dia. Se nada acontecer, tentarei um plano B.

QUARTA-FEIRA, 22H25
Nada aconteceu, mais uma vez. Se é que “nada” pode acontecer mais de uma vez, assim, consecutivamente. (...) Será que devo enterrar meus feijões no algodão? (...) Até mesmo me cansei de desenhá-los nesta posição. Será que, se eu escolhesse outro ângulo, alguma coisa mudaria?

QUINTA-FEIRA, 22H15
Surgiu um pequeno broto, finalmente. (...) Trata-se apenas de uma pequena ponta amarela que rompeu a casquinha e começa a descer na direção do algodão molhado. Também notei uma lista branca no feijão de cima. (...) Fico feliz que o experimento tenha tomado este rumo.

SEXTA-FEIRA, 22H54
(...) Desconfio que um outro ramo tenha brotado por baixo, fazendo o papel da raiz. Seria uma surpresa interessante. E significaria que eu estava errado: os brotos teriam começado a surgir antes que eu pudesse vê-los. (...) Agora, estou ansioso para ver as folhinhas verdes surgirem no copo.

SÁBADO, 8H46
(...) Percebi que observar o crescimento destes brotos me faz pensar em muitas outras coisas, e fica difícil manter a concentração somente no experimento. Quer dizer, é difícil ser cientista sem deixar de ser humano. Tratar a ciência como algo artificial é esquecer a sua origem e os seus objetivos. Por isso, olho para meus feijões e vejo em seu desenvolvimento as fases da minha própria vida.

DOMINGO, 11H
(...) Estou começando a ter pena destes grãos, brotando no algodão. (...) Ontem, fui mexer nos vasos que tenho na sacada do apartamento e passei bons momentos com a mão na terra. (...) Meus olhos têm visto mais do que feijões brotando num copo. Sinto que, de algum modo, estou começando a enxergar melhor.

SEGUNDA-FEIRA, 21H39
O feijão 3 me surpreendeu enormemente. Em aproximadamente 36 horas, ele criou raízes e se suspendeu no ar. Fiquei maravilhado. É muito bom poder acompanhar o crescimento deles. (...) Ontem à tarde, fui a uma loja de plantas e comprei um pequeno musgo. (...) Suas folhas são minúsculas.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

CÉU, TEMPO BOM



O disco mais recente da cantora Céu, intitulado Vagarosa, está ainda mais difícil de definir, mais difícil de ser enquadrado em alguma modinha da nova MPB. Isso é muito bom, segundo meu jeito de encarar as coisas. Significa que Céu não imita ninguém, que possui estilo próprio e valoriza suas emoções, sabe interpretá-las, transformá-las em música. Num vídeo institucional da Natura, marca patrocinadora da turnê atual, ela diz: “Para mim, música é sentimento”. Em treze faixas muito bem produzidas, Céu deixa claro que consegue ouvir sua voz interior e extravasá-la com ritmos e melodias pra lá de criativas. Sua música é densa, detém uma profundidade reflexiva que eu não ouvia desde Pink Floyd. Às vezes, talvez por causa do scratch, lembra Portishead. Mas, referências à parte, ela jamais deixa de ser Céu.

A evolução entre os shows do primeiro e do segundo discos é notável. Também pudera, passaram-se quatro anos!

A Céu de hoje está mais madura. Aperfeiçoou o domínio sobre a voz – que considera seu verdadeiro instrumento – e conseguiu que a banda a complementasse em perfeita sintonia, fazendo uma mistura quase sempre inusitada de acordeão, samplers e tamborim. Suas letras, que já eram ótimas, mativeram a qualidade. Estão cheias de poesia, imagens oníricas, cultura brasileira e temas tão complexos quanto fluxos do tempo e do pensamento, tratados de modo a ficarem sempre a salvo do lugar-comum. É incrível como Céu apanha expressões do cotidiano e as transforma em algo interessante. Vide a frase “embrulhar para viagem”, da música Espaçonave (Pode mandar embrulhar / que eu quero te levar pra viagem / voltar pra nave mãe pra despressurizar / deixar o sol me beijar, me beijar). Pôxa, quem faz música de verdade com isso?

Seu show muitas vezes adquire tom de rito, em que os músicos levam o público ao transe; as horas passam e ninguém percebe. Às vezes, acontece de você se perder na levada e abandonar a letra. Mas o sentimento nunca se perde, está sempre ali, claro como a voz que a entoa. Céu tem também um jeito esquisito de dançar, meio tribal, meio duro, que aumenta ainda mais essa sensação. Ah, se todas as crenças contivessem a energia e a sensibilidade dessa artista… O mundo estaria girando em ritmo bem mais harmonioso, sem pausas ou contratempos.