O mágico (L’illusionniste, 2010) não é uma animação 3D, não foi criada pela Disney/Pixar ou por qualquer outra gigante americana, não é uma refilmagem, não é a modernização de uma fábula clássica, seus personagens não são super-heróis, bichos falantes, robôs, extraterrestres ou comida, mas seres humanos como quaisquer outros; ainda assim, é uma animação digna de aplausos. Quantas dessas você viu na última década?
O roteiro e a produção, na verdade, são franceses. A França possui excelentes escolas de animação, pena que poucos filmes cheguem até nós. Mesmo O mágico, que tem roteiro do veterano Jacques Tati e direção de Sylvain Chomet, foi difícil de assistir. Ficou em cartaz apenas durante uma ou duas semanas naqueles mesmos cinemas alternativos de sempre, em São Paulo, e de repente retornou do esquecimento em uma sessão ‘cult’ promovida pelo Cinemark do Shopping D. Consegui assisti-lo numa segunda-feira, às duas horas da tarde, somente porque estava de férias. Inclusive, foi uma cena curiosa, pois nem mesmo os atendentes do cinema sabiam que ele estava em cartaz. Quando pedi o bilhete, me olharam com desconfiança e foram procurar no computador. Nem preciso dizer que a sala estava às moscas, né?
Voltando à questão principal, o enredo explora a decadência de algumas artes de entretenimento clássicas, que vão aos poucos sendo substituídas por outras mais em voga. Além daquela que dá nome ao filme, vemos a de palhaço, ventríloquo, trapezista etc., as quais desaparecem sem que ninguém perceba, condenadas a uma morte lenta e difícil de reverter. Tratando-se de uma animação 2D, considerando o discreto público que atraiu por aqui e comparando tudo isso à alta demanda de filmes 3D, acho que podemos considerá-la autorreferente – fora de moda, o estilo parece dar seu último suspiro e morrer junto dos próprios personagens que criou.
Não que eu acredite no fim dos desenhos 2D, especialmente dos bonitos como esse, feitos com aquarelas e traços caricatos nos moldes do ótimo As bicicletas de Belleville, também de Sylvain Chomet. Mesmo com as duas indicações ao Oscar que este último recebeu em 2004, além de diversas menções honrosas, o 2D dificilmente recuperará tão cedo o público que obteve anteriormente, nos tempos dos clássicos Disney. Ao menos não enquanto os espectadores continuarem empolgados com as novas possibilidades tecnológicas.
O mágico também é autorreferente quanto ao próprio Tati: além de o protagonista lembrar muito seu famoso personagem Monsier Hulot, uma breve cena do filme Meu tio aparece aqui numa citação discreta e saudosista.
No geral, podemos dizer que se trata de um filme adulto; triste, melancólico e reflexivo, acaba provocando meia dúzia de sorrisos constrangedores. Afinal, estamos falando de artistas rejeitados pelo público, lutando para não abandonarem as profissões pelas quais são apaixonadas.
Em resumo, o mágico protagonista parte da França atrás de novas plateias e acaba por descobrir uma garotinha que, em sua inocência, ainda acredita no ilusionismo. Mas o quadro logo se corrompe e as últimas esperanças se perdem.
“Mágicos não existem”, diz o bilhete que antecede o truque derradeiro. Então o mágico desaparece para nunca mais voltar. Uma inesperada atitude que abre nossos olhos para a realidade.
É mesmo um filme que fala muito, apesar de não ter diálogos explícitos – pois é, toda a comunicação se dá por murmúrios e expressões corporais. Vale muito a pena ver, especialmente quem nunca se deparou animações do gênero.
Talvez, por meio desta preciosa carta na manga, Chomet consiga lhe apresentar um mundo espetacularmente rico em mistérios e possibilidades, que às vezes é chamado de arte, às vezes de poesia e, às vezes, simplesmente de cinema – nomes que lhe cabem muito bem.
Site oficial: L'illusionniste