Errar é humano.
Ter tempo para corrigir é privilégio para poucos.
Temos um ano pela frente.
365 chances para ser feliz.
Será que vai dar?
FELIZ 2011
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
LEMBRANÇA DE OLINDA
Minha irmã esteve em Olinda e me trouxe de presente este desenho, assinado por Souza, um artista local.
Ele me lembra de quando eu era criança e tinha paciência para fazer desenhos assim, com bico de pena e nanquim, tracinho por tracinho. Naquela época, os adultos se aproximavam e perguntavam: como você tem paciência para fazer isso? É admirável! E eu pensava: ué, como é que você não tem?
(clique para ampliar)
Ele me lembra de quando eu era criança e tinha paciência para fazer desenhos assim, com bico de pena e nanquim, tracinho por tracinho. Naquela época, os adultos se aproximavam e perguntavam: como você tem paciência para fazer isso? É admirável! E eu pensava: ué, como é que você não tem?
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domingo, 26 de dezembro de 2010
AS METADES DA LARANJA
Tive o prazer de ler o romance Laranja Mecânica (1962), de Anthony Burgess, e na sequência rever o filme homônimo (1971) de Stanley Kubrick. É uma experiência que recomendo a todos e não somente a ser realizada com essas duas obras-primas, mas com todos os romances, roteiros e adaptações cinematográficas disponíveis. Só não se prenda àqueles comentários típicos de “o livro é melhor que o filme, é muito mais completo”. Pois é normal que seja mais completo – no livro, a história pode se estender, os dramas se aprofundam, os personagens parecem mais próximos e é o leitor quem dita o ritmo. O filme, em compensação, costuma ser um recorte do livro, uma maneira de lê-lo, uma interpretação pessoal e, por isso mesmo, uma nova criação feita nos moldes próprios do cinema. Em outras palavras, o filme sempre será diferente, porém não necessariamente melhor ou pior.
É o caso de Laranja Mecânica, em que ambas as produções são magníficas. O romance, por inovar o gênero de ficção futurista – ao invés de criar máquinas voadoras e pistolas de laser, Burgess inventou uma espécie de dialeto que, ao mesmo tempo em que causa estranhamento, permite ao leitor se identificar rapidamente com o universo proposto. É um futuro mais plausível do que o descrito no romance “1984”, de George Orwell, e mais realista do que o de “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.
No filme, por sua vez, fica claro o esforço de Kubrick no sentido de recriar a atmosfera do Laranja Mecânica original e de resolver visualmente situações sugeridas apenas com palavras pelo escritor – coisa que ele faz com talento e perspicácia. Os cenários são ao mesmo tempo futuristas e bizarros, os personagens são fortes e a narrativa não se alonga além do necessário. Para isso, diversos trechos do romance tiveram que ser suprimidos e outros tantos modificados. O motivo é simples: algumas coisas que são aceitáveis no papel perdem o apelo na tela, caso sejam tomadas ao pé-da-letra. Quais seriam elas? Só vai descobrir quem estiver disposto a repetir minha experiência de ler o romance e assistir ao filme.
Vou citar apenas um exemplo para incentivar sua empreitada: Laranja Mecânica foi publicado na Inglaterra com os 21 capítulos originais. No entanto, os editores norte-americanos acharam que seu final otimista não combinava com o resto da história e simplesmente excluíram o último capítulo. Quando Kubrick escreveu seu roteiro, tomou por base esta edição do livro. É por isso que as duas histórias acabam de jeitos bem diferentes.
Para quem se interessar pelo romance, indico esta edição nacional, que além do texto original completo traz ainda um vocabulário do linguajar Nadsat (utilizado pelo protagonista Alex e seus druguis), um prefácio esclarecedor escrito por Fábio Fernandes e interessantíssimas notas sobre a tradução: Editora Aleph
É o caso de Laranja Mecânica, em que ambas as produções são magníficas. O romance, por inovar o gênero de ficção futurista – ao invés de criar máquinas voadoras e pistolas de laser, Burgess inventou uma espécie de dialeto que, ao mesmo tempo em que causa estranhamento, permite ao leitor se identificar rapidamente com o universo proposto. É um futuro mais plausível do que o descrito no romance “1984”, de George Orwell, e mais realista do que o de “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.
No filme, por sua vez, fica claro o esforço de Kubrick no sentido de recriar a atmosfera do Laranja Mecânica original e de resolver visualmente situações sugeridas apenas com palavras pelo escritor – coisa que ele faz com talento e perspicácia. Os cenários são ao mesmo tempo futuristas e bizarros, os personagens são fortes e a narrativa não se alonga além do necessário. Para isso, diversos trechos do romance tiveram que ser suprimidos e outros tantos modificados. O motivo é simples: algumas coisas que são aceitáveis no papel perdem o apelo na tela, caso sejam tomadas ao pé-da-letra. Quais seriam elas? Só vai descobrir quem estiver disposto a repetir minha experiência de ler o romance e assistir ao filme.
Vou citar apenas um exemplo para incentivar sua empreitada: Laranja Mecânica foi publicado na Inglaterra com os 21 capítulos originais. No entanto, os editores norte-americanos acharam que seu final otimista não combinava com o resto da história e simplesmente excluíram o último capítulo. Quando Kubrick escreveu seu roteiro, tomou por base esta edição do livro. É por isso que as duas histórias acabam de jeitos bem diferentes.
Para quem se interessar pelo romance, indico esta edição nacional, que além do texto original completo traz ainda um vocabulário do linguajar Nadsat (utilizado pelo protagonista Alex e seus druguis), um prefácio esclarecedor escrito por Fábio Fernandes e interessantíssimas notas sobre a tradução: Editora Aleph
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
IT'S CHRISTMAS TIME!
Era o programa favorito do país. Depois que descobriram a verdadeira vocação do Papai Noel, seu índice de celebridade bateu no teto e ele foi parar na TV. Era o apresentador mais simpático da telinha e... dava presentes! O IBOPE, das 14h às 23h de domingo, era exclusividade sua. Bons tempos. Eu adorava o quadro "Renas da Fortuna", embora os mais populares fossem a "Porta do Pólo Norte" e as "Cartas ao Vento". Meu sonho era estar naquela plateia, na caravana da minha cidade, para sorrir e cantar com o bom velhinho. Lá, lá, lalá. Lá, lá, lalá. Era o sonho de muita gente, embora nem mesmo o Papai Noel pudesse realizar todos. Então, um dia, descobriram a farsa. Papai Noel tinha outra identidade, era um inescrupuloso homem de negócios, escondido sob a barba, a roupa vermelha e o microfone de lapela. Foi quando deixei de acreditar nele.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
PERSONALIDADE EM PRIMEIRO PLANO
“Tenho pena dos que sofrem, e gostaria de ajudar a remediar a injustiça social existente. Qualquer artista consciente sente o mesmo.” Candido Portinari
A partir de hoje, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, os brasileiros podem ver os painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, que estão de volta ao país depois de passarem cinco décadas na sede da ONU, em Nova York.
O retorno é provisório: o prédio onde as obras são mantidas será reformado e João Candido, filho do artista e administrador de seu espólio, aproveitou a oportunidade para fazê-las circular pelo Brasil e pelo mundo. Isso deve ocorrer durante os próximos dois anos, ao final dos quais ambas serão reinstaladas no local de origem.
O evento está sendo bastante noticiado e não poderia ser diferente – o próprio Portinari considerava esses painéis seu principal trabalho. Você já deve ter lido que, juntos, eles medem 280 metros quadrados, pesam 2,8 toneladas e foram realizados com tinta a óleo sobre madeira compensada – a mesma usada na fabricação de barcos. O que achei mais curioso, no entanto, foi a postura do pintor em relação a duas coisas: ao problema de saúde, diagnosticado durante a execução do projeto e causado pelo contato com a tinta, e ao governo norte-americano, que dificultou sua entrada no país para a cerimônia de inauguração porque Portinari era comunista declarado.
Pois é, já em 1953 surgiram os primeiros sintomas de intoxicação por tinta, que mataria o artista em 1962. Mesmo sabendo que o trabalho prejudicaria sua saúde, Portinari o realizou em aproximadamente quatro anos, de 1952 a 1956.
Quando eles finalmente foram inaugurados, em 1957, a cerimônia foi discreta e o pintor não participou. Os Estados Unidos viviam o auge do macartismo, marcado por perseguições políticas. Os diplomatas brasileiros chegaram a interferir e, depois de muito negociarem, conseguiram a solução: bastava Portinari solicitar o visto no consulado americano que este lhe seria concedido. Mas ele não ficou satisfeito – Portinari queria um convite oficial de Washington, que jamais chegou. Era um homem de personalidade forte, tão forte quanto a expressividade de suas pinturas.
Guerra e Paz (1952-1956), de Candido Portinari
Saiba mais sobre os painéis: Projeto Portinari
A partir de hoje, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, os brasileiros podem ver os painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, que estão de volta ao país depois de passarem cinco décadas na sede da ONU, em Nova York.
O retorno é provisório: o prédio onde as obras são mantidas será reformado e João Candido, filho do artista e administrador de seu espólio, aproveitou a oportunidade para fazê-las circular pelo Brasil e pelo mundo. Isso deve ocorrer durante os próximos dois anos, ao final dos quais ambas serão reinstaladas no local de origem.
O evento está sendo bastante noticiado e não poderia ser diferente – o próprio Portinari considerava esses painéis seu principal trabalho. Você já deve ter lido que, juntos, eles medem 280 metros quadrados, pesam 2,8 toneladas e foram realizados com tinta a óleo sobre madeira compensada – a mesma usada na fabricação de barcos. O que achei mais curioso, no entanto, foi a postura do pintor em relação a duas coisas: ao problema de saúde, diagnosticado durante a execução do projeto e causado pelo contato com a tinta, e ao governo norte-americano, que dificultou sua entrada no país para a cerimônia de inauguração porque Portinari era comunista declarado.
Pois é, já em 1953 surgiram os primeiros sintomas de intoxicação por tinta, que mataria o artista em 1962. Mesmo sabendo que o trabalho prejudicaria sua saúde, Portinari o realizou em aproximadamente quatro anos, de 1952 a 1956.
Quando eles finalmente foram inaugurados, em 1957, a cerimônia foi discreta e o pintor não participou. Os Estados Unidos viviam o auge do macartismo, marcado por perseguições políticas. Os diplomatas brasileiros chegaram a interferir e, depois de muito negociarem, conseguiram a solução: bastava Portinari solicitar o visto no consulado americano que este lhe seria concedido. Mas ele não ficou satisfeito – Portinari queria um convite oficial de Washington, que jamais chegou. Era um homem de personalidade forte, tão forte quanto a expressividade de suas pinturas.
Guerra e Paz (1952-1956), de Candido Portinari
Saiba mais sobre os painéis: Projeto Portinari
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
A VIDA COMO ALEGORIA (EM UM TEATRO DE BONECOS)
Adoro filmes que me proporcionam uma experiência nova quando os vejo. Pode ser um jeito diferente de contar a história, um visual exuberante, um toque pessoal do diretor ou uma atuação particularmente especial. É por isso que cansei dos blockbusters hollywoodianos, que se esforçam para serem exatamente como o grande público espera que sejam e, no final, ficam todos iguais – tenho visto cada vez menos desses. Aliás, tenho visto menos filmes de modo geral; porém, venho selecionando os títulos a dedo e, nos últimos tempos, descobri grandes pérolas. A de ontem foi Dolls (2002), longa-metragem escrito, dirigido e editado pelo japonês Takeshi Kitano.
São três histórias dentro de uma só, que se misturam e que, aos pouquinhos, vão se ajudando a contar, aproximando-se e se afastando num ritmo imprevisível. Até aí, nenhuma grande novidade – existem diversos filmes assim, inclusive recentes, tais como Babel e Crash. Só que Dolls possui algo a mais: aquele simbolismo típico da cultural oriental, que concede significados a objetos ou gestos e vai nos revelando a narrativa com sutileza. Uma folha que se solta da árvore em uma das histórias, por exemplo, representa a morte de um personagem na outra, e a gente compreende isso mesmo que não seja dito explicitamente.
O visual impressiona de tão bonito, dá para perceber de cara que cada plano foi cuidadosamente estudado. As cores saltam da tela e, muitas vezes, tive vontade de pausar o vídeo para emoldurá-las. Talvez seja herança de Akira Kurosawa, aquele mestre do cinema japonês que, não por acaso, queria ser pintor. Ou talvez seja mesmo um novo artista de sensibilidade aguçada, destacando-se por mérito próprio.
Dolls fala de amor, perseverança e compromisso. Mistura vida e arte, realidade e ficção, às vezes tendendo ao absurdo. As histórias foram inspiradas no teatro bunraku, aquele com bonecos e música ao vivo em que o drama beira a tragédia. Pena que a trilha se repete demais, o que deixa o filme um pouco cansativo. Talvez se ele fosse um tantinho mais curto resolveria. De qualquer maneira, não vou entrar nesses detalhes. Quero apenas registrar aqui minhas impressões positivas e incentivar os fãs do cinema a irem buscar as suas.
Em resumo, Dolls me conquistou porque contraria a ideia pessimista e apática de que o cinema não pode mais se reinventar, e faz isso de um jeito lírico, tranquilo e sutil, sem apelar para efeitos mirabolantes, computação gráfica e 3D. Quem disse que não dava?
Algumas imagens dizem melhor do que eu:
São três histórias dentro de uma só, que se misturam e que, aos pouquinhos, vão se ajudando a contar, aproximando-se e se afastando num ritmo imprevisível. Até aí, nenhuma grande novidade – existem diversos filmes assim, inclusive recentes, tais como Babel e Crash. Só que Dolls possui algo a mais: aquele simbolismo típico da cultural oriental, que concede significados a objetos ou gestos e vai nos revelando a narrativa com sutileza. Uma folha que se solta da árvore em uma das histórias, por exemplo, representa a morte de um personagem na outra, e a gente compreende isso mesmo que não seja dito explicitamente.
O visual impressiona de tão bonito, dá para perceber de cara que cada plano foi cuidadosamente estudado. As cores saltam da tela e, muitas vezes, tive vontade de pausar o vídeo para emoldurá-las. Talvez seja herança de Akira Kurosawa, aquele mestre do cinema japonês que, não por acaso, queria ser pintor. Ou talvez seja mesmo um novo artista de sensibilidade aguçada, destacando-se por mérito próprio.
Dolls fala de amor, perseverança e compromisso. Mistura vida e arte, realidade e ficção, às vezes tendendo ao absurdo. As histórias foram inspiradas no teatro bunraku, aquele com bonecos e música ao vivo em que o drama beira a tragédia. Pena que a trilha se repete demais, o que deixa o filme um pouco cansativo. Talvez se ele fosse um tantinho mais curto resolveria. De qualquer maneira, não vou entrar nesses detalhes. Quero apenas registrar aqui minhas impressões positivas e incentivar os fãs do cinema a irem buscar as suas.
Em resumo, Dolls me conquistou porque contraria a ideia pessimista e apática de que o cinema não pode mais se reinventar, e faz isso de um jeito lírico, tranquilo e sutil, sem apelar para efeitos mirabolantes, computação gráfica e 3D. Quem disse que não dava?
Algumas imagens dizem melhor do que eu:
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
EDUCAÇÃO É O START
Quando o cartunista Bruno Saggese me convidou para o evento ao lado, eu não podia imaginar que seria tão legal, senão tinha levado um monte de gente comigo.
Tratava-se do lançamento do Caderno de Referências, uma publicação anual da Cenpeq criada para divulgar os projetos educacionais que a ONG realiza com os internos da Fundação CASA (antiga Febem).
Nascida em 2008, a iniciativa tem objetivo de “potencializar o tempo de vida” que os adolescentes passam na instituição. Dois anos depois, já administrava 138 oficinas culturais em 20 unidades de internação.
Nas palavras de Maria do Carmo Brant de Carvalho, superintendente do Cenpeq, a arte, entre os adolescentes da fundação, “passa a ser vista como uma outra via de ação sobre o ‘mundão’, uma nova maneira de se apresentar diante da comunidade, uma nova possibilidade de inventar futuros. Não no sentido de uma profissionalização artística, mas no sentido de que a liberdade criativa e a manipulação da linguagem viabilizam uma atitude protagônica, em que o diálogo e a contestação de padrões vigentes se dão de maneira construtiva”.
Diferentemente de outros lançamentos de livro, o de ontem foi empolgante: teve apresentação de capoeira, berimbau, pandeiro e música eletrônica. Os trabalhos dos internos podiam ser vistos em televisores distribuídos pela galeria e o fotógrafo Rogério Fernandes, responsável pelas imagens do livro, preparou uma mostra inédita para a ocasião. Foi muito bom testemunhar um projeto importante como esse dando certo.
Bruno, cartunista que citei no início, é um amigo das antigas e dá aulas de história em quadrinhos aos internos. Ele autografou na minha edição do Caderno de Referências: “Se arte faz parte, educação é o start”. Tem como discordar?
Algumas das fotos de Rogério Fernandes, em exposição no Centro Cultural b_arco:
Mais informações:
Site do Bruno: Nu de Luvas
Fotógrafo: Rogério Fernandes
ONG responsável pelo projeto: Cenpeq
Instituição: Fundação CASA
Tratava-se do lançamento do Caderno de Referências, uma publicação anual da Cenpeq criada para divulgar os projetos educacionais que a ONG realiza com os internos da Fundação CASA (antiga Febem).
Nascida em 2008, a iniciativa tem objetivo de “potencializar o tempo de vida” que os adolescentes passam na instituição. Dois anos depois, já administrava 138 oficinas culturais em 20 unidades de internação.
Nas palavras de Maria do Carmo Brant de Carvalho, superintendente do Cenpeq, a arte, entre os adolescentes da fundação, “passa a ser vista como uma outra via de ação sobre o ‘mundão’, uma nova maneira de se apresentar diante da comunidade, uma nova possibilidade de inventar futuros. Não no sentido de uma profissionalização artística, mas no sentido de que a liberdade criativa e a manipulação da linguagem viabilizam uma atitude protagônica, em que o diálogo e a contestação de padrões vigentes se dão de maneira construtiva”.
Diferentemente de outros lançamentos de livro, o de ontem foi empolgante: teve apresentação de capoeira, berimbau, pandeiro e música eletrônica. Os trabalhos dos internos podiam ser vistos em televisores distribuídos pela galeria e o fotógrafo Rogério Fernandes, responsável pelas imagens do livro, preparou uma mostra inédita para a ocasião. Foi muito bom testemunhar um projeto importante como esse dando certo.
Bruno, cartunista que citei no início, é um amigo das antigas e dá aulas de história em quadrinhos aos internos. Ele autografou na minha edição do Caderno de Referências: “Se arte faz parte, educação é o start”. Tem como discordar?
Algumas das fotos de Rogério Fernandes, em exposição no Centro Cultural b_arco:
Mais informações:
Site do Bruno: Nu de Luvas
Fotógrafo: Rogério Fernandes
ONG responsável pelo projeto: Cenpeq
Instituição: Fundação CASA
A DESPEDIDA DO ESCRITOR
"Então, no último minuto, houve um ruído de saltos altos, e uma mulher muito jovem e bonita entrou, trajada elegantemente de preto. Chegou sozinha e no final partiu, quase tão abruptamente quanto chegara, em direção à tarde de março." Ninguém a conhecia ou pôde descobrir quem era ela – ex-aluna, amante, jogadora de críquete, arranjadora de flores, professora de catequese... Mas os leitores de Um mês no campo podem sentir que ela saíra de suas páginas.
Michael Holroyd, na introdução de Um mês no campo, de J. L. Carr.
Michael Holroyd, na introdução de Um mês no campo, de J. L. Carr.
sábado, 11 de dezembro de 2010
HISTÓRIA SEM FIM
A persistência da memória (1931), de Salvador Dali
O ano vai acabar e, se não tivéssemos calendário, nem teríamos notado. Afinal, um dia termina em 2010 e outro começa em 2011 exatamente da mesma maneira como os outros 364 que os antecederam. Mas a gente sabe que não é assim. Chega dezembro, chegam as férias escolares, chegam convites para confraternizações e cartões de felicitação. O ritmo diminui, deixa-se para o ano que vem o que poderia ser feito hoje, mas é Natal, é compreensível. É hora de pensar nos presentes, na decoração, no cardápio da ceia e em convencer as crianças arteiras a se comportarem, de modo a provarem ao Papai Noel que merecem uma recompensa. Acho incrível esse poder que o fim do ano exerce sobre nós, capaz de mudar o comportamento do mundo inteiro. Tudo isso por quê? Não se trata apenas de uma data como outra qualquer, inserida num calendário inventado pelo próprio homem? Aliás, o calendário que usamos hoje foi modificado diversas vezes ao longo do tempo, seguindo os interesses mais variados. Como era quando ele ainda não existia? Como o tempo era percebido? Porque o tempo não são os ponteiros do relógio ou os dias que vamos riscando na folhinha; é algo muito mais complexo, um conceito físico e psicológico que mal conseguimos definir.
As horas, os dias e os anos não são o tempo; são apenas uma maneira que inventamos para mensurá-lo. Como um grande número de pessoas concorda e aceita, o tempo é assim. Mas poderia ser diferente. Veja o calendário judaico, já está no ano 5771. Está errado? Claro que não, trata-se apenas de um outro jeito de medir o tempo. Se pensarmos que a idade da Terra é estimada entre 4,6 e 15 bilhões de anos, que diferença faz uns milhares a mais ou menos?
Certa vez, o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty fez uma observação acerca do ato de ver. Segundo ele, a visão não está no olho e nem no objeto visto, mas na relação que se estabelece entre eles. Portanto, a visão é algo que está no mundo e que pertence a ele, e todos nós vemos e somos vistos pelas coisas. Merleau-Ponty chamou essa relação de transcendência. Acho que o mesmo vale para o tempo: não está em nós e não está nos objetos; está no mundo, estabelecendo relações que são percebidas de maneira diferente pelas pessoas. É por isso que uma tarde atarefada passa mais rápido que uma ociosa, assim como as férias voam enquanto os outros meses se arrastam. O dia 31 de dezembro chegará e não será igual aos outros. Será o encerramento de mais um capítulo do livro inesgotável que chamamos de história.
Isso me lembra duas obras de arte do brasileiro Antonio Dias que vi há poucos meses numa bonita individual realizada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. A primeira, de 1968, é um saco plástico cheio de terra e etiquetado com o título História. Pois o passado em que acreditamos é isso: apenas um pedaço do que existiu, recolhido e etiquetado como uma amostra de pesquisa. A margem de erro é imensa, ou seja, muita coisa aconteceu e não deixou registro, não temos a menor ideia do que foi, quando foi e como foi, assim como nossas atitudes no dia-a-dia se perdem sem que a História seja capaz de registrá-las com a devida precisão científica.
History (1968), de Antonio Dias
Aliás, a segunda obra trata justamente disso. Criada em 1971, seu título, escrito em inglês, diferencia dois conceitos de história de um jeito que a língua portuguesa não permitiria: History/Story, ou seja, "história como ciência/história como ficção". Ambas as palavras estão inseridas numa tela de grandes dimensões, cuja pintura faz alusão ao Universo. Elas compartilham o mesmo espaço e, naquele momento, ficou claro para mim o que são ciência e ficção: nada mais do que dois modos distintos de perceber a mesma coisa. Qual é o verdadeiro? Nenhum. Qual merece crédito? Os dois.
Tudo que guardamos na memória pessoal está fadado a desaparecer com nós. O que sobrevive ao tempo é somente aquilo que pertence à memória coletiva – são os fatos que "entram para a história".
Dia a lenda que Aquiles, filho de um deus grego com uma mulher humana, teve que escolher entre ter uma vida breve porém gloriosa ou viver muito como homem comum. Para desespero de sua mãe, ele optou pela primeira, impediu a derrota dos gregos na Guerra de Troia e morreu como herói. Para sustentar sua escolha, Aquiles disse que a verdadeira morte não é aquela que consome o corpo, mas a que o apaga da memória alheia. Realmente, nesse sentido, ele permanece vivo até hoje, basta abrir um livro de mitologia e conferir.
History/Story (1971), de Antonio Dias
Na 16ª edição da revista Chiclete com Banana, de 1989, os cartunistas Laerte e Angeli publicaram a irônica História do sujeito que queria entrar para a história. Ali, um mauricinho metido a esperto chega à porta da História e tenta convencer o segurança a deixá-lo entrar. Como seus feitos não são dignos de nota, ele se desespera e cai no choro, até que seu pai, um desses magnatas que estamos cansados de ver, paga "duzentos paus" e coloca o filho para dentro.
Será que é fácil assim entrar para a história? Em alguns casos, talvez. Mas acredito mesmo é nas palavras do artista francês Marcel Duchamp, para quem é a própria história que decide quem desaparece e quem permanece existindo, não importa quais são os nossos desejos e esforços.
A História é como o tempo: não está em nós e não está nos objetos; ela está no mundo. Por isso, minha filosofia para 2011 continua a mesma: procurar ser bom, não tirar vantagem dos outros, não me achar melhor do que ninguém e agir sempre pensando no coletivo, ética e moralmente, procurando entender suas razões e as aceitando.
Com o tempo, aprendi que é assim que as portas se abrem, independentemente de termos ou não duzentos paus no bolso. Porque a vida acaba, mas a história que estamos encenando não termina nunca. Desejo sinceramente que todos sejam felizes durante o espetáculo. Um dia, quem sabe?
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
ESQUISITICES DA ARTE
Juízo Final (1534-1541), de Michelangelo (detalhe)
De vez em quando a gente se depara com uns capítulos à parte da História da Arte – obras e situações que parecem não combinar com o período ou com o currículo do próprio autor. No entanto, elas existem e isso não se pode negar. Talvez esses capítulos tenham sido censurados ao longo do tempo, no sentido de se construir uma história linear e fácil de ser compreendida. A explicação me parece plausível.
Um exemplo: enquanto Michelangelo pintava o Juízo Final na Capela Sistina, Giuseppe Arcimboldo compunha retratos juntando legumes, frutas e verduras. É verdade que o Juízo Final foi bastante subversivo na época, principalmente por causa da nudez dos personagens, que depois foi coberta com folhas de parreira e panos a mando do Papa. Porém, também é verdade que o Juízo Final é muito mais fácil de se incluir na história do que as esquisitices de Arcimboldo, que permaneceram praticamente ignoradas até o século XX.
Vertemnus (1591), de Giuseppe Arcimboldo
Outra obra que me chamou a atenção foi o Bacanal Infantil II, de Nicolas Poussin. Entre pinturas de temática religiosa como o batismo de Cristo, a adoração do bezerro de ouro e a anunciação, o artista realizou uma obra bastante peculiar, em que crianças protagonizam uma festança regada a sexo e drogas. Só faltou mesmo o bom e velho rock 'n roll. Mas aí seria esquisitice demais.
Bacanal infantil II (1629-1630), de Nicolas Poussin
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
OS ANJOS DO MEIO DA PRAÇA
Este curta-metragem é uma produção nacional muito bonita, tanto no visual quanto no conteúdo. Me lembrou algumas histórias do Neil Gaiman, tais como Coraline e Stardust, provavelmente por conta do clima sombrio e da fantasia com base mitológica.
Realizado pela Buba Filmes, venceu diversos prêmios de animação em 2010, com destaque para o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cinema de Gramado, Melhor Direção e Melhor Curta-Metragem do IV Brazilian Film Festival of Toronto (Canadá) e Melhor Vídeo de Animação do XIV FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul).
Mais informações você encontra no blog oficial: www.anjosdomeiodapraca.blogspot.com
Divirta-se!
Realizado pela Buba Filmes, venceu diversos prêmios de animação em 2010, com destaque para o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cinema de Gramado, Melhor Direção e Melhor Curta-Metragem do IV Brazilian Film Festival of Toronto (Canadá) e Melhor Vídeo de Animação do XIV FAM (Florianópolis Audiovisual Mercosul).
Mais informações você encontra no blog oficial: www.anjosdomeiodapraca.blogspot.com
Divirta-se!
terça-feira, 30 de novembro de 2010
O SILÊNCIO TEM A PALAVRA
Gambiarra (1982), de Amelia Toledo
"Amélia, querida, sem palavras... Fiquei sem palavras, porque as palavras já não faziam sentido. Sua obra é grandiosa demais. Enquanto física e amante da arte e dos minerais, da luz e da cor, chego a ficar sem palavras diante da perfeita interação entre os elementos, o que surpreende os olhos e a alma. É a exposição mais perfeita que já vi em mais de sessenta anos de vida. Descrever é difícil. Relatar o que senti mais difícil ainda. Então é só ver, sentir, impregnar-se. Só hoje, depois de tantas vindas aqui, consegui escrever alguma palavra neste caderno. Assim mesmo, a emoção é muito mais do que qualquer palavra. Senti uma sensação esquisita quando entrei na exposição. Por isso gostei muito. É um choque maravilhoso. Só consigo sentir. Não consigo escrever o que sinto. Uma vontade de chorar ao tocar as pedras, calo-me para permitir apenas o sentir. O jogo de luz e a sombra, as cores e as pedras são fundamentais à interação corpo-espírito. É uma experiência única. Transcendental. É como se o dia especial, a emoção fundamental, a própria essência viessem a brotar agora. Do nada. Mas mostrando tudo. Arrancando das entranhas o néctar. Provando que o ser humano é capaz de coisas belíssimas... Não tenho palavras. Só pura emoção. Obrigada. É uma exposição que atravessa o Ser. Não há palavras para traduzir. É o silêncio que tem a palavra. Sobre a artista: ela é cruel, muito cruel. E sobre a exposição: ela é pura, natural. Mas é de tirar o fôlego. Obrigado."
O trecho acima foi montado a partir de recados deixados no livro de ouro – aquele caderno de visitas, sabe? – da exposição Entre, a obra está aberta, de Amelia Toledo, que se realizou na Galeria do Sesi, em São Paulo, entre 1999 e 2000. Ele integra a interessante análise que o psicanalista João Augusto Frayze-Pereira fez da reação do público com a obra da artista e com os resultados dessa relação.*
Achei muito bonita a maneira como os visitantes expõem seus sentimentos e agradecem Amelia pela experiência proporcionada. O artigo de João reúne outros trechos ainda mais emocionantes, mas resolvi compartilhar esse por dois motivos: pela poética do título, que foi citado por um dos visitantes, e pelo fato de que, mesmo sem palavras, eles conseguiram dizer muito.
A obra estava aberta. Bastou isso para que todos se sentissem à vontade e revelassem a si mesmos com profunda sinceridade. Foi uma exposição que não visitei e que, depois de lidos os relatos reunidos por João Frayze, deixou uma triste sensação de perda.
Glu-glu (1968), de Amelia Toledo. Esta obra pode ser vista – e experimentada – na 29ª Bienal de São Paulo.
Mais informações sobre a artista:
www2.uol.com.br/ameliatoledo e www.ameliatoledo.com
*O artigo completo, chamado A poética dos livros de ouro: Amelia Toledo, generosidade e gratidão, integra o livro Arte, dor: inquietudes entre estética e psicanálise, de João Augusto Frayze-Pereira (Cotia: Ateliê Editorial, 2005).
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
MORTE E VIDA SEVERINA, O FILME
Ótima notícia para quem tem curiosidade de conhecer um clássico da literatura brasileira mas ainda vive o trauma causado pelo nosso sistema de ensino, que desestimula até os estudantes mais interessados.
A animação Morte e Vida Severina, inspirada no livro homônimo de João Cabral de Melo Neto, é um projeto da TV Escola/Fundação Joaquim Nabuco e tem produção da OZI Escola de Audiovisual de Brasília.
O filme é uma adaptação dos quadrinhos de Miguel Falcão e terá 50 minutos. A estreia está marcada para janeiro de 2011, na TV Escola. Por enquanto, temos que nos contentar com o trailer acima, mas já dá para perceber da riqueza da produção. Tomara que a ideia pegue e que logo venham outros.
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
TRÊS PALÁCIOS PARA A ELITE BRASILEIRA
Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão
Estive em Campos do Jordão no fim de semana passado e resolvi visitar o Palácio Boa Vista, residência de inverno do governador do Estado de São Paulo. Fazia mais de quinze anos que não passava por ali, nem me lembrava de como era. Imagine minha surpresa ao encontrar, decorando os aposentos, um impressionante acervo de arte moderna brasileira.
A coleção foi adquirida a partir de 1969 e nela figuram artistas como Di Cavalcanti, Guignard, Rebolo, Volpi, Brecheret, Anita Malfatti e Walter Zanini, entre outros. São pinturas e esculturas relevantes, daquelas que todo colecionador disputaria a tapas num leilão, se tivesse cacife para bancá-las. O destaque fica para Tarsila do Amaral, que tem uma sala só para ela, com obras das suas mais diversas fases – inclusive do começo da carreira, que raramente temos oportunidade de ver.
Vale lembrar que, além do Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão, fazem parte do grupo o Palácio dos Bandeirantes (no bairro do Morumbi, em São Paulo) e o Palácio do Horto (no Horto Florestal, também em São Paulo). Pelo que descobri depois, a riqueza do acervo não é exclusividade daquele; os três possuem ótimos exemplares e costumam ainda receber exposições temporárias, montadas a partir de outras coleções.
As visitas são acompanhadas por educadores e, nos palácios de São Paulo, são gratuitas. Em Campos do Jordão, a entrada custou R$ 5,00. Para mim, foi um dinheiro bem gasto. Fiz um passeio diferente e, além de conhecer um prédio histórico do país, levei de brinde uma ótima exposição de arte.
Mais informações: www.acervo.sp.gov.br
Retrato de Mário de Andrade (1922), Autorretrato I (1924) e Operários (1933), de Tarsila do Amaral, são pinturas que constam no acervo do Palácio Boa Vista
sábado, 20 de novembro de 2010
The Lighthouse at Two Lights (1929), de Edward Hopper
"Dias inteiros de calmaria, noites de ardentia, dedos no leme e olhos no horizonte, descobri a alegria de transformar distâncias em tempo. Um tempo em que aprendi a entender as coisas do mar, a conversar com grandes ondas e não discutir com o mau tempo. A transformar o medo em respeito, o respeito em confiança. Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer."
Amyr Klink, em Cem dias entre céu e mar
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
SE ATRAEM OS OPOSTOS
[é uma letra de música. Leia cantando]
Separados pelo parto
Unidos por acaso
Em comum pelo tanto incomum
Seria só um caso
que jamais deixou de ser
Daria tudo errado
se houvesse por quê
Porque sim
Porque não
Por que não sei?
Por que eu
questionar
Por que você?
Por que sim?
Por que não?
Porque não sei
Por que eu?
Questionar
Tanto um quanto outro
Tanto faz quanto fez
Quanto vale se for pra valer?
Uma vez nada mais
que jamais deixou de ser
Tudo aquilo que se enxerga
e não tem nada a ver
[para J. L. A.]
Separados pelo parto
Unidos por acaso
Em comum pelo tanto incomum
Seria só um caso
que jamais deixou de ser
Daria tudo errado
se houvesse por quê
Porque sim
Porque não
Por que não sei?
Por que eu
questionar
Por que você?
Por que sim?
Por que não?
Porque não sei
Por que eu?
Questionar
Tanto um quanto outro
Tanto faz quanto fez
Quanto vale se for pra valer?
Uma vez nada mais
que jamais deixou de ser
Tudo aquilo que se enxerga
e não tem nada a ver
[para J. L. A.]
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
O LUGAR DO GRAFITE NA CIDADE E NA SOCIEDADE
"As pessoas que passam por nossas cidades não entendem o grafite porque acreditam que nada deve existir a não ser que dê lucro, o que torna essa própria opinião sem valor."
Foi com essa lógica ácida e simples que o grafiteiro inglês Banksy conquistou minha admiração. O primeiro contato com sua obra ocorreu recentemente, quando ele reinventou a vinheta de abertura do seriado Os Simpsons a convite da produtora e obteve repercussão bastante polêmica. Na ocasião, Banksy criticou o próprio programa, o sistema capitalista de que faz parte, a máquina industrial chinesa, o trabalho infantil e a atitude indiferente da sociedade que consome os produtos desse processo. Tudo isso em pouco mais de um minuto de desenho animado.
Acho muito difícil concordar totalmente com alguém que viola e depreda patrimônio alheio – público e particular – para exercer sua arte. Mas assumo que o trabalho de Banksy, apesar do meio em que atua, é no mínimo intrigante. Veja bem, a abertura de Os Simpsons foi uma exceção, quase toda a produção do artista está nas ruas. Então, fico me perguntando se é possível dissociar o grafite desse meio; quer dizer, será que ele se sustentaria se não estivesse ocupando ilegalmente os muros da cidade? A resposta mais provável é "não".
Banksy precisa dos muros, mesmo que essa dependência não seja recíproca. Ele precisa da ilegalidade, do atrevimento, pois é isso que dá significado às suas criações – para não dizer visibilidade. Grafite sem violação é alma sem corpo, que vaga por aí sem jamais ser percebida pelos passantes.
Por mais que às vezes eu me convença das reais necessidades dessa prática, do engajamento, da subversão dos valores, da crítica política e social, como poderia justificá-la? Como poderia argumentar a favor, estando do lado da lei? Não, defendê-la seria hipocrisia, seria abrir precedente para diversas outras práticas tão ou ainda mais danosas. Nosso papel nessa relação é ser contra. Aquela obra precisa dessa forma paradoxal de legitimação para sobreviver, precisa dela tanto quanto das paredes em que ganha corpo, precisa da madrugada, da adrenalina e da ousadia. Em outras palavras, o consentimento da comunidade destruiria o conceito da obra ou, no mínimo, a condenaria a se adequar ao universo da arte reconhecido oficialmente – título que, com certeza, o grafite não deseja.
Como disse antes, é muito difícil estar totalmente de acordo com Banksy e seus semelhantes, mesmo que os argumentos utilizados por eles se baseiem na tradição amplamente aceita de que "a parede sempre foi o melhor lugar para exibir o trabalho [artístico]".
Aliás, o livro de onde tirei essa citação é uma fonte de pesquisa bastante irreverente. Chama-se Wall and Piece (Muro e Obra), uma analogia com War and Peace (Guerra e Paz). Escrito pelo próprio Banksy, ele apresenta um panorama de seus trabalhos e elucida a maneira como o autor entende a arte de rua. Se não nos convence a aceitá-la, ao menos dá a oportunidade de refletir sobre o assunto e imaginar, por exemplo, os motivos de o grupo Pixação SP ter sido convidado a participar da 29ª Bienal de São Paulo, mesmo após os ataques polêmicos ocorridos durante a edição anterior. O catálogo da nova mostra explica a decisão dos curadores afirmando que "nem tudo que é arte o campo institucional é capaz de abrigar ou de entender plenamente". Acho que o mesmo vale para nós, cidadãos-espectadores.
O fato de Banksy chegar à televisão e às livrarias, de o grupo Pixação SP estar na Bienal e de muitos outros grafiteiros serem aos poucos incluídos em galerias e museus de todo o mundo prova que a sociedade se interessa cada vez mais por esse tipo de arte, não somente por curiosidade, mas também para aprender a lidar com ela. No entanto, é bem difícil prever o futuro dessa relação. Pois já constatamos que o grafite conquistou um lugar de destaque na cidade; agora, resta saber com exatidão que lugar é esse, se deve continuar ilegal, se é célebre ou banalizado, atraente ou banido, cultuado ou apenas perseguido. Mesmo estando a apenas alguns passos de um muro grafitado, ainda vai levar um tempo para nos posicionarmos com segurança em relação a ele. Enquanto isso, as discussões estão abertas e são muito bem-vindas.
Ria agora, mas um dia nós estaremos no comando, de Banksy
Este artigo também foi publicado em Psicanalítica – Revista de Cultura e Arte
Foi com essa lógica ácida e simples que o grafiteiro inglês Banksy conquistou minha admiração. O primeiro contato com sua obra ocorreu recentemente, quando ele reinventou a vinheta de abertura do seriado Os Simpsons a convite da produtora e obteve repercussão bastante polêmica. Na ocasião, Banksy criticou o próprio programa, o sistema capitalista de que faz parte, a máquina industrial chinesa, o trabalho infantil e a atitude indiferente da sociedade que consome os produtos desse processo. Tudo isso em pouco mais de um minuto de desenho animado.
Acho muito difícil concordar totalmente com alguém que viola e depreda patrimônio alheio – público e particular – para exercer sua arte. Mas assumo que o trabalho de Banksy, apesar do meio em que atua, é no mínimo intrigante. Veja bem, a abertura de Os Simpsons foi uma exceção, quase toda a produção do artista está nas ruas. Então, fico me perguntando se é possível dissociar o grafite desse meio; quer dizer, será que ele se sustentaria se não estivesse ocupando ilegalmente os muros da cidade? A resposta mais provável é "não".
Banksy precisa dos muros, mesmo que essa dependência não seja recíproca. Ele precisa da ilegalidade, do atrevimento, pois é isso que dá significado às suas criações – para não dizer visibilidade. Grafite sem violação é alma sem corpo, que vaga por aí sem jamais ser percebida pelos passantes.
Por mais que às vezes eu me convença das reais necessidades dessa prática, do engajamento, da subversão dos valores, da crítica política e social, como poderia justificá-la? Como poderia argumentar a favor, estando do lado da lei? Não, defendê-la seria hipocrisia, seria abrir precedente para diversas outras práticas tão ou ainda mais danosas. Nosso papel nessa relação é ser contra. Aquela obra precisa dessa forma paradoxal de legitimação para sobreviver, precisa dela tanto quanto das paredes em que ganha corpo, precisa da madrugada, da adrenalina e da ousadia. Em outras palavras, o consentimento da comunidade destruiria o conceito da obra ou, no mínimo, a condenaria a se adequar ao universo da arte reconhecido oficialmente – título que, com certeza, o grafite não deseja.
Como disse antes, é muito difícil estar totalmente de acordo com Banksy e seus semelhantes, mesmo que os argumentos utilizados por eles se baseiem na tradição amplamente aceita de que "a parede sempre foi o melhor lugar para exibir o trabalho [artístico]".
Aliás, o livro de onde tirei essa citação é uma fonte de pesquisa bastante irreverente. Chama-se Wall and Piece (Muro e Obra), uma analogia com War and Peace (Guerra e Paz). Escrito pelo próprio Banksy, ele apresenta um panorama de seus trabalhos e elucida a maneira como o autor entende a arte de rua. Se não nos convence a aceitá-la, ao menos dá a oportunidade de refletir sobre o assunto e imaginar, por exemplo, os motivos de o grupo Pixação SP ter sido convidado a participar da 29ª Bienal de São Paulo, mesmo após os ataques polêmicos ocorridos durante a edição anterior. O catálogo da nova mostra explica a decisão dos curadores afirmando que "nem tudo que é arte o campo institucional é capaz de abrigar ou de entender plenamente". Acho que o mesmo vale para nós, cidadãos-espectadores.
O fato de Banksy chegar à televisão e às livrarias, de o grupo Pixação SP estar na Bienal e de muitos outros grafiteiros serem aos poucos incluídos em galerias e museus de todo o mundo prova que a sociedade se interessa cada vez mais por esse tipo de arte, não somente por curiosidade, mas também para aprender a lidar com ela. No entanto, é bem difícil prever o futuro dessa relação. Pois já constatamos que o grafite conquistou um lugar de destaque na cidade; agora, resta saber com exatidão que lugar é esse, se deve continuar ilegal, se é célebre ou banalizado, atraente ou banido, cultuado ou apenas perseguido. Mesmo estando a apenas alguns passos de um muro grafitado, ainda vai levar um tempo para nos posicionarmos com segurança em relação a ele. Enquanto isso, as discussões estão abertas e são muito bem-vindas.
Ria agora, mas um dia nós estaremos no comando, de Banksy
Este artigo também foi publicado em Psicanalítica – Revista de Cultura e Arte
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
QUEM SOMOS NÓS
O filme abaixo me respondeu, de maneira clara e divertida, muitas daquelas perguntas existenciais que estamos sempre fazendo, do tipo "quem somos nós? qual é o nosso papel na vida? o que desejamos? quais são os nossos sonhos? para onde vamos?" Ele surgiu de estudos que a BOX1824* realizou nos últimos cinco anos.
Vale a pena prestar atenção num fato: a arte – leia "cinema, música, artes plásticas, literatura, etc." – não apenas entretém, não apenas emociona. Ela determina nossa cultura e, consequentemente, nos permite crescer como seres humanos. Seres mutantes, vivos e sempre em busca da verdadeira felicidade, seja ela qual for.
We All Want to Be Young
(Nós todos queremos ser jovens)
Roteiro e direção: Lena Maciel, Lucas Liedke e Rony Rodrigues.
*A BOX1824 é uma empresa de pesquisa especializada em tendências de comportamento e consumo. Site: www.box1824.com.br
Vale a pena prestar atenção num fato: a arte – leia "cinema, música, artes plásticas, literatura, etc." – não apenas entretém, não apenas emociona. Ela determina nossa cultura e, consequentemente, nos permite crescer como seres humanos. Seres mutantes, vivos e sempre em busca da verdadeira felicidade, seja ela qual for.
We All Want to Be Young
(Nós todos queremos ser jovens)
Roteiro e direção: Lena Maciel, Lucas Liedke e Rony Rodrigues.
*A BOX1824 é uma empresa de pesquisa especializada em tendências de comportamento e consumo. Site: www.box1824.com.br
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
A VOZ DO JAZZ ÀS GARGALHADAS
Quem gosta de jazz vive falando dos diálogos e improvisos entre os instrumentos, da sintonia com o cotidiano, da verdadeira voz da música, etc. Quem não gosta se faz de desinteressado, considera aquilo tudo invencionice de gente aficcionada, parece tão chato de ouvir quanto de argumentar a respeito.
Nesta cena maravilhosa, o humorista americano Jerry Lewis mostra que o jazz e a vida têm muito em comum. Tudo bem, falo como fã do estilo. Se você também é, assista, vai ser divertido. Se você não é, assista também. Tenho certeza de que os nossos blá blá blás passarão a fazer muito mais sentido.
Jerry Lewis - O garoto dos recados (1961)
Nesta cena maravilhosa, o humorista americano Jerry Lewis mostra que o jazz e a vida têm muito em comum. Tudo bem, falo como fã do estilo. Se você também é, assista, vai ser divertido. Se você não é, assista também. Tenho certeza de que os nossos blá blá blás passarão a fazer muito mais sentido.
Jerry Lewis - O garoto dos recados (1961)
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