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quarta-feira, 30 de março de 2011

COLEÇÃO NEMIROVSKY: PATRIMÔNIO NACIONAL

Em carta aberta à população brasileira, a Pinacoteca do Estado de São Paulo pede auxílio para continuar a gerir a importante Coleção Nemirovsky, permitindo que ela esteja sempre acessível a todos.

Quem quiser colaborar pode usar o link Pinacoteca de São Paulo e aderir ao abaixo assinado.


segunda-feira, 28 de março de 2011

"Uma noite, eu estava sentado na cama do meu quarto de hotel, em Bunker Hill, bem no meio de Los Angeles. Era uma noite importante na minha vida, porque eu precisava tomar uma decisão quanto ao hotel. Ou eu pagava ou eu saía: era o que dizia o bilhete, o bilhete que a senhoria havia colocado debaixo da minha porta. Um grande problema, que merecia atenção aguda. Eu o resolvi apagando a luz e indo para a cama."

John Fante, em Pergunte ao pó
Um bom texto é uma resposta sincera a uma boa provocação.

sexta-feira, 25 de março de 2011

ENCONTROS COM O PERSONAGEM

Quando assisti ao filme Cisne Negro, fiquei muito impressionado com a maneira pela qual a protagonista se perde em conflitos interiores para incorporar duas personagens essencialmente opostas, simbolizadas pelos tradicionais "bem" e "mal". Maneira esta que não apenas beira a insanidade, mas que a adentra e leva até uma grave neurose. Se você ainda não viu, não se preocupe, não pretendo estragar a experiência revelando detalhes da trama. Acontece que o filme me lembrou de casos anteriores, alguns reais e outros imaginados, em que pessoas se deixaram envolver perigosamente com o universo ficcional – pude constatar, assim, que isso é mais comum do que parece.

Minha namorada, por exemplo, quando conheceu os livros da série Crepúsculo, ficou tão alucinada que não conseguia pensar em outra coisa além de voltar logo para casa e continuar a leitura. Eu diria que até hoje ela continua meio afetadinha pela promessa de amor eterno do vampiro Edward.

Você mesmo deve ter vivido situação semelhante, ainda que não com tamanha intensidade. Pense no romance O código Da Vinci, que gerou uma curiosa crise com a Igreja Católica e seus devotos mais radicais. Na ocasião, discutiu-se o que nele seria verdade, o que seria perjúrio e o que seria excesso de ousadia do autor. Rolou até mesmo uma tentativa de proibição da leitura, disfarçada de conselho episcopal, como uma sombra do abominável Índex do Santo Ofício. Blasfêmia!, gritavam daqui; Liberdade de expressão!, bradavam dali. Muita gente tomou o romance como fato incontestável e levantou armas contra ou a favor. Outros tiraram os olhos do livro e passaram a encarar o dia-a-dia com desconfiança. Cheguei inclusive a presenciar uma discussão sobre o pecado de ler. Agora, o que a maioria jamais considerou é que O código Da Vinci é um romance, uma obra ficcional sem pretensões de promover uma revelação histórica. Uma narrativa inventada para entreter, ainda que baseada numa hipotética realidade passada.



Algumas dessas narrativas, ou mesmo personagens delas, exercem um fascínio tão grande sobre o público que chegam a afetar suas vidas profundamente, levando inclusive à morte. Um caso clássico é o de Os sofrimentos do jovem Werther. Escrito por Johann Wolfgang von Goethe e publicado pela primeira vez em 1774, o romance se tornou símbolo do Sturm und Drang alemão, embora hoje pareça mais um melodrama um tanto quanto fora de moda. Na época, todavia, muitos jovens passaram a se vestir como o protagonista, enquanto outros, contagiados pela melancolia exacerbada, seguiram seu exemplo e deram cabo à própria vida.

Um século mais tarde, quando Arthur Conan Doyle decidiu se livrar de seu personagem mais famoso para conseguir escrever sobre novos assuntos, Londres viveu tempos de pesar e revolta: leitores indignados enviaram reclamações aos editores e saíram às ruas usando braçadeiras de luto. Oito anos depois, Doyle cedeu à pressão – e às generosas ofertas financeiras –, inventou uma lorota bastante discutível e fez reviver o detetive Sherlock Holmes, para alegria geral da nação leitora.

Uma situação bem mais recente é relatada por Stephen King no primeiro dos sete livros de A torre negra. A série demorou três décadas para ficar pronta. Nesse meio-tempo, em uma das longas pausas criativas do autor – em que os fãs chegaram a lastimar que ela jamais fosse concluída –, uma senhora de oitenta e dois anos lhe escreveu: tenho um ano de vida, catorze meses no máximo. O câncer tomou conta de mim. Antes de partir, queria saber o final da trama, prometo não contar a ninguém. Por favor.

De minha parte, só tenho a dizer que, após muita dedicação, terminei de ler todos os volumes da saga Harry Potter. É impossível não se afeiçoar àquele menino que cresceu junto com seus leitores-alvo, mesmo não sendo o meu caso – talvez algo semelhante tenha acontecido comigo durante o seriado televisivo Anos incríveis. Enfim, quando li a última linha do último livro, imediatamente pensei: que coisa sem graça será minha vida sem a bruxaria!

Não muito diferente do que nos casos supracitados, meu encontro com esse personagem se dera de maneira entusiasmante, o que costuma caracterizar uma boa fonte de entretenimento. Passadas algumas semanas, digo sem titubear que retomei a rotina em sã consciência e que agora tudo transcorre normalmente; embora, de vez em quando, eu pense em como seria bom fazer meu carro levitar para fugir de um congestionamento, ou mesmo deseje estuporar alguém que venha encher a paciência no trabalho. Ah, doce ficção!


Notas sobre as ilustrações:
1. Mão com esfera reflectora (1935), de M. C. Escher (autorretrato)
2. Répteis (1943), de M. C. Escher
3. Encontro (1944), de M. C. Escher

terça-feira, 22 de março de 2011

NÃO TEM COMO DESGOSTAR DO DRUMMOND

Comprei por esses dias A rosa do povo, quinto livro de poemas de Carlos Drummond de Andrade, publicado originalmente em 1945 e republicado como tal há pouco tempo, numa coleção da editora Record. Até então, esses poemas só tinham aparecido em coletâneas. Comecei a folheá-lo sem compromisso, lendo trechinhos esparsos. Até que me dei com o título Anoitecer.

Após alguns versos sobre a noite louca da metrópole, movimentada, barulhenta e insone, o poeta diz:

"Hora de delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo."

É por essas e muitas outras que me parece impossível não gostar do Drummond. Quem mais, senão ele, seria capaz de criar imagens tão simbólicas como essa dos corvos, bicando o corpo que parou no tempo e que, justamente por isso, virou passado? Um corpo que se modifica a cada bicada, que é sempre uma entidade em formação e que, portanto, também é futuro. Um corpo sem dono, condenado ao degredo e abandonado pela eternidade. Uma imagem que dá medo, claro, mas que também nos coloca para pensar.

Homem de olhar profundo e de versos simples, porém marcantes: esse é o Drummond. Não há como não gostar dele, sempre digo isso. Digo também que, se alguém não gosta de poesia, é porque não conhece o Drummond.

Achei que seria justo fazer essa homenagem, assim como a toda essa maravilhosa arte que ele nos proporciona. Uma homenagem surgida do acaso, porém acolhida com muito carinho. Uma rosa para o povo, outra rosa ao poeta.


A rosa do povo reúne 55 poemas escritos em plena 2ª Guerra Mundial, entre 1943 e 1945, época em que Carlos Drummond de Andrade já tinha se acostumado com as novidades da enorme Rio de Janeiro, então capital do país, e abandonava aos poucos a inocência da sua pequena Itabira, no interior de Minas Gerais. Após o angustiante e ao mesmo tempo deslumbrante primeiro encontro, tão presente no livro anterior – Sentimento do mundo, de 1940 –, o poeta agregou à sua obra os pensamentos politizados daquela época tão conturbada.

segunda-feira, 21 de março de 2011

"Claro que está acontecendo em sua mente, Harry, mas por que isto significaria que não é real?"

J. K. Rowling, em Harry Potter e as Relíquias da Morte

quarta-feira, 16 de março de 2011

PRETO NO BRANCO



"Está tudo ali", diria Freud, "tão claro quanto a soma de 1 + 1". O diretor do balé dá a dica logo no início: ele quer reinterpretar o clássico Lago dos Cisnes e precisa de uma dançarina que incorpore o bem e o mal, que transite com facilidade entre esses dois pontos de vista tradicionalmente antônimos. "Todo mundo possui um lado bom e outro ruim, basta se esforçar para aflorá-los". Dizer é fácil, mas assumir a face oculta da personalidade pode causar transtornos que nem a psicanálise explica. A força do filme Cisne Negro se concentra justamente aí, nesse dilema já bastante explorado no cinema, mas que ainda tem potencial para render ótimos dramas. Basta fazer direitinho, com cuidado e sensibilidade, como conseguiu o diretor Darren Aronofsky.

Repare no cenário e no figurino: tudo é preto ou branco, não existem meios tons. Bem típico do nosso costume maniqueísta de encarar a vida, em que o bem e o mal não ocupam o mesmo lugar no espaço. Bobagem. Quando a personagem interpretada por Natalie Portman – a princesinha que é o cisne branco em pessoa – precisa ser também seu algoz, o conflito se coloca. E contamina todos ao redor.

Na plateia, a gente se confunde, não dá para saber o que é alucinação e o que é real. Enquanto a bailarina luta para arrancar a casca pálida que acoberta seu interior sombrio, as teorias psicanalíticas surgem como as melhores coadjuvantes – tem a questão do duplo, da sombra, dos desejos reprimidos e da sublimação. Tem também algo muito mais forte, que lembra o romance O Retrato de Dorian Gray (1890), de Oscar Wilde: a perigosa mistura de vida e arte.

Para quem não leu, a história trata de um jovem muito vaidoso que, querendo ser – e permanecer – perfeito, amaldiçoa um retrato seu, fazendo-o envelhecer em seu lugar. Acontece que, com o passar do tempo, a visão da pintura corrompe sua sanidade, até que não se distingue mais quem é o verdadeiro Dorian.

Em Cisne Negro, as personagens assumem o papel da bailarina, invadem sua vida pessoal, deixam o palco para ganhar as ruas. Tudo que antes parecia claramente dividido se transforma. Vida e arte, assim como realidade de ficção, passam a ser uma coisa só.



Preste atenção nos detalhes, como o rosto do diretor do balé, que, indeciso entre as concorrentes para o papel principal, é focalizado exatamente na emenda de dois espelhos. E ainda nas sombras no fundo do palco, depois da maravilhosa transformação da bailarina no cisne negro, que permanecem com asas, embora os espectadores não vejam nada além da mera representação artística – o público vê a obra, mas ignora a alma. São detalhes como esses que acrescentam significado às cenas e, antes de tudo, mostram o cuidadoso trabalho de Aronofsky.

"Foi perfeito", diz a bailarina no final da dança. Ser perfeita, assim como Dorian Gray, era tudo que ela desejava. Aquilo que antes parecia fadado a competir eternamente se funde então em uma única entidade, uma mistura de bem e mal, branco e preto. Para que os dois cisnes ganhassem vida num espetáculo sublime, a bailarina agiu como o ambicioso Dorian e abriu mão de sua sanidade. Ao incorporar ambas as personagens, deixou de ser a si mesma; cedeu à pressão, seu conflito interior extravasou e acabou por destruí-la.

Um corpo consegue assumir formas diversas no palco, transformar-se a si próprio é imprescindível à boa atuação. Só que talvez a mente não seja forte o bastante para distinguir a verdade da mentira. O espelho se quebra e, nos cacos que restam, vemos apenas breves indicações da identidade que se perdera. Foi perfeito. Só que o perfeito, como sabemos, é impossível.


terça-feira, 8 de março de 2011

"Não temos motivo algum para desconfiar de nosso mundo, pois ele não está contra nós. Caso possua terrores, são os nossos terrores; caso surjam abismos, esses abismos pertencem a nós; caso existam perigos, então precisamos aprender a amá-los."

Rainer Maria Rilke, em Cartas a um jovem poeta

domingo, 6 de março de 2011

MENSAGEM NA GARRAFA


Farol e casas em Portland Head, Cape Elizabeth, Maine (1927), de Edward Hopper

"Força de atração do mar. Aspiração pelo mar. Pessoas aparentadas ao mar. Ligadas a ele. Dependentes do mar. Devem retornar a ele."
A dama do mar (1888), de Henrik Ibsen

Meus encontros com o mar, hoje em dia, são muito diferentes do que eram no passado, quando eu era criança e tudo o que desejava era brincar o máximo possível com meus primos entre as infinitas possibilidades da areia e o imprevisível estímulo das ondas. Agora, recorro ao mar com outros propósitos. Não quero permanecer na água até as pontas dos dedos enrugarem e o maxilar tiritar de frio contra a minha vontade. O mar cresceu comigo e, de parceiro de algazarra, tornou-se meu terapeuta particular. Procuro seu auxílio em tempos difíceis; vou ao seu encontro para desaguar sentimentos e ele me ouve com profunda sabedoria. Mesmo que seu humor varie, o mar está sempre disposto a me ajudar.

Prefiro-o em fins de semana frios, cinzentos, quando sei que estaremos a sós. O mar é mais bonito no verão, porém é mais poético no inverno. Ofereço-lhe então minhas angústias e, entre idas e vindas, ele me recompensa com a cura, ainda que esta seja tão efêmera quanto a forma de suas águas. Quero esquecer este instante, afastar os pensamentos sombrios, organizar a razão, as memórias e os sonhos. Ao navegar, impreciso, o mar me coloca em contato comigo mesmo. Seu balanço ininterrupto faz as obrigações e a pressão momentâneas perderem o sentido – percebo o passado, o presente e o futuro acontecerem consecutivamente, indiferentes à minha participação. Sentado na areia, com a brisa a revolver meus cabelos, sentindo o cheiro úmido de sal impregnar meu corpo, estabeleço uma ligação com a eternidade.

Um amigo certa vez me contou que o barulho das ondas, quando se caminha sozinho pela orla, reverbera em outro estado de consciência. Suas vibrações se assemelham às da meditação zen budista. Isso só fez sentido para mim anos depois, quanto pratiquei um pouco de ioga e pude verificar que sim, é verdade, o caminho do nirvana passa pelo mar. A paz interior se encontra debaixo de camadas e camadas de água, repousando como um tesouro há muito naufragado. Para chegar até ela, é necessário vestir um escafandro e mergulhar fundo no inconsciente; vencer as correntes, revelando assim os segredos da psique humana. Ao abrir a arca, veja só que surpresa, eu descubro a mim mesmo, essa revelação inconcebível do ser.

Muito me admira a insistência do mar, a perseverança que não o deixa desistir de subir à praia, de avançar os limites da natureza, de perturbar o equilíbrio universal. Milhões de anos comprovaram que a vitória é impossível, só que o mar não desistirá. A beleza incorruptível da sua tentativa supera em muito o lampejo de qualquer sucesso. O mar age em prol de um ideal que, como todo ideal verdadeiro, jamais será alcançado. Respeito, justiça, moral em primeiro lugar. Essa atitude revela a integridade de seu caráter. O mar não é volúvel como o ar; é mais concreto do que a rocha, que sempre acaba por ceder às suas investidas.

Atraco finalmente em terra firme. A sessão acabou, é hora de voltar para casa. Sacudo a calça, tento deixar a areia onde a encontrei, viro as costas e caminho. Mas o mar não me larga, não aceita rejeição. Ninguém o abandona depois de conhecê-lo. O mar caminhará comigo, mesmo sem sair do lugar.

As memórias persistem, as angústias vêm à tona, os medos saem da toca. Tudo volta ao normal. A vida acontece agora, numa realidade que não posso me dar ao luxo de ignorar. Nasci condenado a permanecer nesse plano de consciência e, conhecendo as rotas de fuga, acho que o melhor mesmo é enfrentá-lo.

Só que o mar transforma. Sou prova incontestável disso. Carrego-o comigo para onde vou e, mesmo assim, quando a lembrança não basta, quando a saudade aperta, corro ao seu encontro. Sei onde encontrá-lo. Sei o que estará fazendo, sei que posso incomodá-lo a qualquer hora sem incomodar de verdade. Impassível. Meu gigantesco exemplo. Eu respeito o mar. Acima de tudo, eu o respeito. Pelo que fui, pelo que sou e pelo que serei. O mar estará sempre lá. Ele é minha certeza de completude. Permanência. Sobrevida.

quinta-feira, 3 de março de 2011

OS LIVROS E AS COISAS EM 1947

Este documentário de 1947 explica como os livros eram feitos na época, considerando gráfica, sistemas de impressão, maquinário, etc. Mas ele também explica como os próprios documentários eram feitos. E como as pessoas daquele tempo se vestiam. E como se fazia a divisão do trabalho entre os sexos. E como a indústria confundia os homens com as máquinas. E muito mais.

Seja qual for o seu interesse – melhor ainda se for por mera curiosidade –, assista-o!


Ps.: Acabei de perceber uma coisa: repare na semelhança desse documentário com o filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin. Legal, né?

quarta-feira, 2 de março de 2011



A coletânea de tiras dos PIRATAS DO TIETÊ que eu estava lendo me fez pensar na atual situação do LAERTE. Você já teve ter ouvido alguma coisa sobre seu CROSS-DRESSING, essa mania de se vestir de mulher que ele chama de 'pesquisa comportamental' – ou qualquer coisa assim. Então, toda vez que aparece uma nota na mídia, falam da saia, do corte de cabelo, das unhas pintadas, etc., mas ninguém fala da obra, do grande artista que ele é e da importância de seus cartuns. Só que foi ele mesmo que provocou essa situação. Sei lá, não entendo. Prefiro continuar a ler meus Piratas e afogar a indignação numa garrafa de rum.

No programa Provocações, da TV Cultura, você vê o Laerte com seus próprios olhos e ouve com os próprios ouvidos: Provocações