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sábado, 26 de junho de 2010

FOTOGRAFIA, UMA QUESTÃO PICTÓRICA



Explorar com fotografia temas de que a pintura se cansou. Num primeiro momento, essa parece ser a premissa da mostra Pittoresco, de Antonio Saggese. Só que, aos pouquinhos, as cerca de setenta imagens exibidas ali vão revelando preocupações mais profundas, que abrangem aspectos formais e conceituais das artes visuais (não exclusivamente fotográficas).



A relação com a pintura é evidente, o próprio título da mostra já propõe um diálogo com o que Giorgio Vasari, lá na Itália renascentista, chamava de "a là pittoresca", e que desaguaria no inglês "picturesque" do século XVIII. Um modo de pintar e de escolher os assuntos, que busca qualidade pictórica além do objeto próprio da pintura, como lembra Saggese.



Essa relação entre foto e quadro fica mais clara quando ultrapassamos o referente – nuvens, árvores, cachoeiras – e notamos o sistema de impressão "jato de tinta" que Saggese escolheu para fixar suas imagens no papel. Pois, se a maneira tradicional de trazer ao mundo as cenas capturadas pela câmera se modifica – filme, revelação e ampliação –, talvez a palavra "fotografia" também adquira novos sentidos. Na era digital, não se trata mais de "criar com luz", mas de criar a partir daquilo que a luz nos permite ver, aproximando a fotografia de outras linguagens visuais, como a própria pintura. Assim, as águas correntes de Saggese, tal como suas nuvens, transformam-se em manchas de cor e provam que algo tão impensável quanto fotografar abstratamente pode ser possível. E a tinta de impressora sobre papel algodão rende mesmo uma textura diferente, faz com que algumas obras se assemelhem a aquarelas ou guaches, adquirindo transparências que dificilmente seriam alcançadas com o papel fotográfico comum.



O debate não acaba aí – há também outros suportes na mostra, além do papel de gravura, como por exemplo chapas de metal, vídeos e panos, cada qual com suas peculiaridades. Todos, no entanto, parecem concordar com a decomposição da imagem em camadas. Se a tinta sobre papel obtém isso com a sugestão de transparência, os vídeos o fazem com os tecidos em que são projetados, que vão se apropriando da luz na medida em que ela os atravessa; os metais, com os diferentes brilhos que proporcionam e uma outra peça, em particular, o faz separando literalmente o primeiro plano (árvores) do segundo (céu), obrigando o visitante a observá-la por determinado ângulo para reunir a imagem. Esse processo chama nossa atenção não apenas para a ilusão que cria, mas também para as diversas dimensões que uma imagem pode adquirir nas mãos de um artista. De alguma maneira, ele nos faz pensar no que estaria oculto atrás daquilo que se revela a nós em primeira mão, como na superfície de um espelho.



Saggese capturou muitas imagens de nuvens, que exemplificam perfeitamente essa mistura ilusionista de planos. Pois, ao mesmo tempo em que parecem se fundir com o céu, as nuvens estão se movimentando, se transfigurando sobre aquele palco de aparência estática. Em outras palavras, as nuvens e o céu, que teoricamente pertencem ao mesmo plano, na verdade se encontram nele apenas durante um breve instante – o instante da foto –, pois pertencem a unidades de tempo diferentes. O céu é constante, nuvens são volúveis. Enquanto juntos apresentam seu maravilhoso espetáculo natural, mexem com nossa imaginação, ficamos a observá-las numa brincadeira de criança, procurando reconhecer ali personagens, ações e, talvez, a nós mesmos. É o efeito da nossa vivência sobre aquela massa plástica pendurada entre molduras. É também o convite de Saggese à nossa participação. Novamente, fotografia e pintura se encontram, uma comunhão de presente e passado, tendo a natureza como princípio de criação artística.


São as viagens atentas de Saggese por diversas localidades do país que nos permitem viajar também por mundos distantes, interiores e exteriores; é a busca do artista que nos proporciona tantas descobertas novas. Tudo isso tendo como tema... o quê? Nuvens? Árvores? Cachoeiras? Não, suspeito de algo maior, que extravasa esses limites meramente figurativos. Talvez tudo se resuma a uma conversa com o branco, a cor da modernidade, das múltiplas possibilidades, da alvura do papel que fixa e também expande infinitos significados através da atitude pictórica do artista. A atitude criadora, luz do princípio de tudo, oposta à caixa preta e à câmara escura. Há uma foto praticamente toda branca na exposição que contém essa ideia. Ela sugere uma possível paisagem, um pedaço de existência deixado ao nosso critério. A totalidade da luz e a ausência de pigmento. E vice-versa.

PITTORESCO
De Antonio Saggese
Instituto Tomie Ohtake
De 15 de junho a 25 de julho

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A NECESSIDADE DA CRÍTICA



"O meio de arte é bastante democrático do ponto de vista das múltiplas possibilidades de ser das obras. A pluralidade é a regra. Há de tudo em um museu. Isto é extremamente fértil e razão maior para a necessidade da crítica e do juízo. Por outro lado, é também um meio atravessado por hierarquias, no qual o artista e sua criatividade indiscutível podem tudo, mas limitam constantemente a presença do outro, do público não-especializado. Limitam no sentido de evitarem muitas vezes romper com procedimentos poéticos já aceitos pelo mercado e instituições. Seja no Brasil, seja no exterior, há uma repetição de nomes e processos criativos um tanto redutores. Não há fórmula para enfrentar esses vícios do circuito. Evidentemente, muitos desses artistas são de qualidade indiscutível. O problema é a criação de modelos poéticos que se propagam e padronizam a criação, e isto pede mais crítica, não menos. O papel da crítica não é criar polêmica, mas procurar espaço para o confronto de ideias e a disseminação de sentidos para as obras de arte."

Luiz Camillo Osorio, em Razões da Crítica

sábado, 19 de junho de 2010

AS ASAS DAS BORBOLETAS



Imagine-se caminhando por um campo florido sob o claro sol de inverno, a brisa fria tocando seu rosto de leve, o céu azulzinho, a grama ainda molhada pelo sereno da noite recém-vencida. E uma xícara de café quente lhe aguardando a poucos passos num chalé com lareira acesa e cheiro de pão no ar. Agora, imagine-se preso a uma cama de hospital com o corpo totalmente paralisado, os olhos fixos no teto, condenado a sonhar eternamente com a cena anterior sabendo que jamais poderá vivenciá-la. Imagine também a angústia de não poder falar, escrever ou fazer qualquer outra coisa para dividir esse sentimento com alguém.

Não importa o quanto você imagine, jamais poderá compreender a realidade de quem carrega uma sina tão cruel. Ainda bem que aos poucos vêm surgindo promessas de melhorias, seja para revertê-la, seja para amenizar o sofrimento.

Talvez você também esteja imaginando por que trago um assunto delicado como esse para o caderno de cultura. Simples: um projeto recente tem ajudado pessoas com paralisia a recuperarem a vontade de viver por meio de – adivinhem – arte.

Acho que não existe nada pior do que sermos privados de nossa expressão pessoal ou, melhor dizendo, dos meios que possuímos para exercê-la. Porque o ato de expressar-se é natural do ser humano, não conseguimos simplesmente nos livrar dele. Colocar sentimentos, vontades e pensamentos para fora é nossa maneira de pertencer ao mundo.

Olhe ao redor, todos se revelam de alguma maneira, seja pintando girassóis, seja jogando bola, cozinhando, organizando encontros de amigos e assim por diante. Agora, o que faríamos se de repente nos víssemos obrigados a manter essa necessidade criativa trancafiada, essa criança hiperativa que quer pular, cantar e correr o tempo inteiro? É uma tarefa árdua e também impossível de se cumprir sozinho.

Eis que surge o EyeWriter, um projeto que visa desenvolver a capacidade expressiva a quem perdeu os movimentos do corpo. Simplificando, trata-se de óculos equipados com microcâmera que, ligados a um software gráfico, reconhecem o movimento do globo ocular e possibilitam a execução de desenhos digitais. São três equipes de profissionais que, em parceria com o grafiteiro Tony Quan (diagnosticado em 2003 com uma doença degenerativa) vêm implementando as novas descobertas em diversos países. Eles utilizam materiais locais e fontes de pesquisa compartilhadas para obterem resultados positivos com custo baixo, o que possivelmente caracteriza o grande diferencial do EyeWriter e o torna muito mais relevante. Afinal, quanto mais barato for, mais pessoas terão acesso. No site do projeto há inclusive um passo-a-passo para quem precisa montar um.

Fiquei muito contente ao descobrir tamanha engenhosidade e me lembrei imediatamente de Jean-Dominique Bauby, ex-redator chefe da revista francesa Elle, atingido por aquilo que a medicina chama de "locked-in syndrome" (literalmente, trancado dentro de si mesmo). Durante os meses em que ficou hospitalizado, ele podia mover apenas um olho, que se tornou seu meio de conexão com o mundo. Com esse olho, Bauby realizou a proeza de escrever um livro, intitulado O escafandro e a borboleta, no qual relatou as angústias enterradas sob sua pele. Isso só foi possível graças a um precário sistema de "digitação" criado por sua enfermeira, que ia ditando letras até obter uma piscadela do paciente.

Bauby memorizava os capítulos previamente e, letra por letra, palavra por palavra, o livro foi surgindo. Isso o manteve focado, produzindo, refletindo e enfrentando diariamente a situação crítica que vivia. Talvez possamos até mesmo dizer que foi aquele sistema de escrita que o manteve são, dividindo com o papel o peso psicológico da doença. Em determinado momento, ele revela: "O escafandro já não oprime tanto, e o espírito pode vaguear como borboleta".

Jean-Dominique Bauby venceu a doença porque pôde continuar expressando seus sentimentos e se sentindo parte do mundo. Sua história ainda hoje é exemplo do poder vital da criação artística. Imagino que projetos inovadores como o EyeWriter permitirão que muitas outras histórias semelhantes se concretizem. Pois, contrariando a sabedoria popular, talvez não seja a esperança a última que morre, mas nossos sentimentos mais profundos. Quando tudo parece ter chegado ao fim, eles permanecem vivos. E a arte ainda pulsa.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

MORRE JOSÉ SARAMAGO


O sorriso sincero do escritor português José Saramago (1922-2010)

A notícia da morte de José Saramago me deixou muito triste. Sempre admirei sua atuação literária, crítica e social. Li seus romances, embora menos do que gostaria. Visitei a retrospectiva biográfica de sua obra no Instituto Tomiê Ohtake e me senti ainda mais próximo de sua pessoa, foi uma pena que não pude ir no dia de abertura, quando ele esteve presente. A gente se desencontrou naquele momento, mas eu o encontrei em tantos outros durante a vida, nas páginas dos livros, nas declarações da TV, nas notícias de jornais e em seu blog pessoal. Só tenho a agradecer por seus serviços prestados à humanidade. Fica aqui minha homenagem. Sentirei sua falta.


Este vídeo mostra a reação de José Saramago ao ver pela primeira vez o filme Ensaio sobre a cegueira, que Fernando Meirelles fez baseado no romance homônio. É um momento emocionante tanto para eles quanto para nós. E exemplar também.

Se o vídeo não funcionar (tem acontecido bastante ultimamente), tente aqui.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

O MUSEU E O BRASIL

Na revista BRAVO! deste mês, a jornalista Gisele Kato aproveitou a matéria sobre o museu Metropolitan de Nova York para fazer uma crítica muito pertinente à sociedade e às instituições privadas brasileiras, tal como reproduzo abaixo:


Gertrude Stein (1905-6), de Pablo Picasso

UMA SAGA EXEMPLAR
por Gisele Kato

Não seria exagero dizer que a coleção de obras de Pablo Picasso (1881-1973) no Museu Metropolitan, em Nova York, começou por acaso. Em 1946, a poeta Gertrude Stein decidiu doar ao museu americano o retrato que o mestre espanhol havia feito dela em 1906. Na época, escreveu: “Eu sempre quis entrar para a história”. E assim aconteceu. A tela, a primeira do artista a figurar no acervo do Metropolitan, foi recebida no hall principal da instituição e atribuiu de vez um status de celebridade a Gertrude. Hoje, o museu possui 34 pinturas, 58 desenhos, aquarelas e pastéis, duas esculturas, dez placas de cerâmica e quase quatrocentas gravuras de Picasso. Muitas das peças são obras-primas. E, com exceção de 36 delas, todas vieram de doações – com histórias que envolveram desde londas negociações até entregas mais repentinas. A saga é ilustrativo de uma cultura – a americana – em que os cidadãos se sentem responsáveis por seus museus. Fica em cartaz até o dia 1º de agosto a mostra Picasso in the Metropolitan Museum of Art em Nova York – que, além de impressionante, chama a atenção para esse exemplo a ser seguido por países como o Brasil, em que se espera muito do Estado mas são poucos os cidadãos e instituições privadas que realmente fazem algo pelo mundo da cultura.

Link para a obra no Metropolitan: Gertrude Stein

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A ARTE DO OLHAR

Um projeto genial permite que pessoas com paralisia possam pintar por meio de softwares que interagem diretamente com o globo ocular. E o melhor: a custos baixíssimos.

Um dos pioneiros é Tony Quan, grafiteiro diagnosticado com ALS em 2003, que voltou a exercer sua arte por meio do EyeWriter e agora ajuda também a difundir esperança mundo afora.




Conheça o projeto em detalhes: EyeWriter





Ouça o comentário de Gilberto Dimenstein que originou este post: Pintura com os olhos, por Gilberto Dimenstein (CBN)

terça-feira, 8 de junho de 2010

É POR ISSO QUE EU ADORO PATO FU

Quem é que nunca pensou em como seria legal fazer música como as que você vê abaixo. E quem foram os únicos que superaram o "Não vai dar certo" e conseguiram?


Live or let die, com Pato Fu (Música de Brinquedo)


Primavera, com Pato Fu (Música de Brinquedo)


Link original: UPDATEorDIE

domingo, 6 de junho de 2010

LYGIA CLARK À DISTÂNCIA

A arte brasileira enfrenta um problema sério: o das famílias de artistas falecidos que possuem direito sobre as obras remanescentes. No ano passado, por exemplo, um incêndio consumiu parte da produção de Hélio Oiticica, precariamente armazenada por seu irmão em um apartamento comum no Rio de Janeiro. Agora, como mostrou a Folha de São Paulo, a questão se volta sobre Lygia Clark, outra das mais importantes figuras artísticas do Brasil. Se a exposição de sua obra fica prejudicada, toda a população a quem ela se dirige também. Leia abaixo um trecho da matéria:


Exposição sobre fase terapêutica de Clark, com curadoria de Suely Rolnik, na Pinacoteca do Estado, em 2006 (Tuca Vieira/24.jan.06/Folhapress)

Não é apenas da 29ª Bienal de São Paulo que Lygia Clark foi retirada por desacordo com a associação O Mundo de Lygia Clark, dirigida por Álvaro Clark, filho da artista.

Uma mostra no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza, com curadoria de Suely Rolnik, que apresentou, de 17/4 a 7/5 passado, 20 depoimentos sobre Clark, parte de sua antológica mostra na Pinacoteca, em 2006, não pôde exibir sequer o nome da artista.

Os depoimentos colhidos por Rolnik abordavam a obra de Clark por meio de pessoas que passaram por seu set terapêutico, entre eles Jards Macalé e Caetano Veloso.

A mostra de 2006, "Lygia Clark: da Obra ao Acontecimento", foi considerada internacionalmente uma das melhores formas de exibir essas práticas experimentais.

Em Fortaleza, a exposição teria apenas os vídeos, mas, para que o nome da artista constasse dos folhetos, anúncios na internet e textos de parede, a associação cobrou cerca de R$ 40 mil.

"Esse valor é alto por incluir uma multa, já que nem fomos procurados sobre essa mostra", diz Álvaro Clark.

"Realmente, isso não pode continuar, várias famílias estão causando prejuízo para a obra dos artistas, como também ocorre com Volpi e Goeldi", diz Ricardo Resende, consultor do projeto Leonilson e diretor do Centro de Artes Visuais da Funarte.

Reforma da lei
Segundo Resende, a Funarte irá criar um edital para ajudar famílias de artistas a cuidar do patrimônio herdado, mas com alguma forma de restrição ao poder excessivo dessas famílias.

"Na nova lei de direito autoral, há um grupo de trabalho que busca repensar essa questão", afirma o diretor.

"A lei brasileira é nosso maior problema, pois, da forma como as coisas estão ocorrendo, parece que não se quer que a cultura tenha um canal de fruição", diz Maria Alice Milliet, curadora da Fundação Nemirovsky.

Seu livro "Lygia Clark: Obra Trajeto", de 1992, está esgotado há mais de dez anos e não teve nova edição por conta dos custos que a associação impôs à Edusp.

"Essa foi minha dissertação de mestrado, primeiro livro sobre Clark, lançada por uma editora universitária, portanto, sem fins lucrativos", conta Milliet. "Mas os custos impostos pela família da artista inviabilizaram uma segunda edição."

Na 29ª Bienal, Clark participaria com "Caminhando", uma de suas obras mais importantes e, ao mesmo tempo, de execução mais simples: precisa de rolo de papel e tesoura para ser realizada.

"A ausência do trabalho só vai levantar mais curiosidade. Será a política do evento", disse a curadora convidada Yuko Hasegawa, num debate anteontem.

por Fábio Cypriano, com colaboração de Silas Martí
(retirado do jornal Folha de São Paulo, 4 de junho de 2010)


Link para versão online: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/745303-projetos-sobre-lygia-clark-sofrem-com-custos-impostos-por-sua-familia.shtml